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A cardiopatia isquêmica na mulher

Resumos

As doenças coronárias (DC) são o principal motivo de mortalidade no sexo feminino e masculino. Existem diferenças de gênero na apresentação, na evolução e na maneira como a doença é abordada. Este trabalho teve como objetivo principal revisar a literatura sobre a DC e o seu enfoque de gênero. Os autores pesquisaram diferentes textos caracterizados por uma abordagem qualitativa, publicados entre 2003 e 2009, nas bases de dados PubMed, IME, CUIDEN e CINAHL. Como principais resultados são identificados os fatores que dificultam o diagnóstico precoce da doença isquêmica nas mulheres, e as possíveis consequências desse diagnóstico tardio são apontadas. Nos 56 textos selecionados, inicialmente mostra-se a dificuldade da mulher relacionada ao reconhecimento dos primeiros sintomas da doença coronária, e a baixa percepção do risco dessa doença. É necessária maior sensibilização sobre a cardiopatia isquêmica (CI), para se reduzir o elevado índice de morbidade e mortalidade.

Doença das Coronárias; Gênero e Saúde; Infarto do Miocárdio; Pesquisa Qualitativa


Nowadays, Coronary Diseases (CDs) represent the main mortality cause in men and women, but there are gender differences regarding their presentation, progression and the way the disease is tackled. This study mainly focuses on reviewing literature about the CD and its gender approach. The authors carried out a search of texts that use qualitative methodology, published between 2003 and 2009 in the following databases: PUBMED, IME, CUIDEN and CINAHL. Factors that hinder the early diagnosis of Ischemic Heart Disease in women are identified as the main findings, and the possible consequences are pointed out. In the fifty-six texts that were selected initially, we can see the difficulty women face to recognize early symptoms of the CD and their low risk perception of this disease. Greater awareness on Ischemic Heart Disease is needed, so that the high morbidity and mortality rates can be reduced.

Coronary Disease; Gender and Health; Myocardical Infarction; Qualitative Research


Las Enfermedades Coronarias (EC) suponen la principal causa de mortalidad en el sexo femenino y masculino, pero existen diferencias de género en aspectos como la presentación, evolución o el abordaje de la enfermedad. Este trabajo se centra principalmente en revisar la literatura sobre la EC y el enfoque de género. Los autores han realizado una búsqueda de artículos que utilizan metodología cualitativa publicados entre 2003 y 2009 en las bases de datos PUBMED, IME, CUIDEN y CINAHL. Como hallazgos principales se identifican los factores que dificultan el diagnóstico precoz de la cardiopatía isquémica en la mujer, y se apuntan las posibles consecuencias que puede comportar. En los 56 textos seleccionados, inicialmente se evidencia la dificultad de la mujer para reconocer los síntomas iniciales de EC, así como la baja percepción de riesgo sobre dicha enfermedad. Es necesaria una mayor concienciación sobre la CI con la finalidad de reducir las altas cifras de morbimortalidad.

Enfermedad Coronaria; Género y Salud; Infarto de Miocardio; Investigación Cualitativa


ARTIGO DE REVISÃO

A cardiopatia isquêmica na mulher

David Sancho CantusI ; María del Carmen Solano RuizII

IEnfermeiro, Doutorando em Enfermagem, Professor, Universidad Católica de Valencia San Vicente Mártir, Espanha. E-mail: dsanch46@hotmail.com

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular, Escuela Universitaria de Enfermería, Universidad de Alicante, Espanha. E-mail: carmen.solano@ua.es

Endereço para correspondência

RESUMO

As doenças coronárias (DC) são o principal motivo de mortalidade no sexo feminino e masculino. Existem diferenças de gênero na apresentação, na evolução e na maneira como a doença é abordada. Este trabalho teve como objetivo principal revisar a literatura sobre a DC e o seu enfoque de gênero. Os autores pesquisaram diferentes textos caracterizados por uma abordagem qualitativa, publicados entre 2003 e 2009, nas bases de dados PubMed, IME, CUIDEN e CINAHL. Como principais resultados são identificados os fatores que dificultam o diagnóstico precoce da doença isquêmica nas mulheres, e as possíveis consequências desse diagnóstico tardio são apontadas. Nos 56 textos selecionados, inicialmente mostra-se a dificuldade da mulher relacionada ao reconhecimento dos primeiros sintomas da doença coronária, e a baixa percepção do risco dessa doença. É necessária maior sensibilização sobre a cardiopatia isquêmica (CI), para se reduzir o elevado índice de morbidade e mortalidade.

Descritores: Doença das Coronárias; Gênero e Saúde; Infarto do Miocárdio; Pesquisa Qualitativa.

Introdução

Hoje em dia, as doenças cardiovasculares (DCV) correspondem à primeira causa de morte, ao redor do mundo, nos sexos feminino e masculino, ultrapassando patologias como o câncer ou até mesmo eventos como os acidentes de trânsito(1-2). Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, estima-se que, no ano 2005, 17,5 milhões de pessoas morreram por DCV, o que representa 30% das mortes registradas em todo o mundo(3). Na Europa, as DCVs representam a primeira causa de morte entre homens e mulheres, sendo responsáveis por quase a metade de todas as mortes(3). Dentro das DCVs, o principal grupo é a cardiopatia isquêmica (principalmente angina de peito e infarto do miocárdio). Nesses momentos, assume-se que existe número crescente de homens e mulheres que convivem com uma DCV(1), e estima-se que, a cada ano, os casos de infarto e angina que requererão internação hospitalar aumentarão em 1,5%(2), com o consequente impacto socioeconômico.

Muitos estudos(4-6) têm evidenciado as diferenças de gênero na cardiopatia isquêmica (CI), um fato de vital importância quando se pretende abordar o enfoque de gênero nessa patologia. Existem diferenças não só em relação à manifestação clínica da doença coronariana, mas, também, na abordagem terapêutica ou na forma de responder a um evento cardíaco. Por esse motivo, somente se poderá valorizar a real dimensão do problema enfrentado, quando se tiver a capacidade de saber como a mulher vivencia sua doença, e por que reage tal como o faz. Nesse sentido, será essencial questionar qual é a informação prévia ou o nível de conhecimento que a mulher tem sobre a sua patologia, no momento de ficar doente, para entender melhor como responde à doença e por quê.

Outra questão de interesse está relacionada aos motivos que condicionam esse comportamento observado na mulher, porque a solicitação de assistência especializada costuma demorar, como interpreta os primeiros sinais de CI e porque reage de determinada maneira. Tudo isso servirá para se justificar os enfoques qualitativos utilizados na abordagem metodológica do fenômeno estudado. A resposta que a mulher dá diante dos primeiros sintomas da CI está condicionada a múltiplos fatores que deverão ser explorados, desmembrados e depois integrados, a fim de facilitar a compreensão de determinadas atitudes e comportamentos.

Todas essas propostas deveriam abranger maior conscientização sobre as DCVs, em geral, e a CI em particular; um caminho que deve passar pelos enfoques de gênero nos futuros estudos e pesquisas, e no qual a mulher deixe de ser e se sentir discriminada, devido à sua presença como testemunha nos estudos atuais. O modelo masculino, tradicionalmente, foi tomado como referência no estudo das doenças e dos processos relacionados à saúde, apesar de que esse enfoque androcentrista tem gerado confusão e dificultado a suposta imparcialidade e objetividade das ciências médicas.

O objetivo principal deste artigo foi realizar revisão da literatura qualitativa sobre a doença coronariana na mulher. Como objetivo secundário, os autores se propuseram a entender como a mulher vivencia e sente a doença coronariana. Esse aspecto é essencial para se planejar as políticas adequadas e tentar reduzir o impacto dessas doenças.

Método

Foi realizada revisão bibliográfica da produção científica, relacionada à cardiopatia isquêmica na mulher, no período de 2003 a 2009. No total, foram selecionados 56 artigos. As bases de dados consultadas foram MEDLINE, CUIDEN, CINAHL e IME. Essa busca foi desenvolvida entre março e maio de 2010.

A estratégia de busca adotada parte dos aspectos mais gerais (como, por exemplo, as questões epidemiológicas da DCV), progressivamente centrando-se no principal objeto de atenção do estudo, considerando-se o enfoque de gênero na doença(6-7).

Praticamente 50% da literatura revisada são bastante recentes, já que se trata de artigos publicados nos últimos três anos. As revistas que contribuem com maior número de artigos são, em primeiro lugar, as especializadas no tema do estudo, tais como Enfermería en Cardiología, European Journal of Cardiovascular Nursing, Revista Española de Cardiología, The Journal of Cardiovascular Nursing, Revista de la Federación Argentina de Cardiología, Progress in Cardiovascular Nursing, Critical Pathways in Cardiology ou Journal of the American Heart Association. Outras revistas de Enfermagem nas quais alguns dos textos analisados foram publicados são: International Journal of Nursing Studies, British Journal of Nursing ou Medsurg Nursing, entre outras. Em relação a revistas que não pertencem estritamente ao contexto da Enfermagem e Cardiologia, se destacam, por exemplo, a American Journal of Critical Care, Australian Critical Care ou Women's Health. No total, aproximadamente 30 revistas científicas foram representadas nesta revisão da literatura.

Atendendo os critérios usados na seleção de artigos, foram escolhidos os textos diretamente relacionados à patologia CV na mulher, fundamentalmente textos qualitativos que buscam abordar as experiências da doença pelas mulheres(6). De fato, em 25 dos artigos revisados (quase 45% do total), os autores mostraram preocupação em levantar como a mulher percebe sua doença e quais são os motivos para esse comportamento. A princípio, foram identificados 5.562 textos sobre doença coronariana, dos quais o total de 56 textos foram selecionado por atenderem os critérios de inclusão estabelecidos para este trabalho. Para realizar essa seleção, foi aplicada uma análise temática baseada nas seguintes palavras-chave ou descritores(7): primeiro foram introduzidos termos gerais como: "enfermedad cardiovascular", "cardiopatía isquémica", "infarto de miocardio", "angina de pecho", "enfermería" ou "factores de riesgo". Posteriormente, a análise foi aprofundada, no intuito de se orientar a busca para os objetivos concretos. Nesse caso, os descritores usados foram: "percepción del riesgo", "mujer", "género", "conocimientos previos" ou "síntomas de cardiopatía isquémica". Em nível maior de complexidade, foram usados operadores boolianos para crivar mais especificamente o almejado e evitar ruído desnecessário. Quer-se dizer, foram cruzados descritores na busca como. por exemplo: "género" ou "infarto de miocardio" ou "fenomenología" or "cualitativa".

Após efetuar a busca, foram selecionados os artigos que se julgava estarem mais relacionados ao tema do estudo, descartando-se os textos mais gerais e os que não ofereceram maiores informações do que as já obtidas (saturação da informação)(6-7).

Critérios de inclusão

- Artigos publicados em inglês ou espanhol, em revistas científicas da área da saúde, entre 2003 e 2009.

- Textos do tipo qualitativo que explorem as experiências dos pacientes na doença coronariana, principalmente das mulheres.

- Textos com enfoque específico em doenças como a angina de peito ou o infarto do miocárdio.

Resultados

Na presente revisão da literatura, diversos temas principais aparecem (Figura 1): a importância das doenças cardiovasculares (DCV) com relação à morbimortalidade e as consequências sociais e sanitárias; o papel do gênero na cardiopatia isquêmica (CI), no que se refere à apresentação da doença, sua evolução no tempo ou o modo de abordá-la, tanto dos profissionais da saúde como dos próprios pacientes; ou o comportamento das mulheres diante dos primeiros sintomas de doença coronariana e as possíveis justificativas e implicações dessa atitude.


Situação atual: uma epidemia silenciosa

Existe total unanimidade sobre a transcendência da DCV com relação à morbimortalidade. Muitos estudos consideram a DCV como a principal causa de morte, em nível mundial(4-5). Esses autores defendem que a DCV é a principal causa de morte em ambos os sexos, nos países desenvolvidos, entre os quais são citados expressamente o Reino Unido, EUA ou Espanha, por exemplo. Estima-se que, durante o ano 2005, 17,5 milhões de pessoas tenham falecido, ao redor do mundo, devido às DCVs, o que representa aproximadamente 30% de todas as mortes produzidas(5). Os autores desse estudo consideram as DCVs uma "epidemia" que não faz distinções por motivos de raça, idade ou geografia; é, provavelmente, o maior problema de saúde nos países desenvolvidos(8-10). Na Europa, a porcentagem de disfunções, por esse motivo, é de aproximadamente 50% do total. Essa proporção, certamente, é preocupante, não só pelo que representa, mas, também, por causa das previsões existentes, que mostram um futuro pouco tranquilizador.

Nesse cenário, a mortalidade por DCV já supera a mortalidade relacionada aos acidentes de trânsito ou ao câncer(5), apesar de que o protagonismo mediático que essas entidades adotam ensombreça uma realidade impossível de se ignorar.

No grupo das DCVs, estima-se que a CI é o grupo mais numeroso, em termos de mortes. De fato, considera-se que, dos 17,5 milhões de disfunções geradas, anualmente, na Europa, por causa das DCVs, 7,6 milhões correspondem a mortes relacionadas à CI(7).

As previsões apontam que, para o ano 2050, a mortalidade por infarto do miocárdio será aproximadamente 30% maior em mulheres do que em homens(11); mesmo assim, o câncer continua suscitando mais medo(4,12).

No que diz respeito à incidência da CI na mulher, vários estudos apoiam as hipóteses de que, anualmente, essa doença mata aproximadamente o dobro de mulheres do que todos os tipos de câncer juntos, e de que ela representa a principal causa de incapacidade na mulher(6).

Abordagem da CI a partir de um enfoque de gênero: aprendendo a entender

A DCV (e dentro dela a CI) tem alguns fatores de risco (FRCV) bem conhecidos, tais como a hipertensão arterial, a hipercolesterolemia, o tabagismo ou o diabetes mellitus, com relação a fatores modificáveis, e o sexo ou a idade como fatores não modificáveis(2,6). Apesar dessas evidências, foi comprovado que, entre as mulheres, o conhecimento desses fatores e sua relação com a CI é bastante limitado, o que, sem dúvida, acabará sendo fundamental na análise final da tomada de decisões(5). É exatamente esse desconhecimento dos FRCV que propicia baixo nível de percepção de risco na sociedade, em geral, e na mulher, em particular(5,13-14), tanto que, apesar dos altos índices de mortalidade por CI, as notícias sobre essas patologias não estão no centro da atenção mediática(15). Os próprios profissionais da saúde têm dificuldades para diagnosticar corretamente um IAM (infarto agudo do miocárdio) em uma mulher, ou para identificar seus sintomas(11). Além disso, outro aspecto é que, tradicionalmente, a mulher tem ocupado posição anedótica nas pesquisas realizadas sobre CI(14); e é a partir da década de 1990 que se começa a incluir a mulher nesse tipo de estudos, motivo pelo qual o conhecimento existente a respeito é relativamente escasso.

Existem, atualmente, na CI, características particulares em função do sexo, o que condiciona tanto as diferenças na frequência de aparecimento como os fatores predisponentes ou o modo de apresentação, entre outros(8,12). Também, tradicionalmente, a CI tem sido considerada doença vinculada ao sexo masculino, o que tem propiciado aspectos como o baixo nível de consciência sobre o alcance real do problema, tanto pelos profissionais de saúde, quanto pela população(6,12-13).

Um dos principais problemas que acontece ao se tratar dessa patologia está relacionado à apresentação dos sintomas que a caracterizam; alguns sintomas que a mulher costuma interpretar erroneamente e menosprezar, na maioria das vezes. Diversos estudos recentes apontam, de fato, que porcentagem de, aproximadamente, 60% das mulheres que vivenciam um IAM não reconheceram previamente os sintomas(14,16). A literatura consultada mostra pouca uniformidade nos sintomas que a mulher costuma experimentar, com maior frequência, durante um IAM, apesar de existirem aspectos divergentes entre os distintos estudos.

A mulher costuma referir sintomas prodrômicos, tais como enxaqueca, dores no ombro e até episódios de cegueira temporária; mesmo assim, o sintoma mais frequente é a fadiga, que começa entre 2-4 semanas antes do IAM e permanece depois do episódio agudo(14). O sintoma mais comum de IAM, em ambos os sexos, é a dor no peito(16), uma dor localizada no centro do peito que irradia até o braço esquerdo. Essa dor costuma aparecer, na mulher, em combinação com o estresse psicossocial, e o eletrocardiograma em repouso costuma ser normal. Em comparação, sabe-se que o homem costuma definir a dor precordial, desencadeada durante o exercício físico, com irradiação até a mandíbula e/ou braço esquerdo e acompanhada por sintomas vagais como náusea, vômitos e dispneia(13). A frequência da dor nas costas é o dobro entre as mulheres com IAM do que entre os homens, e as primeiras são mais propensas a referir sintomas como dor no braço, ombro, mandíbula, garganta ou dentes. Além disso, observa-se que as mulheres são mais propensas a sofrer determinados tipos de sintomas do IAM, quando estão sob pressão psicológica (estresse). No grupo das mulheres, o prognóstico é mais grave no caso do IAM. Em outros estudos, descreve-se a presença de sintomas atípicos como dor epigástrica ou abdominal, náusea, vômitos e "sentir-se doente"(10). Os sintomas de CI, na mulher, parecem ser do tipo assintomático, apesar de que os sintomas prodrômicos não estão muito bem definidos nos estudos anteriores(11). Parece existir relação diretamente proporcional entre a atividade física realizada e a CI. Outro fato postulado é que as mulheres apresentam maior prevalência de infartos silenciosos que os homens, depois dos 55 anos, além de apresentarem a insuficiência cardíaca como primeiro sinal do IAM(17).

A maioria dos sintomas costuma ser atípica, como diaforese, dor de mandíbula, dor epigástrica, fadiga, dispneia ou dor no peito, entre outros, sintomas que diferem da apresentação clássica da doença no homem e que, por isso, acabam sendo mais complexos de se detectar em tempo(10,17). Essa dificuldade no reconhecimento dos sintomas converte-se no tempo que a mulher demora para solicitar assistência especializada. De fato, um dos principais problemas, relacionados ao tratamento da CI, na mulher, é a demora no assim chamado decision time, quer dizer, o intervalo de tempo entre o início dos sintomas e a demanda por assistência médica(8,10,18). Alguns autores apontam que essa demora costuma ser de umas 4 horas, apesar de variar entre 1 e 5, 6 horas(19). Seja como for, acaba sendo crucial identificar as razões que provocam essa demora, já que foi evidenciada drástica redução na mortalidade após um IAM, quando da intervenção precoce, ou seja, dentro das primeiras horas(16).

Quando se pretende explorar os motivos subjacentes a essa demora descrita na literatura, encontra-se uma rede de fatores pessoais, psicossociais, profissionais e culturais(18) (Figura 2). Aspectos como o nível educativo, o status social ou a carga familiar incidem, de forma indireta, na atitude adotada pela mulher diante dos primeiros sintomas de um IAM. Diversos autores têm tentado aproximar-se desse fenômeno(17-19); alguns até postulam construtos teóricos que tentam definir o comportamento da mulher; esses construtos se constituem por diferentes modelos, tais como o "modelo de crenças na saúde", o "modelo cognitivo", o "modelo de autorregulação" ou o "modelo da ação raciocinada"(20).


Um dos motivos subjacentes e mais frequentes, quando se explora a demora na solicitação de assistência médica, é o déficit de conhecimentos por parte da mulher sobre os FRCV e sobre a própria patologia. Mais de 50% da mostra investigada no estudo sobre o tema não souber identificar corretamente os fatores de risco da DCV(7), o que supõe falta de conhecimentos e baixo nível de conscientização a respeito das causas e dos FRCV. No mesmo texto se aponta relação direta entre o nível de conhecimentos sobre a DCV e determinados fatores sociodemográficos, por um lado, e a aquisição de comportamentos de promoção da saúde, por outro. Em outro estudo(16) pergunta-se sobre o "modelo de autorregulação", segundo o qual a representação e o conhecimento da experiência prévia são usados para interpretar as novas experiências e modificar comportamentos. Há alguns números certamente alarmantes como, por exemplo, somente 21,5% dos entrevistados sabiam em que momento deveriam comparecer à emergência, em caso de uma dor(21). Que a mulher denota alguns pobres conhecimentos em relação à sua doença é fator que se pôde constatar, por meio da literatura consultada, mas permanece uma questão para análise: onde se obtém a informação? Os meios de comunicação, reportagens científicas e a própria família são diretamente apontados como fontes de informação para o paciente, sobre sua doença(11). Existe um dado não menos inquietante: a informação obtida pelos pacientes, sobre a DVC, não costuma provir do pessoal de Enfermagem(22).

Dentro dessa linha, há autores defensores da ideia de que a educação em saúde deveria começar na escola e ser tema de reflexão permanente(22). De fato, foi possível comprovar que pacientes que recebem educação em saúde sobre a CI, através de conferências dadas por enfermeiras, acompanhadas por informações escritas em guias práticos, conseguem adquirir e manter hábitos cardiossaudáveis(22). Diversos estudos têm indicado a necessidade de conscientização a respeito da CI, tanto pela mulher quanto pelos próprios profissionais da saúde e da sociedade em geral, como forma de reduzir a morbimortalidade(23). Toda essa maior conscientização deveria abranger melhor reconhecimento precoce da doença, para, assim, poder-se atuar cedo e evitar demoras desnecessárias na solicitação da assistência, influenciando, por sua vez, a morbimortalidade(7). A Enfermagem tem papel fundamental nesse aspecto, já que ocupa posição privilegiada; cabe-lhe envidar esforços no sentido de aumentar a conscientização das mulheres e ajudá-las a desenvolver estratégias efetivas de controle dos FRCV (13).

Mas as divergências em relação à CI na mulher dizem respeito não só à forma de apresentação da doença ou à demora em solicitar assistência especializada, também se estendem a aspectos como o tratamento recebido. Nesse sentido, foi possível comprovar que a mulher encontra-se em situação de franca desigualdade diante do homem(1), já que o tratamento recebido por ela costuma ser menos agressivo, apesar de que os números mostram maior mortalidade e severidade em comparação com os homens, sobretudo em fases avançadas da vida(24). Diversos estudos têm confirmado que as mulheres que comparecem aos serviços de emergência solicitando assistência, devido a um IAM, costumam levar mais tempo para serem vistas, e que lhes são aplicados menos testes diagnósticos(19-20). Quando a mulher decide buscar ajuda especializada, refere dificuldades no processo diagnóstico e, em muitas ocasiões, não é levada a sério(24-25). Assim, costumam ser tratadas com ansiolíticos ou antidepressivos, em uma errônea presunção por parte do profissional que as atende(14), que identifica os sintomas apontados pela mulher como sendo transtornos ansioso-depressivos.

Discussão

Nesta revisão da literatura, deve-se alertar sobre determinadas limitações na explicação e nos resultados obtidos. Uma delas, sem dúvida, é o viés de seleção, já que foram coletados principalmente textos qualitativos, cuja maioria trata o tema analisado, a partir da perspectiva de gênero – exatamente aquela que se pretendia explorar. Assim, a maioria dos textos reflete o que a mulher vivencia, sente e percebe em relação à CI, o que pode induzir ao viés comentado. A estratégia seguida para localizar os artigos, por outro lado, é afetada por essa limitação, já que, quando da seleção dos textos que iam fazer parte da revisão, os critérios foram extremamente claros; eram de interesse os estudos que explorassem, de alguma forma, a CI sob o ponto de vista da mulher.

Por outro lado, definitivamente, poderia ter sido selecionado maior número de artigos, mas foi aplicado um princípio característico da pesquisa qualitativa: a saturação da informação. A esse respeito, foi encontrada produção científica relativamente escassa relacionada a estudos de CI, na mulher, além de sua procedência principalmente anglo-saxônica. Isso pode ser devido a um fator de grande ocorrência, ao longo do texto: a pouca representatividade da mulher nos estudos sobre CI, até pouco tempo atrás.

Outro fator a ser considerado, quando se trata das limitações, é que foi observado, recentemente, o predomínio de estudos fenomenológicos ou qualitativos; talvez na tentativa de dar respostas a determinadas inquietudes surgidas ante as últimas evidências sobre a doença. É inegável que a mulher tem adotado um protagonismo talvez involuntário na CI. Isso tem gerado uma virada muito importante na forma tradicional de enfocar a doença, provocando, por sua vez, necessidade de mudanças substanciais na abordagem dada a essa patologia, daqui em diante.

Esta revisão mostra que existe déficit no nível de conhecimento da mulher sobre a CI, no momento em que a doença aparece, de acordo com as contribuições de outros autores. Esse, provavelmente, é elemento nuclear na exploração da doença coronariana, a partir da perspectiva de gênero, já que esse déficit se traduz em uma forma de atuar caracterizada por demora na solicitação de assistência médica especializada, e por subvalorização dos sintomas com os quais a CI se apresenta, dificultando, na maioria das ocasiões, o reconhecimento precoce da doença. Tudo isso leva a um pior prognóstico e à evolução menos favorável da CI, em geral.

Conclusões

Os achados encontrados nesta revisão são extremamente úteis, já que oferecem uma perspectiva muito valiosa sobre a situação atual da CI, na mulher. Isso deve levar à proposta de um conjunto de objetivos de curto e médio prazo, por meio dos quais se aprofundem os caminhos que estão surgindo. A esse respeito, reduzir o tempo de demora (decision time), torna-se fundamental para conseguir melhorar os resultados e a sobrevivência da mulher com IAM porque, como já foi apontado, o prognóstico melhora de forma exponencial, quanto menor for essa demora. Foi indicado que uma forma prática de poder conseguir esse objetivo seria a conscientização da mulher sobre a importância da CI. É nesse ponto que a Enfermagem tem campo de atuação com extensas possibilidades. Assim, devem ser implementados programas que, a partir da atenção primária à saúde, informem as mulheres sobre quais são os FRCV, quais são as peculiaridades da doença, os mitos e crenças existentes entre a opinião pública, os sintomas com os quais a CI pode se mostrar e, possivelmente o mais crucial, como responder a esses sintomas. As políticas de saúde relacionadas, necessariamente, devem ser baseadas nas estratégias de prevenção primária e promoção da saúde.

Aponta-se, atualmente, para uma certa inflexão relacionada à doença coronariana. Vivencia-se um momento em que o gênero vem se tornando fator a ser considerado na abordagem dessa doença. Isso tem propiciado uma nova perspectiva, capaz de ajudar a entender melhor esse tipo de doença e, portanto, a planejar estratégias preventivas para diminuir a morbimortalidade a ele associada. Cada vez mais, estudos fazem ecoar essa realidade, e tentam aproximar-se do modo como o paciente vivencia e sente sua doença, como meio para melhorar a eficácia na luta contra as doenças cardiovasculares.

Nesse contexto de conscientização progressiva sobre a situação real das DCVs no mundo, torna-se fundamental a colaboração dos meios de comunicação, que devem ter papel de liderança sugestiva e progressiva. A CI deve ser conhecida e informada e, aqui, as mídias escrita e audiovisual constituem arma eficaz para fazer chegar essa informação devida à mulher Nesse sentido, o profissional de Enfermagem representa veículo necessário para formar e informar a população sobre os fatores de risco cardiovasculares, as consequências da DCV, e os aspectos relacionados à sua prevenção e manejo.

Assim, são necessários outros estudos qualitativos, com abordagem aprofundada das vivências da mulher com a doença, como forma de elaborar estratégias efetivas de abordagem pessoal, social, familiar e cultural. É exatamente nessa multidimensionalidade da doença que o enfoque a ser dado à CI deve se basear. É por meio desse enfoque que a mulher tomará consciência de sua patologia, como passo prévio para seu futuro controle e autocuidado.

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  • Corresponding Author:
    David Sancho Cantus
    Passeig República de Malta 1-2-10
    46760, Tavernes de la Valldigna, Valencia, España
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      05 Jan 2011
    • Aceito
      04 Out 2011
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