Open-access Aspectos históricos e sociais da halitose

Resumos

O problema referente aos odores bucais sempre foi fator de preocupação para a sociedade e ainda hoje se mostra presente. O objetivo do presente estudo foi realizar um embasamento histórico e social sobre a halitose. Para tanto, foi feita busca sistematizada, selecionando artigos por meio da base de dados BVS (Biblioteca Virtual em Saúde) e também pesquisa em livros. O desconhecimento sobre como prevenir halitose permite a sua ocorrência, limitando a qualidade de vida. Sendo os relacionamentos sociais um dos pilares do constructo qualidade de vida, é preciso considerar a halitose como fator de interferência negativa. A educação em saúde deve ser realizada visando o equilíbrio dinâmico, envolvendo aspectos físicos e psicológicos do ser humano, assim como suas interações sociais, para que os indivíduos não se tornem quebra-cabeças de partes doentes.

halitose; história; educação em saúde


Buccal odors have always been a factor of concern for society. This study aims to investigate the historical and social base of halitosis, through systematized research in the database BVS (biblioteca virtual em saúde - virtual library in health) and also in books. Lack of knowledge on how to prevent halitosis allows for its occurrence, limiting quality of life. As social relationships are one of the pillars of the quality of life concept, halitosis needs to be considered a factor of negative interference. Education in health should be accomplished with a view to a dynamic balance, involving human beings' physical and psychological aspects, as well as their social interactions, so that individuals do not become jigsaw puzzles of sick parts.

halitosis; history; health education


Los olores bucales siempre han sido un factor de preocupación para la sociedad, y ellos todavía son ahora. El objetivo de este estudio es hacer una base histórica y social en la halitosis. Fue efectuada una investigación sistematizada en la base de datos BVS (biblioteca virtual em saúde - la biblioteca virtual en salud) y también en los libros. La ignorancia en cómo prevenir la halitosis permite su ocurrencia, que limita la calidad de vida. Siendo las relaciones sociales uno de los pilares del concepto de calidad de vida, es necesario considerar la halitosis un factor de interferencia negativa. La educación en salud se debe llevar a cabo buscando un equilibrio dinámico, involucrando los aspectos físicos y psicológicos del ser humano, así como sus interacciones sociales, para que los individuos no se vuelvan rompecabezas de partes enfermas.

halitosis; historia; educación en salud


ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

Aspectos históricos e sociais da halitose

Marina Sá EliasI; Maria das Graças Carvalho FerrianiII

ICirurgiã-Dentista, Doutoranda em Enfermagem e Saúde Pública

IIDoutor em Enfermagem, Prof. Titular, e-mail: caroline@eerp.usp.br. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem

RESUMO

O problema referente aos odores bucais sempre foi fator de preocupação para a sociedade e ainda hoje se mostra presente. O objetivo do presente estudo foi realizar um embasamento histórico e social sobre a halitose. Para tanto, foi feita busca sistematizada, selecionando artigos por meio da base de dados BVS (Biblioteca Virtual em Saúde) e também pesquisa em livros. O desconhecimento sobre como prevenir halitose permite a sua ocorrência, limitando a qualidade de vida. Sendo os relacionamentos sociais um dos pilares do constructo qualidade de vida, é preciso considerar a halitose como fator de interferência negativa. A educação em saúde deve ser realizada visando o equilíbrio dinâmico, envolvendo aspectos físicos e psicológicos do ser humano, assim como suas interações sociais, para que os indivíduos não se tornem quebra-cabeças de partes doentes.

Descritores: halitose; história; educação em saúde

INTRODUÇÃO

O mau hálito ou halitose é o odor ofensivo emanado pela boca, ou pelas cavidades nasais, ou ainda pelos seios da face e faringe. A etiologia da halitose é localizada na boca, em torno de 90% dos casos, e pode ser atribuída a cárie dental, doença periodontal, infecções orais e principalmente saburra lingual(1-2). E, pelo fato da saburra não ser contagiosa, torna-se comum que apenas um dos parceiros apresente hálito desagradável, a ponto de incomodar o outro.

O olfato, assim como a visão, é suscetível a grande adaptação. Na primeira exposição a um cheiro muito forte, a sensação pode ser muito intensa, mas dentro de um minuto, quase não será mais sentido. Dessa forma, os indivíduos são incapazes de mensurar sua própria halitose(3).

O presente estudo tem como objetivo realizar embasamento histórico e social sobre a halitose. E, para tanto, foi organizada busca sistematizada, onde foram selecionados artigos nacionais e internacionais, por meio da base de dados BVS (Biblioteca Virtual em Saúde) e também de livros que tratam do tema. A relevância dada a esse assunto se apresenta, uma vez que a presença de halitose pode afetar a qualidade de vida em sua plenitude.

HISTÓRICO

Os odores são pistas essenciais na criação e conservação de vínculos sociais, pois estão impregnados de valores culturais.

O problema da halitose é relatado há muitos anos, havendo referências que datam de 1550 a.C., ainda em papiros, e também de Hipócrates que dizia que toda moça devia ter um hálito agradável, tendo o cuidado de sempre lavar sua boca com vinho, erva-doce e sementes de endro(4).

Os romanos utilizavam mecanismos para mascarar o problema da halitose como pastilhas perfumadas, mascar folhas e talos de plantas. Ter um hálito fragrante na Antigüidade era exalar a doçura da vida e atestar a pureza de alma de uma pessoa. Já no cristianismo, o supremo odor maligno emitido pelo diabo possuía cheiro de enxofre e, ainda, presumia-se que os pecados emitiam mau cheiro, em menor ou maior grau(5). Associação complexa, pois, muitas vezes, o odor predominante na halitose é o de enxofre.

Nas escavações arqueológicas realizadas em depósitos de lixo provenientes do século XIX, foram encontrados potes em faiança de pós dentifrícios. Anúncios de época veiculavam as propriedades dos "pós dentifrícios chineses", "elixires dentifrícios", "opiatos dentifrícios", confirmando o especial interesse pela eliminação do mau hálito e pelo asseio da boca(6).

No decorrer do século XIX, as emanações resultantes da atividade interna do corpo que, em momentos anteriores foram relativamente toleradas, tornaram-se insuportáveis. A ideologia de higienização forçou a completa domesticação dos odores e produtos decorrentes dos processos metabólicos. Surgiu uma nova etiqueta corporal cuja palavra de ordem passou a ser a discrição(6).

Um outro exemplo vem do Talmude, datando de mais de dois mil anos atrás, ao relatar que, diante de algumas condições como, por exemplo, o mau odor de um dos parceiros, há a possibilidade de se quebrar legalmente a licença de matrimônio, o Ketuba(2).

Um tratado da literatura islâmica do ano 850 discorre sobre a odontologia, fazendo referências ao tratamento de hálito fétido. Como a recomendação do uso do siwak*, quando o hálito estivesse mudado ou em qualquer momento ao se levantar da cama(7). Recomendação provavelmente direcionada para minimizar o odor da halitose matinal ou fisiológica.

Os hindus consideram a boca como porta de entrada do corpo e, portanto, insistem em mantê-la limpa, principalmente antes das suas orações. O ritual não se limita a escovar os dentes, mas também há raspagem da língua com um instrumento especial e o uso de bochechos. Os monges budistas no Japão também preconizavam a escovação dos dentes e a raspagem da língua, antes das primeiras orações matinais(7). Interessante ressaltar que a higiene oral complementada pela raspagem da língua já era realizada há muitos anos e, no entanto, essa prática de raspagem, apesar de eficaz, raramente é prescrita e ensinada pelos dentistas.

O único tratado sobre a halitose foi escrito em 1874, por Howe, onde afirma que o hálito ofensivo deriva sua importância do fato de se tornar fonte constante de infelicidade para o paciente, e é ainda pior quando destrói a comunicação entre amigos e os prazeres dos contatos sociais(1).

Atualmente já se sabe da multiplicidade dos fatores etiológicos que podem produzir a halitose, dessa forma, não é possível a indicação de tratamento único; após o diagnóstico, a remoção das possíveis causas se torna a conduta inicial.

ASPECTOS SOCIAIS

A halitose pode ser considerada como um impedimento social(1), algo que interfere nos relacionamentos pessoais. Em várias tribos de países distantes, a palavra "beijo" na realidade designa cheiro, uma aspiração prolongada dos odores da pessoa amada, de um parente ou amigo(8).

O beijo é uma demonstração de afeto, um gesto simbólico de afirmação e vínculo com o outro(9).

O mau odor bucal se torna importante fator nas relações sociais, podendo originar preocupação, não só em relação ao aspecto de saúde, mas também a alterações psicológicas que conduzem ao isolamento social e pessoal(2). Pessoas que sofrem de halitose criam barreira social entre elas e seus amigos, familiares, cônjuge ou colegas de trabalho(4).

Pela definição da qualidade de vida como a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive, e também em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações(10), torna-se relevante avaliar que a plenitude dessa qualidade de vida será influenciada se o indivíduo apresentar restrições físicas e psicológicas que podem interferir sobre aspectos da fala, convívio social e auto-estima(11).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação dos odores bucais com os aspectos sociais sempre foi fator de preocupação para a sociedade que, procurando mascará-los, se utilizava de diversos artifícios e substâncias. O mau odor bucal sempre foi e, ainda, é um obstáculo para a plenitude da vivência conjugal.

Sendo a halitose distúrbio que acompanha a sociedade há muitos anos, revela-se inaceitável que, com o avanço dos conhecimentos, esses não sejam transmitidos de forma adequada para a população.

O desconhecimento sobre como prevenir halitose permite a sua ocorrência, limitando a qualidade de vida. Tais problemas poderiam ser sanados facilmente por meio da educação em saúde, pois a etiologia da halitose concentra-se basicamente na boca.

Sendo os relacionamentos sociais um dos domínios do constructo qualidade de vida, é preciso considerar a halitose fator de interferência negativa. E, dessa forma, a educação em saúde deve ser realizada visando o equilíbrio dinâmico, envolvendo os aspectos físicos e os psicológicos do ser humano, assim como suas interações sociais, para que os indivíduos não se tornem quebra-cabeças de partes doentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 28.1.2005

Aprovado em: 11.5.2006

Referências bibliográficas

  • 1. Hine MK. Halitosis. J Am Dent Assoc 1957 July; 55(1): 37-46.
  • 2. Sanz M, Roldán S, Herrera D. Fundamentals of Breath Malodour. J Contemp Dent Pract 2001 November 15; 2(4): 1-17.
  • 3. Ayers KMS, Colquhoun ANK. Halitosis: causes, diagnosis, and treatment. N Z Dent J 1998 December; 94(418): 156-60.
  • 4. Bosy A. Oral malodor: philosophical and practical aspects. J Can Dent Assoc 1997 March; 63(3): 196- 201.
  • 5. Classen C, Howes D, Synnott A. Aroma: a história cultural dos odores. Rio de Janeiro (RJ): Jorge Zahar; 1996.
  • 6. Andrade Lima T. Humores e odores: ordem corporal e ordem social no Rio de Janeiro, século XIX. História, Ciências, Saúde, Manguinhos 1996 fevereiro; 2(3):44-96.
  • 7. Ring ME. História da Odontologia. São Paulo (SP): Manole; 1998.
  • 8. Ackerman D. Uma história natural dos sentidos. Rio de Janeiro (RJ): Editora Bertrand Brasil; 1992.
  • 9. Cahen G. O beijo: primeiras lições de amor - história, arte e erotismo. São Paulo (SP): Mandarim; 1998.
  • 10. Who. The World Health Organization Quality of Life assessment (WHOQOL): position paper from the World Health Organization. Soc Sci Med 1995 November; 41(10):1403-9.
  • 11. Sheiham A, Steele JG, Marcenes W, Tsakos G, Finch S, Walls AW. Prevalence of impacts of dental and oral disorders and their effects on eating among older people; a national survey in Great Britain. Community Dent Oral Epidemiol 2001 June; 29(3):195-203.
  • *
    Siwak - branch of a tree whose wood contains sodium bicarbonate and tannic acid, besides other astringent substances that exert beneficial effects on oral health.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2006

    Histórico

    • Aceito
      11 Maio 2006
    • Recebido
      28 Jan 2005
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