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Editorial sobre os estudos de Ecologia Funcional da Polinização

Mecanismos reprodutivos tornam-se decisivos para a evolução e continuação das linhagens de organismos, pois são os principais processos nos quais há troca de material genético entre indivíduos e/ou populações (Tremblay et al. 2005Tremblay, R.L.; Ackerman, J.D.; Zimmerman, J.K. & Calvo, R.N. 2005. Variation in sexual reproduction in orchids and its evolutionary consequences: a spasmodic journey to diversification. Biological Journal of the Linnean Society 84: 1-54.; Dennis et al. 2007Dennis, A.J.; Schupp, E.W.; Green, R.J. & Westcott, D.A. 2007. Seed dispersal: theory and its application in a changing world. CABI Publishing, Wallingford. 720p.; Godefroid et al. 2014Godefroid, S.; Janssens, S. & Vanderborght, T. 2014. Do plant reproductive traits influence species susceptibility to decline? Plant Ecology and Evolution 147: 154-164.). Especialmente para as plantas, dada sua condição séssil e as interações com vetores na dispersão de pólen ou sementes, pois configuram importantes episódios nos quais ocorre fluxo gênico e portanto têm implicações diretas sobre a prole gerada e a trajetória das linhagens filogenéticas (Crepet & Niklas 2009Crepet, W.L. & Niklas, K.J. 2009. Darwin's second 'abominable mystery': why are there so many angiosperm species? American Journal of Botany 96: 366-381.). Estima-se que em torno de 87% das angiospermas dependa de animais para sua polinização (Ollerton et al. 2011Ollerton, J.; Winfree, R. & Tarrant, S. 2011. How many flowering plants are pollinated by animals? Oikos 120: 321-326.), enquanto a produção de frutos carnosos (indicador indireto de dispersão por animais) pode ocorrer em mais de 90% das espécies em determinadas florestas tropicais (Herrera & Pellmyr 2002Herrera, C.M. & Pellmyr, O. 2002. Plant-Animal Interactions - an evolutionary approach. Blackwell Science, Oxford. 264p.). Essas estimativas, no entanto, não consideram o fato de que muitas espécies, embora majoritariamente dependentes de animais, podem possuir estratégias mistas de polinização ou dispersão que contribuam para garantia de sua reprodução (Levin 2011Levin, D.A. 2011. Mating system shifts on the trailing edge. Annals of Botany 109: 613-620.; Friedman & Barrett 2009Friedman, J. & Barrett, S.C. 2009. Wind of change: new insights on the ecology and evolution of pollination and mating in wind-pollinated plants. Annals of Botany 103: 1515-1527.).

Ao longo da construção do arcabouço teórico do campo de pesquisa da biologia da polinização, significativa quantidade de atenção foi dispensada na documentação de padrões ocorrentes nas interações entre plantas e seus polinizadores (Rech & Westerkamp 2014Rech, A.R. & Westerkamp, C. 2014. Biologia da polinização: uma síntese histórica. In: Rech, A.R.; Agostini, K.; Oliveira, P.E.G.M. & Machado, I.C.S. 2014. Biologia da polinização. Editora Projeto Cultural, Rio de Janeiro. 524p.). Documentou-se, por exemplo, a prevalência de visitas por aves em flores vermelhas com corolas tubulares, o aumento da autogamia em populações marginais na distribuição das espécies, a diminuição da taxa de visitação por abelhas com aumento da altitude, entre vários outros padrões relacionados ao mutualismo de polinização (Rech et al. 2014Rech, A.R.; Agostini, K.; Oliveira, P.E.G.M. & Machado, I.C.S. 2014. Biologia da polinização. Editora Projeto Cultural, Rio de Janeiro. 524p.). Em contrapartida, sabe-se muito menos acerca dos processos subjacentes aos padrões descritos, especialmente a partir de estudos empíricos realizados em condições naturais. Como exemplo, no caso da interação entre aves e flores com corolas vermelhas e tubulares, em detrimento de uma possível preferência das aves por estas flores em função de sua características cognitivas intrínsecas, é crescente o apoio a idéia de que nestas flores as aves estariam em menor competição com abelhas (Bergamo et al. 2016). Neste sentido, o padrão verificado na natureza estaria mais relacionado à fatores ecológicos do que à características particulares dos interagentes. Estudos como este mostram o potencial e a necessidade de investigações focadas nos possíveis processos subjacentes aos padrões verificados na natureza. É desta demanda, compartilhada com diversos outros campos da biologia, que surgem as investigações em biologia e ecologia funcional (Hodson & Bryant 2012Hodson, M.J. & Bryant, J.A. 2012. Functional Biology of Plants. Wiley-Blackwell, Exeter. 400p.), as quais motivaram a proposta deste volume especial em "Ecologia Funcional da Polinização".

Essa proposta partiu da percepção dos editores da Rodriguésia de que haveria demanda no Brasil para o fomento de pesquisas relacionadas com o funcionamento de interações entre plantas e polinizadores. A partir da publicação do livro "Biologia da Polinização", em 2014, ficou claro que aprofundar os estudos na área seria o direcionamento do foco de pesquisa para o funcionamento das interações. Ao mesmo tempo, fica claro também que ainda conhecemos assustadoramente pouco acerca dos padrões existentes entre as plantas e polinizadores que ocorrem no Brasil. Neste sentido, este volume especial foi ampliado para incluir no seu escopo também trabalhos que envolvem estudos de caso com espécies para as quais ainda não se dispõe de nenhuma informação. Desta forma, o leitor iniciará sua leitura por artigos gerais, com apontamentos teóricos que buscam fortalecer a escola brasileira de Biologia da Polinização, seguidos de trabalhos abordando questões funcionais e concluindo com artigos que apresentam novas informações para espécies até então desconhecidas do ponto de vista de seu processo reprodutivo.

Esperamos que esta publicação resulte no estímulo para o aprofundamento contínuo dos estudos em biologia da polinização no Brasil e fortaleça as pesquisas desenvolvidas na área. Agradecemos a todos os autores, editores e demais envolvidos na preparação deste trabalho que, sem dúvida, contribuirá com a ciência brasileira desenvolvida na área de biologia da polinização e consolidação da área de pesquisa em biologia reprodutiva de plantas no país. Agradecemos também a revista Rodriguésia, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, por entender a importância deste tipo de estudo e por abrir espaço para incluir neste volume estudos sobre ecologia funcional da polinização.

André Rodrigo Rech
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)

Referências

  • Crepet, W.L. & Niklas, K.J. 2009. Darwin's second 'abominable mystery': why are there so many angiosperm species? American Journal of Botany 96: 366-381.
  • Dennis, A.J.; Schupp, E.W.; Green, R.J. & Westcott, D.A. 2007. Seed dispersal: theory and its application in a changing world. CABI Publishing, Wallingford. 720p.
  • Friedman, J. & Barrett, S.C. 2009. Wind of change: new insights on the ecology and evolution of pollination and mating in wind-pollinated plants. Annals of Botany 103: 1515-1527.
  • Godefroid, S.; Janssens, S. & Vanderborght, T. 2014. Do plant reproductive traits influence species susceptibility to decline? Plant Ecology and Evolution 147: 154-164.
  • Herrera, C.M. & Pellmyr, O. 2002. Plant-Animal Interactions - an evolutionary approach. Blackwell Science, Oxford. 264p.
  • Hodson, M.J. & Bryant, J.A. 2012. Functional Biology of Plants. Wiley-Blackwell, Exeter. 400p.
  • Levin, D.A. 2011. Mating system shifts on the trailing edge. Annals of Botany 109: 613-620.
  • Ollerton, J.; Winfree, R. & Tarrant, S. 2011. How many flowering plants are pollinated by animals? Oikos 120: 321-326.
  • Rech, A.R.; Agostini, K.; Oliveira, P.E.G.M. & Machado, I.C.S. 2014. Biologia da polinização. Editora Projeto Cultural, Rio de Janeiro. 524p.
  • Rech, A.R. & Westerkamp, C. 2014. Biologia da polinização: uma síntese histórica. In: Rech, A.R.; Agostini, K.; Oliveira, P.E.G.M. & Machado, I.C.S. 2014. Biologia da polinização. Editora Projeto Cultural, Rio de Janeiro. 524p.
  • Tremblay, R.L.; Ackerman, J.D.; Zimmerman, J.K. & Calvo, R.N. 2005. Variation in sexual reproduction in orchids and its evolutionary consequences: a spasmodic journey to diversification. Biological Journal of the Linnean Society 84: 1-54.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016
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