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Análise da resistência à compressão e tração de argamassa com adição de resíduo de cerâmica vermelha

Study of the compressive and tensile strengths of mortar with addition of red-ceramic waste

RESUMO

A crescente geração de resíduos resulta em uma intensa preocupação quanto à disposição final destes materiais. Os advindos da indústria de cerâmica vermelha despertaram o interesse para o uso em argamassas e concretos, pois, devido a sua composição, são capazes de gerar reação pozolânica. Neste trabalho, foram realizados testes com os resíduos coletados em três empresas (A, B e C) da região sul de Santa Catarina, caracterizando-os e, posteriormente, produzindo argamassas com 10% de substituição e adição em relação à massa de cimento. Partindo de um planejamento experimental de misturas, verificou-se a influência de cada resíduo na resistência à compressão e tração das argamassas. Embora as análises químicas e os difratogramas de raios X tenham demonstrado características semelhantes para ambos os resíduos, as amostras contendo apenas o resíduo C conciliaram maiores valores de resistência à compressão e tração. Apesar das diferenças observadas nas propriedades mecânicas entre as misturas, a análise estatística do planejamento experimental comprovou que, ao trabalhar com um traço de 10%, as resistências não são significativamente alteradas pela composição da adição/substituição. Exceto para as composições com 10% de adição, não houve evidências estatísticas de que as propriedades mecânicas das misturas que combinam os piores resultados de resistência à compressão e tração são diferentes da amostra de referência. Os resultados indicam que parte do cimento pode ser substituída pelo resíduo de cerâmica vermelha sem prejuízos ao desemprenho mecânico da argamassa e que, ao se trabalhar com adições, há um aumento da resistência à compressão, viabilizando sua incorporação e criando um meio para a reciclagem deste material.

Palavras-chave
Resíduo de cerâmica vermelha; Argamassa; Resistência mecânica

ABSTRACT

The increasing generation of wastes results in great concerns about the final disposition of certain materials. The waste from the red-ceramic industry has aroused interest for its potential use in concretes and mortars because of its composition, as well as its capability to generate a pozzolanic reaction. In this work, tests were done with the wastes collected in 3 industries (A, B and C) from the southern Santa Catarina State (Brazil). The wastes were characterized, and subsequently, mortars were produced with 10% substitution and addition in relation to the cement mass. With the use of an experimental design of mixtures, the influence of each waste on the compressive and tensile strengths of the mortars was verified. Although the chemical compositions and the X-ray diffractograms demonstrated similar characteristics for both wastes, the samples containing only C waste obtained better values of compressive and tensile strengths. Despite the differences observed in the mechanical properties between the mixtures, the statistical analysis of the experimental design proved that with 10% addition/substitution, the mechanical strengths were not significantly changed by the composition. Except for the composition with the addition of 10% waste, there was no statistical evidence that the mechanical properties of the mixtures combining the worst results of compressive and tensile strengths were different than the reference sample. The results showed that a part of the cement can be substituted by red-ceramic waste without affecting the mechanical performance of the mortar, and that with the additions, there is an increase in the compressive strength, enabling its incorporation and creating a way for the recycling of the material.

Keywords
Red-ceramic waste; Mortar; Mechanical strength

1. INTRODUÇÃO

Em concretos e argamassas, as adições minerais podem atuar na melhora de suas propriedades mecânicas e durabilidade [11 PEREIRA-DE-OLIVEIRA, L.A., CASTRO-GOMES, J.P., SANTOS, P.M.S., “The potential pozzolanic activity of glass and red-clay ceramic waste as cement mortars components”, Construction and Building Materials, v. 31, pp. 197–203, 2012.]. Por isso, o uso dessas adições é crescente [22 GARCIA, E., CABRAL JUNIOR, M., QUARCIONO, V.Â., CHOTOLI, F.F., “Resíduo de Cerâmica Vermelha (RCV ): Uma Alternativa como Material Pozolânico”, Cerâmica Industrial, v. 19, n. 4, pp. 31–38, 2014.] e, quando não requer processos como a clinquerização, reduz significativamente as emissões de CO2 [33 LOTHENBACH, B., SCRIVENER, K., HOOTON, R.D., “Supplementary cementitious materials”, Cement and Concrete Research, v. 41, n. 12. pp. 1244–1256, 2011.].

As adições minerais são constituídas de materiais silicosos finamente fragmentados que, incorporados ao cimento e concreto, interagem quimicamente e fisicamente com os produtos da hidratação do clínquer ou do cimento, transformando a microestrutura do material. A reação entre a adição mineral e o hidróxido de cálcio [Ca(OH)2], produzido ao longo dessa hidratação, forma silicato de cálcio hidratado (CSH), sendo designada como reação pozolânica [44 DAL MOLIN, D.C.C, “Adições Minerais”, In: Isaia, G.C. (eds), Concreto: ciência e tecnologia, São Paulo, Brasil, IBRACON, 2011.].

As últimas décadas foram palco de várias pesquisas sobre materiais alternativos aos convencionais para concretagem. Os novos materiais são normalmente elencados por sua abundância ou, no caso dos resíduos, por resultarem em prejuízos ambientais [55 AWOYERA, P.O., DAWSON, A.R., THOM, N.H., et al., “Suitability of mortars produced using laterite and ceramic wastes : Mechanical and microscale analysis”, Construction and Building Materials, v. 148, pp. 195–203, 2017.].

Anualmente a indústria cerâmica gera grandes quantidades de resíduos, destinando-os, em sua maioria, aos aterros sanitários [66 PACHECO-TORGAL, F., JALALI, S., “Reusing ceramic wastes in concrete”, Construction and Building Materials, v. 24, n. 5, pp. 832–838, 2010.]. Substituir o cimento por esses materiais pode promover uma enorme economia de energia e redução de custos [77 EL-GAMAL, S.M.A., EL-HOSINY, F.I., AMIN, M.S., et al., “Ceramic waste as an efficient material for enhancing the fire resistance and mechanical properties of hardened Portland cement pastes”, Construction and Building Materials, v. 154, pp. 1062–1078, 2017.]. Incluem-se nesses resíduos os de cerâmica vermelha, gerados pelas indústrias de cerâmica estrutural, como tijolos, blocos e telhas [88 AWOYERA, P.O., NDAMBUKI, J.M., AKINMUSURU, J.O., et al., “Characterization of ceramic waste aggregate concrete”, HBRC Journal, v. 14, n. 3, pp. 282–287, 2018.].

No Brasil, em 2017, foi estimada uma produção de 63,6 bilhões de peças de cerâmica vermelha, considerando a massa média de 2 kg/peça e a argila como principal matéria-prima, utilizaram-se 140 milhões de toneladas [99 MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA, Anuário estatístico do setor de transformação de não metálicos. 2018.]. Em 2016, aproximadamente 30% das empresas brasileiras reduziram suas perdas para 5 a 10%, as demais ultrapassam 15%, segundo relato do presidente do Sindicato da Indústria da Cerâmica Vermelha (SINDICER). A quantidade de resíduos gerada varia conforme os métodos de produção, podendo ser fruto de ruptura no processo de queima ou no transporte, além de peças com defeito [1010 SALES, A.T.C., ALFERES FILHO, R. dos S., “Efeito do pó de resíduo cerâmico como adição ativa para o concreto”, Ambiente Construído, v. 14, n. 1, pp. 113–125, 2014.].

Os resíduos de cerâmica vermelha utilizados como agregados graúdos no concreto são capazes de elevar a resistência à compressão, aos 28 dias, em até 29,3% quando 100% dos agregados são substituídos [1111 KESHAVARZ, Z., MOSTOFINEJAD, D., “Porcelain and red ceramic wastes used as replacements for coarse aggregate in concrete”, Construction and Building Materials, v. 195, pp. 218–230, 2019.].

Com 100% dos agregados miúdos naturais em concreto estrutural substituídos por resíduos de tijolos triturados, apesar da redução de 10% da resistência à compressão aos 28 dias, observou-se uma qualidade adequada do material, de acordo com as especificações da norma europeia EN 206-1 [1212 ALVES, A.V., VIEIRA, T.F., BRITO, J. DE, et al., “Mechanical properties of structural concrete with fine recycled ceramic aggregates”, Construction and Building Materials, v. 64, pp. 103–113, 2014.].

Substituindo 20% do cimento por resíduos de tijolos em concreto, pesquisadores alcançaram uma resistência à compressão aos 28 dias de aproximadamente 32,00 MPa [66 PACHECO-TORGAL, F., JALALI, S., “Reusing ceramic wastes in concrete”, Construction and Building Materials, v. 24, n. 5, pp. 832–838, 2010.].

Um estudo que aplicou resíduos de tijolos e telhas portugueses finamente moídos como substituição parcial do cimento em argamassas demonstrou que quando a porcentagem de substituição foi de 25%, independente do tipo de resíduo, a resistência à compressão foi reduzida em torno de 20%. Essa redução aumentou para cerca de 30% com a substituição máxima (40%). Ao se avaliar a resistência à compressão entre 28 e 90 dias, verificou-se uma evolução maior para a argamassa com incorporação de pós de telhas, da ordem de 25% de aumento para 25% de substituição e 30% para a argamassa com 40% de substituição, enquanto no caso da incorporação dos pós de tijolos, foi de 15% e 20%. O trabalho mostrou que apenas os pós de resíduos de telhas tinham potencial de atividade pozolânica, concluindo que a temperatura de queima dos tijolos (800 – 1000 °C), inferior à utilizada na indústria de telhas (1100 – 1200 °C), não conferiu propriedades pozolânicas ao resíduo [11 PEREIRA-DE-OLIVEIRA, L.A., CASTRO-GOMES, J.P., SANTOS, P.M.S., “The potential pozzolanic activity of glass and red-clay ceramic waste as cement mortars components”, Construction and Building Materials, v. 31, pp. 197–203, 2012.].

Existem inúmeros fatores que influenciam na atividade pozolânica, destacando-se o tipo e quantidade de minerais argilosos, a natureza e número de impurezas, o tratamento térmico aplicado e a superfície específica obtida [1313 TIRONI, A., TREZZA, M.A., SCIAN, A.N., et al., “Cement & Concrete Composites Assessment of pozzolanic activity of different calcined clays”, Cement and Concrete Composites., v. 37, pp. 319–327, 2013.].

Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo avaliar o comportamento mecânico (resistência à compressão e tração) de argamassas contendo resíduos de cerâmica vermelha, analisando a variabilidade entre os resíduos fornecidos por diferentes empresas da região sul catarinense.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Para avaliar a influência do resíduo de cerâmica vermelha no comportamento mecânico das argamassas, produziram-se misturas com percentuais de adição e substituição, em relação à massa de cimento, de 10%.

Objetivando identificar se a variabilidade dos resíduos interfere nas propriedades finais das argamassas, estes foram amostrados em três diferentes empresas da região sul de Santa Catarina, sendo identificados por A, B e C. Para adequar-se a etapa de moagem, foram fragmentados manualmente e britados em britador mandíbula. Na sequência, moídos em moinho horizontal com bolas de alta alumina. Para que os materiais retidos em peneira com abertura de 45 µm fossem inferiores a 20%, atendendo a ABNT NBR 12653 (2015) [1414 ABNT NBR 12653, “Materiais pozolânicos -Requisitos”, 2015.], os resíduos foram moídos em moinho excêntrico com bolas de alta alumina (marca Servitech, modelo CT-242). Em seguida, passaram por secagem em estufa a 105 ± 5 °C. O tamanho de partícula final dos resíduos foi verificado em um granulômetro a laser Cilas 1064.

Para a caracterização química e microestrutural, adotaram-se as técnicas de:

  • Espectrometria de fluorescência de raios X (FRX): espectrômetro de raios X por dispersão de comprimento de onda - WDXRF - Axios Max Panalytical e

  • Difratometria de raios X (DRX): ensaios em difratômetro de raios X, marca Shimadzu, modelo XRD-6000, goniômetro theta theta, radiação k-α com tubo de cobre de comprimento de onda (λ) de 1,5406 Å. O passo realizado nas análises foi de 2°/min. O range de medida foi de 3 a 80°, com 25 kV de voltagem e 25 mA de corrente elétrica.

O processo de mistura para produção das argamassas foi executado como determina a ABNT NBR 16541 (2016) [1515 ABNT NBR 16541, “Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos -Preparo da mistura para a realização de ensaios”, 2016.]. Adotou-se como traço de referência 1: 3: 0,48 (cimento: areia: relação água/cimento) com percentual de adição de 0% e 10% e substituição de 10% de cimento por resíduo, para um índice de consistência fixado em (260 ± 5) mm, como prescreve a ABNT NBR 13276 (2016) [1616 ABNT NBR 13276, “Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos -Determinação do índice de consistência”, 2016.]. O cimento utilizado foi o CP II Z 32 e a areia foi a lavada média com finura de 2,2 mm.

A Tabela 1 apresenta os traços utilizados nos experimentos.

Tabela 1
Traços das composições.

A influência de cada resíduo sobre a resistência à compressão e tração das argamassas foi avaliada segundo a metodologia estatística de um planejamento experimental de misturas (Tabela 2) com três fatores (Resíduo A, B e C) e um ponto central. Os dados foram analisados com auxílio do software Statistica 13.0 Trial Version.

Tabela 2
Matriz de dados do planejamento experimental de misturas. Percentuais relativos à fração de resíduo na argamassa.

A partir dos dados do planejamento experimental da Tabela 2, obteve-se a composição dos traços com 10% de adição do resíduo e 10% de substituição do cimento pelo resíduo, representados na Tabela 3.

Tabela 3
Composições de acordo com o planejamento experimental.

Para o ensaio de resistência à compressão, moldaram-se três corpos de prova com diâmetro de 5 cm e comprimento de 10 cm para cada tipo de mistura (Tabela 3 e amostra de referência), sendo capeados com uma pasta de cimento CP II Z 32 e respeitando o tempo de cura de 28 dias, como determina a ABNT NBR 7215 (1997) [1717 ABNT NBR 7215, “Cimento Portland -Determinação da resistência à compressão”, 1996.] . O equipamento utilizado para romper os corpos de prova foi a prensa EMIC, modelo PC200CS, aplicando uma velocidade de carregamento de (0,25 ± 0,05) MPa/s.

O ensaio de resistência à tração por compressão diametral foi realizado como estabelece a ABNT NBR 7222 (2011) [1818 ABNT NBR 7222, “Concreto e argamassa -Determinação da resistência à tração por compressão diametral de corpos de prova cilíndricos”, 2011.]. Foram moldados três corpos de prova com diâmetro de 5 cm e comprimento de 10 cm para cada mistura (Tabela 3 e amostra de referência) e respeitou-se o tempo de cura de 28 dias. O equipamento utilizado para romper os corpos de prova foi a prensa EMIC, modelo PC200CS. Aplicou-se continuamente uma carga, com crescimento constante da tensão de tração, a uma velocidade de (0,05 ± 0,02) Mpa/s.

Para o cálculo da resistência à tração por compressão diametral, empregou-se a Equação 1, encontrada na ABNT NBR 7222 (2011) [1818 ABNT NBR 7222, “Concreto e argamassa -Determinação da resistência à tração por compressão diametral de corpos de prova cilíndricos”, 2011.].

f ct , sp = 2 F πdl (1)

Onde fct,sp é a resistência à tração por compressão diametral (MPa), F é a força máxima obtida no ensaio (N), d é o diâmetro do corpo de prova (mm) e l é o comprimento do corpo de prova (mm).

Para comparar a resistência mecânica das amostras com adição e substituição com a referência, empregou-se a pior composição elencada pela análise estatística do planejamento experimental descrito nas Tabelas 2 e 3. Para esse fim, aplicaram-se testes para comparação de duas variâncias (Teste F) e teste para comparação de duas médias (Teste t) com auxílio do software Excel.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 Caracterização dos resíduos

Suas análises químicas encontram-se na Tabela 4.

Tabela 4
Análise química dos resíduos de cerâmica vermelha A, B e C.

As amostras dos resíduos submetidas à fluorescência de raios X apresentaram em maior concentração o óxido de silício (SiO2), o óxido de alumínio (Al2O3) e o óxido de ferro (Fe2O3). Os resíduos A e B obtiveram valores próximos desses três componentes e no resíduo C o teor de óxido de silício foi ~3% menor em relação às outras amostras. Para um material ser caracterizado como pozolânico, a ABNT NBR 12653 (2015) [1414 ABNT NBR 12653, “Materiais pozolânicos -Requisitos”, 2015.] determina que a soma de SiO2, Al2O3 e Fe2O3 seja igual ou superior a 70%. Os resíduos A, B e C mostraram um resultado de 95,48%, 94,16% e 93,25%, respectivamente, atendendo o requisito.

Os difratogramas de raios X dos resíduos encontram-se na Figura 1. Eles indicam que ambos os materiais possuem como fase cristalina o quartzo, SiO2 (JCPDS: 46-1045). A intensidade do pico principal dessa fase, localizado em 2θ ≈ 26,6°, dá indicações de que a quantidade de SiO2 presente em A > B > C, concordando com a análise química da Tabela 4, e que o resíduo C apresenta maior fase amorfa.

Figura 1
Difratogramas de raios X dos resíduos de cerâmica vermelha A, B e C.

Segundo a ABNT NBR 12653 (2015) [1414 ABNT NBR 12653, “Materiais pozolânicos -Requisitos”, 2015.], um material é considerado pozolânico quando somente 20% da amostra fica retida em peneira com abertura de 45 µm. Nos resíduos A e C, 90% das partículas ficaram abaixo desse tamanho e no resíduo B, 100%, como demonstra na Tabela 5.

Tabela 5
Análise da distribuição de tamanho de partícula dos resíduos de cerâmica vermelha A, B e C e do cimento.

3.2 Índice de consistência

A relação água/cimento e o índice de consistência de todas as misturas encontram-se na Tabela 6.

Tabela 6
Relação água/cimento e índice de consistência de cada mistura.

Analisando a distribuição de tamanho de partícula (Tabela 5), percebe-se que o cimento apresenta um diâmetro médio superior aos resíduos. Por conta disso, as misturas de 1 a 7 necessitaram de uma quantidade maior de água, quando comparadas a de referência, para um índice de consistência fixado em (260 ± 5) mm.

A mistura 3, por conter partículas mais finas (resíduo C), precisou de uma quantidade maior de água do que as misturas 1 e 2 (resíduos A e B, respectivamente) para o índice de consistência fixado.

Os traços de substituição em que foram incorporados mais de um resíduo apresentaram a mesma relação água/cimento, mostrando que, quando misturados, a diferença nos tamanhos de partículas observada en-tre eles não influenciou nesta relação.

Em todas as misturas com adição de 10% de resíduo em relação à massa de cimento, para o índice de consistência fixado, o fator água/cimento foi de 0,50, sendo maior que a mistura de referência pelo acréscimo de material fino.

3.3 Análise estatística dos dados de resistência à compressão e tração

As Tabelas 7 e 8 mostram os resultados dos ensaios mecânicos de resistência à compressão e tração por compressão diametral, respectivamente.

Tabela 7
Resultados dos ensaios de resistência à compressão.
Tabela 8
Resultados dos ensaios de resistência à tração por compressão diametral.

Partindo dos resultados das Tabelas 7 e 8, geraram-se equações de regressão (Tabela 9) que relacionam a resistência mecânica com as frações de resíduos presentes nas adições e substituições. Optou-se pelo modelo cúbico porque, em todos os casos, ele demonstrou maior coeficiente de determinação (R2), como se observa na Tabela 10. Esse coeficiente indica quanto o modelo é capaz de explicar os dados coletados.

Tabela 9
Equações de regressão
Tabela 10
Resultado da análise estatística dos dados.

Na Tabela 9, A, B e C são as frações de cada resíduo que compõem a adição e a substituição e fc e fct,sp são a resistência à compressão e à tração, respectivamente.

As Figuras 2 a 5 demonstram as superfícies de resposta para os modelos propostos.

Figura 2
Superfície de resposta do modelo 1.
Figura 3
Superfície de resposta do modelo 2.
Figura 4
Superfície de resposta do modelo 3.
Figura 5
Superfície de resposta do modelo 4.

A Equação 2 e a Figura 2 indicam que a máxima resistência à compressão das argamassas com 10% de substituição é atingida em uma região próxima ao ponto central do planejamento experimental, deslocada para uma maior fração do resíduo C. Já a resistência à tração (Equação 3 e Figura 3) reduz a medida em que a composição se aproxima da central.

Comparando as Figuras 2 e 3, verifica-se que a substituição composta apenas pelo resíduo C concilia valores superiores de resistência mecânica – compressão e tração.

A Equação 4 e a Figura 4 indicam que a máxima resistência à compressão das argamassas com 10% de adição é atingida com os resíduos puros A e C ou com composições do tipo A (%A ≥ 50) + B com baixo teor de C ou B + C (%C ≥ 30) com baixo teor de A. Já a resistência à tração (Equação 5 e Figura 5) é máxima para composições próximas ao ponto central do planejamento e reduz para aquelas do tipo A + B com baixo teor de C.

Assim como identificado para a substituição, verifica-se, por meio das Figuras 4 e 5, que também a adição composta apenas pelo resíduo C concilia valores superiores de resistência mecânica – compressão e tração.

Como demonstra a Tabela 4, o teor de elementos com características pozolânicas dos resíduos A, B e C foi próximo. Assim, o melhor desempenho de C pode ser relacionado com seu maior conteúdo de fase amorfa [22 GARCIA, E., CABRAL JUNIOR, M., QUARCIONO, V.Â., CHOTOLI, F.F., “Resíduo de Cerâmica Vermelha (RCV ): Uma Alternativa como Material Pozolânico”, Cerâmica Industrial, v. 19, n. 4, pp. 31–38, 2014.], comprovado nos difratogramas de raios X da Figura 1.

Embora se observe que mudanças na composição das adições e substituições alteram as propriedades mecânicas, o Valor p para os modelos propostos, destacados na Tabela 10, são superiores ao nível de significância adotado (Valor p > α, sendo α = 0,05), apontando que os modelos não são estatisticamente significativos. Esse resultado sugere que a resistência mecânica das argamassas não é significativamente alterada pela composição das adições e substituições e que há outros fatores que interferem nessa propriedade, como relação água/cimento, tipo de cimento, ar incorporado, agregado, porosidade [1919 MEHTA, P.K., MONTEIRO, P.J., Concreto: microestrutura, propriedades e materiais, 3 ed, São Paulo, IBRACON, 2008.] e teor de adição/substituição.

Como as composições contendo os resíduos A e B demostraram, no geral, as piores propriedades mecânicas, elas foram escolhidas para a comparação com as amostras de referência. Os testes estatísticos encontram-se nas Tabelas 11 e 12 e foram conduzidos ao nível de significância de 5% (α = 0,05), adotando-se co-mo hipóteses:

    Teste F
  • H0: σ12 = σ22; a variância da resistência mecânica da amostra de referência (σ12) é igual à variância da resistência mecânica da amostra com adição/substituição (σ22).

  • H1: σ12 ≠ σ22; a variância da resistência mecânica da amostra de referência (σ12) é diferente da variância da resistência mecânica da amostra com adição/substituição (σ22).

    Teste t
  • H0: µ1 = µ2; a média da resistência mecânica da amostra de referência (µ1) é igual à média da resistência mecânica da amostra com adição/substituição (µ2).

  • H1: µ1 ≠ µ2; a média da resistência mecânica da amostra de referência (µ1) é diferente da média da resistência mecânica da amostra com adição/substituição (µ2).

Tabela 11
Teste F: duas amostras para variâncias.

Na Tabela 11, para todas as comparações o Valor p > α, sendo α = 0,05. Assim, aceita-se H0, pois não há evidências estatísticas de que as variâncias não são equivalentes. Logo, o Teste t aplicado pressupõe equiva-lência.

Tabela 12
Teste t: duas amostras presumindo variâncias equivalentes.

Na Tabela 12, o Valor p < α observado para a comparação entre a resistência à compressão da amostra de referência e a com 10% de adição indica que há evidências estatísticas de que as médias são diferentes. Rejeita-se H0. Com base na Tabela 7, deduz-se que a resistência dos corpos de prova com adição de resíduo A + B (Amostra 11) – (37,22 ± 1,75) MPa – é superior à de referência, (32,33 ± 1,70) MPa.

Para as demais situações abordadas na Tabela 12, aceita-se H0. Os Valores p > α comprovam que não há evidências estatísticas de que as médias de resistência mecânica das amostras com adição/substituição sejam diferentes da de referência.

Pesquisadores verificaram uma queda de resistência à compressão de 20 e 30% para 25 e 40% de substituição em argamassa [11 PEREIRA-DE-OLIVEIRA, L.A., CASTRO-GOMES, J.P., SANTOS, P.M.S., “The potential pozzolanic activity of glass and red-clay ceramic waste as cement mortars components”, Construction and Building Materials, v. 31, pp. 197–203, 2012.], indicando que o aumento do percentual de resíduo prejudica as propriedades mecânicas.

Logo, a utilização em argamassas, em quantidades específicas e já estudadas, é uma alternativa viável para o uso dos resíduos de cerâmica vermelha, independente de suas origens.

4. CONCLUSÕES

A região sul de Santa Catarina concentra muitas empresas do segmento de cerâmica vermelha, originando resíduos que devem ser descartados corretamente.

A metodologia estatística adotada neste estudo demonstrou que, para traços de 10%, a variação na composição das adições/substituições não é significativa para as propriedades mecânicas das argamassas, não prejudicando o desempenho destes materiais.

Nos traços em que o resíduo foi incorporado como substituição, as propriedades mecânicas equivaleram-se a amostra de referência, o que permite a redução do consumo de cimento.

Nas misturas em que foi adicionado, a resistência à tração foi semelhante ao valor de referência e ocorreu um acréscimo na compressão, melhorando seu comportamento quando a argamassa está sujeita a este esforço.

Esses resultados comprovam que a variabilidade das composições dos resíduos A, B e C, analisada por espectrometria de fluorescência de raios X e difratometria de raios X, não interferiu nas propriedades mecânicas analisadas, garantindo que todos os refugos de materiais de cerâmica vermelha do sul catarinense podem ser utilizados na produção de argamassas de revestimento.

BIBLIOGRAFIA

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2018
  • Aceito
    11 Mar 2019
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