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Notificação compulsória de violência: implicações em saúde mental

Compulsory notification of violence: implications to mental health

EDITORIAL

Notificação compulsória de violência – implicações em saúde mental

Compulsory notification of violence – implications to mental health

Daniel Martins de Barros

Psiquiatra, doutor, supervisor da Sessão de Perícia Psiquiátrica do NUFOR, IPq-HC-FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Daniel Martins de Barros Rua Ovídio Pires de Campos, 785, 1º andar Cerqueira César CEP: 05403-010 São Paulo, SP E-mail: daniel.barros@usp.br

Embora muitos não saibam, desde o início do ano os profissionais de saúde estão mais profundamente envolvidos na questão da violência, já que esta entrou para o rol de notificação compulsória.

Nos últimos anos, a sociedade brasileira vem se voltando para os direitos e a proteção dos grupos vulneráveis, como idosos, mulheres e crianças: afora o Estatuto da Criança e do Adolescente, que já completou duas décadas, tanto o Estatuto do Idoso como a Lei Maria da Penha, sobre a violência de gênero, nasceram em meados dos anos 2000. Agora, em janeiro de 2011, ao reformular a lista de doenças de notificação compulsória, o Ministério da Saúde incluiu "Violência doméstica, sexual e/ou outras violências" entre os agravos a serem notificados obrigatoriamente pelos profissionais de saúde, não sem antes definir agravo como "qualquer dano à integridade física, mental e social dos indivíduos provocado por circunstâncias nocivas, como acidentes, intoxicações, abuso de drogas, e lesões auto ou heteroinfligidas" (Portaria 104/2011 do Ministério da Saúde).

Diante dessas mudanças e do fato de que "a notificação compulsória é obrigatória a todos os profissionais de saúde médicos, enfermeiros, odontólogos, médicos veterinários, biólogos, biomédicos, farmacêuticos e outros no exercício da profissão, bem como os responsáveis por organizações e estabelecimentos públicos e particulares de saúde e de ensino" (Artigo 7º), é importante que os psiquiatras estejam atentos, já que não é raro o psiquiatra se deparar com casos de agressividade interpessoal em sua prática diária, pois pacientes psiquiátricos têm grande risco de serem vítimas de violência (Teplin et al., 2005) e, mais raramente, também podem ser agressivos (Van Dorn et al., 2011). Como se aplicam essas regras aos nossos pacientes? Quando e o que deve ser notificado?

De acordo com a ficha de notificação/investigação de violência doméstica, sexual e/ou outras violências interpessoais, elaborada pelo Ministério da Saúde, "considera-se violência como o uso intencional de força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação" (Ministério da Saúde, 2011). Pode-se concluir, portanto, que atos agressivos cometidos por pacientes agitados ou em surto psicótico não precisam ser notificados, já que, lato sensu, não são considerados "intencionais", como define a norma. Além disso, embora inclua eventos "contra si" na definição de violência, a tentativa de suicídio também não se inclui, já que a obrigatoriedade é apenas de informar violência interpessoal.

Restam os pacientes que são vítimas de violência.

No caso de crianças, a mera suspeita deve ser notificada – lembrando que notificação não é sinônimo de denúncia – não só à Vigilância Sanitária, como também ao Conselho Tutelar. O mesmo vale para os idosos, nesse caso devendo ser notificados autoridade policial, Ministério Público ou Conselho do Idoso. Para mulheres não se faz necessário notificar a suspeita, sendo compulsória apenas quando o fato for conhecido. E os casos de homens? Embora a lei não os cite especificamente, fica implícito que também devem ser notificados os casos envolvendo homens adultos, uma vez que toda violência interpessoal é objeto da norma.

Considerar a violência como questão de saúde pública é fundamental para seu bom enfrentamento por parte do Estado; essa perspectiva, no entanto, redobra a importância do papel dos profissionais de saúde, responsáveis que ficam não só pelo cuidado com as vítimas como também pela produção de informações úteis no combate a esse problema.

Fontes

  • 1. Ficha de notificação/investigação individual. Ministério da Saúde, 2011. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/ficha_notificacao_violencia_domestica.pdf
  • 2
    Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.
  • 3
    Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.
  • 4. Lei 10.778, de 24 de novembro de 2003. Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados.
  • 5. Teplin LA, McClelland GM, Abram KM, Weiner DA. Crime victimization in adults with severe mental illness: comparison with the National Crime Victimization Survey. Arch Gen Psychiatry. 2005;62(8):911-21.
  • 6. Van Dorn R, Volavka J, Johnson N. Mental disorder and violence: is there a relationship beyond substance use? Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2011 Feb 26.
  • Endereço para correspondência:

    Daniel Martins de Barros
    Rua Ovídio Pires de Campos, 785, 1º andar
    Cerqueira César
    CEP: 05403-010
    São Paulo, SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      2011
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