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O jogo educativo como estratégia de sensibilização para coleta de dados com adolescentes

Resumos

O objetivo deste estudo foi conhecer e analisar a potencialidade de um jogo como estratégia de sensibilização para a consecução de grupos focais com adolescentes, em investigações sobre valores. Foram realizados 29 grupos em 10 instituições sociais, do município de Santo André, SP A amostra foi composta por 209 adolescentes de 15 a 19 anos. Os resultados indicaram que a maioria se expressou sem dificuldades, discutindo cada uma das frases com desenvoltura, envolvimento e respeito às opiniões divergentes, além de ser um método capaz de promover a reflexão e estimular o debate acerca de valores sociais. Pode-se concluir que o jogo mostrou-se adequado para a apreensão de dados. O caráter lúdico possibilitou a participação dos adolescentes de forma intensa, descontraída, prazerosa e interativa, o que facilitou o aprofundamento das discussões sobre o tema. A avaliação também permitiu identificar forte motivação dos adolescentes para discutir valores sociais.

Jogos Experimentais; Adolescente; Grupos Focais; Tecnologia Educacional; Coleta de Dados; Enfermagem


The aim of this study was to understand and analyze the potential of a game as a sensitization strategy for the performance of focal groups with adolescents in investigations into values. Twenty nine groups were realized in 10 social institutions of the municipality of Santo André. The sample was composed of 209 adolescents of 15 to 19 years of age. The results indicated that the majority expressed themselves without difficulties, discussing each of the valorative expressions drawn during the game with resourcefulness, involvement and respect for differing opinions, as well as being a method to promote reflection and stimulate debate about social values. Conclusions: The game was adequate for the collection of data. The ludic character allowed the participation of adolescents in an intense, relaxed, enjoyable and interactive way, which facilitated the deepening of discussions on the topic. The evaluation also identified a strong motivation for adolescents to discuss social values.

Games, Experimental; Adolescent; Focus Groups; Educational Technology; Data Collection; Nursing


El objetivo de este estudio fue conocer y analizar el potencial de un juego como estrategia de sensibilización para la consecución de grupos focales con adolescentes en investigaciones sobre valores. Fueron realizados 29 grupos en 10 instituciones sociales del municipio de Santo André. La muestra fue compuesta por 209 adolescentes entre 15 y 19 años. Los resultados indicaron que la mayoría se expresó sin dificultades, discutiendo cada una de las frases con desenvoltura, envolvimiento y respeto a opiniones divergentes, además de ser un método capaz de promover la reflexión y estimular el debate acerca de valores sociales. Se concluye que el juego se mostró adecuado para la obtención de datos. El carácter lúdico posibilitó la participación de los adolescentes de una forma intensa, informal, placentera e interactiva, lo que facilitó el profundizar las discusiones sobre el tema. La evaluación también permitió identificar una fuerte motivación de los adolescentes para discutir valores sociales.

Juegos Experimentales; Adolescente; Grupos Focales; Tecnología Educacional; Recolección de Datos; Enfermería


ARTIGO ORIGINAL

O jogo educativo como estratégia de sensibilização para coleta de dados com adolescentes1

Tatiana YonekuraI; Cássia Baldini SoaresII

IEnfermeira, Mestranda, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: tatiana.yonekura@usp.br

IIEnfermeira, Doutor em Educação, Professor Associado, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: cassiaso@usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O objetivo deste estudo foi conhecer e analisar a potencialidade de um jogo como estratégia de sensibilização para a consecução de grupos focais com adolescentes, em investigações sobre valores. Foram realizados 29 grupos em 10 instituições sociais, do município de Santo André, SP A amostra foi composta por 209 adolescentes de 15 a 19 anos. Os resultados indicaram que a maioria se expressou sem dificuldades, discutindo cada uma das frases com desenvoltura, envolvimento e respeito às opiniões divergentes, além de ser um método capaz de promover a reflexão e estimular o debate acerca de valores sociais. Pode-se concluir que o jogo mostrou-se adequado para a apreensão de dados. O caráter lúdico possibilitou a participação dos adolescentes de forma intensa, descontraída, prazerosa e interativa, o que facilitou o aprofundamento das discussões sobre o tema. A avaliação também permitiu identificar forte motivação dos adolescentes para discutir valores sociais.

Descritores: Jogos Experimentais; Adolescente; Grupos Focais; Tecnologia Educacional; Coleta de Dados; Enfermagem.

Introdução

A literatura sobre a utilização de jogos educativos na área da saúde discute sua aplicabilidade em diversas situações, envolvendo crianças, adolescentes e adultos. De maneira geral, pode-se dizer que, internacionalmente, o uso desse recurso pedagógico sobressai no ensino de profissionais da área da saúde(1) e, particularmente, da enfermagem(2). No Brasil, destaca-se a utilização de jogos educativos como estratégia para educação em saúde(3-7). Não foram encontrados estudos, no entanto, que avaliam a utilização de jogos em situação de coleta de dados com adolescentes.

O jogo vem sendo considerado por seus propositores, na área da saúde, instrumento educativo potencialmente capaz de contribuir tanto para o desenvolvimento da educação como para a construção do conhecimento em saúde. Já para os participantes, o jogo é visto como atividade divertida, estimulante, interativa, inovadora e ilustrativa, que responde à dupla tarefa de esclarecer dúvidas e facilitar a aprendizagem(3-4).

Assim, os jogos são percebidos como atividades que aperfeiçoam a criatividade dos envolvidos e propiciam ambiente prazeroso de aprendizado, necessário para trazer à tona potenciais que facilitam a dinamização do contexto de aprendizado e a construção do conhecimento a partir da realidade(4).

As atividades lúdicas, além de ser fonte de prazer e descoberta para os participantes, constituem também forma de traduzir o contexto sócio-histórico, refletido na cultura, o que contribui significativamente para o processo de construção crítica do conhecimento dos participantes. Aprender brincando enriquece as visões do mundo e estimula o relacionamento entre os pares, constituindo processo de troca de experiências e de socialização(8).

Os jogos são, dessa forma, tomados, na área da saúde, como recursos que facilitam a discussão de temas relevantes, como diabetes(6), infecções respiratórias infantis(9), cuidados no puerpério(5), e até mesmo temas sensíveis como drogas(7) e AIDS(3-4).

Embora a utilização de jogos em educação em saúde não seja nova, representa perspectiva pedagógica inovadora no sentido de, certamente, represenar crítica aos modelos pedagógicos tradicionais, mais autoritários e rígidos. Trata-se de vertente que toma por referência a multidimensionalidade do processo saúde/doença, almejando que os participantes do processo educativo possam exercer a crítica à realidade de saúde e buscar mecanismos coletivos para transformá-la(7).

Os jogos educativos, lúdicos e interativos, são instrumentos que valorizam as experiências e os saberes dos participantes e incentivam a expressão individual, em situação de grupo, resgatando o diálogo entre educadores e participantes(7).

O desenvolvimento de tecnologias educacionais inovadoras, voltadas para a educação em saúde, não pode prescindir de processos de avaliação, capazes de fornecer subsídios para programas preventivos(7).

De maneira geral, pode-se dizer que a literatura retrata os jogos educativos como instrumentos do processo educativo em saúde que favorecem a participação e a construção coletiva de conhecimentos, através de debates e de troca de experiências, sob perspectiva crítica em relação à educação tradicional.

Tais proposições são coerentes com a perspectiva teórico-metodológica da Saúde Coletiva, que ampara esta investigação. Esse campo de conhecimentos e práticas reitera o caráter histórico e social do processo saúde/doença e propõe que o processo educativo em saúde tenha caráter emancipatório, constituindo-se, dessa forma, em um movimento de compreensão da realidade de saúde e de atenção à saúde(10).

A perspectiva educacional emancipatória, conforme formulada a partir do campo da Saúde Coletiva, ampara-se em um quadro teórico-metodológico de caráter crítico(10). Na dimensão filosófica, os formuladores buscam as fontes no conceito de práxis - aplicação da teoria na ação prática do homem para a transformação da natureza. Essa transformação se materializa através da ação consciente do homem, que tem a propriedade de intencionalizar sua prática e a realiza através da práxis do trabalho e de outras práticas sociais(11). Parte-se, também, do conceito de educação como apropriação do conhecimento historicamente acumulado, capaz de transmitir a cultura de uma geração para a outra, que incide sobre a transformação de diferentes práxis sociais, e os educandos são considerados sujeitos e produtores de sua própria educação, capazes de intervir na realidade social e de saúde(12).

A pedagogia histórico-crítica, fundamentada na perspectiva dialética, consiste também em marco teórico-metodológico, que procura incentivar o diálogo entre alunos e educadores, valorizando a dimensão cultural acumulada historicamente e os determinantes sociais da educação, em busca de transformações sociais e de uma sociedade igualitária. Nessa pedagogia, embora o método seja essencial ao processo pedagógico, ele não garante, por si, alteração qualitativa de compreensão da prática social. Nessa direção, reitera a importância de posição ativa dos agentes sociais, responsáveis pela mediação da ação pedagógica, já que são elementos transformadores da prática social(13).

Assim, neste trabalho, parte-se do pressuposto que os jogos educativos são instrumentos metodológicos capazes de gerar reflexões, discussões críticas sobre questões complexas e construção de opiniões, coletivamente, a partir da realidade dos envolvidos e, em última instância, capazes de gerar novas práticas sociais.

O objetivo deste estudo foi conhecer e analisar a potencialidade de um jogo educativo como estratégia de coleta de dados com adolescentes.

Procedimentos metodológicos

Este estudo descritivo e exploratório de abordagem quali-quantitativa é subprojeto de investigação mais ampla, intitulada Jovens, valores e consumo de drogas: políticas públicas na perspectiva da Saúde Coletiva, que procurou levantar os valores de adolescentes de diferentes grupos sociais do município de Santo André (RMSP). Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria da Saúde de Santo André.

Neste trabalho, valeu-se da adaptação de um jogo educativo, utilizado em investigações sobre valores juvenis(14). Com a intenção de sensibilizar os adolescentes para a discussão e exploração dos valores do grupo, as autoras utilizaram um esquema contínuo de atribuição de valores para determinadas situações, propostas pelo pesquisador(14).

Este estudo toma valor como elemento fundamental para orientar escolhas, desejos, aspirações e ações. Nas sociedades de classe, os valores acumulados pela cultura são heterogêneos, pois constituem qualidades atribuídas às coisas e situações pelos seres humanos em sociedade, não são naturais ou universais, dependem da posição que cada classe ocupa na dinâmica da vida social(15).

Assim, para fazer parte da coleta de dados, foram selecionadas escolas de ensino médio, obedecendo-se à proporcionalidade previamente definida para abranger regiões desiguais do município, classificadas em outro estudo como Central, Quase Central, Quase Periférica e Periférica, de forma que quanto mais os adolescentes e suas famílias dispunham de acesso à riqueza e cidadania mais centralmente eles se localizam na cidade. Os grupos foram realizados nas 10 escolas selecionadas e que aceitaram participar da pesquisa.

Após a explicação da pesquisa para os trabalhadores das escolas (diretores, coordenadores pedagógicos, professores, entre outros), adolescentes e responsáveis foram convidados a participar da pesquisa. Os adolescentes que aceitaram participar da pesquisa e que tinham mais de 18 anos e os responsáveis dos que ainda não tinham 18 anos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

O jogo é realizado de acordo com as estratégias para condução de grupo focal, uma técnica de pesquisa qualitativa que utiliza discussões grupais para a obtenção de dados sobre questões específicas de interesse do pesquisador, possibilitando aos participantes a expressão, nos seus próprios termos, de experiências, pontos de vista, crenças, valores, atitudes e representações(16).

O grupo focal é conduzido por um moderador, que assume posição de facilitador do processo de discussão e procura encorajar o debate e limitar suas intervenções, atuando, principalmente, na introdução de novas questões e direção da discussão. Além disso, seu trabalho é auxiliado por um observador, que, nesse caso, acompanhou e anotou a conduta dos participantes do grupo em uma planilha(17).

O jogo utiliza os seguintes materiais: cartolina com um desenho de uma linha contínua, que ia da posição concordo plenamente para a posição discordo integralmente (Figura 1), frases que expressam valores, escritas em pequenos pedaços de papel, saquinho para colocar os papéis dobrados com as frases, adesivos coloridos, canetas e crachás.


As cadeiras são posicionadas em forma de círculo e a cartolina colocada no centro da sala, de preferência, sobre uma mesa. Neste trabalho, após a apresentação do moderador, os crachás e adesivos coloridos foram entregues para todos os participantes da roda que escreveram seus nomes, para facilitar a identificação e interação grupal.

Um conjunto de expressões utilizadas originalmente no jogo foi pré-selecionado e traduzido pelos pesquisadores, de acordo com os marcos teóricos que norteiam a investigação. Nesse processo, as expressões eleitas foram agrupadas de acordo com sua relação com: sucesso; segurança, confiança e futuro; drogas e outras formas de bem-estar e prazer.

Para promover melhor adaptação à realidade brasileira, as expressões passaram pelo julgamento de 3 grupos de jovens de diferentes regiões da Grande São Paulo, que afinaram a linguagem, retiraram algumas expressões inicialmente selecionadas e acrescentaram outras. A lista final foi composta por 73 expressões.

Cada participante teve a oportunidade de sortear uma expressão. Após a leitura da frase sorteada, cada um posicionou seu adesivo em um ponto da linha contínua. Foi necessário esclarecer que cada participante podia colocar seu adesivo sobre o de outros, no caso de compartilhar a mesma opinião. Em um segundo momento, os participantes explicaram suas escolhas, procedendo-se, assim, à discussão sobre o tema. Todos os participantes foram alertados sobre a possibilidade de mudar de opinião durante o processo de discussão, e vários assim procederam.

Antes de dar início às atividades propriamente ditas, as normas de funcionamento do grupo eram discutidas: respeitar o direito de todos para dizer o que pensam, incentivar as opiniões divergentes e não reprimi-las, não superpor falas, procurando expressar-se no seu tempo, evitar discussões paralelas para que todos possam participar, manter a confidencialidade dos dados, procurar não dominar a discussão, ter certeza de que o grupo é opinativo e, portanto, não há opinião certa ou errada.

No final de cada encontro, os jovens relataram a experiência de participar do grupo e foram convidados a preencher um formulário de avaliação, com as seguintes questões: de 1 a 10, que nota você daria para o jogo? O jogo promoveu reflexão? Os assuntos abordados foram de seu interesse? Você mudou de opinião a respeito de alguma questão? Você se sentiu à vontade durante o jogo? Você participaria novamente do mesmo tipo do jogo? O que você mais gostou da atividade? O que você menos gostou da atividade? Sugestões.

As observações e anotações feitas pelos pesquisadores na planilha do observador também foram consideradas.

A amostra foi composta por 209 adolescentes de 15 a 19 anos, frequentando o ensino médio, sendo que 57,6% eram do sexo feminino e 42,4% do sexo masculino, no total de 29 grupos.

Resultados e Discussão

O número de participantes por jogo variou de 5 a 11, tendo em média 7,1. Já a duração de cada grupo variou de 40 minutos a 2 horas e estava relacionada principalmente ao número de participantes. Os adolescentes atribuíram ao jogo, em média, a nota 9,5, sendo que a menor nota alcançada foi 7. Grupos pequenos com 5 ou menos integrantes não foram bem avaliados pelos adolescentes, assim como com mais de 10 integrantes por jogo.

A literatura preconiza que o grupo focal tenha de 6 a 10 participantes, porém, diversos estudos já utilizaram entre 4 e 12 participantes, dependendo de questões relacionadas ao objetivo, finalidades, tempo e verba. Entretanto, sabe-se que número menor que 6 pode dificultar a sustentação da discussão e maior que 10 pode dificultar o controle do grupo(16-17), conforme ocorreu neste estudo.

Houve expressiva aceitação do jogo por parte dos adolescentes, o que estimulou o debate acerca dos valores sociais. A maioria se expressou sem dificuldades, discutindo cada uma das frases com desenvoltura, envolvimento e respeito às opiniões divergentes. Em relação à reflexão sobre os temas abordados, 99,5% dos adolescentes revelaram que esse é um método capaz de promover a reflexão e 64,1% afirmaram ter mudado de opinião a respeito de alguma questão depois da atividade.

Os adolescentes afirmaram que o clima descontraído e a liberdade para expressar as opiniões facilitaram a reflexão sobre os assuntos abordados e o respeito em relação à opinião do colega.

A promoção de diálogo e o debate de temas atuais, através de jogos, podem facilitar a abordagem e a inclusão desses temas nas instituições sociais e na família, já que há certa dificuldade para tratar tais assuntos, considerados importantes para a formação dos indivíduos(7).

Estudo que objetivou avaliar um jogo educativo sobre drogas constatou que os adolescentes valorizam o enfoque interativo dos jogos, uma vez que favorece o diálogo, estimula o compartilhamento de problemas e soluções e com relevante participação na atividade(7).

Entre as vantagens do grupo focal, a literatura reitera justamente que a atividade grupal permite discussão crítica e centralizada do grupo sobre um assunto e maior possibilidade da construção de opiniões e reflexão na interação com outras pessoas. A reflexão dos participantes sobre problemas cotidianos colabora para o encontro de soluções em conjunto(16).

Além disso, ressalta-se que o processo de reflexão acaba resultando na superação de preconceitos e mitos culturalmente arraigados, com mudanças de posicionamento no processo(10,17).

A maioria dos adolescentes (99,5%) afirmou que os temas abordados foram de seu interesse, 96,8% responderam que se sentiram à vontade durante o jogo e 96,6% gostariam de participar do jogo novamente. Foi possível relacionar o fato de poucos adolescentes referirem não querer participar novamente, ao elevado número de participantes nos seus grupos e à prolongada duração, o que também se refletiu na nota atribuída ao jogo.

Os resultados positivos deste estudo são coerentes com outras vantagens levantadas pela literatura, que ressalta, também, a potência dos jogos para desenvolver discussões sobre questões delicadas e pessoais, que guardam fortes componentes subjetivos. O caráter lúdico desinibe, estimulando os participantes a propor, justificar e defender algo que acreditam, além de possibilitar troca de vivências, com base em conteúdos temáticos sobre o assunto a ser trabalhado, na procura de proximidade à realidade vivida pelos participantes(4).

No que se refere a limitações e aspectos negativos, alguns participantes consideram que o debate é desestimulado quando há dominação por parte de membros do grupo, além da ocorrência de conversas paralelas, o que aconteceu em grupos muito numerosos. Cabe ao moderador um conjunto de tarefas que visam o andamento adequado do debate. A importância das regras deve ser enfatizada no início do grupo e monitorada durante as discussões(16).

Outra limitação se refere à ausência de salas adequadas para a realização dos grupos, já que alguns ocorreram em ambientes com barulho externo, em horário de recreio, e/ou foram interrompidos diversas vezes, ora por professores querendo utilizar as salas, ora por outros adolescentes curiosos com a atividade.

Sabe-se que a dinâmica deve acontecer em um lugar tranquilo, confortável, acessível, não movimentado, assegurando a privacidade e silêncio para a gravação das fitas e escuta entre os participantes(16). O ambiente interfere na qualidade dos resultados e o moderador deve estar atento a fatores que impeçam a discussão aberta e expressão livre dos participantes, para que as diferentes percepções e pontos de vista não deixem de ser manifestados(17).

A discussão com os adolescentes também fez notar que não está havendo discussão monitorada nas escolas sobre os valores juvenis, e permitiu a reivindicação, por parte dos adolescentes, de mais debates e de forma constante, no ambiente escolar. Além disso, eles solicitaram a inclusão de debates, na escola, de temas mais polêmicos e de outros assuntos como ética, direitos humanos, cidadania, política e aquecimento global.

Os dados por grupo social revelam que os adolescentes dos grupos Quase Periférico e Periférico avaliaram melhor o jogo, já que a maioria atribuiu a nota 10 (80 e 65,8%, respectivamente), comparando-se aos demais adolescentes dos grupos Central e Quase Central (41,2 e 48%, respectivamente). A menor nota alcançada em todos os grupos sociais foi 7.

Em relação à mudança de opinião, também houve diferenças entre os grupos sociais. A maioria dos adolescentes do grupo Central (82,3%) afirmou mudança de posicionamento após a participação no jogo, o que difere dos adolescentes do grupo Periférico, no qual apenas 56,1% relataram mudança de opinião. Já nos grupos Quase Central e Quase Periférico, os adolescentes também, na sua maioria, afirmaram mudança de opinião (80 e 68,5%, respectivamente).

Ao incorporar a realidade dos envolvidos, as discussões em grupo possibilitam a análise crítica da situação em que os participantes se encontram, uma vez que permite a complexificação dos saberes, a superação de concepções e práticas ingênuas e o desenvolvimento de nova consciência(10).

Conclusão

O jogo foi extremamente bem-vindo entre os adolescentes, que enfatizaram a importância das discussões realizadas. É possível afirmar que essa estratégia é profícua para a coleta de dados junto a adolescentes, propiciando momento de interação, socialização e concentração para realizar discussão crítica e, a partir dela, construir opiniões coletivamente.

O jogo mostrou-se adequado para a apreensão de dados, como um instrumento de pesquisa, já que atingiu os objetivos propostos com a obtenção de resultados satisfatórios de forma prática e relativamente rápida.

Além disso, os resultados indicam a pertinência do uso de jogos na investigação de questões complexas e na identificação da variabilidade que pode surgir entre grupos, situados em diferentes contextos sociais. Entretanto, como instrumento de pesquisa, a adoção de coleta de dados em grupo deve ser cuidadosamente escolhida, visto que também há desvantagens e limitações.

O caráter lúdico permitiu a participação dos adolescentes, de forma intensa, descontraída, prazerosa e interativa, o que facilitou o aprofundamento das discussões e possibilitou mudanças de opinião, resultado do movimento de reflexão mais aprofundada sobre o tema proposto. Através das discussões em grupo, os adolescentes tiveram a oportunidade e interesse de expor suas atitudes, crenças e valores, além de obterem novas e diferentes percepções, estimulando novas ideias.

Dessa forma, recomenda-se que o jogo seja utilizado quando se deseja apreender dados empíricos que envolvem aspectos subjetivos dos participantes relativos a ideias, opiniões, crenças, preconceitos, mitos, entre tantos. Na mesma direção, recomenda-se a utilização para a coleta de dados junto a adolescentes, em função da dinamicidade que foi particularmente apreciada pelos participantes.

Pode-se concluir que grupos pequenos com 5 ou menos integrantes não são bem avaliados pelos adolescentes e podem não atingir os objetivos propostos e esperados de uma atividade grupal. Da mesma forma, deve-se evitar a participação de mais de 10 integrantes por jogo, já que a condução se torna mais difícil e fatores como o tempo, cansaço e outras atividades interferem no resultado final.

A avaliação mostrou que essa estratégia é potente para favorecer a discussão de valores sociais, assinalada pelos adolescentes das diversas instituições como importante na formação, porém, quase sempre ausente do espaço escolar. A forte motivação dos adolescentes para discutir valores sociais colabora para a formulação de propostas de educação na área.

Indica-se também a pertinência do jogo como instrumento educativo de aproximação entre educadores e adolescentes, capaz de proporcionar espaço para discussão e aprofundamento de questões que parecem passar ao largo da formação da maioria desses jovens, especialmente daqueles que se encontram em contextos sociais marcados pela negatividade.

Dessa forma, recomenda-se que o jogo seja utilizado também em atividades grupais educativas junto a jovens, que acolhem emocionados as discussões democráticas, tratando de temas atuais, que dizem respeito a problemáticas, vivenciadas por eles na realidade social.

A utilização de trabalhos grupais tem importância reconhecida em diversas situações na área de enfermagem, tanto como recurso na assistência ao usuário quanto na produção de conhecimentos(18). Espera-se que, com novas evidências da boa aplicabilidade e potencialidade dos jogos, o uso desse instrumento faça parte da prática do enfermeiro e de pesquisadores, como estratégia dialógica e crítica capaz de consolidar as ações educativas, sob perspectiva emancipatória.

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  • Corresponding Author:
    Cássia Baldini Soares
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      22 Maio 2009
    • Aceito
      06 Out 2010
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