Resumo
O presente trabalho tem como objetivo contribuir para o conhecimento da família Stemonuraceae ocorrente na Reserva Ducke. O estudo tem por base a análise morfológica de materiais depositados em herbários e revisão de literatura. Apenas uma espécie foi registrada: Discophora guianensis. O presente estudo contém descrições morfológicas, ilustrações, dados sobre habitat, fenologia, dados de distribuição geográfica e comentários taxonômicos para a espécie tratada.
Palavras-chave: Amazônia; Discophora; inventário florístico; taxonomia
Abstract
This study focuses on the Stemonuraceae found in Reserva Ducke, northern Brazil. It is based on morphological analysis of herbaria collections and literature compilation. Only on species was recorded: Discophora guianensis. This study provides morphological descriptions, illustrations, habitat information, phenology, and species distribution of the treated species.
Key words: Amazon; Discophora; floristic inventories; taxonomy
Introdução
Stemonuraceae possui cerca de 20 gêneros e 90 espécies, com distribuição predominante em áreas tropicais do velho-mundo. Na região neotropical é reconhecido apenas um gênero (Discophora Miers) (Duno-de-Stefano 2008; Potgieter et al. 2016). Previamente este gênero era considerado como pertencente à família Icacinaceae (Ribeiro 1999), porém estudos moleculares evidenciaram seu posicionamento correto em Stemonuraceae (Kårehed 2001; APG IV 2016).
Na Reserva Ducke a família pode ser confundida com outros grupos que apresentam folhas simples, alternas e sem estípulas, mas se diferencia pela inflorescência tirsóide, com eixo principal curto (até 5 cm compr.), além de flores pequenas, estames alternos às pétalas, e fruto elipsóide, 4-6-costados. Na Reserva Ducke, a família está representada por apenas uma espécie, Discophora guianensis Miers.
Material e Métodos
Para a realização deste trabalho, foram analisadas amostras coletadas na Reserva Ducke, um remanescente de floresta amazônica com 100 km2 de área, situado na cidade de Manaus (Hopkins 2005). As coletas nesta área foram iniciadas na década de 50 e posteriormente se intensificaram nos anos 80 e 90 devido ao “Projeto Flora da Reserva Ducke” (Hopkins 2005). As amostras estudadas estão depositadas na coleção do herbário INPA (acrônimo segundo Thiers, continuamente atualizado) e foram base para a elaboração de um guia prático para o reconhecimento das famílias botânicas e um checklist com cerca de 2.000 espécies registradas para a área (Ribeiro et al. 1999). Nos anos de 2005 a 2007 houve um esforço de diversos pesquisadores para monografar as famílias botânicas da Reserva Ducke (e.g., Pirani 2005; Forzza 2007). E a partir de 2018, um novo esforço para dar continuidade às monografias, foi retomado (Martins et al. 2018; Amorim et al. 2020; Araújo et al. in press). A análise do material botânico para este estudo foi realizada com a ajuda de um estereomicroscópio e a terminologia botânica utilizada nas descrições está de acordo com Harris & Harris (2001).
Resultados e Discussão
Stemonuraceae
Arbustos a arvoretas até 8 m alt.; ramos jovens cilíndricos, puberulentos. Folhas coriáceas, elípticas a ovadas, ápice agudo a acuminado, margem inteira, base cuneada; face adaxial e abaxial com tricomas esparsos; venação primária sulcada na face adaxial, 8-10 pares de venação secundária; pecíolos puberulentos. Inflorescências axilares, supra-axilares ou caulifloras, tirsóides, puberulentas; brácteas triangulares a ovadas, puberulentas; flores 5-meras, articuladas na base; cálice gamossépalo; corola dialipétala; estames-5, alternos às pétalas, filetes cilíndricos, eretos, sem disco; ovário 1-locular, parede engrossada com aparência de disco reniforme, abortivo e rudimentar em flores estaminadas; estilete-1, as vezes reduzido; estigma capitado. Fruto drupa, elipsóide, 4-6-costados, pubescentes a glabros. Semente solitária.
1. Discophora Miers.
Arbustos a arvoretas, ramos puberulentos. Folhas alternas, simples, pecioladas; venação broquidódroma; estípulas ausentes. Inflorescências supra-axilares ou caulifloras, tirsóides. Flores bissexuadas ou unissexuadas (estaminadas), diclamídeas, actinomorfas, 5-meras; cálice gamossépalo, corola dialipétala; estames 5, livres, sem disco; ovário 1-locular, parede engrossada com aparência de disco reniforme; estilete-1, curto; estigma capitado. Frutos drupa, elipsóide, costados, 4-6 costas. Semente solitária.
Gênero neotropical com duas espécies, ocorrendo da América Central até Brasil e Bolívia (Duno-de-Stefano 2008). No Brasil, ocorrem as duas espécies do gênero, onde Discophora montana R.A. Howard é restrita para a região amazônica e D. guianensis Miers apresenta distribuição disjunta entre a Floresta Amazônica e Floresta Atlântica (Duno-de-Stefano 2008; Amorim et al. 2013; Amorim & Stefano 2017).
1.1. Discophora guianensis Miers, Ann. Mag. Nat. Hist., ser. 2, 10: 118. 1852.
Discophora panamensis Standl., Publ. Field Mus. Nat. Hist., Bot. Ser. 4: 222. 1929.
Discophora froesii Pires, Bol. Técn. Inst. Agron. N. 38: 28. 1960. Fig. 1a-b
a-b. Discophora guianensis – a. ramo em flor; b. detalhe da infrutescência. (a. Rodrigues 465; b. modificado de Amorim et al. 2013).
Figure 1
a-b. Discophora guianensis – a. branch in flower; b. detail of the infrutescence. (a. Rodrigues 465; b. modified from Amorim et al. 2013).
Arbustos a arvoretas até 8 m alt.; ramos jovens cilíndricos, puberulentos. Folhas 17-26 × 6,5-8,4 cm, coriáceas, elípticas a ovadas, ápice agudo a acuminado, acúmen 1-3 cm compr., margem inteira, base cuneada; face adaxial e abaxial com tricomas simples esparsos; venação primária sulcada na face adaxial, 8-10 pares de venação secundária; pecíolo 1,4-1,8 cm compr., puberulenros. Inflorescências axilares, supra-axilares ou caulifloras, tirsóides, eixo primário 4-5 cm compr., puberulenta; brácteas 1 mm compr., triangulares a ovadas, puberulentas; flores 5-meras, sépalas 1 mm compr., puberulentas; pétalas 2 mm compr., articuladas na base; estames-5, alternos às pétalas, filetes cilíndricos, eretos, sem disco; ovário 1-locular, parede engrossada com aparência de disco reniforme, abortivo e rudimentar em flores estaminadas; estilete-1, as vezes reduzido; estigma capitado. Fruto 1,4-2 × 0,7-0,9 cm, elipsoide, 4-6-costados, pubescentes a glabros. Semente solitária.
Material examinado: 17.X.1997, fl., A. Vicentini et al. 1076 (INPA); A. Vicentini et al. 1078 (INPA); 4.II.1995, fl., A. Vicentini et al. 848 (INPA, NY, MO, SP); 9.I.1996, fr., C.A. Sothers 715 (INPA, UEC); 27.III.1996, fr., C.A. Sothers et al. 837 (HFSL, INPA, PEUFR); 17.II.1996, fr., M.T.V. do A. Campos 521 (INPA, NY, MO, SP); 31.III.1995, fl., J.M. Brito et al. 03 (INPA, UEC); 7.III.1958, fr., Pessoal do C.P.F. (INPA 6153); 7.VIII.1957, fl., W. Rodrigues 465 (INPA).
Discophora guianensis pode ser reconhecida por seu hábito arbóreo ou arbustivo com folhas simples, alternas, sem estípulas, 8-10 pares de venação secundária e pecíolo 1,4-1,8 cm compr. A espécie possui inflorescência tirsóide, com eixo principal curto (até 5 cm compr.), puberulento, flores pequenas, estames alternos às pétalas, filetes cilíndricos, sem disco e fruto elipsóide, 4-6-costados. Apesar do hábito arbusto volúvel ou lianescente também ser registrado para D. guianensis, (Amorim et al. 2013), não há registro de espécimes com esta característica na Reserva Ducke. Esta espécie se diferencia de Discophora montana R.A. Howard, que é restrita para a Colômbia e Perú, principalmente por apresentar inflorescência mais ramificada e frutos ≥ 1,4 cm compr. (vs. inflorescência menos ramificada e frutos < 1 cm compr. em D. montana; para maiores detalhes veja Duno-de-Stefano 2008).
Espécie amplamente distribuída na região neotropical, desde Costa Rica e Panamá até Bolívia e Brasil, onde sua ocorrência é predominante na Amazônia e é mais um caso de conexão com a Floresta Atlântica por apresentar disjunção com o norte da mesma (Duno-de-Stefano 2008; Amorim et al. 2013; Amorim & Stefano 2017). Ocorre em mata de terra firme, floresta de baixio, floresta de campinarana, floresta de vertente e capoeiras sobre solos arenosos e argilosos. Registro de flores em agosto e outubro; frutos em janeiro, fevereiro e março.
Agradecimentos
Este trabalho foi realizado sob o auxílio da CAPES e CAPES/Pró-Amazônia Projeto n. 52 na forma de bolsas de Pós-doutorado concedidas aos autores. Os autores também agradecem a Mike Hopkins e Mariana Mesquita, o acesso ao material depositado no herbário INPA; e a Regina Carvalho, as ilustrações.
Lista de exsicatas
Brito JM 03 (1.1.). Campos MTV do A 521 (1.1.). Nascimento JR 428 (1.1.). Pessoal do CPF (INPA 6153) (1.1.). Rodrigues W 465 (1.1.). Sothers CA 715 (1.1.), 837 (1.1.). Vicentini A 848 (1.1.), 1076 (1.1.), 1078 (1.1.).
Referências
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Fev 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
25 Fev 2018 -
Aceito
16 Ago 2018