Open-access Saúde bucal de idosos com 80 anos ou mais: condição, autopercepção e utilização de serviços odontológicos

Oral health of the elderly with 80 years or more: condition, self-perception and use of dental services

Resumo

Introdução  Idosos mais velhos têm saúde bucal precária, procuram pouco os serviços odontológicos e apresentam autopercepção sobre saúde bucal discordante das necessidades de tratamento.

Objetivo  Comparar a condição e autopercepção de saúde bucal e padrão de utilização de serviços odontológicos de idosos com 80 anos ou mais de um município do sul brasileiro.

Método  Estudo descritivo com 59 idosos, em 2011 e 2015, no município de Antônio Carlos, Santa Catarina. Foram coletados dados demográficos, uso dos serviços, Oral Health Impact Profile14 item, hábitos e algumas condições bucais.

Resultado  Em ambos os anos, constatou-se mais de 70% de idosos necessitando de prótese total superior, embora mais de 80% se apresentassem satisfeitos com dentes/próteses. Mais de 60% relataram que haviam consultado o dentista há mais de 3 anos. Houve aumento significativo da necessidade de prótese total inferior, boca seca, placa, desconforto para comer; diminuição de consulta odontológica de rotina e extração dentária.

Conclusão  Embora tenha havido diminuição das extrações, no período, os idosos mantiveram necessidade de prótese e relataram problemas para comer. Tais resultados reafirmam a importância da inclusão do idoso com 80 anos ou mais na rede de serviços de saúde bucal.

Descritores:  Idoso; saúde bucal; odontologia geriátrica; odontologia em saúde pública; assistência odontológica para idosos

Abstract

Introduction  Older elderly people have poor oral health, not usually seek for dental services, and self-perceived oral health that is inconsistent with treatment needs.

Objective  To compare the oral health condition, self-perception and use of dental services of elderly people with 80+ years of age in a southern Brazilian municipality.

Method  Descriptive study with 59 elders, in 2011 and 2015, Antônio Carlos, Santa Catarina. Demographic data, use of services, Oral Health Impact Profile – 14 item, habits and some oral conditions were investigated.

Result  In both years, more than 70% required upper dentures, although more than 80% were satisfied with teeth/prosthesis. More than 60% reported last dental visit more than 3 years ago. It was observed a significative increasing in lower denture need, dry mouth, plaque and discomfort to eat; decreasing routine dental visits and tooth extraction.

Conclusion  Although there was a decrease in extractions, the elderly had prosthetic need and reported problems with eating. These results reaffirm the importance of including the elderly with 80+ years in the oral health services network.

Descriptors:  Elderly; oral health; geriatric dentistry; public health dentistry; dental care for aged

INTRODUÇÃO

A saúde bucal de idosos é um desafio para serviços e profissionais da saúde, e seus cuidadores 1,2 . Com o passar dos anos, a fisiologia do ser humano se torna mais complexa e, no processo de envelhecimento, há alterações funcionais 3 e psicológicas que repercutem na saúde geral e bucal 4 . Este cenário se agrava em se tratando dos idosos mais velhos 5,6 .

Alguns idosos mantêm seus hábitos de higiene bucal, apesar de apresentarem dificuldades físicas, denotando preservação da autonomia e autoestima. Entretanto, em virtude da presença de dificuldade motora, déficit cognitivo e depressão, a higiene bucal pode tornar-se deficiente, favorecendo perda de dentes 5 .

Parte dos idosos não realiza consultas com o cirurgião-dentista, mesmo aqueles que relatam problemas na boca ou usam próteses. Além do esforço para deslocar até o consultório, muitos não acreditam no benefício, exceto nos casos de dor ou desconforto 3,7 .

Algumas doenças sistêmicas comprometem a capacidade funcional, dificultando o hábito de higienização bucal 8 ou interferem na composição e fisiologia corporal, repercutindo negativamente na saúde bucal 9 , e contribuem para a alta prevalência de doenças bucais, como cárie e doença periodontal 4 .

Idosos, no último ano de suas vidas, relatam mais má condição de saúde bucal, o que pode ser explicado pelo declínio da saúde, evidenciando, além das mudanças sistêmicas, as bucais 10 . Há divergência entre a autopercepção da saúde e da saúde bucal de idosos em comparação com a real necessidade de tratamento e a utilização de serviços odontológicos 11 .

Assim, o presente estudo se propôs a descrever a condição e autopercepção de saúde bucal, bem como o padrão de utilização de serviços odontológicos de idosos com 80 anos ou mais, em 2011 e 2015, num município do sul brasileiro.

MÉTODO

Trata-se de estudo descritivo, realizado em Antônio Carlos, Santa Catarina, Brasil. Foram analisados dados secundários do estudo Levantamento das Condições de Saúde dos Idosos de Antônio Carlos, realizado em 2011, com seguimento em 2015.

Em 2011, a população idosa (60 ou mais anos) representava 13,9% dos habitantes, a expectativa de vida ao nascer era 78,4 anos e o IDH-longevidade era 0,890. Em 2015, observaram-se valores semelhantes.

A população do estudo constituiu-se de 134 idosos da zona rural ou urbana, com 80 ou mais anos (até 31/maio/2010). Foi realizado treinamento prévio com entrevistadores e os dados foram coletados por visita domiciliar. Foram consideradas perdas: ausentes após pelo menos duas visitas domiciliares, impossibilidade de acesso devido às condições das estradas e ausência de informante, além de 23 idosos que não estavam em casa, totalizando, assim, 101.

Para o seguimento em 2015, 42 idosos haviam falecido, restando 59. Novas visitas foram conduzidas e foi aplicado o mesmo questionário. Foram excluídos indivíduos ausentes no município no período de coleta dos dados.

Foram coletadas variáveis demográficas, acesso e utilização dos serviços odontológicos, hábitos de higiene bucal, uso e necessidade de prótese. Exame clínico avaliou presença de candidíase 12 e presença de placa dentária visível. A qualidade de vida relacionada à saúde bucal foi medida pelo índice OHIP-14 (Oral Impact Health Profile – 14 item) 13 .

A análise comparativa foi realizada por meio do Teste Macnemar. O programa estatístico SPSS 9.0® foi utilizado e o nível de significância foi de 5%.

O estudo faz parte de macroprojeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, com protocolo 189/09.

RESULTADO

No ano de 2011, dos 59 idosos participantes com 80 ou mais anos, 50,8% eram do sexo feminino, 74,5% na faixa de 80 a 84 anos, 22% viviam sozinhos e 6,7% encontravam-se acamados. Foram encontrados 59 idosos vivos no ano de 2015, sendo um excluído por motivo de mudança. Neste ano, a amostra se distribuiu igualmente entre ambos os sexos, maior proporção de idosos entre 85 e 89 anos, 12,1% viviam sozinhos e 10% acamados ( Tabela 1 ).

Tabela 1
Distribuição da amostra em relação às características demográficas. Antônio Carlos, 2011 e 2015

Em 2011, 32,8% afirmaram nunca ir ao dentista; em 2015, esse índice atingiu 46,6%. O local do último atendimento foi o serviço público para 14,3%, em 2011, e para 22,8%, em 2015. Em 2011, 62,5% realizaram a última consulta odontológica há mais de 3 anos e, em 2015, 77,2%. A confecção de prótese foi motivo de procura: 56,9% em 2011 e 56,1% em 2015. Houve diferença significativa na redução da procura para visitas de rotina e aumento para outros tratamentos ( Tabela 2 ).

Tabela 2
Análise comparativa do relato dos idosos quanto à utilização de serviços odontológicos e hábitos de higiene bucal. Antônio Carlos, 2011 e 2015. (n=58)

Em 2011, a quase totalidade dos idosos respondeu que possuía capacidade para fazer a higiene bucal sem auxílio; em 2015, 90,9%. Em 2011, 53,1% e 56% relataram escovar os dentes e as próteses, uma vez por dia, pelo menos; em 2015, 61,5% e 50%, respectivamente ( Tabela 2 ).

Em ambos os anos, mais de 90% relataram a ausência de dor. Diferenças foram observadas para a sensação de boca seca, um aumento de quase 30 pontos percentuais. Redução significativa no relato de extração dentária foi observada: em 2011, 96,6% relataram ter extraído pelo menos um dente nos últimos 5 anos e, em 2015, 24,1%.

Em 2011, 21,2% acreditavam ter problemas na gengiva e/ou osso, e em 2015, 7,7%. Quanto à satisfação com a aparência de dentes/próteses, em ambos os anos, mais de 80% dos idosos estavam satisfeitos; observa-se que dois terços dos idosos classificaram positivamente sua saúde bucal ( Tabela 3 ).

Tabela 3
Análise comparativa do relato dos idosos quanto à autopercepção de saúde bucal, presença de placa e candidíase, e uso/necessidade de prótese. Antônio Carlos, 2011 e 2015. (n=58)

Houve associação significativa entre os anos para necessidade de prótese inferior. Em 2011, 40,7% não necessitavam de uma prótese nova e, em 2015, esse índice diminuiu para 30,4%. A necessidade de prótese total sofreu aumento de 23,7% para 39,3% ( Tabela 3 ).

Segundo análise comparativa das questões de qualidade de vida, associação significativa pôde ser observada quanto ao desconforto para comer, em 2011, uma vez que mais de 80% da amostra respondeu que ocasionalmente sentia desconforto na hora de se alimentar, enquanto que, em 2015, 50,9% da amostra relatou algum desconforto ( Tabela 4 ).

Tabela 4
Análise comparativa do relato dos idosos quanto ao impacto da saúde bucal. Antônio Carlos, 2011 e 2015. (n=58)

DISCUSSÃO

Os achados apontam para piora da saúde bucal dos idosos investigados. Poucos permaneceram com a mesma quantidade de dentes, haja vista a diminuição significativa no arco superior. No inferior, apesar de oito idosos tornarem-se edêntulos, não houve diferença estatística. Em 2015, mais da metade da amostra era composta por edêntulos nos arcos superior e inferior, acompanhando tendência de se manterem mais os dentes inferiores 14 .

Observou-se diminuição significativa nas extrações nos últimos 5 anos. Em 2011, 96,6% extraíram pelo menos um dente neste período, número que passou para 24,1%. Essa diferença pode estar relacionada a menor procura por tratamento e queda de indicações cirúrgicas 15 .

A manutenção ou perda dental em idades avançadas estão relacionadas a fatores socioeconômicos, condições de saúde e estilo de vida. Nos idosos com 80 e mais anos, a cárie continua sendo a principal razão de perda dental 3,4,16 . Hábitos de higiene bucal podem influenciar a presença de placa bacteriana, havendo relação entre frequência de escovação com número de dentes. A literatura tem reportado higiene bucal deficiente e dificuldade em realizar controle de placa em níveis adequados entre idosos 2,17 . Vários são os fatores que atuam para desestabilizar o ecossistema bucal, favorecendo formação da placa. Alterações fisiológicas no envelhecimento associadas a patologias, mormente crônicas e polifarmácia, predispõem os idosos ao surgimento de patologias bucais 4 .

Os problemas de deglutição em idosos são mais frequentes naqueles que possuem menos dentes 9 . Ainda, diminuição da força oclusal e hipossalivação também influenciam negativamente a performance mastigatória e a qualidade de vida do idoso. A boca seca tem sido relatada como manifestação relacionada ao efeito colateral de medicamentos 18 , condição ocasionada por outras comorbidades relacionadas à idade 3,19 . Idosos com baixos níveis de secreção salivar podem apresentar prejuízos funcionais: paladar, fala e dificuldades para mastigar e deglutir os alimentos 20 . O uso de medicamentos está associado tanto à sensação de boca seca quanto à hipofunção da glândula salivar 21 .

O uso dos serviços odontológicos é influenciado pelo medo, pela condição de saúde e saúde bucal, pela mobilidade e pela percepção de necessidade de tratamento 7,22 . Neste estudo, o motivo mais citado foi a confecção de prótese; consultas de rotina diminuíram no período. Há uma associação benéfica entre padrão favorável de visita odontológica e melhor condição de saúde bucal 23 .

Sabe-se que fatores socioeconômicos, demográficos e relativos a padrão de uso de serviços influenciam o uso e a necessidade de prótese 24,25 . Houve diferença estatística em relação à necessidade de reabilitação protética inferior, acompanhada de um aumento da necessidade de prótese total inferior, para aqueles idosos que se tornaram edêntulos neste arco.

O estudo apresenta limitações. Os exames realizados em 2011 e 2015 foram conduzidos por diferentes examinadores, apesar de ter sido realizado treinamento prévio. Há de se considerar que houve a perda de um idoso quando da realização do segundo levantamento.

CONCLUSÃO

Constatou-se alta prevalência de idosos com 80 e mais anos edêntulos e limitada reabilitação protética, em ambos os anos. Houve diminuição do número de dentes presentes, significativa para arco superior. Autopercepção da boca seca e dificuldade para comer apresentaram piora da condição. Houve aumento na necessidade de algum tipo de prótese nova inferior e redução significativa no número de idosos que consultavam o dentista apenas por motivo de rotina.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018
  • Data do Fascículo
    Out 2018

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2018
  • Aceito
    17 Out 2018
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