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A segurança do paciente nas circunstâncias de cuidado: prevenção de eventos adversos na hospitalização infantil

Resumos

Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa do tipo estudo de caso, cujo objetivo foi analisar como as acompanhantes/cuidadoras e profissionais da saúde reconhecem os eventos adversos nas circunstâncias de cuidado. Foi realizada com 15 acompanhantes/cuidadores e 23 profissionais da saúde das unidades de internação pediátrica de um hospital-escola de Porto Alegre, RS, Brasil, no período entre agosto e dezembro de 2010. A entrevista semiestruturada foi utilizada na coleta das informações, sendo submetida à técnica da análise temática com apoio do software QSR Nvivo, versão 7.0. A análise das informações evidenciou sete categorias temáticas. Nos resultados, destacam-se a revisão e conferência permanentes em qualquer intervenção do profissional e o processo de comunicação efetivo profissional/acompanhante/criança. O estudo traz como principais recomendações as mudanças na cultura organizacional das instituições de saúde para uma cultura de segurança, com ênfase no cuidado seguro em saúde e visão sistêmica na avaliação da ocorrência de eventos adversos.

Segurança; Criança Hospitalizada; Erros Médicos; Cuidadores; Profissionais da Saúde


This case study with a qualitative approach presents an analysis of the perceptions of family caregivers/companions and health workers concerning adverse events in care contexts. A total of 15 companions and 23 health workers from pediatric hospitalization units of a university hospital in Porto Alegre, Brazil participated in this study from August to December 2010. Data were collected through semi-structured interviews and analyzed through thematic content analysis using QSR's Nvivo version 7.0. Seven thematic categories emerged from the analysis. The results highlight reviewing and checking workers' interventions and implementing effective communication among workers, caregivers and children. The main recommendations concern changing the organizational culture of health facilities, emphasizing safe care and a systemic view of the evaluation of adverse events.

Safety; Hospitalized Child; Medical Errors; Caregivers; Health Personnel


Se trata de una investigación estudio de caso cualitativo, cuyo objetivo fue analizar cómo las acompañantes/cuidadoras y profesionales de salud reconocen los eventos adversos en las circunstancias de cuidado. Fue realizada con 15 acompañantes/cuidadores y 23 profesionales de salud de las unidades de internación de pediatría de un hospital-escuela de Porto Alegre, Brasil entre agosto y diciembre de 2010. Entrevista semi-estructurada fue utilizada para la recolección de las informaciones, siendo sometidas a análisis temático con apoyo del software QSR Nvivo 7.0. El análisis de las informaciones dejó en evidencia siete categorías. Los resultados sugieren la revisión y control permanente en cualquier intervención del profesional y el proceso de comunicación efectivo profesional-acompañante-niño. El estudio trae como recomendaciones los cambios en la cultura organizacional de las instituciones de salud para una cultura de seguridad, con énfasis en el cuidado seguro y visión sintética en la evaluación de la ocurrencia de eventos adversos.

Seguridad; Niño Hospitalizado; Errores Médicos; Cuidadores; Personal de Salud


ARTIGO ORIGINAL

A segurança do paciente nas circunstâncias de cuidado: prevenção de eventos adversos na hospitalização infantil1

Wiliam WegnerI; Eva Neri Rubim PedroII

IPhD, Professor Titular, Centro Universitário Metodista IPA, Brasil

IIPhD, Professor Associado, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

Se trata de una investigación estudio de caso cualitativo, cuyo objetivo fue analizar cómo las acompañantes/cuidadoras y profesionales de salud reconocen los eventos adversos en las circunstancias de cuidado. Fue realizada con 15 acompañantes/cuidadores y 23 profesionales de salud de las unidades de internación de pediatría de un hospital-escuela de Porto Alegre, Brasil entre agosto y diciembre de 2010. Entrevista semi-estructurada fue utilizada para la recolección de las informaciones, siendo sometidas a análisis temático con apoyo del software QSR Nvivo 7.0. El análisis de las informaciones dejó en evidencia siete categorías. Los resultados sugieren la revisión y control permanente en cualquier intervención del profesional y el proceso de comunicación efectivo profesional-acompañante-niño. El estudio trae como recomendaciones los cambios en la cultura organizacional de las instituciones de salud para una cultura de seguridad, con énfasis en el cuidado seguro y visión sintética en la evaluación de la ocurrencia de eventos adversos.

Descriptores: Seguridad; Niño Hospitalizado; Errores Médicos; Cuidadores; Personal de Salud.

Introdução

Tem-se observado que a atenção em saúde envolve inúmeras circunstâncias que podem comprometer a segurança da criança e do acompanhante. Os eventos adversos aguçam temáticas nos serviços de atenção à saúde, as quais são pouco discutidas e contextualizadas - por ser assunto de difícil abordagem - e, muitas vezes, tratadas de forma velada pelos profissionais e até mesmo pelos usuários.

Na literatura e na prática cotidiana, reconhecem-se circunstâncias que relacionam os eventos adversos que culminam em erros na atenção em saúde. Erros que têm gerado milhões de mortes no mundo inteiro. No ano 2004, foi criada a Aliança Mundial para Segurança do Paciente pela Organização Mundial de Saúde (OMS), com o objetivo principal de mobilizar esforços globais na segurança do cuidado em saúde para todos os pacientes(1).

Entende-se por segurança do paciente a redução ao mínimo aceitável do risco de danos desnecessários, durante a atenção à saúde. Essas estratégias buscam evitar, prevenir e minimizar os resultados provenientes de eventos adversos decorrentes das práticas de atenção em saúde associadas ao cuidado(2-3). Os eventos adversos são injúrias causadas pelo cuidado do profissional da saúde por fatores não relacionados à doença de base do paciente, podendo prolongar a hospitalização ou modificar o tratamento proposto inicialmente(2-4).

Ocultar os erros é, por si só, situação que envolve várias consequências, que podem ser mediatas ou imediatas, e comprometer um tratamento. A experiência profissional, no contexto de cuidado pediátrico, permite referir que isso acontece na prática do cuidado em saúde e não é incomum, já que é mais fácil esquecer ou negar do que se responsabilizar diante das ações que não se desenvolveram conforme o planejado. A partir do momento em que se materializa a possibilidade de erros ocorrerem, minimizam-se as críticas estéreis sobre a personalização individual dos eventos adversos.

Em estudo, realizado pela Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, identificou-se prevalência entre 3 e 16% de pacientes que sofrem eventos adversos resultantes de cuidados médicos não seguros nas suas hospitalizações. A abrangência dessas circunstâncias foi verificada em todos os países, fossem eles desenvolvidos, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, sendo que a maioria dos dados é proveniente de nações desenvolvidas. Acredita-se que, em países pobres, esses resultados sejam imensamente piores e com menores perspectivas de solução(5).

A questão de pesquisa que orientará o estudo é: como e por que as circunstâncias de cuidado predispõem a criança hospitalizada a eventos adversos, comprometendo sua segurança e proteção?

A tese na qual este estudo se apoia é de que as circunstâncias de cuidado predispõem a criança hospitalizada a eventos adversos nos cenários de atenção à saúde, o que interfere na segurança do paciente.

Neste estudo, as circunstâncias de cuidado foram as ações realizadas por/para alguém no contexto de um serviço de saúde. Tais ações caracterizam o atendimento e as intervenções realizadas pelos profissionais envolvidos. Essa concepção foi proposta e caracterizada na assistência à saúde, para além de procedimentos e intervenções técnicas específicas no paciente, ampliando para as relações, as rotinas, o plano de desenvolvimento institucional, o planejamento estratégico, objetivando visão sistêmica e processual de todos os elementos que constituem a relação de cuidado. As circunstâncias de cuidado envolvem a ação propriamente dita (intervenção, procedimento, conduta), a equipe (profissionais), o paciente (criança/acompanhante/família), o contexto (processos de trabalho, corporações, regimentos/regras, cultura hospitalocêntrica) e o cenário (hospital, unidade de internação). Esses elementos das circunstâncias de cuidado deveriam contribuir e influenciar o cuidado seguro na atenção à saúde, mas sabe-se que existem assincronias/desvios que materializam os erros nesse arcabouço sistêmico que constitui a segurança do paciente(6).

O objetivo geral deste estudo foi analisar como as acompanhantes/cuidadoras e profissionais da saúde reconhecem os eventos adversos nas circunstâncias de cuidado.

Metodologia

A abordagem teórico-metodológica utilizada nesta pesquisa foi qualitativa e o desenho de pesquisa eleito foi o estudo de caso do tipo exploratório. O estudo de caso, enquanto desenho de pesquisa, é a análise sistemática de múltiplas formas de informação que possibilitam alcançar a compreensão de um dado contexto e daqueles inseridos nele. Permite preservar as características significativas, holísticas e integrais dos acontecimentos da vida real quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos(7).

A unidade de análise deste estudo de caso foram as circunstâncias de cuidado presentes no contexto das crianças hospitalizadas na instituição.

O estudo foi desenvolvido no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), nas Unidades de Internação Pediátrica 10º Norte, 10º Sul e 3º Leste. As unidades pesquisadas apresentam 96 leitos destinados à atenção em saúde de crianças com os mais variados problemas.

Os participantes do estudo foram 23 profissionais da saúde dos serviços selecionados e 15 acompanhantes/cuidadores de crianças. A seleção de todos os participantes foi intencional. As enfermeiras de cada turno auxiliaram na indicação dos potenciais participantes. A coleta das informações aconteceu no período de agosto a dezembro de 2010.

A coleta de informações foi conduzida a partir de uma entrevista semiestruturada. Foram elaborados dois roteiros contendo as questões norteadoras do estudo. Os dois roteiros foram elaborados com base nas questões de pesquisa, direcionadas aos acompanhantes e profissionais da saúde envolvidos nas circunstâncias de cuidado, buscando compreender o fenômeno em investigação.

Os dados gerados da etapa anterior foram transcritos e operacionalizados mediante a análise de conteúdo do tipo temática(8). Também foi previsto e utilizado o uso do software QSR Nvivo, versão 7.0, como ferramenta para a organização das informações.

Os preceitos bioéticos foram respeitados e seguidos de acordo com Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi avaliado e aprovado pela Comissão Científica e Comissão de Pesquisa e Ética em Saúde do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, sendo aprovado sob número 100085, previamente ao início da coleta de dados. Os participantes foram esclarecidos de que a participação era de caráter voluntário, podendo haver a desistência em qualquer uma das etapas propostas, sem que essa decisão causasse ônus a si ou à criança em tratamento, ou mesmo interferência nas atividades dos profissionais envolvidos, tendo sido assinado o termo de consentimento livre e esclarecido. No texto, os fragmentos das acompanhantes apareceram codificados pela letra A, seguida de um algarismo numérico para indicar a ordem de participação, por exemplo, A1=Acompanhante 01. Já os profissionais foram codificados pela letra P, por exemplo, P5=Profissional da Saúde 05.

Resultados

O processo de análise e interpretação dos dados evidenciou sete categorias temáticas que foram desenvolvidas para confirmar e sustentar a tese deste estudo. As três primeiras foram construídas a partir do material empírico coletado junto às acompanhantes/cuidadoras.

O estudo teve 38 participantes, dos quais 15 eram acompanhantes/cuidadoras da criança hospitalizada e 23 eram profissionais da saúde. Em relação às acompanhantes, destaca-se que são mães com dificuldades socioeconômicas e que vivenciam desigualdades relacionadas à educação, ao acesso a serviços básicos e ao mercado de trabalho. Quanto às crianças, as suas peculiaridades possibilitam afirmar que poderão ser usuárias constantes dos serviços de saúde e com grande predisposição a problemas relacionados ao processo de crescimento e desenvolvimento, conferido pela condição crônica da doença e por questões contextuais da família cuidadora. Entre os profissionais da saúde, é possível constatar que é um grupo experiente, maduro e qualificado para assistir a criança hospitalizada.

A primeira categoria, intitulada os eventos adversos identificados nas circunstâncias de cuidado pela acompanhante da criança hospitalizada, descreve as principais falhas identificadas pelas mães na hospitalização do seu filho. Verificou-se maior preocupação com o processo medicamentoso, o qual pode trazer sérias limitações para a recuperação da saúde e, ainda, agravar o seu estado de saúde. O relato abaixo exemplifica isso.

Ela [técnica] deu remédio de vermes pra minha filha e não anotou na planilha, e depois a outra que chegou trocou o plantão e deu o remédio de novo, mas a culpa não foi da que deu de novo, mas sim da que não anotou. Eu anotei o nome dela pra fazer essa crítica (A12).

Além disso, foram considerados eventos adversos na percepção das acompanhantes/cuidadoras: a comunicação frágil, a imprecisão nos diagnósticos médicos e na realização de procedimentos invasivos, a descompensação da criança na execução de procedimentos, o exame físico superficial, a contaminação da criança pelo profissional, o número insuficiente de trabalhadores, a identificação incorreta da criança, a realização de cuidados de competência dos profissionais pela acompanhante e a exaustão/cansaço da acompanhante/cuidadora.

Na segunda categoria, o cuidado seguro na ótica da acompanhante da criança hospitalizada, foram listadas as estratégias para cuidado seguro. Observou-se que as tecnologias leves têm se destacado como elemento central no processo de trabalho em saúde, mas as tecnologias leve-duras e duras são complementares, fortalecendo a segurança do paciente. As intenções dos profissionais da saúde, aliadas à comunicação efetiva, são imprescindíveis para a qualidade do cuidado à criança hospitalizada. Da mesma forma, o atendimento individual, o acesso e o entendimento das informações sobre o estado de saúde da criança, as intervenções com qualidade e pontualidade, a rigorosa higienização de mãos e equipamentos, o trabalho em equipe com visão crítica e o bom senso permeiam cuidado seguro na ótica das acompanhantes/cuidadoras. A participante, a seguir, contextualiza o processo de comunicação efetivo

A atenção dos enfermeiros, a atenção dos médicos, de toda a equipe, não tem o que se queixar e qualquer coisa que a gente precise eles tão atentos pra nos responder, satisfazer nossas perguntas, o que a gente precisa (A5).

Na terceira categoria, o papel da acompanhante na segurança da criança hospitalizada, delineiam-se as atribuições que deveriam ser direcionadas para a cuidadora leiga, destacando-se a fiscalização e a vigilância dos cuidados prestados como principal papel. O compartilhamento de cuidados básicos de higiene/conforto e alimentação com a supervisão e a orientação da equipe de enfermagem é uma realidade requerida pelas mães que buscam o envolvimento e a participação nos cuidados com o filho, mas isso não pode isentar ou substituir a equipe de enfermagem. Uma mãe enfatiza que a vigilância, a fiscalização da acompanhante, é essencial, durane a hospitalização do filho.

É fiscalizar. Porque eu fiscalizo muito, eu olho o que tu tá botando ali... qual remédio que tu vai dar agora? Mas por quê? Porque muitas vezes aconteceu da pessoa vir aí e tá fazendo um procedimento errado, que eu tô vendo que tá errado, que foi dito que era de outro jeito..., olha, não é assim! Mas por quê?Porque a outra não fez assim [...] não é assim que nem eu vou faze?...Aí eu digo: não, vai lá te informar (A4).

A capacidade de observar, oferecer proteção e amparo à criança e ser questionadora são atitudes proativas das mães no processo de comunicação com os profissionais. A presença da acompanhante/cuidadora foi considerada requisito para o desenvolvimento de uma cultura de segurança do paciente no contexto da hospitalização infantil por todos esses papéis identificados.

A quarta categoria - hospital: cenário de segurança para a criança? - questiona sobre as necessidades de hospitalização e quais as indicações para que a criança seja encaminhada a esse cenário de cuidado. A presença de uma equipe multiprofissional e o trabalho interdisciplinar, desenvolvido por essa, são elementos que tornam o hospital ambiente seguro para a atenção à saúde. O profissional a seguir destaca a equipe multiprofissional e a preocupação do hospital com a segurança do paciente.

Sim, considero seguro. Apesar de ser seguro podem acontecer coisas que possam prejudicar esta segurança do paciente, mas na maior parte do tempo é seguro pelos profissionais que tem [...] a gente procura ter muita atenção com os pacientes para que não ocorram erros, embora possa acontecer (P13).

A quinta categoria, os eventos adversos na ótica dos profissionais da saúde, descreve as principais circunstâncias que levam à ocorrência de erros no cuidado à saúde da criança hospitalizada. Os participantes inicialmente formulam uma concepção de evento adverso, conceituando-o como uma falha na assistência ou na ação terapêutica proposta pelo profissional. Os eventos adversos exemplificados podem ser subjetivos e objetivos, sendo os últimos os mais frequentemente relatados. O relato abaixo apresenta a compreensão sobre evento adverso, relacionando-o à falha na assistência à criança.

Evento adverso para mim é uma situação em que ocorre uma falha, né? Ou porque não estava previsto [...]. E também as falhas humanas, digamos assim. [...] Eu entendo isso como evento adverso, sejam as reações, as intercorrências dos cuidados que a gente presta, causando um resultado que não é o esperado ou estas situações em que a gente acaba cometendo alguma falha (P8).

O processo medicamentoso foi o mais evidente. Os erros de medicação foram confirmados pelos profissionais como aqueles geradores de elevada preocupação, da mesma forma que destacaram as acompanhantes/cuidadoras. O uso indiscriminado de antimicrobianos, a realização de procedimentos invasivos, o manuseio de materiais médico-hospitalares, as quedas ao solo, as características do crescimento e do desenvolvimento infantil, as restrições no controle de infecção hospitalar, a quantidade insuficiente de profissionais e a sobrecarga de trabalho, o processo de comunicação profissional/acompanhante/criança equivocado e deficitário e a exígua estrutura disponível para a presença da acompanhante foram concebidos como eventos adversos na ótica dos profissionais da saúde. Os erros no processo medicamento foram os mais comentados, conforme o depoimento a seguir.

[...] Tanto com uma dose errada, de uma via de administração errada, a velocidade de uma medicação, por exemplo, uma administração de medicação rápida pode dar uma depressão respiratória, as trocas de medicamentos entre pacientes que são muito parecidos [...] (P23).

Ainda, na quinta categoria, a subcategoria ações dos profissionais da saúde frente ao evento adverso aponta os encaminhamentos que são dados em caso de eventos adversos. A comunicação do erro para a equipe de saúde foi a principal conduta exposta. A cultura punitiva vem sendo abolida e substituída pelo diálogo e pela orientação do profissional, demonstrando que a noção de falha individual predomina ante a concepção processual e sistêmica. A interrupção do evento adverso e a intervenção imediata são condutas praticadas pelos profissionais para minimizar os prejuízos das falhas cometidas. A notificação e o registro dos erros conjuntamente com a análise coletiva da sua ocorrência poderiam ser estimulados para o desenvolvimento de a cultura de segurança do paciente. A fala abaixo exemplifica a conduta adotada pela maioria dos profissionais investigados.

Eu, graças a Deus, nunca tive nenhum erro. Mas eu tive uma colega que era bem próxima e acho que é a pior coisa que tem. Me coloquei no lugar dela... Mas acho que ela fez o correto, que foi ter percebido o que ela fez. Não teve medo, comunicou a enfermeira, comunicou o médico e deu pra arrumar uma conduta rápida e reverter. [...] a gente tem que dar apoio, dizer que fez o correto [...] (P5).

A penúltima categoria - cuidado seguro: estratégias utilizadas pelos profissionais da saúde - apresenta as táticas empregadas pelos profissionais para um cuidado seguro. Destaca-se que a revisão e a conferência podem ser aplicadas a qualquer conduta do profissional. A concentração e a cautela, somadas às anteriores, potencializam a assistência segura. Um participante sintetiza bem essas estratégias, a seguir.

Geralmente a gente previne, né? Quando tenho de prescrever alguma coisa sempre recalculo várias vezes pra ver se não tem erro. Na hora de dar, calculo de novo e sempre reviso o medicamento pra ver a dose [...] por isso tem que revisar pra ver se é o paciente certo mesmo, conferir o prontuário (P19).

A sétima e última categoria, por uma cultura da segurança do paciente: propostas educativas, foi a mais complexa e difícil, por se tratar das transformações e dos desafios para as organizações que almejam a segurança do paciente. O reconhecimento e a identificação dos erros foram considerados os primeiros passos para o desenvolvimento de uma cultura de segurança do paciente, além da possibilidade de se ter o erro como uma fonte de ensinamentos. É essencial desconstruir a noção de que a falha é individual, ampliando o enfoque da equipe/coletividade como corresponsável pelo evento adverso. A transposição do modelo biomédico para a integralidade da atenção é vista como alternativa para o crescimento de uma cultura de segurança. A concepção de equipe e trabalho coletivo foi característica identificada para o desenvolvimento de uma cultura de segurança.

Acho que é uma questão de toda a equipe estar unida e, numa situação, toda a equipe deve avaliar e chegar num contexto, numa conclusão. Tu sempre podes melhorar, eu acho. Mas depende da equipe inteira, porque é uma unidade onde várias pessoas trabalham e são responsáveis por toda a segurança da unidade, do paciente (P7).

Houve uma subcategoria, educação para a segurança do paciente, que problematizou as estratégias e as possibilidades para se discutir a temática na formação e na capacitação dos profissionais. A educação permanente em saúde foi apontada como proposta pedagógico-metodológica para (re)orientar os trabalhadores na saúde. As rodas de conversa foram mencionadas como estratégias que poderiam problematizar o tema segurança do paciente.

É uma temática nova, como tu falou, é uma preocupação constante. Como é o momento de a gente conversar sobre este assunto, nós temos feito no hospital rodadas de conversas sobre algum assunto, ouvir o que cada um teria de sugestão. Uma coisa educativa seria promover palestras, mostrar a importância da segurança da criança. [...] conversando em grupos, trocando experiências [...] (P2R2).

A temática da segurança do paciente nos currículos das profissões da saúde poderia ser discutida como tema transversal na atenção à saúde. Os programas de certificação e qualidade podem colaborar na instituição de uma cultura de segurança do paciente, a partir da implementação de diretrizes e protocolos necessários a esse processo. A produção do conhecimento e o consumo de pesquisas sobre a segurança do paciente subsidiarão a socialização e a expansão do assunto em todos os contextos da sociedade contemporânea.

Discussão

Vários estudos têm apresentado a incidência de eventos adversos nas práticas do cuidado em saúde no âmbito internacional(1,9-11). As especificidades dos estudos dificultam muitas comparações ou replicações em múltiplos contextos, mas todos apresentam conclusões similares relacionadas à prevenção dos eventos adversos(9).

Para a qualidade da atenção em saúde à criança hospitalizada, é imperativo que os profissionais envolvidos reflitam sobre a sua práxis, reorganizando seu processo de trabalho, tanto em questões individuais quanto coletivas. A evolução da assistência à criança tem possibilitado avanços, como a inclusão da família, a concepção do ser social criança, o desenvolvimento dos serviços de saúde e das ciências sociais, a problematização do crescimento e desenvolvimento infantil, entre outros. O acolhimento, o vínculo, a resolutividade, o trabalho em equipe e a política de humanização da assistência são elementos caracterizadores da integralidade da atenção em saúde, a qual deve ser o pressuposto norteador das ações que garantam a proteção da criança hospitalizada(12-13).

No Brasil, os estudos envolvendo os erros de medicação são os de maior destaque na enfermagem, que está assumindo o papel de precursora nas discussões sobre a segurança do paciente. Porém, os estudos sobre os eventos adversos, envolvendo medicação, abordam várias etapas desse processo e incluem nos resultados outros atores envolvidos, como o farmacêutico, o médico, o técnico de farmácia, entre outros(14-15). A complexidade que envolve o processo da medicação, desde a prescrição até a administração, necessita ser revista pelos profissionais da saúde, pois é atividade exclusiva desses, a qual exige precisão, responsabilidade e conhecimento científico para que não ocorram eventos adversos.

Uma pesquisa quase-experimental, realizada em três unidades pediátricas de um hospital universitário da cidade de São Paulo, propôs um algoritmo que sugere a estratégia dos sete certos como metodologia para prevenção de erros: além da confirmação dos cinco certos (Paciente, Leito, Fármaco, Horário, Via), a inclusão da Orientação Certa e da Documentação Certa. Esse estudo demonstrou diminuição na incidência de erros de medicação, porém, teve baixa adesão da equipe de enfermagem à proposta educativa(16).

A comunicação entre profissional da saúde/paciente/família vem apresentando inúmeras lacunas ao longo dos anos. Entre elas, estão a dificuldade de dialogar com os acompanhantes, o uso excessivo de terminologia técnica, a carência de registros no prontuário do paciente, as atitudes e posturas do profissional quando questionado pelo familiar e as informações incompletas e imprecisas ou até mesmo ocultadas(17-18).

Várias pesquisas têm discutido sobre o papel da mãe/cuidadora que acompanha o filho internado e os resultados coincidem com este estudo em que a acompanhante da criança hospitalizada recebe atribuições impostas pela equipe de enfermagem que, muitas vezes, delega inúmeras atividades de sua competência para o familiar que está acompanhando a criança naquele momento(17-20). Relembra-se que alguns cuidados básicos relacionados à higiene/conforto e alimentação podem ser compartilhados, desde que haja acompanhamento, preparação e negociação cotidianos com a acompanhante para tal atividade.

As instituições de saúde devem adotar processos e diretrizes para fomentar o trabalho interdisciplinar e de colaboração(21), o que pode ser um determinante para o desenvolvimento de cultura de segurança. O trabalho desenvolvido de maneira interdisciplinar é uma recomendação para avançar na segurança do paciente e na qualidade da atenção à saúde.

A redução da alta prevalência de eventos adversos, ocasionados a partir do processo medicamentoso, a extensão dos prejuízos e a existência de soluções viáveis poderiam determinar redução de danos. Isso é um objetivo importante e urgente para a Organização Mundial da Saúde. As estratégias locais, que partem de cada instituição, são estimuladas e devem ser disseminadas para reduzir as taxas de eventos adversos ligados à medicação(22). A inserção de inovações tecnológicas, como bombas de infusão inteligente, doses unitárias, leitores de código de barras, entre outras, colabora para a redução de erros de medicação(23).

A comunicação do erro é um dever ético das profissões que envolvem o ser humano. Assumir o erro com responsabilidade supõe condições éticas nas relações entre as pessoas arroladas, pois o reconhecimento e a comunicação da falha representam a autonomia do profissional para agir de forma responsável e prudente. Porém, quando o erro é omitido, atesta-se que a cultura punitiva ainda é vigente(24).

A dupla checagem foi o 13º passo incluído em um algoritmo para a prevenção de erros de medicação em pediatria. Adicionalmente, durante a passagem de plantão, o enfermeiro/equipe confere a documentação e os registros corretos do procedimento realizado(16). Essa estratégia pode ser adotada para outras circunstâncias de cuidado, principalmente na realização de procedimentos e intervenções invasivas à criança.

A abordagem sistêmica do erro é a mais utilizada nas instituições que trabalham sob o prisma da segurança do paciente, de maneira que o enfoque do profissional da saúde faça parte de um sistema/processo ampliado. Essa visão processual do evento adverso considera a equipe, a instituição e os usuários/familiares corresponsáveis para redesenhar um sistema de gerenciamento de riscos(1,5,22).

A política da educação permanente coloca em roda/rede diferentes atores, destinando a todos um espaço de protagonismo na condução das ações locais de saúde/formação. Através de estudo, realizado no interior de São Paulo comprovou-se que a roda de conversa proporciona aos participantes a possibilidade do encontro, no qual é possível verbalizar os problemas e os nós críticos referentes aos processos de trabalho, possibilitando encontrar soluções e encaminhamentos de maneira coletiva(25).

A estratégia da roda de conversa pode ser um meio de estimular os profissionais da saúde a conversar sobre os erros que emanam da sua atuação profissional, podendo ser o primeiro passo para o desenvolvimento de cultura de segurança do paciente.

Conclusão

Portanto, a tese em que esta investigação se ampara - de que as circunstâncias de cuidado predispõem a criança hospitalizada a eventos adversos nos cenários de atenção à saúde, o que interfere na segurança do paciente - é real, verdadeira, complexa e necessita de mais estudos e aprofundamentos.

A contextualização e a problematização da tese possibilitaram concluir que as circunstâncias de cuidado resultam de processos de cuidados não seguros, provenientes de falhas no planejamento, na colaboração, na execução, na avaliação e no monitoramento das intervenções que ultrapassam os limites dos profissionais envolvidos na atenção à saúde da criança e também do cuidado da família. Vai mais além, deve ser uma política que envolva o sistema de saúde, os gestores e os administradores, nas esferas pública e privada, que desejem implantar uma cultura de aprendizagem para a segurança do paciente.

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  • Corresponding Author:
    Wiliam Wegner
    Centro Universitário Metodista, IPA
    Unidade Central. Curso de Enfermagem
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    E-mail:
  • 1
    Paper extracted from Doctoral Dissertation "A segurança do paciente nas circunstâncias de cuidado: prevenção de eventos adversos na hospitalização infantil", presented to Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brazil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      13 Maio 2011
    • Aceito
      03 Abr 2012
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