Resumos
A Escala de Bristol para Consistência de Fezes é usada na descrição de fezes. O objetivo deste estudo foi realizar a tradução, adaptação cultural e validação para o Brasil, dessa escala. Como metodologia realizou-se a tradução, tradução reversa e discussão. Para essa validação, incluíram-se 85 enfermeiros e 80 médicos e pacientes que correlacionaram imagens de sete tipos de fezes com descrições. Os resultados mostraram que houve diferença de distribuição do sexo, com predomínio do sexo masculino para médicos e feminino para enfermeiros e pacientes. Em relação à concordância entre definições e imagens, o maior percentual, no tipo 5, e os menores percentuais, nos tipos 6 e 7, relacionaram-se aos médicos; no tipo 3 referiram-se aos enfermeiros e no tipo 6 aos pacientes. O índice Kappa geral foi de 0,826. Conclui-se que a escala demonstrou alta confiabilidade em todos os grupos estudados.
Tradução; Estudos de Validação; Fezes
The Bristol Stool Form Scale is used for describing feces. The objective of this research was its translation, cultural adaptation and validation for Brazil. The methodology was translation, back-translation and discussion. Validation involved 85 nurses, 80 doctors, and 80 patients, who correlated images of seven types of feces with the descriptions. Results: there was a difference in sex distribution, with males predominating among the doctors and females among nurses and patients. In relation to concordance between definitions and pictures, the highest percentage was in type 5 in all three groups and the lowest was in types 6 and 7 for the doctors, in type 3 for the nurses, and type 6 for the patients. The general Kappa index was 0.826. Conclusion: the scale demonstrated high reliability for all the groups studied.
Translation; Validation Studies; Stools
La "Bristol Stool Form Scale" es usada para describir las heces. Objetivo: traducción, adaptación cultural y la validación para ser utilizada en Brasil. Metodología: Fue realizada la traducción, la traducción inversa y la discusión final. Para validar, se incluyeron 85 enfermeros y 80 médicos y pacientes que correlacionaron diseños de siete tipos de heces con descripciones. Resultados - Hubo diferencia en cuanto a la distribución del sexo con predominio masculino entre los médicos y femenino para los enfermeros y pacientes. Con respecto a la concordancia entre los conceptos y las imágenes, la mayor concordancia fue del tipo 5 en cuanto que el de menor correspondencia para los médicos fueron los tipos 6 y 7, para los enfermeros el 3 y el 6 para los pacientes. El índice de Kappa general fue de 0,826. Conclusión: Los valores obtenidos demuestran la alta confiabilidad de este cuestionario con respecto a los grupos estudiados.
Traducción; Estudios de Validación; Hece
ARTIGO ORIGINAL
IMestranda, Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil. Bolsista de iniciação cientifica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
IIPhD, Professor Assistente, Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
Endereço para correspondência
RESUMO
A Escala de Bristol para Consistência de Fezes é usada na descrição de fezes. O objetivo deste estudo foi realizar a tradução, adaptação cultural e validação para o Brasil, dessa escala. Como metodologia realizou-se a tradução, tradução reversa e discussão. Para essa validação, incluíram-se 85 enfermeiros e 80 médicos e pacientes que correlacionaram imagens de sete tipos de fezes com descrições. Os resultados mostraram que houve diferença de distribuição do sexo, com predomínio do sexo masculino para médicos e feminino para enfermeiros e pacientes. Em relação à concordância entre definições e imagens, o maior percentual, no tipo 5, e os menores percentuais, nos tipos 6 e 7, relacionaram-se aos médicos; no tipo 3 referiram-se aos enfermeiros e no tipo 6 aos pacientes. O índice Kappa geral foi de 0,826. Conclui-se que a escala demonstrou alta confiabilidade em todos os grupos estudados.
Descritores: Tradução; Estudos de Validação; Fezes.
Introdução
A análise do hábito intestinal e o tipo de fezes sempre foram explorados na avaliação realizada pelos profissionais de saúde, tanto para a caracterização de aspectos fisiológicos dos pacientes como para o diagnóstico e acompanhamento de doenças que envolvam alteração do trânsito intestinal.
Em situações fisiológicas, a caracterização das fezes pode ser bastante útil. Por exemplo, a relação entre o tipo de dieta e o hábito intestinal e, por consequência, a forma das fezes, têm sido exploradas na literatura(1-3).
Já em relação ao diagnóstico e acompanhamento, pode-se citar sua importância na incontinência anal, síndrome do intestino irritável, pós-operatório de cirurgias abdominais entre outros(4-7).
As funções anais declinam com a idade e as mulheres experimentam maior perda funcional em relação aos homens(8). Na menopausa, é frequente a incontinência em mulheres e as lesões durante o parto aumentam o risco de comprometimento das funções anais(8). Porção significativa desse comprometimento é resultante, tão somente, do envelhecimento(8).
A incontinência anal (IA) pode ser idiopática, congênita, de origem neurológica ou secundária a trauma(9). Segundo o Consenso de Roma II, a IA pode ser classificada em leve, caracterizada pela perda de gases ou soiling; intermediária, com perda de fezes pastosas ou liquidas até três vezes por semana e grave, quando há incontinência total com perda de três ou mais vezes por semana(10-14).
Outra condição que se caracteriza por alteração na forma das fezes é a síndrome do intestino irritável(15), que é de natureza funcional e tem como sintomas centrais a dor e o desconforto abdominal, relacionados à alteração do hábito intestinal(15-17) Outra área em que a análise das fezes pode ser útil é no pós-operatório de doenças gastrointestinais(18).
Alguns instrumentos são utilizados para ajudar na classificação e no tratamento(19-20); entre eles, destaca-se a Escala de Bristol para Consistência de Fezes -EBCF (Bristol StoolForm Scale) que foi desenvolvida e validada por Kenneth W. Heaton e S. J. Lewis. Seu objetivo é avaliar, de maneira descritiva, a forma do conteúdo fecal, utilizando métodos gráficos que representam sete tipos de fezes, de acordo com sua forma e consistência. A inovação dessa escala é que ela apresenta as imagens que ilustram as fezes, juntamente com descrições precisas quanto à forma e à consistência, recorrendo a exemplos facilmente reconhecíveis(21). O paciente deve apenas selecionar o tipo de fezes que mais se assemelha a suas próprias fezes, de acordo com a consistência e forma(21-22).
A EBCF foi validada na versão original, em inglês, tendo sido traduzida, adaptada e validada para o espanhol e, devido à sua simplicidade e eficácia, foi incorporada à prática clínica para a avaliação de pacientes com síndrome do intestino irritável, HIV-diarreia relacionados, e incontinência anal, além de ser instrumento muito utilizado em estudos científicos relacionados aos temas referidos(21,23). Para a sua utilização no Brasil, faz-se necessário realizar a tradução para a língua portuguesa, a adaptação cultural e, consequentemente, a sua validação.
Os objetivos do presente estudo foram a tradução, adaptação cultural e a validação da Bristol Stool Form Scale para a língua portuguesa, para uso no Brasil.
Método
Obteve-se permissão para a tradução, validação e adaptação da Bristol Stool FormScale da empresa Norgine LTDA, que detém os direitos autorais e de uso da mesma, concedidos pelos autores. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
A escala é descritiva e visual, e consta de sete tipos de fezes, sendo composta por imagens e suas respectivas definições.
-Type 1: Separate hard lumps, like nuts (hard to pass).
-Type 2: Sausage-shaped, but lumpy.
-Type 3: Like a sausage but with cracks on its surface.
-Type 4: Like an Italian sausage or snake, smooth and soft.
-Type 5: Soft blobs with clear cut edges (passed easily).
-Type 6: Fluffy pieces with ragged edges, a mushy stool.
-Type 7: Watery, no solid pieces. Entirely liquid.
Tradução e adaptação cultural
A tradução para o português foi realizada por dois especialistas em distúrbios digestivos funcionais, ambos com domínio dos idiomas português e inglês. Após ser realizada a tradução, algumas descrições foram modificadas para a adaptação à língua e cultura brasileiras como, por exemplo, nos casos da palavra nuts que, no inglês remete à imagem de avelãs, e foi substituída pelo termo "coquinhos", que oferece imagem análoga; e da palavra sausage que, em tipos diferentes, foi traduzida por "linguiça" e por "salsicha", para melhor entendimento em todo o nosso país.
A seguir foi realizada a tradução reversa (back translation) por outros dois especialistas bilíngues.
A versão em português foi então administrada a nove pessoas (3 médicos, 3 enfermeiros e 3 pacientes) para detectar possíveis problemas de compreensão (teste-piloto) e, após ajustes finais, obteve-se a escala definitiva.
Validação
Aplicou-se a versão definitiva (Figura 1) em uma amostra com 165 profissionais de saúde (80 médicos e 85 enfermeiros) e 80 pacientes com mais de 18 anos de idade, aleatoriamente escolhidos em ambulatórios do Conjunto Hospitalar de Sorocaba, SP. Todas as avaliações foram realizadas em serviços públicos de saúde. Apresentou-se aos sujeitos um quadro com os desenhos representando os sete tipos de fezes. Em seguida, foi pedido que eles correlacionassem um texto selecionado randomicamente da escala traduzida com um dos desenhos. Dez por cento dos entrevistados, escolhidos aleatoriamente, de cada grupo (médicos, enfermeiros e pacientes) foram instruídos a repetir a avaliação em 15 dias (reteste), para testar a sua reprodutibilidade.
Análise estatística
1 - Comparação da constituição dos grupos em relação ao sexo e escolaridade (análise descritiva com n e percentual).
2 - Descrição do nível de acerto e erro na correlação entre a imagem e sua descrição, usando o número absoluto de escolhas.
3 - Descrição do total de sujeitos avaliados e de cada grupo em relação ao acerto entre as imagens e suas descrições para cada um dos tipos de fezes.
4 - Análises da concordância entre os grupos (confiabilidade interna e comparação entre os grupos).
5 - Análise do test-retest.
O tamanho da amostra está calculado para estimar a concordância de 95%, com precisão de 5% e com 5% de significância. As variáveis quantitativas foram descritas como média e desvio-padrão e, no caso das qualitativas, por números absolutos e percentuais. A fidedignidade foi analisada por meio de porcentagem de concordância e do índice Kappa. As análises comparativas foram realizadas por meio do teste de concordância de Kendall para a porcentagem de concordância, e o método de Fleiss foi utilizado para os valores de Kappa. A reprodutibilidade no período de 15 dias foi avaliada através da porcentagem de concordância, e o índice Kappa entre as respostas e um valor inferior a 0,05 foi considerado estatisticamente significante.
Resultados
A casuística foi dividida em grupos, de acordo com a categoria profissional e os pacientes. O primeiro grupo foi composto por médicos, em sua maioria, do sexo masculino. O segundo grupo foi composto por enfermeiros com a maioria feminina, e o grupo de pacientes também tinha uma maioria feminina. Quanto ao nível educacional, nenhum paciente possuía nível superior. Os pacientes também foram escolhidos aleatoriamente, independente de patologia ou indicação da consulta ambulatorial. Nenhum paciente apresentava qualquer déficit cognitivo que pudesse influenciar os resultados. A Tabela 1 apresenta a distribuição numérica da amostra com relação ao gênero.
A Tabela 2 mostra os resultados de harmonização ou concordância (definição de texto e imagem) para o teste de validação em todas os grupos de indivíduos
A Tabela 3 mostra a concordância (em porcentagem) entre definições e imagens na relação do tipo de fezes e sujeitos estudados. O maior percentual de concordância foi o tipo 5 (100% para médicos e enfermeiros e 96,3% para pacientes), e o menor percentual de concordância foram os tipos 6 e 7 para os médicos (91,3%), o tipo 3 para enfermeiros (83,5%) e o tipo 6 para pacientes (82,5%).
O índice Kappa geral foi de 0,826, e o resumo de concordância para esse índice, em cada um dos grupos, está apresentado na Tabela 4.
Na fase de reteste não houve nenhum erro e, portanto, houve concordância perfeita, independente do grupo.
Discussão
O formato das fezes se modifica em várias doenças intestinais como, por exemplo, as diarreias infecciosas, colites, constipação intestinal, incontinência anal, síndrome do intestino irritável(14-15). Sua descrição na anamnese pode ser determinante no diagnóstico e acompanhamento dessas doenças associadas a outras características da evacuação(14). Sua utilização, como um parâmetro de melhora e piora, pode facilitar para o profissional a abordagem dessas patologias. Essa descrição varia de acordo com a linguagem do paciente e a sua interpretação também depende da experiência do profissional da saúde.
É muito difícil, entretanto, obter descrição precisa da aparência e consistência de fezes; sendo assim, Heaton e Thompson criaram uma escala visual e descritiva denominada The Bristol Stool Form Scale que tem sido amplamente utilizada, a fim de garantir que os pacientes descrevam precisamente seu próprio padrão fecal(15). A tradução, validação e adaptação cultural dos instrumentos de avaliação em saúde, a exemplo dessa escala, são importantes para possibilitar estudos multinacionais ou mesmo para comparar dados dos vários estudos nacionais(17).
A Escala de Bristol tem sido reconhecida pela literatura científica como instrumento valioso na avaliação das doenças intestinais, gerando procura para sua tradução e validação. Esse processo já foi realizado para os idiomas inglês e espanhol, proporcionando a oportunidade de seu uso em nível internacional e a comparação dos dados dos vários centros de pesquisa em países com esse idioma(23).
Esse estudo baseou-se nos processos de validação aceitos mundialmente e a metodologia foi dividida em tradução, adaptação cultural e validação. Nesse processo, julgou-se que a adaptação cultural é a etapa mais importante, já que, além da linguagem, a cultura local pode influenciar a forma de expressão. Após a tradução, praticamente todos os itens sofreram alguma modificação para facilitar o entendimento.
Considerando-se a amostra formada pelos profissionais de saúde como o grupo mais fiel em relação ao entendimento do instrumento, observou-se que, quando comparados com uma amostra de pessoas comuns, se obteve alta correlação entre os resultados. Observe-se que o instrumento foi elaborado para ser usado de modo independente do nível de instrução; assim, pode-se inferir que essa diferença entre os grupos se relacione ao seu conhecimento sobre a área de saúde. A ausência de paciente com nível superior de escolaridade refletiu a realidade da unidade hospitalar, que atende, como referência terciária, a população de baixa renda dessa região do Estado de São Paulo. O índice de correlação obtido foi maior do que o esperado pelos pesquisadores, o que demonstra o cuidado tomado nas fases de tradução e adaptação cultural.
Os resultados comparativos, obtidos neste estudo e naquele realizado para a validação da versão espanhola, diferem bastante, apesar de serem semelhantes em relação ao número de sujeitos estudados(23).
As amostras são semelhantes em relação aos dados demográficos (idade acima de 18 anos, predomínio do sexo feminino). Em relação ao tipo de fezes com maior nível de acerto, observa-se diferença tanto no total de avaliados quanto em cada grupo; porém, com alto percentual de acerto, foi observado em ambos os estudos. Os tipos de fezes com maior acerto ou erro entre os 3 grupos foram diferentes nos dois estudos. No estudo brasileiro, o tipo de fezes com maior acerto foi o 5 e o de menor foi o tipo 6; já no estudo espanhol observou-se que o tipo com maior acerto foi o 4 e o de menor acerto foi o 5. Atribuiu-se esse fato à diferença de idioma e de expressões utilizadas para a descrição das fezes nos meios profissionais e leigos.
Em relação aos três grupos estudados, os médicos brasileiros obtiveram índice de acerto maior no tipo 5; já os espanhóis acertaram mais o tipo 2 e o 7. Os enfermeiros brasileiros tiveram maior acerto no tipo 4 e 5, enquanto os espanhóis acertaram mais o tipo 6. Por fim, os pacientes brasileiros acertaram mais o tipo 6, enquanto os espanhóis acertaram mais o tipo 4.
No tocante à fidedignidade medida pelo percentual de concordância imagem/definição e índice Kappa, este estudo mostrou valores mais altos do que aqueles obtidos pelo grupo espanhol.
Conclusão
A Escala de Bristol para a Consistência de Fezes, traduzida e validada para o português para o uso no Brasil, apresentou alta confiabilidade, denotando sua utilidade na prática clínica, atendendo o propósito para o qual foi elaborada.
Agradecimentos
Agradecemos a Jéssica Clementino, pelo auxílio durante a fase de coleta de dados.
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Tradução, adaptação cultural e validação da Bristol Stool Form Scale para a população brasileira
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Set 2012 -
Data do Fascículo
Jun 2012
Histórico
-
Recebido
30 Ago 2011 -
Aceito
03 Abr 2012