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Pobreza e desenvolvimento humano: estratégias globais

EDITORIAL

Editores da Revista Latino-Americana de Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem:

IProfessor Titular, e-mail: marziale@eerp.usp.br

IIProfessor Titular, e-mail: iamendes@eerp.usp.br

Em 2000, os líderes de 189 Estados Membros das Nações Unidas e organizações internacionais concordaram em apoiar a estratégia para o desenvolvimento global conhecida como "Objetivos de Desenvolvimento do Milênio" e se comprometeram a cumprir uma série de metas de objetivos de desenvolvimento dispostas na Declaração do Milênio. A redução da pobreza, à metade, até 2015, da população que vive em extrema pobreza, identificada em 1990, é uma das metas estabelecidas.

Esta meta foi definida originalmente com relação a uma linha de pobreza internacional de aproximadamente um dólar americano (US$ 1.00) por pessoa por dia, a preços dos Estados Unidos de 1985, que foram então convertidos a moedas nacionais através das taxas de câmbio da paridade do poder de compra.

A pobreza é um fenômeno social e econômico complexo, cujas dimensões e determinantes são numerosos, mas pode ser definida como um conjunto de deficiências de renda e a sua redução requer a combinação de crescimento econômico e redução da desigualdade social.

A região da América Latina e do Caribe registra o nível mais elevado de desigualdade social em relação a qualquer região no mundo. Em termos da linha de pobreza extrema internacional, a incidência em 1999 variava de 0.2% na Argentina, República Dominicana e Uruguai, seguida por apenas pouco mais de 2.0% no Chile, Costa Rica e Panamá, até 18% no Equador e El Salvador, acima dos 23% em Honduras e acima de 26% na Bolívia. Em 1999, apenas Bolívia, Equador, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Peru tinham um nível de incidência de pobreza extrema acima de 10%. A situação no Brasil revela surpreendentemente grandes exigências de crescimento, dada a desigualdade estável e precisa reduzir a extrema pobreza em 2 pontos percentuais, a qual, segundo estimativas levaria 48 anos para cumprir a meta(1).

Simulações baseadas no desempenho de cada país (década de 1990) indicaram que apenas 7 dos 18 países desta região conseguiriam reduzir pela metade a pobreza extrema até 2015. São eles Argentina, Chile, Colômbia, República Dominicana, Honduras, Panamá e Uruguai. Os restantes 11 países da América Latina e do Caribe, segundo as estimativas, não apresentam expectativas de alcançar a meta caso a dinâmica do seu crescimento e da desigualdade da década de 1990 se repita durante o período 2000-2015. Estes países podem ser divididos em dois subgrupos. O primeiro subgrupo é composto por aqueles países cujo recente desempenho tem levado a crescentes taxas de pobreza. Estes países, nunca atingirão a meta a não ser que mudem sua trajetória e por isso são causa de sérias preocupações. São eles Bolívia, Equador, Paraguai, Peru e Venezuela. Os outros seis países são aqueles em que a redução da desigualdade e o crescimento têm sido demasiadamente baixos para conseguir reduzir a pobreza pela metade dentro dos 15 anos, mas que eventualmente o farão caso seu desempenho permaneça igual ao da década de 1990. Este grupo intermediário compreende o Brasil, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, México e Nicarágua(1).

Em relatório recentemente divulgado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República revelou-se que o Brasil cumpriu, dez anos antes do prazo estabelecido pela ONU, a meta planejada e reduziu pela metade a extrema pobreza no País. Isto significa que entre 1990 e 2005, 4,7 milhões de brasileiros deixaram essa condição. O percentual da população brasileira na condição de extrema pobreza caiu de 9,5% em 1992 para 4,2% e 3m 2005. Além disso, houve a ampliação da renda dos 10% mais pobres, que cresceu a taxa anual de 9,2% entre 2001 e 2005(2). No entanto, as estratégias de combate a pobreza precisam continuar sedo empregadas e ampliadas para sustentar os índices obtidos e melhorar a qualidade de vida de grande número de brasileiros.

A queda da pobreza extrema no País, segundo o relatório nacional de acompanhamento dos objetivos de desenvolvimento do milênio(3) é um efeito da redução dos juros desde 2004, da expansão de políticas como Bolsa Família e do aumento real do salário, que ampliou também o piso da Previdência e do Benefício de Prestação Continuada – programa de transferência de renda voltado a deficientes e idosos pobres. A estabilização monetária de 1994 também teve relação com a diminuição da miséria, apesar de não ter sustentado a tendência de queda: depois de cair por quatro anos seguidos, a pobreza voltou a subir em 2001.

Diante da situação apresentada, das diferentes políticas adotadas pelos países da América Latina e Caribe para melhoria da distribuição de recursos àqueles que os necessitam mais, a comunidade científica, cumprindo seu papel social, se mobilizou para dar sua contribuição.

Assim, o Conselho de Editores Científicos organizou uma publicação conjunta de 219 revistas de diferentes áreas do conhecimento e regiões do mundo para simultaneamente hoje, 22 de outubro, divulgar artigos e editoriais sobre pobreza e desenvolvimento humano com a finalidade de que os resultados das pesquisas possam contribuir para o alcance dos objetivos do milênio

A Revista Latino-americana de Enfermagem, engajada neste movimento incentivou pesquisadores a elaborar e publicar estudos retratando as conseqüências da pobreza na vida, no processo saúde-doença e de desenvolvimento humano e organizou um número especial (Rev Lat Am Enfermagem. 2007.oct,15, special v.) que estará disponível a partir de 22 de outubro na URL: www.scielo/rlae) contendo editorial e 24 artigos editados nos idiomas português, espanhol e inglês, objetivando oferece subsídios para a reflexão das práticas de saúde adotadas, vislumbrando a aplicação dos resultados obtidos nas pesquisas para diminuir a pobreza e promover o desenvolvimento humano.

A seguir descrevemos algumas informações sobre os artigos que compõe este número especial da revista.

A avaliação das práticas de enfermagem em saúde coletiva nos contextos de pobreza na região Amazônica é apresentada por uma enfermeira canadense, que descreve sua experiência com leprosos e prostitutas, de comunidades ribeirinhas, que vivem em condições inseguras.

Estratégias de enfrentamento da pobreza e sua interface com a promoção a saúde adotadas por uma comunidade da região Nordeste do Brasil mostra um exemplo de superação da exclusão social e de enfrentamento da pobreza

Estudo sobre o ambiente de trabalho e os riscos à saúde de catadores de lixo de uma cooperativa de triagem de lixo reciclável da região Sul do País é apresentado e mostra que a referida atividade tem atraído um número crescente de pessoas excluídas do mercado formal de trabalho e que apresenta riscos à saúde dessas pessoas e padrões de adoecimento peculiares e, portanto deve ser incluída nas discussões e nas políticas públicas

A pobreza como fator predisponente ao adoecimento de trabalhadores de cortadores de cana-de-açúcar é apresentada em uma pesquisa exploratória, estruturada na teoria social ecológica que identifica os fatores individuais, sociais e ambientais predisponentes ao adoecimento de trabalhadores de um dos principais setores da economia brasileira, a agroindústria, onde a produção de cana-de-açúcar está direcionada em 55% para a produção de álcool, o combustível que tem chamado a atenção do mundo devido às questões envolvidas com o aquecimento ambiental.

A população de idosos empobrecida foi abordada em alguns estudos que analisaram a situação daqueles que vivem em instituições de longa permanência, em abrigo para aqueles que vivem nas ruas e a qualidade da assistência prestada a idosos octogenários na rede pública de saúde e a situação epidemiológica da Tuberculose em relação às características sócio-econômicas. Os resultados mostram a vulnerabilidade das pessoas idosas devido à fragilidade de laços trabalhistas e habitacionais, falta de apoio familiar, inadequada condições de vida, saúde e de assistência prestada à população de idosos pobres em diferentes cidades brasileiras.

A saúde da mulher foi objeto de pesquisa que avaliou a estrutura e o processo de atenção ao parto com a finalidade dar subsídios para a formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento humano. Os resultados apontam problemas relacionados à estrutura de maternidades, a não utilização de práticas úteis ao parto normal e o uso de práticas prejudiciais ou ineficazes. A reversão desta situação é essencial para oferecer atendimento de qualidade às mulheres, com conseqüente redução nas taxas de mortalidade materna e neonatal e para que o país atinja as metas estabelecidas para ampliação do desenvolvimento humano no milênio.

Outro estudo comparou o perfil das mães adolescentes de nascidos vivos atendidas em maternidades públicas e privadas. Encontrou-se que as usuárias do sistema público fizeram menor número de consultas de pré-natal, possuíam menor escolaridade, tinha maior paridade, o parto normal foi mais freqüente enquanto no privado foi maior o número de atendimento de pré-natal, a escolaridade, a primiparidade e o parto cesária.

Câncer, pobreza e desenvolvimento humano foram considerados desafios á assistência de enfermagem em oncologia tendo em vista a distribuição demográfica, epidemiológica e sócio-cultural do câncer no Brasil, uma vez que articular o cuidado nestas situações e as ações necessárias para prevenção, detecção precoce, tratamento e reabilitação exige conhecimentos que não estão restritos apenas ao tratamento, mas também a carências inerentes a fatores sócio-econômico-culturais.

As reações emocionais ao câncer de mama em um grupo de mulheres de camadas populares também foi estudada. Os resultados obtidos indicam que o estoicismo foi a resposta emocional mais freqüente entre as pacientes analisadas. A literatura mostra que tal reação pode contribuir para a redução temporária do estresse, porém tende a dificultar o ajustamento psicossocial à doença e ao tratamento.

Estudos recentes têm enfatizado que é necessário precisar o impacto de dimensões específicas do contexto sócio-econômico que podem funcionar como fatores de risco em relação ao uso de drogas. Compõe o número especial da RLAE estudo que verificou as possíveis relações entre uso de drogas psicoativas na adolescência e nível sócio-econômico e os resultados mostraram que contrariando expectativas do senso comum, adolescentes das classes média/média superior apresentaram percentual significativamente maior de uso de álcool, tabaco, maconha e solventes, quando comparados com seus pares das classes baixa/baixa inferior. Estes dados sugerem a importância de estudos que busquem clarificar as possíveis influências do status sócio-econômico sobre o consumo de drogas entre adolescentes.

A saúde de crianças e adolescente foi tema de artigos que abordaram a assistência a saúde em situações de violência doméstica, puericultura e no contexto nutricional em zona rural.

Estudos com distintas populações de indivíduos portadores de diabetes, hanseníase, doenças sexualmente transmissíveis, AIDS e de deficiência; também compõem o fascículo e trazem importantes contribuições para a assistência de enfermagem direcionada a pessoas que enfrentam situação de baixo perfil socioeconômico e presença de incapacidades que podem impactar negativamente na sua qualidade de vida.

Reflexão bioética sobre a concepção de pobreza enquanto condição ou circunstância de restrição e vulnerabilidade também foi foco de um dos artigos e o direto á saúde e ao meio ambiente em tempo de exclusão social foi apresentado através de reflexão teórica que denuncia que os complexos problemas associados à injustiça social e ambiental no Brasil, que se materializam na exclusão social e degradação ambiental, comprometendo estes direitos e a possibilidade de conquista coletiva da sociedade, pode dar relevante contribuição para reverter esta situação.

Observa-se que os estudos divulgados na Rev Lat Am Enfermagem contribuem para o estabelecimentos de estratégias que somadas as ações políticas e econômicas adotadas pelos países pobres, podem auxiliar na diminuição das desigualdades. Ressalta-se ainda, a riqueza da experiência da enfermagem brasileira e latino-americana em sua busca incessante para garantir o acesso e um cuidado à saúde de qualidade(4)

Finalizamos este texto mencionando que apesar do Brasil ter conseguido atingir a redução extrema da pobreza, existem problemas urgentes a serem combatidos visando atingir as outras metas estabelecidas pelos oito objetivos do milênio (erradicação da fome, promoção da igualdade entre os sexos, redução da mortalidade na infância, enfrentamento de doenças como a AIDS e a malária, universalização do ensino fundamental e a sustentabilidade ambiental).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Rumo ao objetivo do Milênio de reduzir a pobreza na América Latina e o Caribe. Santiago.Chile.2003

2. Brasil. Secretaria de Comunicação Social da presidência da Republica. Brasil reduz pela metade extrema pobreza. Em questão. Nº 541. Brasília(DF), 31 de agosto de 2007. Disponível em: www.brasil.gov.br/emquestao/

3. Brasil. Presidência da Republica. Objetivos de desenvolvimento do milênio: relatório de acompanhamento. Coordenação: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Brasília :Ipea,SPI,setembro 2007.152p.

4. Mendes Isabel Amélia Costa. A saúde no Brasil e América Latina: as metas do milênio da ONU e o papel da enfermagem. Rev. Latino-Am. Enfermagem [periódico na Internet]. 2004 Dez [citado 2007 Set 10];12(6):845-850. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104 -11692004000600001&lng=pt&nrm=iso.

  • Pobreza e desenvolvimento humano: estratégias globais

    Maria Helena Palucci MarzialeI; Isabel Amélia Costa MendesII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007
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