CARTAS AO EDITOR
Transtornos mentais como causa de absenteísmo entre servidores públicos em São Paulo
Mental disorders as a cause of absenteeism among public workers in São Paulo
Camila Rodrigues Bressane Cruz; Mirian Matsura Shirassu; Priscila Lucia Queiroz Barbosa; Amália Maria Rodrigues de Santana
Centro de Promoção e Proteção à Saúde - Prevenir do Hospital do Servidor Público Estadual/Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público (HSPE/IAMSPE)
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Camila Rodrigues Bressane Cruz Prevenir - Hospital do Servidor Público Estadual Av. Ibirapuera, 981, 2º andar 04029-000 - São Paulo, SP Telefones: (11) 5088-8111/(11) 5088-8405 E-mail: camila_bressane@hotmail.com
Os transtornos mentais (TMs) constituem causa frequente de consultas médicas, internações e afastamentos na atualidade. Estudo realizado na região metropolitana de São Paulo entre população em geral atendida pelo Programa de Saúde da Família, localizado na zona norte da cidade, mostrou prevalência de transtornos mentais de 24,9%1. Pesquisas populacionais nacionais e internacionais mostram prevalência de transtornos depressivos na população que variaram de 6,3% a 12,8% nos Estados Unidos, 10% na Grã-Bretanha e de 0,9% a 10,2% no Brasil2.
Os TMs geram absenteísmo e afastamentos prolongados das atividades laborativas, sendo de grande interesse o estudo dessas patologias.
O presente estudo visa demonstrar os indicadores de absenteísmo por transtornos mentais entre os servidores públicos do estado de São Paulo, no período de 2003 a 2006.
Os indicadores de absenteísmo foram estudados no período de 2003 a 2006, a partir de dados provenientes do Departamento de Perícias Médicas do Estado (DPME) e da Unidade Central de Recursos Humanos (UCRH). O DPME forneceu dados de frequência e causas de licenças médicas, enquanto os dados relativos ao número de servidores foram fornecidos pelo UCRH. A amostra incluiu servidores estatutários de todos os órgãos vinculados às Secretarias de Estado. Foram excluídos servidores com vínculo pela Consolidação das Leis do Trabalho das Secretarias, Autarquias e Autarquias Especiais, funcionários das Fundações e das empresas terceirizadas, já que o afastamento médico deles não é registrado pelo DPME.
A população estudada variou de 422.820 a 434.676 servidores. Foram considerados os seguintes diagnósticos do capítulo V da CID-10: transtornos mentais devidos ao uso de álcool (CID-F10), transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de drogas e outras substâncias psicoativas (F11 a F16) e episódios depressivos (CIDs F32.0 a F32.9).
Foram calculados os seguintes indicadores:
1. Taxa de afastamento por 100 servidores: número de licenças médicas por ano dividido pela população sob risco, multiplicado por 100;
2. Proporção de dias concedidos por capítulo de CID: número de dias de licença concedidos por diagnóstico (capítulo da CID-10) dividido pelo total de dias de licença concedidos, multiplicado por 100;
3. Dias de trabalho perdidos: número de dias de trabalho perdidos em determinado período de tempo dividido pelo número programado de dias de trabalho no mesmo período, multiplicado por 100. Estima-se o número programado de dias de trabalho como: 22 dias (mês) x 12 (ano) x número de servidores.
Os indicadores foram calculados por meio do programa Epi-Info versão 6.04.
A análise mostrou que foram concedidos 171.433 afastamentos em 2003, 175.302 em 2004, 190.639 em 2005 e 188.451 em 2006.
Os TMs foram responsáveis por 30,7% desses afastamentos em 2003, 30% em 2004, 32,6% em 2005 e 29,9% em 2006.
A tabela 1 revela que a proporção de afastamentos por transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool e outras substâncias psicoativas (CIDs F10 a F16) variou de 2,94% a 3,67% dentre o total de licenças concedidas por TM no período de 2003 a 2006. Os transtornos depressivos (CIDs F32.0 a F32.9) variaram de 39,65% a 41,72%. Observa-se proporção semelhante em relação à porcentagem de dias de trabalho perdidos. A tabela 1 revela, ainda, que os transtornos depressivos representam proporção considerável entre o total geral de licenças concedidas pelo DPME, variando de 12,16% a 13,06%.
A Secretaria da Educação foi responsável pelo maior número de afastamentos por TM em relação ao número de servidores (15,8% em 2003 e 15,9% em 2006).
Os dados apresentados revelam elevada prevalência de afastamentos por transtornos mentais entre os servidores públicos estaduais, especialmente os transtornos depressivos. Dados provenientes do Instituto Nacional do Seguro Social3 mostram que, em 2007, os transtornos mentais e comportamentais (CIDs F00 a F99) totalizaram 217.512 benefícios concedidos, correspondendo a 11,86% do total de auxílios-doença naquele ano. Os TMs foram a terceira maior causa de afastamento entre os segurados do INSS. Dentre eles, 54,6% corresponderam a transtornos de humor (F30 a F39) e 12,7%, a transtornos por uso de drogas psicoativas (F10 a F19). A presente amostra apresenta taxa bastante superior de afastamento por transtornos mentais em geral (29,9% a 32,6% do total). Por outro lado, as licenças por uso de substâncias psicoativas foram inferiores em relação às dos segurados do INSS. Ressalta-se que no presente estudo foram utilizados CID F10 a F16, podendo comprometer a comparabilidade. Os transtornos de humor em nossa amostra corresponderam à grande proporção dos afastamentos por doenças do capítulo V (39,6% a 41,7%), entretanto a comparabilidade com os dados do INSS é limitada, já que foram analisados apenas os transtornos depressivos na presente amostra. A exclusão dos servidores das autarquias, fundações e terceirizados também pode ter comprometido a comparabilidade dos dados.
Estudo realizado em Vitória da Conquista4 revelou prevalência de 55,9% de distúrbios psíquicos entre professores da rede municipal. Gasparini et al. descrevem prevalência de 50,3% de transtornos mentais entre professores da rede pública de Belo Horizonte5. Outros estudos nacionais e internacionais revelaram prevalências que variaram de 18% a 24,2%6-10. Tais dados corroboram as proporções encontradas na presente amostra.
O presente estudo revela a importância dos transtornos metais como causa de afastamento entre os servidores públicos e a necessidade premente de elaboração de estratégias que implementem a qualidade de vida no trabalho, por meio de políticas públicas de saúde. Ações como o estabelecimento de uma rede de atenção à saúde mental que realize assistência e reabilitação dos servidores acometidos são fundamentais para o controle da incidência e prevalência dos transtornos mentais entre os servidores. Salienta-se, ainda, a importância da realização de estudos epidemiológicos que determinem a prevalência dos transtornos mentais na população em geral e entre segmentos de trabalhadores, a fim de melhor caracterizar o nexo ocupacional.
A capacitação dos médicos assistentes e peritos deve ser implementada, devido às peculiaridades dos transtornos psiquiátricos que dificilmente permitem diagnóstico mediante exames complementares, salvo aqueles decorrentes de lesões orgânicas.
Conclui-se que é fundamental a implementação de ações de promoção à saúde e adequação do ambiente e organização do trabalho, a fim de diminuir as taxas de absenteísmo e consequentemente o custo decorrente desses afastamentos.
Recebido: 21/2/2011
Aceito: 22/8/2011
Apresentado no XVIII Congresso Brasileiro de Perícias Médicas. Aracaju, Sergipe em 10 de setembro de 2010.
Referências bibliográficas
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- 4. Reis EFJB, Carvalho FM, Araújo TM, Porto LA, Neto AMS. Trabalho e distúrbios psíquicos em professores da rede municipal de Vitória da Conquista. Bahia, Brasil. Cad Saude Publica. 2005;21(5):1480-90.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Jan 2012 -
Data do Fascículo
2011