RESUMO
Objetivo: Verificar a concordância entre o estado nutricional percebido pelas mães e o diagnosticado em crianças pré-escolares, distinguindo diferenças segundo o sexo e a idade da criança.
Métodos: Estudo com dados provenientes de uma coorte de 269 crianças pré-escolares assistidas em creches públicas de Campina Grande, Paraíba. Coletaram-se informações sobre a data de nascimento, sexo e estado nutricional das crianças (escores-Z de peso/estatura). Além disso, as mães foram questionadas em relação à percepção sobre o peso da criança. A concordância diagnóstica entre o estado nutricional aferido e o percebido pelas mães foi avaliada pelo teste Kappa ponderado, com significância de 5%.
Resultados: O percentual de desacertos entre o estado nutricional percebido pelas mães e o diagnosticado foi de 32,7%, com Kappa de 0,122, considerado desprezível. Destacou-se, principalmente, o excesso de peso subestimado (69,6%). A percepção materna do sobrepeso e o diagnosticado apresentou maior concordância nas crianças de maior faixa etária (36-59 meses versus 24-35 meses) e nas meninas.
Conclusões: O estudo da percepção materna do estado nutricional de crianças pré-escolares mostrou a dificuldade que as mães apresentam em reconhecer o real estado nutricional de seus filhos, principalmente a subestimação do sobrepeso. A percepção materna do sobrepeso das crianças é mais distorcida em meninos e nas crianças mais novas.
Palavras-chave: Percepção de peso; Sobrepeso; Estado nutricional; Criança; Creches
ABSTRACT
Objective: To verify the agreement between nutritional status perceived by mothers and that diagnosed in preschool children, by providing the differences according to children’s sex and age.
Methods: Study with data from a cohort of 269 preschool children assisted in public daycare centers of Campina Grande, Paraíba (Northeast Brazil). Children’s information about their date of birth, sex and nutritional status (weight/stature Z scores) was collected. Furthermore, the mothers were asked about their perception of children’s weight. The diagnostic agreement between the measured nutritional status and that perceived by mothers was assessed through the weighted Kappa test, with a 5% significance level.
Results: The percentage of disagreement between the measured nutritional status and that perceived by mothers was 32.7%, with Kappa of 0.122, which is considered insignificant. There was a remarkable overweight underestimation (69.6%). Agreement between maternal perception of overweight and the diagnosed nutritional status was higher for older children (36-59 months versus 24-35 months) and for girls.
Conclusions: The study regarding maternal perception of preschool children’s nutritional status showed the difficulty that mothers face in recognizing the real nutritional status of their children, especially the underestimation of overweight. Maternal perception of overweight in children is misrepresented in boys and in younger children with more importance.
Keywords: Weight perception; Overweight; Nutritional status; Child; Daycare centers
INTRODUÇÃO
Entende-se por imagem corporal uma construção multidimensional que descreve a representação interna da estrutura corporal e da aparência física, formada não apenas pela mente, mas por sentimentos associados a essa representação de si mesmo.1,2 É um processo que ocorre durante toda a vida e de estruturação facilitada nos primeiros anos do desenvolvimento, em função das condições fisiológicas, afetivas e sociais.3
A autopercepção corporal acontece à medida que a criança se desenvolve e adquire consciência de suas características corporais; por isso somente aos 2 anos a criança consegue reconhecer sua imagem no espelho.4,5 Destarte, a percepção parental sobre o estado nutricional das crianças é relevante para as ações de prevenção de distúrbios nutricionais e suas repercussões ligadas à imagem corporal.4
Nesse contexto, destaca-se a importância das boas relações parentais na construção de uma imagem corporal positiva6 e a figura materna como reguladora do comportamento, das preferências e dos padrões alimentares das crianças.7 A percepção materna distorcida ou o não reconhecimento da condição nutricional dos filhos pode condicionar o aparecimento de problemas físicos e distúrbios psicológicos na criança.2 A insatisfação das crianças com o próprio corpo, por sua vez, pode estar associada à percepção materna do filho durante a infância e levá-las a condutas prejudiciais ao estado nutricional e à saúde.8
Os estudos de percepção parental sobre o estado nutricional dos filhos mostram que há uma tendência de as mães subestimarem o excesso de peso em crianças com sobrepeso ou obesidade, não os reconhecendo como tal,9,10 o que pode, portanto, impedir a adoção de medidas preventivas, negligenciar a procura de uma assistência profissional especializada e prejudicar a aderência ao tratamento proposto nos casos positivos, além de desestimular a modificação do estilo de vida.2,7,9 Essa situação também tem sido constatada em estudos brasileiros.9
Contudo, poucos estudos têm usado, nas suas avaliações diagnósticas do estado nutricional, o padrão de referência recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS),10 cuja utilização permite o reconhecimento precoce de crianças com excesso de peso, além de incluir crianças brasileiras que são amamentadas.11 Além disso, são poucos os estudos desenvolvidos no Brasil e com crianças que frequentam creches,9 apesar das possíveis mudanças comportamentais decorrentes do ambiente escolar.10 Sendo assim, o presente estudo teve como objetivo verificar a concordância entre o estado nutricional percebido pelas mães e o diagnosticado em crianças pré-escolares, distinguindo diferenças segundo o sexo e idade da criança.
MÉTODO
Este estudo forma parte de uma coorte que compreendeu coleta de dados em dois momentos diferentes, com intervalo de 12 meses entre a primeira (outubro a novembro de 2011) e a segunda observação (outubro a novembro de 2012). A coleta de dados aconteceu nas creches públicas do município de Campina Grande, Paraíba, pertencentes à Secretaria de Educação.
O município de Campina Grande está localizado no Agreste Paraibano, distante 120 km de João Pessoa, capital do Estado. Ele tem uma área territorial de 671 km2 e uma população constituída de 402.912 habitantes (estimativa atual). Por dispor de uma posição geográfica privilegiada, Campina Grande é um polo de convergência, com aproximadamente 232 municípios, tanto da Paraíba quanto de Estados vizinhos, cujos habitantes deslocam-se para o município em busca dos serviços oferecidos, entre os quais os de saúde.
No momento da coleta de dados da primeira observação, funcionava um total de 25 creches públicas em bairros distintos do município, situadas em áreas carentes. Segundo a localização, 23 creches estavam na zona urbana e duas na zona rural. De acordo com a faixa etária, apenas 8 creches apresentavam atendimento em berçário (crianças entre 4 e 20 meses) e 93% das crianças tinham 24 meses ou mais de idade. O tempo de permanência da criança na creche era integral (8 horas diárias) ou parcial (4 horas diárias), com quantidade de refeições diárias equivalentes.
A população elegível para participar do estudo incluiu todas as crianças devidamente cadastradas e frequentando as creches (2.749, das quais 199 atendidas em berçário), exceto as gêmeas, as adotadas, aquelas cujas mães tinham idade inferior a 18 anos e as com problemas físicos que dificultassem a avaliação antropométrica, o que gerou 166 exclusões. No caso de crianças irmãs, nas creches, uma delas foi sorteada para o estudo. Como na primeira visita a idade mínima das crianças era de 12 meses, as com menos de 24 meses de idade ficaram excluídas para o presente estudo, pois no segundo momento todas as crianças tinham 2 anos ou mais.
Na primeira etapa, estimou-se um tamanho amostral apropriado baseado no procedimento para descrição da proporção.12 Considerou-se uma prevalência estimada (p) de excesso de peso de 7,0% em crianças menores de 5 anos, segundo a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde,13 um erro amostral (d) de 3 pontos percentuais e um nível de 95% de confiança (Zα2 = 1,962). O valor calculado (252) foi acrescido em 10% para perdas e recusas, mais efeito de delineamento amostral de 1,2; o que perfez uma amostra de 335 sujeitos. Tamanhos amostrais proporcionais foram considerados para o estudo de crianças segundo a zona de localização da creche (urbana, rural) e a idade da criança (menores de 2 anos, 2 anos ou mais).
Para a seleção da amostra, 14 creches foram selecionadas por sorteio aleatório simples, representando todos os bairros do município com creches em funcionamento, sendo uma selecionada entre as localizadas na zona rural e duas entre aquelas com atendimento de berçário. Posteriormente, com posse da lista das crianças assistidas nas creches, foram selecionadas de forma sistemática 15 crianças de 24 meses ou mais por creche de pequeno porte (3 creches); 20 por creche de mediano porte (3 creches); 25 por creche de grande porte (5 creches); e 35 na creche sorteada da zona rural. Em cada uma das duas creches sorteadas com atendimento de berçário, foram selecionadas 35 crianças menores de 2 anos.
Na segunda observação, com o intuito de diminuir as perdas, três tentativas de visitas (uma na creche e duas no domicílio) foram realizadas. As mães foram estimuladas a participar mediante o desenvolvimento de atividades, como o retorno dos resultados da avaliação do estado nutricional das crianças realizado na primeira visita e ações educativas sobre alimentação, nutrição e doenças infecciosas.
Foram coletadas informações para o presente estudo tanto na primeira quanto na segunda observações por entrevistadores (estudantes e profissionais da área de saúde) devidamente treinados, padronizados e supervisionados. Em ambas as ocasiões, as mães responderam a um questionário relacionado com a situação de saúde e a nutrição de seus filhos. Na primeira observação, os questionários foram aplicados nas creches; na segunda, nas creches ou no domicílio. Para este estudo, em um primeiro momento foram utilizadas as informações sobre a data de nascimento e o sexo das crianças, extraídos da Caderneta de Saúde da Criança. A idade da criança foi calculada em meses, mediante a diferença entre a data da primeira entrevista e a do nascimento. Além disso, utilizaram-se as informações relativas à percepção materna do peso da criança e as variáveis antropométricas, de peso e estatura da criança, obtidas no segundo momento. Para obter a percepção, perguntou-se à mãe, sem explicações adicionais, o que ela achava do peso atual da criança, sendo três as opções de respostas no questionário: abaixo do peso, dentro do peso ou acima do peso.
As crianças tiveram a estatura medida por meio de estadiômetro (WCS•, Biogênese Comércio de Artigos Médicos Ltda., Curitiba, PR) com amplitude de 200 cm e subdivisões de 0,1 cm. Todas as crianças foram pesadas utilizando balança eletrônica do tipo plataforma com capacidade para 150 kg e graduação em 100 g (Tanita UM-080®, Tanita Corporation, Tóquio, Japão). As medições foram realizadas nas creches, sempre na presença da mãe, em duplicata, aceitando-se variação máxima de 0,3 mm para medida de estatura e de 0,1 kg para medida de peso. Se esses limites fossem eventualmente ultrapassados, repetia-se a mensuração, anotando-se as duas medições com valores mais próximos, utilizando sua média para efeito de registro. Considerou-se como aceitável erro técnico da medida igual ou menor que 2,0. As medições foram realizadas de acordo com normas técnicas padronizadas, obedecendo aos procedimentos recomendados pela OMS,14 por antropometristas treinados.
Os escores-Z de peso/estatura das crianças foram calculados com o programa WHO Anthro 2009 (World Health Organization, Genebra, Suíça). Tomou-se como referência a população do Multicentre Growth Reference Study, atualmente recomendado pela OMS.15 Foram consideradas com baixo peso crianças com escore-Z inferior a -2 desvios-padrão da população de referência; e com sobrepeso, aquelas com escore superior a +2.14
A concordância entre a percepção materna do estado nutricional da criança (eutrofia, sobrepeso, baixo peso) e o diagnosticado segundo a classificação da OMS (eutrofia, sobrepeso, baixo peso) foi avaliada por meio do teste Kappa ponderado, ao nível de significância de 5%. A análise dos resultados foi realizada para a amostra total, por sexo (masculino, feminino) e por idade (24-35 meses, 36-59 meses). Os valores de Kappa foram interpretados segundo os critérios propostos por Landis e Koch,16 cuja força de concordância classifica-se em: sem concordância (< 0,00); desprezível (0,00-0,20); leve (0,21-0,40); moderada (0,41-0,60); grande (0,61-0,80) e excelente (0,81-1,00).
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba, sob o nº. 0050.0133.000-11. Todas as mães cujas crianças foram avaliadas e as diretoras das creches assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
No primeiro momento do estudo, das 335 crianças sorteadas, 13 mães recusaram a participação na pesquisa; 14 não compareceram à creche ou não estavam acompanhadas pela mãe no dia da coleta de dados; e em 9 foi impossível realizar a avaliação antropométrica (crianças muito inquietas ou chorando), totalizando o estudo de 299 crianças. No segundo momento, com a perda de 27 crianças, 272 puderam ser reavaliadas (todas elas com 2 anos ou mais, pois na primeira visita a idade mínima das crianças era de 12 meses). As três crianças que, na ocasião da segunda visita, tinham ultrapassado os 5 anos, foram desconsideradas, totalizando a análise de dados correspondente a 269 crianças neste estudo (Figura 1).
Entre as 269 crianças estudadas, 54,3% eram do sexo masculino e 52,4% estavam na faixa etária de 36 a 59 meses. Como pode ser observado, a eutrofia foi o estado nutricional predominante (86,6%), seguida pelo sobrepeso (8,6%). Verificou-se que 4,8% das crianças mostravam baixo peso (Tabela 1). Crianças avaliadas e perdidas não diferiram nas suas características.
Características das crianças que frequentam as creches públicas de Campina Grande, Paraíba, 2011.
As mães classificaram dentro do peso 70,6% das crianças; abaixo do peso, 25,3%; e acima do peso, 4,1%. O percentual de desacertos entre o estado nutricional percebido pela mãe e o diagnosticado observado na população avaliada foi de 32,7%, o que significa dizer que uma em cada três crianças foi percebida pela mãe de forma distorcida. A concordância entre a percepção materna sobre o estado nutricional do filho e o diagnosticado, medida pelo teste Kappa, foi de 0,122 (p=0,02), considerada desprezível de acordo com a classificação adotada. Para as crianças com sobrepeso obteve-se um Kappa de 0,377 (p<0,01), o que representa uma concordância leve (Tabela 2).
Segundo as classificações do estado nutricional percebido e do diagnosticado (Tabela 2), observa-se que a maioria das crianças com peso adequado foi considerada eutrófica pelas mães (72,1%). Nas crianças com sobrepeso e naquelas com baixo peso, os acertos foram, respectivamente, de 30,4 e 46,2%. Cabe ressaltar que, entre as crianças que tinham baixo peso e sobrepeso, 53,8 e 65,2% foram consideradas eutróficas pelas mães, respectivamente. Apenas 25,0% dos meninos com sobrepeso tiveram seu estado nutricional corretamente identificado pelas mães, e entre as meninas a prevalência de acerto foi de 42,9%. Entre crianças com 36 a 59 meses de idade, 33,3% foram identificadas corretamente com sobrepeso pelas mães, ao passo que apenas 27,3% daquelas com 24-35 meses apresentaram o mesmo resultado. Observou-se concordância entre a percepção materna e o diagnosticado nas crianças com sobrepeso, tanto para as crianças da amostra total quanto por sexo e por faixa etária. Segundo o sexo, evidenciou-se uma concordância moderada entre as meninas e leve entre os meninos. E conforme a faixa etária, observou-se uma concordância de intensidade moderada entre as crianças de 36 a 59 meses e leve entre as mais novas.
DISCUSSÃO
A avaliação do estado nutricional das crianças do presente estudo apontou resultados convergentes para os de âmbito nacional, a exemplo da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher, de 2006,13 que apresentou elevadas prevalências de excesso de peso e percentuais menores de baixo peso. Resultados similares também foram encontrados, por exemplo, em estudo de base populacional realizado em municípios do Estado do Maranhão,17 no qual os autores sugerem um processo de transição nutricional infantil em que predomina o excesso de peso.
Esse resultado torna-se mais preocupante considerando que as mães do presente estudo apresentaram uma percepção distorcida sobre o estado nutricional dos seus filhos, principalmente naqueles com sobrepeso, fato que vem sendo apontado na literatura e ressaltado por suas implicações na adoção de ações de promoção e prevenção da saúde.2,4,10,18 A dificuldade das mães em identificar o peso adequado dos filhos, principalmente sobrepeso, reforça a importância do acompanhamento do crescimento na promoção da saúde desde os primeiros anos de vida como parte das ações na atenção primária à saúde.4
A subestimativa do excesso de peso infantil por parte das mães é um fato recorrente na literatura,2,10,18,19,20,21,22,23 o que se assemelha, neste trabalho, à percepção materna das crianças com sobrepeso como eutróficas. Duas revisões sistemáticas na literatura sobre o tema concluíram com a mesma linha de raciocínio,9,24 destacando-se, para o contexto do presente trabalho, uma maior tendência desse achado em crianças de 2 a 6 anos de idade,24 compatíveis com a aqui relatada. A importância do resultado deste estudo radica no fato de a constatação ter sido encontrada entre crianças assistidas em creches, as quais podem apresentar especificidades derivadas da institucionalização com responsabilização compartilhada e perspectivas diferentes, que podem influenciar o seu cuidado.25
Cabe ressaltar a possível relação dessa subestimativa com a tendência de aumento do excesso de peso, fenômeno que pode distorcer a percepção do padrão de normalidade (crianças com excesso de peso percebidas como de peso normal e crianças eutróficas percebidas como baixo peso).10,19,20 Muitas mães acreditam, ainda, que, com o crescimento infantil, o excesso de peso tenderá a se distribuir de forma mais homogênea e a criança não se tornará um adolescente acima do peso.21,26 A relevância desses resultados redunda na influência da percepção materna do estado nutricional da criança na prevenção e tratamento do sobrepeso.9,18,19,22,24 Nesse sentido, ressalta-se o conhecimento sobre obesidade infantil e seus riscos para a saúde, que pode ser gerado por meio de práticas educativas.27
A concordância observada para as crianças com sobrepeso pode estar relacionada com os sinais clínicos perceptíveis dessa condição ou com o seu reconhecimento como condição de adoecimento.9,27 Independentemente da curva de referência adotada, os resultados assemelham-se aos observados entre pré-escolares de Portugal.2 Cabe ressaltar que o uso das novas curvas de crescimento da OMS é sugerido não apenas por possibilitar o diagnóstico apropriado de sobrepeso e obesidade, mas por permitir que os profissionais as utilizem para auxiliar os pais no seu entendimento e na concepção real do estado nutricional de seus filhos. A falta de percepção do peso real da criança representa o principal fator que influencia negativamente o comprometimento dos pais com o tratamento do excesso de peso.20,24,28
Estudo desenvolvido com crianças de creches públicas e privadas de Balneário Camboriú, Santa Catarina, observou que apenas 17,4% dos meninos com excesso de peso foram identificados corretamente pelas mães; e entre as meninas a prevalência de concordância foi de 52,2%.10 Esses resultados corroboram com os aqui apresentados, evidenciando uma concordância moderada entre a percepção materna do sobrepeso e o diagnosticado para as meninas, sendo tal anuência leve para os meninos.
Alguns pesquisadores relatam haver maior preocupação e sensibilidade materna com o ganho excessivo de peso nas meninas, mostrando uma subestimação do peso entre os meninos e superestimação nas meninas. Isso se deve, possivelmente, à maior atenção que a sociedade dá à imagem corporal feminina, o que provoca maiores níveis de insatisfação corporal nas mulheres do que nos homens.4,6,21,23 Assim, como indicado anteriormente,8 medidas preventivas relacionadas à insatisfação corporal devem ser conduzidas de forma independente para cada sexo.
Notória, também, segundo os resultados do presente estudo, foi a maior concordância entre a percepção materna do estado nutricional e o diagnosticado para as crianças mais velhas (36-59 meses) com sobrepeso, coerentemente com resultados de pesquisas similares anteriores.4,7 Argumenta-se que a preocupação materna com o peso dos filhos torna-se mais evidente com o aumento da idade ou quando a criança experimenta efeitos negativos associados ao excesso de peso, como a redução da mobilidade física, o uso de vestimenta com tamanho proporcional ao de adultos e a autoestima reduzida, que prevalecem em idades mais avançadas.4,7
A escala verbal, utilizada no estudo em questão, constitui o instrumento mais utilizado para avaliar a percepção materna do estado nutricional de seus filhos, tornando possível a comparação do alcance dos objetivos propostos. Além disso, a utilização das novas curvas de crescimento da OMS como padrão de referência, por ser baseada em crianças amamentadas, permite o reconhecimento mais precoce de crianças com excesso de peso,10 com importância condicionada à carência de estudos com essas características e em relação à prevenção do sobrepeso infantil. Apesar disso, discute-se que a avaliação verbal predispõe a uma maior distorção da percepção do estado nutricional infantil do que a escala visual composta por figuras de silhuetas,7,9,29 aspecto que deve ser considerado ao interpretar os resultados do atual estudo. Entretanto, cabe destacar que se relata também o fato das mães subestimarem o estado nutricional de seus filhos independentemente do tipo de escala utilizada para avaliar a sua percepção.30 Nesse sentido, os resultados parecem influenciados por aspectos emocionais e outras variáveis, como idade e escolaridade, que podem prejudicar a classificação materna do peso dos seus filhos,7,9,29 o que ficou fora do alcance deste estudo.
Este estudo apresenta outras limitações relacionadas com a inclusão de poucas variáveis, o que prejudica uma melhor compreensão sobre os fatores envolvidos no erro da percepção materna do estado nutricional do seu filho. A análise da percepção do estado nutricional deve compreender uma ampla gama de condições, a exemplo das condições socioeconômicas, que possibilitariam identificar outros grupos de risco para a distorção da imagem corporal. Além disso, métodos qualitativos seriam necessários para explicar a influência de algumas questões, como os padrões culturais.
Em síntese, o estudo da percepção materna do estado nutricional de crianças pré-escolares mostrou a dificuldade que as mães apresentam em reconhecer o real estado nutricional de seus filhos, principalmente a subestimação nas crianças com sobrepeso. A percepção materna do sobrepeso das crianças é mais distorcida em meninos e nas crianças mais novas. Esses resultados constituem evidências importantes na medida em que a adequada percepção materna do estado nutricional do filho, especialmente do excesso de peso, pode predispor à adesão a tratamentos. Essas circunstâncias podem, ainda, refletir positivamente na prevenção de possíveis distúrbios da imagem corporal que são resultantes do padrão de magreza socialmente aceito e valorizado como ideal. Todos esses fatores devem ser considerados com especial atenção, uma vez que apresentam repercussões relevantes nas práticas de promoção da saúde.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
31 Jul 2017 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2017
Histórico
-
Recebido
15 Ago 2016 -
Aceito
18 Nov 2016