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Hipovitaminose A em pré-escolares de creches públicas do Recife: indicadores bioquímico e dietético

Vitamin A deficiency among preschool children attending public day care centres of Recife: biochemical and dietetic indicators

Resumos

OBJETIVO: Estimar a prevalência de hipovitaminose A em pré-escolares de creches públicas da cidade do Recife, Estado de Pernambuco, Brasil. MÉTODOS: Estudo de corte transversal, envolvendo 311 crianças menores de cinco anos, de ambos os sexos, aleatoriamente selecionadas, e avaliadas pelos indicadores bioquímico (retinol sérico), dietético (inquérito de consumo alimentar) e antropométrico (peso/idade, altura/idade e peso/altura). RESULTADOS: A prevalência de níveis de retinol sérico baixos (<0,70µmol/L) foi de 7,0%, caracterizando a deficiência de vitamina A como problema de saúde pública do tipo leve, segundo critérios da Organização Mundial de Saúde. Cerca de 78,0% das crianças apresentaram adequação do consumo de vitamina A, considerando-se as cifras recomendadas pela Dietary Reference Intakes, 2001. A distribuição dos níveis séricos de retinol e do consumo alimentar de vitamina A foi homogênea, segundo o sexo. No entanto, crianças na faixa etária de 12 a 48 meses mostraram menor consumo de alimentos fonte de vitamina A em relação às crianças das demais faixas etárias (p<0,05). A prevalência de baixo peso foi de 7,5%, de retardo do crescimento linear de 8,1% e de desnutrição aguda de 1,8%. A hipovitaminose A não mostrou correlação com a desnutrição energético-protéica (p>0,05). O consumo dietético de vitamina A mostrou sensibilidade reduzida (43,0%) e baixíssimo valor preditivo positivo (6,8%) no diagnóstico da hiporretinolemia. CONCLUSÃO: A identificação de grupos populacionais vulneráveis, bem como a seleção de indicadores fidedignos do estado nutricional de vitamina A, são elementos essenciais para o diagnóstico e o planejamento de ações visando à prevenção e ao controle dessa carência nutricional específica.

deficiência de vitamina A; ingestão de nutrientes; pré-escolares


OBJECTIVE: To evaluate the extent of vitamin A deficiency among preschool children attending public day care centres in Recife, State of Pernambuco, Brazil. METHODS: A cross-sectional survey involving 311 under 5-year-old children of both sexes, randomly selected, and assessed by biochemical (serum retinol), dietetic (vitamin A rich-food consumption) and anthropometric indicators (weight-for-height, weight-for-age and height-for-age). RESULTS: The prevalence of hyporetinolemia (serum retinol <0.70µmol/L) was 7.0%, which characterizes the vitamin A deficiency as a mild public health problem, according to World Health Organization criteria. Approximately 78.0% of the children met the recommendation for vitamin A rich-food consumption proposed by the Dietary Reference Intakes, 2001. The serum retinol levels and vitamin A rich-food intake were homogeneously distributed between both genders. However, children between 12 and 48 months old were liable to have lower vitamin A rich-food intakes as compared to the other age groups (p<0.05). The prevalence of underweight was 7.5%, stunting 8.1% and acute malnutrition 1.8%. Vitamin A deficiency showed no correlation with protein-energy malnutrition (p>0.05). Vitamin A rich-food intake showed low sensitivity (43.0%) and a very low positive predictive value (6.8%) as a screening diagnostic test for vitamin A deficiency. CONCLUSION: The identification of vulnerable population groups, and the selection of reliable indicators for the assessment of vitamin A status, are both essential for the diagnosis and planning aimed at preventing and controlling vitamin A deficiency.

vitamin A deficiency; nutrients intake; child; preschool


ORIGINAL ORIGINAL

Hipovitaminose A em pré-escolares de creches públicas do Recife: indicadores bioquímico e dietético1 1 Trabalho elaborado a partir da dissertação de T.F.S. FERNANDES, intitulada: "Hipovitaminose A em pré-escolares de creches públicas da cidade do Recife: indicadores bioquímico e dietético". Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2003.

Vitamin A deficiency among preschool children attending public day care centres of Recife: biochemical and dietetic indicators

Taciana Fernanda dos Santos FernandesI,2 2 Correspondência para/ Correspondence to: T.F.S. FERNANDES. E-mail: < tacianaf_2000@yahoo.com.br> ; Alcides da Silva DinizI; Poliana Coelho CabralII; Rejane Santana OliveiraIII; Margarida Maria de Freitas LólaIII; Solange Maria Miranda SilvaIII; Patrick KolsterenIV

IDepartamento de Nutrição, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco. Av. Prof. Moraes Rego, s/n, Cidade Universitária, 50670-901, Recife, PE, Brasil

IIDoutoranda em Nutrição, Departamento de Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco. Recife, PE, Brasil

IIICentro de Investigação em Micronutrientes (CIMICRON), Universidade Federal da Paraíba. Alagoas, PB, Brasil

IVHead of Nutrition and Child Health Unit, Prince Leopold Institute of Tropical Medicine. Antwerpen, Bélgium

RESUMO

OBJETIVO: Estimar a prevalência de hipovitaminose A em pré-escolares de creches públicas da cidade do Recife, Estado de Pernambuco, Brasil.

MÉTODOS: Estudo de corte transversal, envolvendo 311 crianças menores de cinco anos, de ambos os sexos, aleatoriamente selecionadas, e avaliadas pelos indicadores bioquímico (retinol sérico), dietético (inquérito de consumo alimentar) e antropométrico (peso/idade, altura/idade e peso/altura).

RESULTADOS: A prevalência de níveis de retinol sérico baixos (<0,70µmol/L) foi de 7,0%, caracterizando a deficiência de vitamina A como problema de saúde pública do tipo leve, segundo critérios da Organização Mundial de Saúde. Cerca de 78,0% das crianças apresentaram adequação do consumo de vitamina A, considerando-se as cifras recomendadas pela Dietary Reference Intakes, 2001. A distribuição dos níveis séricos de retinol e do consumo alimentar de vitamina A foi homogênea, segundo o sexo. No entanto, crianças na faixa etária de 12 a 48 meses mostraram menor consumo de alimentos fonte de vitamina A em relação às crianças das demais faixas etárias (p<0,05). A prevalência de baixo peso foi de 7,5%, de retardo do crescimento linear de 8,1% e de desnutrição aguda de 1,8%. A hipovitaminose A não mostrou correlação com a desnutrição energético-protéica (p>0,05). O consumo dietético de vitamina A mostrou sensibilidade reduzida (43,0%) e baixíssimo valor preditivo positivo (6,8%) no diagnóstico da hiporretinolemia.

CONCLUSÃO: A identificação de grupos populacionais vulneráveis, bem como a seleção de indicadores fidedignos do estado nutricional de vitamina A, são elementos essenciais para o diagnóstico e o planejamento de ações visando à prevenção e ao controle dessa carência nutricional específica.

Termos de Indexação: deficiência de vitamina A, ingestão de nutrientes, pré-escolares.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the extent of vitamin A deficiency among preschool children attending public day care centres in Recife, State of Pernambuco, Brazil.

METHODS: A cross-sectional survey involving 311 under 5-year-old children of both sexes, randomly selected, and assessed by biochemical (serum retinol), dietetic (vitamin A rich-food consumption) and anthropometric indicators (weight-for-height, weight-for-age and height-for-age).

RESULTS: The prevalence of hyporetinolemia (serum retinol <0.70µmol/L) was 7.0%, which characterizes the vitamin A deficiency as a mild public health problem, according to World Health Organization criteria. Approximately 78.0% of the children met the recommendation for vitamin A rich-food consumption proposed by the Dietary Reference Intakes, 2001. The serum retinol levels and vitamin A rich-food intake were homogeneously distributed between both genders. However, children between 12 and 48 months old were liable to have lower vitamin A rich-food intakes as compared to the other age groups (p<0.05). The prevalence of underweight was 7.5%, stunting 8.1% and acute malnutrition 1.8%. Vitamin A deficiency showed no correlation with protein-energy malnutrition (p>0.05). Vitamin A rich-food intake showed low sensitivity (43.0%) and a very low positive predictive value (6.8%) as a screening diagnostic test for vitamin A deficiency.

CONCLUSION: The identification of vulnerable population groups, and the selection of reliable indicators for the assessment of vitamin A status, are both essential for the diagnosis and planning aimed at preventing and controlling vitamin A deficiency.

Indexing terms: vitamin A deficiency, nutrients intake, child, preschool.

INTRODUÇÃO

A vitamina A é um nutriente essencial à manutenção das funções fisiológicas normais do organismo. Dentre suas diversas funções, destacam-se as ligadas ao crescimento, à função imunológica e à integridade do globo ocular1.

Estima-se que, em todo o mundo, cerca de 4,4 milhões de pré-escolares sofram com os sinais clínicos da carência de vitamina A e que 127 milhões apresentem a deficiência na forma subclínica, comprometendo sua saúde e sua sobrevivência2. Até o final da década de 70, a atenção maior à carência de vitamina A vinha sendo concentrada nas manifestações oculares da síndrome xeroftálmica, considerada a principal causa de cegueira evitável na infância3. No entanto, a partir dos anos 80, tem sido demonstrada uma estreita relação entre a deficiência de vitamina A e o aumento da morbimortalidade por doenças infecciosas em crianças1.

A maior vulnerabilidade dos pré-escolares a essa carência nutricional é justificada pelo rápido crescimento e desenvolvimento nessa fase da vida, com conseqüente aumento das necessidades de vitamina A, além das múltiplas doenças a que estão expostos, principalmente, as infecções gastrointestinais e respiratórias1, que reduzem a absorção e elevam consideravelmente a utilização biológica e a excreção desse micronutriente4.

No Brasil, os estudos de prevalência têm demonstrado que a hipovitaminose A é considerada um problema de saúde pública na Região Nordeste. Levantamentos realizados nos Estados do Ceará5, Paraíba6, Pernambuco7 e Bahia8, no período de 1987 a 1997, mostraram prevalências entre 16% e 55% de níveis inadequados de retinol sérico em pré-escolares. Nos Estados da Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, sinais clínicos oculares, como mancha de Bitot e cicatrizes corneais, foram diagnosticados em crianças na idade pré-escolar4,9, sobretudo, durante a entressafra, período que compreende os meses de setembro a dezembro, quando ocorre a estiagem das chuvas no semi-árido, comprometendo, sobremaneira, a produção, a oferta e o consumo de alimentos6. Por outro lado, vários casos de xeroftalmia grave (xerose de córnea, úlcera e ceratomalacia) foram documentados em hospitais pediátricos de João Pessoa, Paraíba10 .

No que se refere ao consumo de vitamina A, os dados oriundos da Região Nordeste sempre foram preocupantes. Na década de 70, o Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF) mostrou que 53% das famílias com crianças menores de cinco anos, no Nordeste urbano, não consumiam a metade da recomendação diária dessa vitamina11. Mais recentemente, outros pesquisadores, também da região Nordeste, encontraram prevalências de inadequação de consumo da mesma ordem de grandeza que a do ENDEF, ou seja, o problema persiste8,12.

Este artigo se propõe a estimar a prevalência da deficiência de vitamina A mediante avaliações bioquímica e dietética em pré-escolares regularmente matriculados em creches públicas da cidade do Recife, Pernambuco.

MÉTODOS

Esse estudo de caráter transversal foi realizado com crianças pertencentes ao banco de dados da pesquisa Carências de Vitaminas e Minerais em Pré-escolares dos Municípios de João Pessoa e Recife 1997 - 1999, desenvolvida mediante projeto colaborativo entre o Centro de Investigação em Micronutrientes, da Universidade Federal da Paraíba (CIMICRON/UFPB), Ministério da Saúde (MS), Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP), Prince Leopold Institute of Tropical Medicine, Antuérpia, Bélgica (IMT - Bélgica) e o Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco (DN/UFPE).

Constituíram a população de estudo, crianças de ambos os sexos, com idade pré-escolar entre 6 e 59 meses, matriculadas em creches públicas da Prefeitura Municipal da Cidade do Recife, Pernambuco, no ano de 1999.

O processo de amostragem utilizado foi do tipo aleatório sistemático, sendo que a população elegível foi de 2.500 crianças, distribuídas em 34 creches. Foi calculado o tamanho da amostra a partir da estimativa de prevalência de 19,3% de níveis inadequados de retinol sérico para o Estado de Pernambuco13, com precisão de 4,5% e confiabilidade de 95,0%. O tamanho amostral determinado foi de 265 crianças para a análise de retinol sérico. Para corrigir eventuais perdas, procedeu-se a adição de 20,0% ao tamanho amostral (n=318). Para o inquérito do consumo de alimentos fonte de vitamina A, estimou-se uma prevalência de 50,0% de ingestão abaixo das recomendações, com uma precisão de 6,5%. O tamanho amostral previsto para o indicador foi de 209 inquéritos. Para corrigir as perdas, adicionou-se 20% (n=251). As crianças foram selecionadas de forma aleatória, segundo a técnica de amostragem sistemática14.

A coleta dos dados obedeceu a uma agenda com datas pre-estabelecidas para as diferentes etapas de identificação, realização de exames antropométricos (peso, altura), bioquí-micos (retinol sérico), bem como para o inquérito dietético (consumo alimentar).

Após jejum noturno de doze horas, foram coletados cerca de 3mL de sangue venoso, entre 7 e 10 horas da manhã, para análise do retinol sérico. A coleta foi realizada nas creches, durante o mês de maio de 1999. A equipe para a coleta de sangue contava com quatro auxiliares de enfermagem, com prática em atividades laboratoriais. O retinol sérico foi analisado no laboratório do CIMICRON/UFPB, pelo método cromatográfico (cromatografia líquida de alta resolução), segundo a técnica estabelecida por Furr et al.15.

A metodologia seguida para o inquérito alimentar foi uma associação entre o recordatório de 24 horas e o método de pesagem direta de um dia. O recordatório foi utilizado junto às mães com o objetivo de avaliar as duas refeições feitas em casa (desjejum e jantar). Foram registradas, em formulário específico, informações sobre todos os alimentos ingeridos pela criança, em seu domicílio, anotando-se as porções em medidas caseiras. Posteriormente, os resultados foram transformados em gramas por meio do guia prático para estimativa de consumo alimentar16.

Para a alimentação realizada na creche, foram pesados, pelo método de pesagem direta, todos os alimentos crus utilizados na preparação das refeições. Após o preparo, foi calculada a proporção de cada alimento em cada preparação. Em seguida, efetuou-se a pesagem de cada porção servida, para cada criança selecionada no estudo, bem como o rejeito de cada porção. Esses dados subsidiaram o cálculo da quantidade ingerida de cada alimento por criança, e foram somados aos do recordatório de 24 horas.

A análise quantitativa do consumo alimentar foi realizada pelo programa Virtual Nutri, versão 1.0 for Windows17. Devido à grande variação dos teores de retinol de alguns alimentos e à ausência de alimentos regionais fonte desse nutriente no programa utilizado, houve atualiza-ção desses teores de vitamina A, priorizando os alimentos analisados por Rodriguez-Amaya18, e para os que não constavam nessa referência, utilizou-se a tabela de composição do ENDEF19. Considerou-se o teor de vitamina A em microgramas de equivalente de retinol por 100g de parte comestível. Para adequação do consumo alimentar de retinol, utilizou-se a Dietary Reference Intakes (DRIs)20.

A avaliação antropométrica foi realizada no mesmo dia da coleta de sangue. A equipe responsável pela tomada de peso e altura era composta de dois técnicos especializados em técnicas antropométricas. As crianças foram pesadas com indumentária mínima e descalças. Na tomada do peso, utilizou-se uma balança digital eletrônica, de marca Filizola, modelo Personal Line E-150, com capacidade de até 150kg e precisão de 100g. As crianças menores de 12 meses foram pesadas no colo de um adulto e, posteriormente, foi calculada a diferença. A estatura das crianças foi determinada com fita métrica de 150cm, marca Stanley-milimetrada, com precisão de 1mm e exatidão de 0,5cm. A fita foi fixada na parede e as crianças colocadas em posição ereta, descalças, com os membros superiores pendentes ao longo do corpo, os calcanhares, o dorso e a cabeça tocando a parede21. As crianças menores de 24 meses foram medidas em decúbito dorsal (comprimento), com infantômetro de amplitude 100cm e subdivisões de 0,1cm. O comprimento e a estatura tiveram seus valores arredondados para 0,1cm mais próximo. A avaliação do estado nutricional foi realizada calculando-se, para cada criança, os valores em escore-Z. O padrão de referência utilizado para comparação das medidas de peso e altura foi o do National Center for Health Statistics22 (NCHS), de uso recomendado pela World Health Organization (WHO)23.

O algoritmo de análise dos dados envolveu, inicialmente, a observação do compor-tamento das variáveis segundo o critério de normalidade da distribuição, pelo teste de Kolmogorov Smirnov. Quando as variáveis não apresentaram distribuição normal, utilizou-se a estatística não paramétrica, com descrição das variáveis pela mediana e os respectivos intervalos interquartílicos. Na descrição das proporções, procedeu-se uma aproximação da distribuição binomial à distribuição normal pelo intervalo de confiança. As proporções foram comparadas utilizando-se o teste do qui-quadrado de Pearson, com a devida correção de Yates, quando aplicável. Na comparação das medianas, foi utilizado o teste de Kruskal Wallis. A correlação entre as variáveis contínuas foi avaliada pelo teste de correlação linear de Pearson.

O poder de discriminação do consumo de vitamina A no diagnóstico da deficiência de vitamina A, tomando-se como padrão-ouro o retinol sérico, foi avaliado pela sensibilidade [verdadeiros positivos/(verdadeiros positivo + falsos negativos)], especificidade [verdadeiros negativo/(falsos positivo + verdadeiros negativo)], valor preditivo positivo [verdadeiros positivo/(verdadeiros positivo + falsos positivo)] e valor preditivo negativo [verdadeiros negativo/(falsos negativo + verdadeiros negativo)].

Foi utilizado o nível de significância de 5% para o teste de normalidade das variáveis, bem como para a rejeição da hipótese de nulidade. Os índices antropométricos foram calculados pelo programa EPINUT (Epi Info versão 6.02)24. A construção do banco de dados e a análise estatística foram desenvolvidas no programa estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS for Windows Versão 7.5)25.

O protocolo de estudo foi aprovado pelo comitê de ética do Prince Leopold Institute of Tropical Medicine, Bélgica, e do Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba, de acordo com as normas exigidas para pesquisas envolvendo seres humanos.

RESULTADOS

Foram estudadas 311 crianças de 6 a 59 meses de idade, procedentes de creches públicas do município de Recife. Em 308 crianças, procedeu-se a avaliação antropométrica, em 302, avaliação bioquímica e em 240, avaliação dietética. Em duas crianças foram descartadas as tomadas de peso e altura, por inconsistência dos resultados, e em uma criança essas variáveis não foram aferidas. Em doze crianças não foi possível a determinação dos níveis séricos de retinol por recusa da criança e/ou responsável, ou por fatores de ordem técnica inerentes ao método de análise; e em onze delas não foi possível realizar o inquérito dietético, em virtude do não comparecimento da criança à creche no dia da coleta de dados.

As concentrações de retinol sérico apresentaram distribuição normal (K-S Z=0,9; p=0,40), com média de 1,22µmol/L (34,9µg/dL) e desvio-padrão de 0,36µmol/L (10,2µg/dL). A prevalência dos níveis inadequados de retinol sérico (<0,70µmol/L) foi de 7,0% (IC95% 4,2 - 10,2), enquanto 22,0% (IC95% 17,7 - 27,4) das crianças apresentavam níveis aceitáveis ou marginais (0,70 1,05µmol/L) de retinol (Figura 1).


Os níveis médios de retinol sérico mostraram comportamento distributivo homogêneo ("t"=0,3; p=0,98) com relação à variável sexo, e não mostraram correlação com a variável idade (r@0,0; p=0,61).

Em relação ao consumo alimentar de vitamina A, observou-se que 77,9% das crianças estudadas consumiram quantidades com 100,0% de adequação desse nutriente para sua faixa etária, segundo a DRI (Tabela 1). Cerca de 58,0% do consumo alimentar de vitamina A foi proveniente de alimentos de origem animal (vitamina A pré-formada) e 35,0% de origem vegetal (carotenóides).

O consumo alimentar de vitamina A não mostrou relação com a variável sexo (Z=-0,3; p=0,75). Embora a distribuição das medianas do consumo aponte valores menores para as crianças do sexo feminino, essa tendência não foi validada estatisticamente. Entretanto, com relação à variável idade (c2=13,1; p=0,01), a distribuição do consumo de vitamina A apresentou valores de mediana menores para as crianças com idade entre 12 e 48 meses, quando comparados aos valores para as crianças menores de 12 meses, bem como aos valores para as crianças na faixa etária igual ou maior do que 48 meses (Tabela 2).

As prevalências de déficits antropométicos (<-2 escores-Z) nos pré-escolares como um todo foram de 7,5% em relação ao índice Peso/Idade, de 8,1% quanto ao índice Altura/Idade e de 1,9% em relação ao índice Peso/Altura (Tabela 3). O retinol sérico e os índices Peso/Idade, Altura/Idade e Peso/Altura, analisados como variáveis contínuas, não mostraram correlação entre si (r=0,1; p=0,16, r=0,0; p=0,51 e r=0,1; p=0,17, respectivamente).

As concentrações de retinol sérico não mostraram correlação com o consumo alimentar de vitamina A (r=0,0; p=0,89). A validação do inquérito de consumo alimentar como método de diagnóstico do estado nutricional de vitamina A, tomando-se como padrão-ouro o retinol sérico, mostrou baixíssimo valor preditivo positivo (+) e sensibilidade reduzida (Tabela 4).

DISCUSSÃO

A prevalência de 7,0% de níveis séricos inadequados de vitamina A em crianças de creches públicas da cidade do Recife configura a hipovitaminose A como um problema de saúde pública do tipo leve, segundo os critérios adotados pela OMS para classificar a magnitude do problema (2,0% a menos de 10,0% da população com retinol sérico <0,70µmol/L). No entanto, estudo realizado nesse mesmo município, em 1989, com crianças não institucionalizadas, mostrou uma prevalência de 34,1%5. Por outro lado, dados reportados por Andrade26, ao analisar os resultados da II Pesquisa Estadual sobre Saúde e Nutrição, evidenciaram níveis séricos de retinol abaixo de 0,70µmol/L (<20µg/dL) em 13,0% das crianças menores de cinco anos de idade da região metropolitana do Recife.

Essa escala descendente na prevalência da hipovitaminose A, nos últimos quinze anos, em pré-escolares da cidade do Recife, poderia ser atribuída a uma redução do quadro carencial em virtude das medidas emergenciais que vêm sendo tomadas no enfrentamento do problema, a exemplo da distribuição de megadoses de vitamina A durante as campanhas de multivacinação. No entanto, deve-se levar em consideração que os dados observados na cidade do Recife, no presente estudo, são oriundos de crianças institucionalizadas. O fato de freqüentar creches, em princípio, proporcionaria a essas crianças melhores condições de saúde e uma regularidade na alimentação, que poderia repercutir favoravelmente no seu estado nutricional e, conseqüentemente, na melhoria dos níveis séricos de retinol.

A homogeneidade na distribuição dos níveis séricos de retinol, segundo o sexo, foi de certa forma inesperada, uma vez que há uma tendência descrita na literatura especializada de que crianças do sexo masculino apresentem maior risco de desenvolver hipovitaminose A27. Crianças do sexo masculino têm um risco duas vezes maior de desenvolver xeroftalmia moderada e até três vezes maior de desenvolver xeroftalmia grave, quando comparadas com crianças do sexo feminino28. No entanto, essa tendência também não foi observada em alguns estudos realizados no Nordeste do Brasil26,29.

O comportamento homogêneo dos níveis séricos de retinol, no que diz respeito à distribuição etária, não confirmou uma tendência que tem sido observada nesse grupo populacional, no qual crianças de menor idade tendem a apresentar níveis séricos de retinol mais baixos26,30. No entanto, estudos oriundos do Estado de São Paulo também não mostraram correlação dos níveis séricos de retinol com a idade30,31.

O percentual de adequação do consumo de vitamina A, sobretudo se considerarmos as cifras recomendadas pela DRI (77,9%), vem reforçar o papel da institucionalização (creche) no suprimento dos requerimentos nutricionais mediante alimentação fornecida aos seus alunos. Deve-se salientar que as crianças recebiam cinco refeições por dia. Esse padrão de consumo diferenciado pode ser evidenciado se compararmos com dados de consumo de crianças também institucionalizadas em creches municipais de Teresina32, e de crianças não institucionalizadas, em contextos ecológicos similares4.

O maior consumo de alimentos de origem animal (vitamina A pré-formada) é um dado complementar no modelo explicativo dos níveis de retinol sérico encontrados nas crianças de creches. Sabe-se que a vitamina A de origem animal tem um poder de bioconversão (absorção + biodisponibilidade) extremamente mais elevado quando comparada aos carotenóides de atividade pró-vitamina A.

A homogeneidade da distribuição do consumo de vitamina A, com relação ao sexo, estaria em consonância com a distribuição dos níveis séricos de retinol e com alguns relatos da literatura33. Com relação à idade, o menor consumo observado na faixa etária de 12 a 48 meses poderia ser explicado pelo baixo consumo do leite e pela monotonia alimentar em virtude da menor aceitação dos vegetais e folhas verde-escuras.

As prevalências relativamente baixas de baixo peso (7,5%), retardo do crescimento linear (8,1%) e desnutrição aguda (1,8%) mostraram-se muito próximas das prevalências encontradas em outros inquéritos realizados nos Estados de Pernambuco13 e Paraíba28,34, porém significativamente menores do que as prevalências estimadas para a América Latina35. Esse decréscimo da prevalência de desnutrição energético-protéica tem sido uma tendência observada, nas últimas décadas, na maioria dos países em desenvolvimento36. Entretanto, embora esses dados evidenciem uma melhoria no estado nutricional das crianças, a Região Nordeste ainda apresenta percentuais maiores de desnutrição aguda e crônica, quando comparada à região Sudeste do país37,38.

A ausência de correlação entre a desnutrição energético-protéica e a deficiência de vitamina A vem reforçar um comportamento, até certo ponto freqüente, na distribuição dos déficits nutricionais, nos quais os estados carenciais passam a se manifestar de forma isolada, mesmo em populações de risco39.

A não correlação entre as concentrações de retinol sérico e o consumo dietético de alimen-tos fonte de vitamina A vem demonstrar as dificuldades no manuseio de indicadores do estado nutricional de vitamina A. O retinol sérico, em virtude de sofrer a influência do controle homeostático, reflete o estado nutricional de vitamina A apenas quando as reservas hepáticas estão muito elevadas ou muito baixas4. Por outro lado, os níveis séricos de retinol podem apresentar alterações nos processos inflamatórios e infecciosos, inclusive subclínicos, mesmo quando os níveis orgânicos de vitamina A são satisfatórios40. Logo, esse indicador deve ser interpretado com a devida cautela, sobretudo em contextos ecológicos nos quais prevaleçam morbidades infecciosas. Por sua vez, o inquérito de consumo alimentar, além de se limitar apenas a um dado do consumo de vitamina A, sem informações sobre a absorção e utilização biológica, tem recebido pesadas críticas em virtude da extrema variabilidade da determinação do teor de vitamina A dos alimentos fontes41, bem como da multiplicidade de tabelas, muitas vezes sem uma adequada informação do conteúdo dos alimentos regionais consumidos pela população alvo.

As baixas sensibilidade e predição do inquérito de consumo alimentar em relação ao retinol sérico no diagnóstico da hipovitaminose A vêm alertar para o cuidado que se deve tomar na eleição de indicadores do estado nutricional de vitamina A em inquéritos populacionais. O baixo poder preditivo positivo era, de certa forma, esperado, uma vez que a prevalência de deficiência de vitamina A foi baixa na população estudada. No entanto, o valor encontrado para a especificidade é uma informação importante, que pode contribuir para nortear a escolha do teste de diagnóstico que se deve usar na confirmação da ausência da deficiência de vitamina A em determinado grupo populacional.

Os achados desta pesquisa indicam que - embora a hipovitaminose A apresente uma redução no quadro carencial nessa população específica, e a adequação do consumo de vitamina A tenha atingido a cifra de 77,9% segundo a DRI, na qual predominou o consumo de vitamina A pré-formada - 22,0% dessas crianças apresentaram concentrações de retinol sérico que poderiam também ser considerados como níveis marginais de vitamina A (0,70 1,05µmol/L)7, o que as tornaria potencialmente vulneráveis a um déficit de vitamina A. Por outro lado, é importante salientar que o retardo de crescimento linear caracteriza uma forma de desnutrição predominante, sugerindo uma deficiência alimentar, principalmente, nos dois primeiros anos de vida e/ou um desmame precoce dessas crianças.

Os resultados apontam para a importância de algumas ações que são vitais para uma efetiva redução dessas carências nutricionais, tais como: promoção da educação nutricional junto à criança e seus familiares quanto aos alimentos ricos em vitamina A disponíveis na comunidade; monitoramento do cardápio oferecido pelas creches no que diz respeito às adequações nutricionais; implantação e/ou implementação de programas de suplementação alimentar; expansão da cobertura de serviços de saneamento, saúde e educação.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) do Ministério da Educação do Brasil e a Nutrition Third World (Bélgica), pelo suporte técnico e financeiro.

Recebido para publicação em 2 de junho de 2004 e aceito em 10 de janeiro de 2005.

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  • 1
    Trabalho elaborado a partir da dissertação de T.F.S. FERNANDES, intitulada: "Hipovitaminose A em pré-escolares de creches públicas da cidade do Recife: indicadores bioquímico e dietético". Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2003.
  • 2
    Correspondência para/
    Correspondence to: T.F.S. FERNANDES.
    E-mail: <
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Recebido
      02 Jun 2004
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