Open-access Efetividade do Sistema de Proteção Integral da Infância em mães e crianças vulneráveis

Resumos

OBJETIVO:  estabelecer a efetividade da oferta pública de benefícios e/ou de prestações do Programa Chile Cresce Contigo e a Rede Protege, em crianças e mulheres socialmente vulneráveis de um bairro da Região Metropolitana do Chile.

MÉTODO:  estudo descritivo, com a utilização de um questionário. A amostra foi constituída por 132 mães de 133 crianças e estratificada segundo grupos de vulnerabilidade social. A informação primária foi coletada através de uma entrevista estruturada às mães e complementada com dados das fontes secundárias institucionais. Realizaram-se análises descritiva e de associação.

RESULTADOS:  houve baixa percepção de vulnerabilidade social pelos profissionais quando do ingresso do controle. A efetividade dos benefícios universais e específicos foi baixa, com melhores resultados nas crianças e nas mães, contudo, não foram observadas diferenças significativas, segundo a vulnerabilidade. Outro resultado foi o baixo acesso aos benefícios específicos nas crianças com risco psicossocial e atraso psicomotor, especialmente no grupo mais vulnerável.

CONCLUSÃO:  os resultados mostram uma lacuna no acesso aos benefícios garantidos por lei. Para superar essa situação, as enfermeiras/os necessitam fortalecer competências nas práticas sanitárias contextualizadas e de gestão integrada nas redes interdisciplinares e intersetoriais.

Política Social; Assistência à Saúde; Vulnerabilidade Social; Saúde da Criança; Enfermagem


OBJECTIVES:  to establish the effectiveness of the public benefits and services of the "Chile Grows with You" and "Protect Network" programs for socially vulnerable women and children in an urban community in the Metropolitan Region of Chile.

METHOD:  Descriptive study employing a questionnaire. The sample consisted of 132 mothers and their 133 infants, all grouped according to social vulnerability. Primary data were collected via a structured interview of the mothers and were complemented with institutional (secondary) data. Descriptive and associative analyses were performed.

RESULTS:  the perception of social vulnerability by the professionals was low at the time of admission into the program. The effectiveness of the universal and specific benefits was low, with better results for the children than for the mothers. However, no significant differences were observed according to vulnerability. Another finding was the low access to specific benefits for children with psychosocial risk and psychomotor delay, especially in the most vulnerable group.

CONCLUSION:  the results revealed a gap in the access to the benefits guaranteed by law. To overcome this situation, nurses must strengthen their skills in contextualized health practices and the comprehensive administration of interdisciplinary and intersectoral networks.

Public Policy; Delivery of Health Care; Social Vulnerability; Child Health; Nursing


OBJETIVO:  establecer la efectividad de la oferta pública de beneficios y/o prestaciones del Programa Chile Crece Contigo y la Red Protege, en niños y mujeres socialmente vulnerables en una comuna urbana de la Región Metropolitana de Chile.

MÉTODO:  estudio descriptivo con uso de la técnica de la encuesta, la muestra constituida por 132 madres de 133 niños fue estratificada según grupos de vulnerabilidad social; la información primaria fue obtenida con una entrevista estructurada a las madres y complementada con datos de fuentes secundarias institucionales. Se calcularon estadísticas descriptivas y de asociación.

RESULTADOS:  hubo baja percepción de vulnerabilidad social de las diadas, por las profesionales al ingreso del control; la efectividad de beneficios universales y específicos fue baja, con mejores resultados en hijos que en madres, no obstante, no se observaron diferencias significativas según vulnerabilidad; un hallazgo fue la baja accesibilidad a beneficios específicos en niños con riesgo psicosocial y retraso del desarrollo psicomotor, especialmente en el grupo más vulnerable.

CONCLUSIÓN:  los resultados muestran una brecha en el acceso a beneficios garantizados por ley; para superar esta situación, las enfermeras/os requieren fortalecer competencias para prácticas sanitarias contextualizadas y de gestión integrada, en redes interdisciplinarias e intersectoriales.

Política Social; Prestación de Atención de Salud; Vulnerabilidad Social; Salud del Niño; Enfermería


Introdução

No Chile, o sistema de proteção social à criança vulnerável abrange um conjunto de benefícios e ações garantidos por lei, realizados por diversos organismos e atores do Estado e que incluem, entre outros, medições de produto relacionados à cobertura, foco e qualidade dos benefícios sociais( 1 ). O objetivo é garantir o desenvolvimento infantil inicial, especialmente no caso de crianças expostas a determinantes sociais tais como baixo nível de escolaridade dos pais, disfuncionalidade familiar, emprego precário, depressão materna, violência de gênero, apego desorganizado-evitativo e falta de estímulo( 2 - 5 ).

A análise feita na perspectiva dos determinantes sociais, econômicos, culturais e políticos tem possibilitado a compreensão do mecanismo que envolve os processos de produção das doenças que são geradas, independentemente da universalidade do acesso das pessoas aos sistemas de saúde( 6 - 9 ). Muitas evidências existentes indicam que: a) as circunstâncias sociais e econômicas dos indivíduos e dos grupos influem tanto ou mais no estado de saúde desses que a atenção à saúde e b) os determinantes sociais são os melhores preditores do estado de saúde e do estilo de vida individual e coletivo. No entanto, os determinantes sociais da saúde não se distribuem de modo homogêneo na população, mas interagem de modo complexo ao longo da vida toda e, consequentemente, determinam distribuição diferencial das condições de saúde que se manifestam em disparidades e desigualdades da mesma( 2 - 4 , 7 , 10 - 12 ).

Os fatores sociais estão fora do sistema de saúde, mas devem ser abordados de modo holístico para assegurar que as crianças tenham o melhor começo de vida quanto possível. Nesse contexto, a prática social em enfermagem é crucial para atribuir um significado essencial ao papel relevante que lhe corresponde nas sociedades com desigualdades estruturais profundas. Isso envolve garantir o direito de acesso aos benefícios da política social, cujo propósito essencial é mitigar o impacto negativo do contexto no desenvolvimento e bem-estar das crianças( 2 , 13 - 16 ).

No Chile, a política pública de proteção social oferece, a partir do Programa Chile Cresce Contigo (ChCC), equidade desde o começo da vida, através da oferta integrada de benefícios que reforçam a maternidade e o apego seguros, comunicação efetiva e orientações para a criação saudável como o seu componente fundamental( 17 - 18 ). O programa é aplicado a partir da gestação até os quatro anos de idade, e abrange todas as crianças de 40% dos lares e famílias mais pobres e vulneráveis, ou com necessidades especiais. Essa política foi desenhada sob a perspectiva dos direitos universais garantidos e. nela. a família, a rede social e a rede comunitária são os eixos centrais para o desenvolvimento infantil. Esse sentido integrador das políticas de proteção social tem determinado, nas instituições e equipes de trabalho dos setores envolvidos, a responsabilidade de gerenciar a implementação, financiamento, fornecimento e regulação do acesso aos serviços oferecidos, o que exige capacidades contextualizadas de resposta e novas formas de organização institucional( 18 - 20 ).

Por esse motivo, há a necessidade de a enfermagem refletir sobre uma prática sanitária proativa que assegure a qualidade, pertinência, integralidade e efetividade da gestão da política pública, a fim de diminuir as lacunas na equidade, especialmente no caso da população infantil mais vulnerável, onde a desigualdade se concentra( 21 ). A esse respeito, pergunta-se: qual é a efetividade do acesso à oferta pública dos benefícios do programa Chile Cresce Contigo e programas associados para as crianças e as mulheres vulneráveis? Para responder essa pergunta, foi realizado estudo descritivo, visando estabelecer a efetividade da oferta pública de benefícios e/ou de prestações do Programa Chile Cresce Contigo e da Rede Protege nas crianças e mulheres socialmente vulneráveis de uma comunidade urbana da Região Metropolitana do Chile.

Este estudo se justifica pela importância de se obter subsídios empíricos que permitam melhorar a implementação do programa estudado, reorientar a política social na área e reforçar a pertinência da prática social da profissão, dentro do contexto dos programas de saúde infantil.

Métodos

Trata-se de estudo descritivo, visando estabelecer o comportamento de um conjunto de variáveis consideradas relevantes para a pesquisa. A técnica utilizada foi a da enquete social. O universo do estudo consistiu de 1.514 mulheres (com recém-nascido/nascido vivo no momento do parto), atendidas nos centros de saúde da rede pública de uma comunidade urbana da Região Metropolitana do país, matriculadas no Programa Chile Cresce Contigo, no ano 2009, e classificadas como socialmente vulneráveis, de acordo com os critérios estabelecidos pelo Ministério de Planificação (Mideplan), por terem apresentado pontuação ≤11.734 na Ficha de Proteção Social (FPS). As pontuações ≤11.734 foram estratificadas em três grupos: vulnerabilidade extrema (≤4.213 pontos), vulnerabilidade moderada (4.214-8.500 pontos) e vulnerabilidade leve (8.501-11.734 pontos).

Foi utilizado um desenho amostral estratificado com afixação proporcional para representar com precisão as características da população e assegurar a participação dos elementos de cada estrato. Esses elementos são homogêneos no interior do estrato e heterogêneos a respeito do exterior do mesmo, de acordo com a pontuação de vulnerabilidade social. O tamanho da amostra foi estimado com base no pressuposto de variância máxima e confiança de 95%, erro estimado de 0,076 (7,6%) no nível da população inteira; 0,105 (10,5%) no nível do estrato 1, 0,133 (13,3%) no nível do estrato 2 e 0,186 no estrato 3. Durante o trabalho de campo, devido à ocorrência de registros não atualizados e inexatos de endereços, algumas unidades de análise foram substituídas com base nos registros dos centros de saúde, sempre observando os procedimentos amostrais por estrato.

O instrumento de medição foi aplicado em 132 mulheres. A unidade de análise foi o binômio (mãe/filho), sendo a mãe a informante. Uma das mulheres era mãe de gêmeos.

Para caracterizar a população, foi considerada a descrição de: variáveis individuais da mulher e da criança, incluindo dados biossociodemográficos, a condição biomédica e psicossocial, identificada durante o pré-natal, nascimento e no acompanhamento posterior da saúde da mulher e da criança. A respeito das mães, foi colhida informação acerca de sua idade, estado civil, nível educacional, tipo de atividade remunerada, contribuição à seguridade social, seguro social, chefia do lar, risco psicossocial, deficiência materna, idade gestacional na admissão no Programa Chile Cresce Contigo. A respeito das crianças, foram colhidos dados sobre o peso, estatura, sexo, Apgar no primeiro e no quinto minuto, idade gestacional ao nascer, deficiência, morbidade, defasagem ou atraso psicomotor, maus-tratos e vulnerabilidade social. Além disso, foram registrados os dados referentes à pessoa e grau de parentesco do cuidador e/ou à presença de progenitor no lar. As informações foram colhidas em entrevistas e completadas através de consulta a fontes secundárias, como a carteirinha de controle de saúde, as fichas do Programa Chile Cresce Contigo e os registros na Ficha de Proteção Social.

A efetividade do acesso aos benefícios e/ou a prestações foi analisada com base na caracterização das variáveis sobre os benefícios universais para a mulher e seu filho(a); os benefícios específicos recebidos quando a mulher e seu filho(a) cumpriram uma condição definida na normativa vigente do Programa Chile Cresce Contigo e benefícios integrados, recebidos quando a mulher cumpria uma condição de acesso definida na normativa vigente nos programas da rede social, associados ao Programa.

Fontes de informação: a informação primária foi obtida através da aplicação de uma entrevista estruturada às mães. A informação secundária foi obtida nos registros do programa Chile Cresce Contigo, da Ficha de Proteção Social e nos registros em cadernos de controle da saúde da mãe e da criança, a fim de corroborar as informações que a mãe não se lembrava com exatidão. Não foi solicitada autorização para a consulta às fichas clínicas.

Instrumento: entrevista estruturada com: a) 38 perguntas referentes aos dados biossociodemográficos da mulher, filho/filha e risco psicossocial e b) 47 perguntas referentes ao acesso aos benefícios universais, específicos e integrados recebidos pela mulher e seu filho(a), durante o período pré-natal, neonatal e infantil do programa Chile Cresce Contigo e programas associados.

A validade do instrumento de medição foi estabelecida através de análise de conteúdo ou validade de construto, que possibilitou estabelecer a relação das perguntas com os subsídios do marco de referência do estudo. A validade de conteúdo foi complementada pela opinião de expertos: foi solicitado a dois especialistas que revisassem as perguntas a fim de estabelecer a sua pertinência, com base nos subsídios conceptuais e metodológicos fornecidos pela equipe de pesquisadores.

Os dados foram coletados entre setembro de 2011 e janeiro de 2012 pelas pesquisadoras, através de entrevista direta com as mães nos centros de saúde ou no seu lar. As entrevistas aplicadas nos centros de saúde foram realizadas num espaço reservado, o que possibilitou a privacidade necessária para controlar o viés resultante da aplicação fora do lar. A participação das mães foi voluntária, cuja decisão, para participar ou não, foi tomada depois de os objetivos e os procedimentos do estudo terem sido explicados e a privacidade e confidencialidade asseguradas. As mães assinaram, então, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Enfermagem, Registro L1/CECENF/14, e autorizado pela Corporação Municipal de Desenvolvimento Social.

Foram configuradas bases de dados brutos e derivados que foram processados e analisados, utilizando-se os programas informáticos SPSS e Excel. A descrição foi feita através de medidas resumo descritivas de posição e dispersão, de acordo com o tipo de variável. O teste qui-quadrado e/ou exato de Fisher foram utilizados nas comparações, associações, diferenças e correlações, e ANOVA foi utilizada na comparação da variância, com nível de significância de p<0,05.

Resultados

Os dados dos binômios mãe/filho(a) mostraram maior proporção de determinantes desfavoráveis nos grupos com vulnerabilidade social extrema e moderada, embora as diferenças não fossem significativas (p≥0,05). Uma em cada duas mulheres era solteira, com menos de 12 anos de escolaridade (50,0, 40,9 e 33,4%, respectivamente) e uma em cada três exercia atividade remunerada. A cobertura do seguro social e do seguro saúde não apresentou 100% em nenhum dos três grupos.

Nos recém-nascidos/lactentes com vulnerabilidade extrema e moderada, foi identificada maior incidência de baixo peso ao nascer (8,5 e 9,3%), prematuridade (11,3, 9,1 e 5,6%), atraso (11,3 e 6,8%) e defasagem no desenvolvimento (16,9 e 9,1%). Em cada duas ou três crianças, um progenitor estava presente no lar (p≥0,05). O aleitamento materno exclusivo durou mais de seis meses, especialmente no grupo com vulnerabilidade extrema (87,5, 77,3 e 50,0%, p<0,05). Nos três grupos, o admissão no programa de controle de saúde infantil ocorreu cedo e com boa aderência, o que representa condição favorável para oferta de benefícios pelo programa Chile Cresce Contigo (p≥0,05).

Nos binômios mãe/filho(a) observou-se alta proporção de riscos biomédicos e psicossociais, sendo a situação do grupo com extrema vulnerabilidade a mais desfavorável (p≥0,05). As causas maternas foram problemas de saúde mental, conflitos com a maternidade, abuso de substâncias e violência de gênero. As crianças vivem em ambientes familiares com alta incidência de problemas de saúde mental, violência intrafamiliar, abuso de drogas e cuidado infantil inseguro (Tabela 1). As profissionais apresentaram baixa percepção da vulnerabilidade social dos binômios mãe/filho(a) quando da admissão no programa de controle da saúde, o que torna a vulnerabilidade invisível.

Tabela 1
Dados sobre o risco biomédico e psicossocial e causas do risco psicossocial de recém-nascidos/lactentes e suas mães, de acordo com a vulnerabilidade social indicada pela pontuação na Ficha de Proteção Social

A efetividade da transferência de benefícios/prestações universais para os binômios mãe/filho(a) não foi de 100%, sendo os resultados das crianças (66,1, 69,5 e 58,7%, p≥0,05) melhores que aqueles das mães (55,8, 54,2 e 54,8%, p≥0,05) (Figura 1). A efetividade dos benefícios específicos foi baixa (menos de 30%), especialmente nos recém-nascidos/lactentes. Constatou-se que a situação das mães era levemente melhor (34,7, 37,2 e 38,8%, p≥0,05) (Figura 1).

Figura 1
Proporção da transferência de benefícios universais e específicos do Sistema de Proteção Integral (Chile Cresce Contigo), efetivamente recebidos pelas mães e recém-nascidos/lactentes, de acordo com a vulnerabilidade social. Diferenças estatísticas não significativas (p≥0,05)

O ponto crítico da transferência de benefícios universais foi a baixa taxa de participação nas oficinas educativas e na entrega de recursos de reforço da maternidade e do apego seguro (31,4, 22,7 e 27,8%, respectivamente, p≥0,05), cujo propósito é fomentar um estilo de vida saudável durante a gravidez e o nascimento, promovendo a participação do pai e da família, a fim de assegurar vínculo seguro à criança por nascer.

A baixa transferência de benefícios de apoio à criação repetiu-se nos recém-nascidos/lactentes, porque, nos três grupos, só uma em cada duas mães participou das oficinas educativas, com entrega parcial dos materiais de orientação sobre desenvolvimento infantil.

Embora a organização do Programa Chile Cresce Contigo esteja baseada nas crianças mais vulneráveis, a efetividade observada nas transferências universais e específicas nos binômios com risco psicossocial vai de encontro a essa intenção. A realidade mostrou acesso variável entre 57,1 e 73,8% nos benefícios universais, e de apenas de 18 a 22% nos benefícios específicos para as crianças (p≥0,05). Nas mães com risco psicossocial, o acesso aos benefícios universais não ultrapassou 60%, e aquele dos específicos 40%, sendo que, assim, a situação das mães era melhor que a dos filhos (p≥0,05) (Figura 2).

Figura 2
Proporção da transferência de benefícios universais e específicos do Sistema de Proteção Integral (Chile Cresce Contigo), efetivamente recebidos pelas mães e recém-nascidos/lactentes com risco psicossocial, de acordo com a vulnerabilidade social.

Mais preocupante foi a situação das crianças diagnosticadas com atraso ou defasagem do desenvolvimento, nas quais a efetividade máxima dos benefícios universais foi 78,6%, e 26,7% aquela dos específicos. A situação mais desfavorável foi apresentada pelas crianças com atraso do desenvolvimento psicomotor no grupo mais vulnerável (Figura 3).

Figura 3
Proporção da transferência de benefícios universais e específicos do Sistema de Proteção Integral (Chile Cresce Contigo), efetivamente recebidos pelas crianças com atraso ou defasagem no desenvolvimento, de acordo com a vulnerabilidade social

Outro ponto crítico no fornecimento dos benefícios específicos foi o acompanhamento social fornecido pelas equipes do programa psicossocial e dos programas da rede social, especialmente no caso dos problemas de saúde mental, violência, dependência de drogas e conflitos com a maternidade. Nas crianças, a realidade revelou desproteção, porque a gestão do cuidado não focou os grupos expostos a determinantes adversos e, portanto, a oportunidade para corrigir dificuldades no desenvolvimento infantil foi menor.

Finalmente, a efetividade dos benefícios integrados para as mães foi insuficiente, porque poucas mulheres tiveram oportunidades de melhorar a sua situação educacional e empregatícia, assim como a atenção à saúde por problemas de saúde mental e de disfunção familiar (Tabela 2). Apenas 4,8% das mães com vulnerabilidade extrema relataram terem sido incluídas no programa Chile Solidário.

Tabela 2
Benefícios integrados transferidos às mães que cumpriram a condição indicada, de acordo com a vulnerabilidade social estabelecida pela pontuação na Ficha de Proteção Social, 2009

Discussão

Os países com altos índices de desigualdade, como é o caso do Chile, precisam incorporar políticas públicas de proteção social como resposta para corrigir a pobreza e a vulnerabilidade resultante( 18 - 20 ). Os resultados apresentados no presente trabalho demonstram a precariedade das condições de vida de mães e filhos(as) e a lacuna entre os resultados esperados e os observados no acesso aos benefícios e/ou às prestações garantidos por lei( 1 ).

Embora as crianças e suas mães começassem cedo o programa de controle da saúde com boa aderência, e os profissionais aplicassem protocolos de triagem para riscos e problemas psicossociais, não se observou a gestão oportuna e focalizada necessária para assegurar o acesso aos benefícios relacionados à prevenção de problemas de saúde e de proteção do desenvolvimento, para todas as crianças e mulheres com risco psicossocial, de acordo com as recomendações da literatura revisada( 18 - 21 ). Isso é relevante, porque o programa Chile Cresce Contigo disponibiliza um conjunto de benefícios a partir da gravidez, cujo objetivo é estimular bem cedo os vínculos afetivos entre a criança e seus cuidadores primários, a fim de produzir ambiente de criação baseado no apego seguro como elemento fundamental em cada etapa do desenvolvimento infantil( 3 ). O foco insuficiente no fornecimento dos benefícios às crianças em situação de risco psicossocial é um indicador da invisibilidade da gestão das profissionais de enfermagem, na articulação das redes social, familiar e comunitária, como recursos de apoio para reforçar e fortalecer as competências parentais e, assim, prevenir problemas no desenvolvimento infantil( 22 ).

As explicações para a baixa efetividade observada podem estar centradas em: a) as expectativas da proteção social na infância, a respeito do programa abordado, foram ambiciosas demais para sua implementação, que já é muito complexa per se, dadas as condições de vulnerabilidade existentes, b) a política não tem funcionado eficazmente devido às falhas em sua implementação e à cultura tradicional em saúde, que não tem ultrapassado a abordagem biomédica. Assim, os profissionais da saúde não teriam a capacidade de resposta necessária para fazer frente à complexidade dos contextos sociais( 22 ), c) a literatura revisada indica que a abordagem dos determinantes e direitos sociais que permitem promover a gestão, de modo pertinente e oportuno, ainda não tem sido incorporada à prática sanitária( 22 - 23 ) - a pouca percepção da vulnerabilidade social dos binômios mãe/filho(a) pelas profissionais obstetras e enfermeiras é uma dificuldade que limita a aplicação da abordagem dos determinantes e direitos sociais garantidos( 22 ), d) a presença de prática sanitária e de gestão operativa segmentadas e fragmentadas, tanto nos programas de saúde quanto nos programas sociais, limita a construção de soluções integradas, onde a coordenação, cooperação e colaboração entre os setores sociais é essencial( 2 , 19 , 22 , 24 ). De acordo com a literatura, a fragmentação é o coração da falta de efetividade, porque determina uma escassa vinculação entre os sistemas de saúde e os sistemas sociais( 19 , 24 ).

A política de saúde indica que são necessárias mudanças nos modelos e processos do "como fazer, com o que, com quem", porque, atualmente, são enfrentados cenários de transformações sociais profundas e complexas, geradores de vulnerabilidade social e demanda por serviços sociais e de saúde em aumento( 2 , 25 ). É difícil ultrapassar essa situação, porque as melhores práticas para uma gestão integrada requerem articular as atividades e relações fluidas entre disciplinas, profissões, departamentos, instituições e organizações( 19 , 23 ). É desse modo que a ambivalência nas responsabilidades e a segmentação institucional, na execução da política de proteção social, podem ser ultrapassadas( 20 , 22 ).

Conclusão

Os dados obtidos e os subsídios conceituais permitem apontar que, para se aumentar a efetividade das políticas de proteção integral, destinadas a compensar as desigualdades sociais e a ultrapassar as inequidades em saúde, em períodos tão sensíveis como a maternidade e a infância, é necessário tornar a vulnerabilidade social visível, a fim de materializar ações que facilitem o desenvolvimento social e pessoal das crianças e melhorem as habilidades parentais, assim com a resiliência dos cuidadores primários.

Os resultados mostram um grupo de mães e crianças com determinantes sociais adversos e acesso limitado aos benefícios sociais, o que constitui uma dificuldade para a promoção da maternidade segura, da criação saudável e do desenvolvimento integral da criança. Esses aspectos levam à reflexão pertinente acerca da relevância do papel da disciplina de enfermagem no cuidado à saúde como prática social, especificamente na atenção primária à saúde, que representa um espaço estratégico para se assumir o compromisso social e ético de liderar a vigilância e a monitorização do acesso aos benefícios das políticas sociais. Depois que essa prática se materializar, será possível progredir na diminuição das lacunas e inequidades na construção das bases de uma saúde para a vida toda.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sept-Oct 2013

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2012
  • Aceito
    22 Abr 2013
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