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Primeira ocorrência de Physarum notabile(Physaraceae, Physarales) para a Região Centro-Oeste, Brasil

First record of Physarum notabile (Physaraceae, Physarales) for the Central-West Region, Brazil

Resumo

Physarum notabile (Physaraceae, Physarales) tem sua primeira ocorrência registrada para a Região CentroOeste brasileira, desenvolvendo-se sobre troncos vivos de pomar em uma área urbana da cidade de Anápolis, Goiás. A caracterização da espécie e sua distribuição são apresentadas.

Palavras-chave:
Cerrado; distribuição geográfica; Mixomicota; novo registro

Abstract

The myxomycete Physarum notabile (Physaraceae, Physarales) has its first occurrence recorded for the Brazilian Central-West Region, developing on living trunks of orchard trees in an urban area of the city of Anápolis, Goiás. The characterization of the species and its distribution are presented.

Key words:
Brazilian savanna; geographical distribution; Myxomycota; new record

O filo Myxomycota abriga organismos popularmente conhecidos como mixomicetos ou fungos mucilaginosos, pertencentes ao Reino Protozoa e caracterizados por uma fase ameboide, com mixamebas flageladas ou não; uma fase plasmodial, assimilativa, multinucleada de vida livre; e outra fase reprodutiva, o esporóforo (Alexopoulos et al. 1996Alexopoulos, C.J.; Mims, C.W. & Blackwell, M. 1996. Introductory Mycology. 4ª ed. John Wiley & Sons, Inc., New York. 869p. ).

De acordo com Lado (2013Lado, C. 2013. Project Myxotropic: Descubrir y conocer los Myxomycetes de regiones tropicales. Disponível em <Disponível em http://www.myxotropic.org/myxomycetes. html >. Acesso em 17 maio 2014.
http://www.myxotropic.org/myxomycetes. h...
), existem aproximadamente mil espécies conhecidas de mixomicetos, em sua maioria cosmopolita. No Brasil, há o registro de 242 espécies conhecidas, conforme aponta Cavalcanti (2015Cavalcanti, L.H. 2015. Physarales. : Lista de Espécies da Flora do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em <Disponível em http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/ floradobrasil/FB118375 >. Acesso em 24 abril 2015
http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/ ...
). Para Região Centro-Oeste, a qual compreende os estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, além do Distrito Federal, o primeiro registro de ocorrência de mixomicetos data da década de 60, quando a espécie Physarum alvoradianum Gottsb. foi encontrada em uma área de Cerrado na região da Serra Geral de Alvorada do Norte (Goiás) e descrita como uma nova espécie por Gottsberger (1968Gottsberger, G. 1968. Myxomyceten aus Bahia und Goiás. Nova Hedwigia 15: 361-368.).

Posteriormente, Cavalcanti et al.(1982Cavalcanti, L.H.; Correia, A.M.S. & Porto, K.C. 1982. O Herbário de Myxomycetes (Gymnomycota) da UFPE. : Congresso Nacional de Botânica. Anais do CNB nº 33, Brasília. 206p.) citam uma segunda ocorrência de mixomiceto para a região (Diderma deplanatum Fr.), desta vez para Mato Grosso. Assim, com trabalhos posteriores, o número de espécies de mixomicetos conhecidas para a região Centro-Oeste aumentou para 36 espécies: Arcyria cinerea (Bull.) Pers.,Arcyria denudata (L.)

Wettst., Arcyria incarnata (Pers. ex J.F.Gmel.) Pers.,Ceratiomyxa fruticulosa (O.F.Müll.) T.Macbr., Collaria arcyrionema (Rostaf.) Nann.-Bremek. ex Lado, Comatricha elegans (Racib.) G.Lister, Craterium aureum (Schumach.) Rostaf., Craterium leucocephalum (Pers. ex J.F.Gmel.) Ditmar,Cribraria cancellata (Batsch) Nann.-Bremek., Diachea leucopodia (Bull.) Rostaf., Diderma deplanatum Fr.,Diderma hemisphaericum (Bull.) Hornem., Diderma saundersii (Berk. & Broome ex Massee) Lado, Didymium comatum (Lister) Nann.-Bremek., Hemitrichia calyculata(Speg.) M.L. Farr, Hemitrichia clavata (Pers.) Rostaf.,Hemitrichia serpula (Scop.) Rostaf., Hemitrichia spinifera M.L. Farr, Lycogala epidendrum (L.) Fr.,Lycogala exiguum Morgan, Metatrichia vesparia(Batsch) Nann.-Bremek. ex G.W.Martin & Alexop., Oligonema schweinitzii (Berk.) G.W.Martin, Perichaena depressa Lib.,Perichaena vermicularis

(Schwein.) Rostaf., Physarum alvoradianum Gottsb., Physarum galbeum Wingate, Physarum melleum (Berk. & Broome) Massee, Physarum nucleatum Rex, Physarum pusillum(Berk. & Curtis) G.Lister, Physarum stellatum (Massee)

G.W.Martin, Stemonitis axifera (Bull.) T.Macbr.,

Stemonitis flavogenita E.Jahn, Stemonitis fusca Röth,Stemonitis splendens Rostaf., Trichia favoginea(Batsch) Pers., Tubifera microsperma (Berk. & M.A.Curtis) G.W.Martin (Carvalho et al. 2011Carvalho, R.C.P.; Sanchez, M.; Bezerra, A.C.C.; Santos, L.T.P. & Dianese, J.C. 2011. A micobiota da Reserva Ecológica do IBGE. : Ribeiro, M.L. Reserva Ecológica do IBGE. Vol. 1. Biodiversidade Terrestre. IBGE, Rio de Janeiro. Pp. 87-99.;Araújo et al. 2012Araújo, J.C.; Moreira, I.C. & Xavier-Santos, S. 2012. Mixobiota associada a resíduos de mangueira (Mangifera indica L., Anacardiaceae). Heringeriana 6: 20-22.; Cavalcanti 2015Cavalcanti, L.H. 2015. Physarales. : Lista de Espécies da Flora do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em <Disponível em http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/ floradobrasil/FB118375 >. Acesso em 24 abril 2015
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). Portanto, este trabalho objetivou ampliar a distribuição biogeográfica dos mixomicetos, particularmente Physarum notabile T. Macbr., no Brasil.

Durante o mês de abril de 2014, na estação seca do bioma Cerrado (Aquino et al. 2008Aquino, F.G.; Aguiar, L.M.S.; Camargo, A.J.A.; Duboc, E.; Oliveira-Filho, E.C. & Parron, L.M. 2008. Sustentabilidade no Bioma Cerrado: visão geral e desafios. : Parron, L.M. Aguiar, L.M.S.; Duboc, E.;; Oliveira-Filho, E.C. Camargo, A.J.A. & Aquino, F.G. Cerrado: desafios e oportunidades para o desenvolvimento sustentável. Embrapa Cerrados, Planaltina. 464p.), esporângios de P. notabile foram coletados sobre troncos vivos de duas espécies vegetais, o limoeiro [Citrus limon (L.) Burm. f.] e a aceroleira (Malphighia glabra L.), em áreas urbanas (quintais residenciais) da cidade de Anápolis, Goiás (Fig. 1). Após observação e registro fotográfico dos esporângios, estes foram removidos dos troncos com auxílio de um canivete, retirando-se sempre parte do substrato, de modo a manter a integridade dos corpos de frutificação do mixomiceto. Posteriormente, o material coletado foi acondicionado em caixas de papelão e levado ao Laboratório de Biodiversidade do Cerrado (LABBIC), localizado no Câmpus de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Estadual de Goiás, onde o mesmo foi identificado, fotografado macro e microscopicamente, herborizado e incluso na coleção de mixomicetos do Herbário da Universidade Estadual de Goiás sob o número HUEG-9152.

Physarum é um dos gêneros mais ricos da família Physaraceae (Alexopoulos et al. 1996Alexopoulos, C.J.; Mims, C.W. & Blackwell, M. 1996. Introductory Mycology. 4ª ed. John Wiley & Sons, Inc., New York. 869p. ; Shuang-Lin et al. 2012Shuang-Lin, C.; Xu, F.; Yan, S. & Li, Y. 2012. Chinese species in the genus Physarum and their distribution. Mycosystema 31: 845-856.).P. notabile é referida em alguns trabalhos como de rara ocorrência (Cavalcanti et al. 2005Cavalcanti, L.H.; Tavares, H.F.M.; Nunes, A.T.F. & Silva, C.S. 2005. Mixomicetos. : Porto, C.C.; AlmeidaCortez, J.S.; Tabarelli, M. (orgs.). Diversidade biológica e conservação da Floresta Atlântica do Rio São Francisco. Biodiversidade, no14. Ministério do Meio Ambiente, Brasília. 325p. ;Stephenson et al. 1993Stephenson, S.L.; Kalyanasundaram, I. & Lakhanpal, T.N. 1993 A comparative biogeographical study of myxomycetes in the mid-Appalachians of eastern North America and two regions of India. Journal of Biogeography 20: 645-657.), sendo relatada esporulando desde em resíduos vegetais em decomposição, como liteira (ou serrapilheira), ou ainda troncos e cascas de árvores vivas a fezes de animais herbívoros (Shuang-Lin et al. 2012; Kruget al. 2004Krug, J.C.; Benny, G.L.; Keller, H.W. 2004. Coprophilous Fungi. : Mueller, G.M.; Bills, G.F. & Foster, M.S. (eds.). Biodiversity of Fungi: Inventory and Monitoring Methods. Editora Elsevier Academic, Londres. 777p.). Dados como estes indicam que muitas espécies de mixomicetos podem apresentar um amplo espectro de substratos possíveis de colonização, fato que explica sua característica cosmopolita e facilidade adaptativa no que se refere a substratos não usuais, como fezes de herbívoros, materiais de construção, tecidos e outros (Araújo et al. 2012Araújo, J.C.; Moreira, I.C. & Xavier-Santos, S. 2012. Mixobiota associada a resíduos de mangueira (Mangifera indica L., Anacardiaceae). Heringeriana 6: 20-22.; Eliasson 2013Eliasson, U. 2013. Coprophilous myxomycetes: Recent advances and future research directions. Fungal Diversity 59: 85-90.).

P. notabile se distribui mundialmente pelo México, Costa Rica, Jamaica, Ilhas de Barlavento, Bolívia, Argentina, Colômbia, China, Europa e regiões da América do Norte (Lado & Wrigley de Basanta 2008Lado, C. & Wrigley de Basanta, D.W. 2008. A review of Neotropical Myxomycetes (1828-2008). Anales del Jardín Botánico de Madrid 65: 211-254.; Shuang-Lin et al. 2012Shuang-Lin, C.; Xu, F.; Yan, S. & Li, Y. 2012. Chinese species in the genus Physarum and their distribution. Mycosystema 31: 845-856.). No Brasil há registros da ocorrência desta espécie na Região Sul, no estado do Paraná (Putzke 1996Putzke, J. 1996. Myxomycetes no Brasil. Cadernos de Pesquisa, Série Botânica 8: 1-133.) e na Região Sudeste, no estado de São Paulo (Farr 1968Farr, M.L. 1968. An illustrated key to the Myxomycetes of South America, with special reference to Brazil. Rickia 3:45-88.; Putzke 1996; Hochgesand & Gottsberger 1996Hochgesand, E. & Gottsberger, G. 1996. Myxomycetes from the State of São Paulo, Brazil. Boletim do Instituto de Botânica de São Paulo 10:1-46.; MaimoniRodella 2002).

Figura 1
a-b. representação dos espécimes vegetais nos quais foram coletados exemplares de P. notabile. c. detalhe macroscópico dos esporângios desenvolvendo-se sobre o ritidoma de aceroleira (estruturas acinzentadas, indicadas pelas setas brancas). Imagens dos autores.
Figure 1
a-b. representation of plant specimens in which the specimens of Physarum notabile were collected. c. macroscopic details of sporangia developing over the rhytidome of acerola (see the gray structures, indicated by white arrows). Images of the authors.

Physarum notabile T. Macbr., N. Amer. Slime-

Moulds, Edn 2 (New York): 80 (1922)Fig. 2

Características macroscópicas. Frutificação do tipo esporângio com altura total variando entre 0,5 a 1 mm, esparsos a gregários e eretos.

Figura 2
Physarum notabile. a-b. esporângios parcialmente gregários, com perídio rompido. c. detalhe de um esporângio com capilício exposto (seta). d. detalhe da columela (seta). e. nódulo de cálcio (seta). f. detalhe do capilício (seta). g-h: detalhe dos esporos. Imagens dos autores
Figure 2
Physarum notabile. a-b. sporanges partially gregarious, with broken peridium c. detail of a sporangium with capillitium exposed (arrow). d. detail of columella (arrow). e. lime nodes of the capillitium (arrow). f. detail of the capillitium (arrow). g-h. detail of spores. Images of the authors.

Possui esporoteca globosa, de coloração branca acinzentada, com perídio simples, incrustado com grânulos de cálcio esbranquiçados, umbilicado abaixo, deiscência irregular (petaloide em alguns casos). Pedicelo curto, variando entre 0,5-0,7 mm, corrugado, de coloração castanho escuro. Esporada castanho escura a preta.

Características microscópicas. Possui capilício hialino, interligado por grânulos irregulares de cálcio esbranquiçados a incolores. Os esporos apresentam coloração castanha violácea em microscopia ótica, minimamente verrugosos, medindo entre 10-11,3 µm de diâmetro.

Material examinado: BRASIL. GOIÁS: Município de Anápolis, bairro Vila Norte, 10.IV.2014, troncos vivos de árvores de acerola, F.J.S. Calaça FJSC-32 (HUEG 9152).

As características do material examinado conferem exatamente com as descrições encontradas nos trabalhos de Farr (1976Farr, M.L. 1976. Flora Neotropica: Monograph no. 16. Myxomycetes. Flora Neotropica. New York Botanical Garden, New York. 306p.), Neubert et al. (1995Neubert, H.; Nowotny, W. & Baumann, K. 1995. Die Myxomyceten. Bd. 2: Physarales. Universität Tübingen, Gomaringen. 351p. ) e Poulain et al. (2011Poulain, M.; Meyer, M. & Bozonnet, J. 2011. Les Myxomycètes: Tome 1: Guide de détermination. Editora Fédération Mycologique et Botanique Dauphiné-Savoie, Sevrier. 568p.). No material observado, os esporos variaram em tamanho entre 10 a 11 µm; entretanto, ainda de acordo com Neubert et al. (1995), esta média pode variar entre 9 a 13 µm. Esta espécie pode ser encontrada sob duas formas de esporângio, o qual pode ser séssil ou pedicelado, fato observado no material encontrado, sendo que as formas sésseis foram encontradas basicamente em associação com briófitas. Este é o primeiro registro da espécie para o Centro-oeste brasileiro.

Este estudo indica que a diversidade de espécies de mixomicetos para o Brasil tende a aumentar ao se considerar a inclusão de localidades ainda não exploradas para coletas de substratos. Conforme apontam alguns trabalhos (Farr 1976Farr, M.L. 1976. Flora Neotropica: Monograph no. 16. Myxomycetes. Flora Neotropica. New York Botanical Garden, New York. 306p.; Andrade et al. 2006Andrade, L.H.C.; Souza, W. P.; Santos, D.S. & Neto, A.G. 2006. : Gusmão, L.F.P. & Maia, L.C. Diversidade e caracterização dos fungos do semi-árido brasileiro Vol. 2. Instituto do Milênio Semi-Árido, Recife. Pp. 49-74.; Araújo et al. 2012Araújo, J.C.; Moreira, I.C. & Xavier-Santos, S. 2012. Mixobiota associada a resíduos de mangueira (Mangifera indica L., Anacardiaceae). Heringeriana 6: 20-22.), estes organismos podem se desenvolver sobre vários substratos, assim diferentes alternativas de coletas desse material podem permitir um incremento para regiões pouco conhecidas quanto à mixobiota. Os autores agradecem à Universidade Estadual de Goiás pelo suporte técnico laboratorial e à Izabel C. Moreira pela ajuda na determinação da espécie. Aos Revisores Anônimos, pelos comentários valorosos.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2014
  • Aceito
    26 Abr 2015
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