RESUMO
Objetivo:
Avaliar a evolução laboratorial, particularmente da gasometria venosa, na anorexia nervosa (AN), correlacionando os achados com parâmetros clínicos.
Métodos:
Estudo retrospetivo com adolescentes com AN seguidos em ambulatório, entre janeiro de 2014 e maio de 2017. Foram comparadas três avaliações: (t1) primeira consulta; (t2) consulta com escore Z de índice de massa corpórea (IMC) mais baixo; e (t3) consulta com escore Z de IMC mais elevado.
Resultados:
Incluídos 24 adolescentes, 87,5% do sexo feminino, idade média de apresentação de 14,9±1,7 anos, início dos sintomas 6,4±3,2 meses antes da primeira consulta. Em t1, escore Z de IMC de -1,91±1,11 kg/m2 e % de peso ideal de 84,3±9,2. Tinham amenorreia 88%. Em t2 as alterações laboratoriais encontradas foram: gasometria venosa alterada em 100%, ferritina alterada (72% elevada), função tiroideia alterada (53% com diminuição da tiroxina), dislipidemia (31% com elevação de lipoproteína de alta densidade, 25% com hipercolesterolemia), elevação da ureia (25%), elevação da alanina aminotransferase (14%), hipoglicemia (14%) e anemia (9%). A acidose respiratória esteve presente em 91% em t1, 100% em t2 e 94% em t3. Verificou-se diminuição significativa entre t2 e t3 da pressão parcial de CO2 (pCO2) média (57,2 versus 53,6 mmHg; p=0,009) e HCO3 médio (30,0 versus 28,8 mEq/L; p=0,023).
Conclusões:
A acidose respiratória e o aumento da ferritina foram comuns nesse grupo. Acidose respiratória foi a alteração mais frequente, com variação significativa de pCO2 e HCO3 na fase de recuperação. A gasometria venosa deve ser considerada na avaliação laboratorial na AN, pois parece ser importante na avaliação da gravidade e monitorização da doença.
Palavras-chave:
Anorexia nervosa; Adolescente; Desnutrição; Gasometria
ABSTRACT
Objective:
To evaluate serum biochemical parameters’ evolution, especially venous blood gas (VBG), in anorexia nervosa (AN), correlating with clinical parameters.
Methods:
Retrospective study including out-patient AN adolescents, between January 2014 and May 2017. Three evaluations were compared: t1) first consultation; t2) consultation with the lowest body mass index (BMI) z-score and t3) with the highest BMI z-score.
Results:
A total of 24 adolescents (87.5% females) were included, mean age of presentation of 14.9±1.7 years, onset of symptoms 6.4±3.2 months before the first visit. In t1, BMI z-score of -1.91±1.11 kg/m2 and ideal weight % of 84.3±9.2. Amenorrhea was present in 88%. In t2 the analytical alterations were: altered VBG in 100%, altered ferritin (72% elevated), altered thyroid function (53% with thyroxine decrease), dyslipidemia (31% elevation of high density lipoprotein, 25% hypercholesterolemia), elevation of urea (25%), elevation of alanine aminotransferase (14%), hypoglycemia (14%), anemia (9%). Respiratory acidosis was present in 91% in t1, 100% in t2 and 94% in t3. There was a significant decrease between t2 and t3 in mean pCO2 (57.2 versus 53.6 mmHg; p=0.009) and mean HCO3 (30.0 versus 28.8 mEq/L; p=0.023).
Conclusions:
Respiratory acidosis and increased ferritin were common in this group. Respiratory acidosis was the most frequent abnormality with significant pCO2 and HCO3 variation in the recovery phase. VBG should be considered in AN evaluation, once it seems to be important in assessing the severity of the disease and its subsequent follow-up.
Keywords:
Anorexia nervosa; Adolescent; Malnutrition; Blood gas analysis
INTRODUÇÃO
A anorexia nervosa (AN) é um distúrbio do comportamento alimentar de etiologia multifatorial com uma prevalência de 0,5 a 2% na população geral. Tem uma frequência maior no sexo feminino e um pico de incidência para o início da doença entre os 13 e os 18 anos.11. Rosen DS, American Academy of Pediatrics. Identification and management of eating disorders in children and adolescents. Pediatrics. 2010;126:1240-53. https://doi.org/10.1542/peds.2010-2821
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2. Campbell K, Peebles R. Eating disorders in children and adolescents: state of the art review. Pediatrics. 2014;134:582-92. https://doi.org/10.1542/peds.2014-0194
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3. Smink FR, Hoeken D, Oldehinkel AJ, Hoek HW. Prevalence and severity of DSM-5 eating disorders in a community cohort of adolescents. Int J Eat Disord. 2014;47:610-9. https://doi.org/10.1002/eat.22316
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4. Moinho R, Dias I, Luz A, Moleiro P. Eating disorders in boys: what are the differences? Acta Pediatr Port. 2014;45:124-9.-55. Bacalhau S, Moleiro P. Eating disorders in adolescents – what to look for? Acta Med Port. 2010;23:777-84. A mortalidade associada à AN é de 5 a 6%, o que corresponde à maior taxa de mortalidade para uma doença psiquiátrica.33. Smink FR, Hoeken D, Oldehinkel AJ, Hoek HW. Prevalence and severity of DSM-5 eating disorders in a community cohort of adolescents. Int J Eat Disord. 2014;47:610-9. https://doi.org/10.1002/eat.22316
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Desde 2013 o diagnóstico é feito com base nos critérios do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorder V (DSM-5),66. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 5th ed. Washington (DC): American Psychiatric Association; 2013. dividindo-se em subtipo restritivo e compulsivo/ purgativo. Essa classificação permitiu diminuir a prevalência do diagnóstico de perturbação do comportamento alimentar sem outra especificação, em detrimento do aumento de casos de AN, permitindo maior acuidade terapêutica e prognóstica.77. Moinho R, Dias I, Luz A, Moleiro P. Feeding and eating disorders in a paediatric outpatient clinic: the impact of DMS-5. Acta Pediatr Port. 2016;47:3-10.
A combinação entre a má nutrição implícita na AN e comportamentos potencialmente associados, tais como vômitos e uso de laxantes, pode ter implicações em vários órgãos e sistemas e estar associada a várias alterações laboratoriais.88. Winston AP. The clinical biochemistry of anorexia nervosa. Ann Clin Biochem. 2012;49:132-43. https://doi.org/10.1258/acb.2011.011185
https://doi.org/10.1258/acb.2011.011185...
9. Vale B, Brito S, Paulos L, Moleiro P. Menstruation disorders in adolescents with eating disorders-target body mass index percentiles for their resolution. Einstein (Sao Paulo). 2014;12:175-80. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082014AO2942
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-1010. Miller KK, Grinspoon SK, Ciampa J, Hier J, Herzog D, Klibanski A. Medical findings in outpatients with anorexia nervosa. Arch Intern Med. 2005;165:561-6. https://doi.org/10.1001/archinte.165.5.561
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Entre as alterações laboratoriais mais comumente descritas estão os distúrbios eletrolíticos, tais como a hipofosfatemia e a hipocalemia, decorrentes dos vômitos e do uso de laxantes/ diuréticos.22. Campbell K, Peebles R. Eating disorders in children and adolescents: state of the art review. Pediatrics. 2014;134:582-92. https://doi.org/10.1542/peds.2014-0194
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,88. Winston AP. The clinical biochemistry of anorexia nervosa. Ann Clin Biochem. 2012;49:132-43. https://doi.org/10.1258/acb.2011.011185
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A disfunção endócrina é relativamente frequente e inclui hipotireoidismo, hipercortisolismo e distúrbios do eixo hipotálamo-hipófise, que se manifestam por hipogonadismo hipogonadotrófico e anovulação.99. Vale B, Brito S, Paulos L, Moleiro P. Menstruation disorders in adolescents with eating disorders-target body mass index percentiles for their resolution. Einstein (Sao Paulo). 2014;12:175-80. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082014AO2942
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A alteração mais comum é a síndrome eutireoidea (níveis baixos de tiroxina com tirotrofina normal), reversível com a realimentação.11. Rosen DS, American Academy of Pediatrics. Identification and management of eating disorders in children and adolescents. Pediatrics. 2010;126:1240-53. https://doi.org/10.1542/peds.2010-2821
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Os pacientes podem também apresentar alterações da função renal associadas à insuficiência renal aguda por vômitos ou restrição grave de fluidos.22. Campbell K, Peebles R. Eating disorders in children and adolescents: state of the art review. Pediatrics. 2014;134:582-92. https://doi.org/10.1542/peds.2014-0194
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Estão ainda descritas alterações hematológicas, tais como anemia e leucopenia, com raros casos de trombocitopenia. É importante avaliar os níveis de ferro e de vitamina B12 em doentes anêmicos, pois em casos de deficiência está recomendada a suplementação.22. Campbell K, Peebles R. Eating disorders in children and adolescents: state of the art review. Pediatrics. 2014;134:582-92. https://doi.org/10.1542/peds.2014-0194
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A elevação das transaminases é comum, normalmente assintomática e autolimitada, mas em casos raros pode estar associada à lesão hepática.88. Winston AP. The clinical biochemistry of anorexia nervosa. Ann Clin Biochem. 2012;49:132-43. https://doi.org/10.1258/acb.2011.011185
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A hipoglicemia leve é um achado comum na AN e é habitualmente bem tolerada.88. Winston AP. The clinical biochemistry of anorexia nervosa. Ann Clin Biochem. 2012;49:132-43. https://doi.org/10.1258/acb.2011.011185
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A albumina sérica é normal na maioria dos pacientes, mesmo nos casos graves.88. Winston AP. The clinical biochemistry of anorexia nervosa. Ann Clin Biochem. 2012;49:132-43. https://doi.org/10.1258/acb.2011.011185
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Vários estudos têm demonstrado elevações dos níveis de colesterol total (CT), lipoproteína de alta densidade (LDL) e lipoproteína de baixa densidade (HDL). A causa não está totalmente esclarecida, mas há estudos que relacionam tal achado com a redução do catabolismo e com a diminuição da tiroxina (T3).88. Winston AP. The clinical biochemistry of anorexia nervosa. Ann Clin Biochem. 2012;49:132-43. https://doi.org/10.1258/acb.2011.011185
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Estão também descritas alterações no equilíbrio ácido-base, como a alcalose metabólica em doentes com comportamentos purgativos ou em uso de diuréticos.11. Rosen DS, American Academy of Pediatrics. Identification and management of eating disorders in children and adolescents. Pediatrics. 2010;126:1240-53. https://doi.org/10.1542/peds.2010-2821
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,88. Winston AP. The clinical biochemistry of anorexia nervosa. Ann Clin Biochem. 2012;49:132-43. https://doi.org/10.1258/acb.2011.011185
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,1111. Kerem NC, Riskin A, Averin E, Srugo I, Kugelman A, Tov N. Respiratory acidosis in adolescents with anorexia nervosa hospitalized form medical stabilization: a retrospective study. Int J Eat Disord. 2012;45:125-30. Existem estudos realizados em doentes hospitalizados que demonstram que a acidose respiratória é também um achado comum nos doentes com AN.1111. Kerem NC, Riskin A, Averin E, Srugo I, Kugelman A, Tov N. Respiratory acidosis in adolescents with anorexia nervosa hospitalized form medical stabilization: a retrospective study. Int J Eat Disord. 2012;45:125-30.,1212. Kerem NC, Averin E, Riskin A, Toy N, Srugo I, Kugelman A. Respiratory functions in adolescents hospitalized for anorexia nervosa: a prospective study. Int J Eat Disord. 2012;45:415-22. https://doi.org/10.1002/eat.20960
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No entanto, a gasometria não faz parte da avaliação laboratorial realizada na rotina da maioria dos centros, nomeadamente no acompanhamento ambulatorial dos pacientes.
Vários parâmetros laboratoriais relacionados com o estado nutricional são avaliados de forma rotineira após o diagnóstico de AN.11. Rosen DS, American Academy of Pediatrics. Identification and management of eating disorders in children and adolescents. Pediatrics. 2010;126:1240-53. https://doi.org/10.1542/peds.2010-2821
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,1313. Casanova T, Santos P, Figueiredo C, Silveira A. Anorexia nervosa: proposta de linhas orientadoras. Acta Pediatr Port. 2009;40:133-5. No entanto, mesmo em situações de doença grave, a avaliação laboratorial pode não apresentar alterações.1414. Nova E, Lopez-Vidriero I, Varela P, Casas J, Marcos A. Evolution of serum biochemical indicators in anorexia nervosa patients: a 1-year follow-up study. J Hum Nutr Diet. 2008;21:23-30. https://doi.org/10.1111/j.1365-277X.2007.00833.x
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A explicação para esse fato parece residir na compensação dos efeitos da má nutrição, a qual preserva a maioria das funções fisiológicas por meio de mecanismos adaptativos,1414. Nova E, Lopez-Vidriero I, Varela P, Casas J, Marcos A. Evolution of serum biochemical indicators in anorexia nervosa patients: a 1-year follow-up study. J Hum Nutr Diet. 2008;21:23-30. https://doi.org/10.1111/j.1365-277X.2007.00833.x
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,1515. Nova E, Lopez-Vidriero I, Varela P, Toro O, Casas JJ, Marcos AA. Indicators of nutritional status in restricting-type anorexia nervosa patients: a 1-year follow-up study. Clin Nutr. 2004;23:1353-9. https://doi.org/10.1016/j.clnu.2004.05.004
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apesar de estarem presentes parâmetros clínicos de desnutrição.
A maioria dos estudos longitudinais sobre as alterações laboratoriais em doentes com AN é realizada em doentes hospitalizados,1111. Kerem NC, Riskin A, Averin E, Srugo I, Kugelman A, Tov N. Respiratory acidosis in adolescents with anorexia nervosa hospitalized form medical stabilization: a retrospective study. Int J Eat Disord. 2012;45:125-30.,1414. Nova E, Lopez-Vidriero I, Varela P, Casas J, Marcos A. Evolution of serum biochemical indicators in anorexia nervosa patients: a 1-year follow-up study. J Hum Nutr Diet. 2008;21:23-30. https://doi.org/10.1111/j.1365-277X.2007.00833.x
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15. Nova E, Lopez-Vidriero I, Varela P, Toro O, Casas JJ, Marcos AA. Indicators of nutritional status in restricting-type anorexia nervosa patients: a 1-year follow-up study. Clin Nutr. 2004;23:1353-9. https://doi.org/10.1016/j.clnu.2004.05.004
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-1616. Kennedy A, Kohn M, Lammi A, Clarke S. Iron status and haematological changes in adolescent female inpatients with anorexia nervosa. J Paediatr Child Health. 2004;40:430-2. https://doi.org/10.1111/j.1440-1754.2004.00432.x
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em quem pode-se prever a existência de um desequilíbrio metabólico mais pronunciado. Há poucos estudos que analisam a evolução dos parâmetros laboratoriais nos doentes com AN seguidos em ambulatório1010. Miller KK, Grinspoon SK, Ciampa J, Hier J, Herzog D, Klibanski A. Medical findings in outpatients with anorexia nervosa. Arch Intern Med. 2005;165:561-6. https://doi.org/10.1001/archinte.165.5.561
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,1717. Barron LJ, Barron RF, Johnson JC, Wagner I, Ward CJ, Ward SR, et al. A retrospective analysis of biochemical and haematological parameters in patients with eating disorders. J Eat Disord. 2017;5:32. https://doi.org/10.1186/s40337-017-0158-y
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e que permitam inferir sobre o seu papel na estratificação de risco e na monitorização clínica desses doentes.
O estabelecimento de um parâmetro laboratorial que se correlacione com a evolução/gravidade clínica é importante para a monitorização terapêutica e também para a conscientização dos doentes para a necessidade de tratamento. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a evolução dos parâmetros laboratoriais, em particular da gasometria venosa, nos doentes com AN seguidos em ambulatório, correlacionando-os com parâmetros clínicos.
MÉTODO
Realizou-se um estudo transversal analítico com coleta retrospectiva de dados de uma amostra de conveniência. Foi feita a análise de dados dos prontuários clínicos dos adolescentes com AN, diagnosticada com base nos critérios do DSM-5 e seguidos na consulta de medicina do adolescente de um hospital nível II, entre janeiro de 2014 e maio de 2017.
Consideraram-se três pontos para avaliação de parâmetros antropométricos e laboratoriais: (t1) primeira consulta; (t2) consulta com escore Z de índice de massa corporal (IMC) mais baixo; e (t3) consulta com escore Z de IMC mais elevado. Em alguns casos a consulta com escore Z de IMC mais baixo (t2) correspondeu à primeira consulta (t1).
Em cada um desses pontos de avaliação foram analisados os seguintes dados antropométricos: peso, estatura, IMC, percentil de IMC, escore Z de IMC e % de peso ideal. O percentil e o escore Z de IMC foram calculados usando o calculador para IMC para crianças e adolescentes, disponível em https://zscore.research.chop.edu/index.php. Para determinar o peso ideal dos adolescentes, calculou-se o peso correspondente ao IMC no percentil 50 (P50) para a idade e sexo, utilizando a fórmula: peso alvo (kg)=IMC no P50 (kg/m2) × estatura (metros).2 A % de peso ideal foi calculada utilizando a fórmula: peso real × 100/peso alvo.
Nos três pontos de avaliação foram também avaliadas a pressão arterial (PA) e a frequência cardíaca (FC). Considerou-se bradicardia quando FC<60 bpm e hipotensão quando PA sistólica<90 mmHg.
Os parâmetros laboratoriais analisados foram: hemoglobina (g/dL), sódio (mmol/L), potássio (mmol/L), magnésio (mmol/L), fosfato (mmol/L), cálcio, CT, triglicérides, LDL, HDL, creatinina quinase (CK) (U/L), albumina, creatinina (mg/dL), ureia (mmol/L), tirotrofina (TSH), T4 livre, proteínas totais (g/dL), glicose (mg/dL), aspartato aminotransferase (AST) (U/L), alanina aminotransferase (ALT) (U/L), desidrogenase láctica (LDH) (U/L), ferritina (ng/mL) e pH, pressão parcial de CO2 (pCO2) e HCO3 (gasometria venosa). Tal como outros autores,1111. Kerem NC, Riskin A, Averin E, Srugo I, Kugelman A, Tov N. Respiratory acidosis in adolescents with anorexia nervosa hospitalized form medical stabilization: a retrospective study. Int J Eat Disord. 2012;45:125-30. neste estudo usamos os valores de referência da gasometria arterial para analisar os resultados da gasometria venosa. Alguns autores1818. Yildizdas D, Yapicioğlu H, Yilmaz H, Sertdemir Y. Correlation of simultaneously obtained capillary venous, and arterial blood gases of patients in a paediatric intensive care unit. Arch Dis Child. 2004;89:176-80. https://doi.org/10.1136/adc.2002.016261
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,1919. Malatesha G, Singh NK, Bharija A, Rehani B, Goel A. Comparison of arterial and venous pH, bicarbonate, PCO2 and PO2 in initial emergency department assessment. Emerg Med J. 2007;24:569-71. https://doi.org/10.1136/emj.2007.046979
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demonstraram um elevado grau de concordância entre os valores da gasometria arterial e venosa. Considerando a facilidade na obtenção de uma amostra de sangue venoso, não há uma razão teórica ou prática que justifique a necessidade de utilizar a gasometria arterial nos doentes com AN. Como valores de referência para as análises restantes, foram considerados valores internacionalmente aceitos na idade pediátrica,2020. Kliegman RM, Stanton B, Geme JS, Schor NF, Behrman RE, editors. Nelson Textbook of Pediatrics. 19th ed. Philadelphia: WB Saunders Company; 2011. assim como os valores de referência para dislipidemia em idade pediátrica da Direção Geral da Saúde de Portugal.2121. Portugal. Serviço Nacional de Saúde (SNS). Documentos e Publicações. Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil [homepage on the Internet]. Portugal; 2005 [cited 2017 Aug 14]. Available from: https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/programa-tipo-de-atuacao-em-saude-infantil-e-juvenil.aspx.
https://www.dgs.pt/documentos-e-publicac...
Foram também analisados dados como idade na primeira consulta, sexo, duração da doença, presença de amenorreia e gravidade da AN (leve: IMC≥17 kg/m2; moderada: IMC 16 a 16,9 kg/m2; grave: IMC 15 a 15,9 kg/m2; extrema: IMC<15 kg/m2).
Na análise comparativa, foi usado o teste de t de Student para amostras emparelhadas para comparação de médias, e o teste de McNemar para variáveis categóricas. Para investigar a existência de uma correlação entre variáveis quantitativas, recorreu-se ao coeficiente de Pearson (r) ou Spearman (rho), conforme a normalidade. O valor absoluto da correlação indica a intensidade da associação, considerando-se r/rho≤0,19: correlação muito baixa; 0,2≤r/rho≤0,39: correlação baixa; 0,4≤r/rho≤0,69: correlação moderada; 0,7≤r/rho≤0,89: correlação forte; 0,9≤r/rho≤1: correlação muito forte.2222. Bryman A, Cramer D. Quantitative data analysis for social scientists. London: Routledge; 1995. O tratamento estatístico foi realizado com o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 22® (IBM Corp. Armonk, NY, EUA). Foi definida significância estatística para valores de p<0,05.
O levantamento e a consulta dos prontuários clínicos foram feitos respeitando-se a confidencialidade dos adolescentes; e a coleta de dados respeitou os princípios da Declaração de Helsinque. O estudo teve a autorização do diretor de serviço, assim como da Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital.
RESULTADOS
Obteve-se uma amostra de 24 adolescentes, sendo 21 do sexo feminino (87,5%). Três doentes foram observados apenas em uma consulta no período de realização do estudo e, por isso, contam com apenas a avaliação laboratorial, relativa ao t1.
Na primeira consulta de medicina do adolescente, os doentes apresentaram uma idade média de 14,9±1,7 anos e com início dos sintomas em média 6,4±3,2 meses antes.
A percentagem de peso ideal foi de 84,3±9,2%; o percentil de IMC, 13,2±16,4; e o escore Z de IMC, -1,91±1,11. Relativamente à gravidade da AN, 66,7% apresentavam AN leve a moderada, sem diferenças estatisticamente significativas considerando o sexo (p=0,526). A realçar que 4 doentes (16,7%) tinham IMC<15 kg/m2, o que corresponde a um grau de extrema gravidade.
Das adolescentes do sexo feminino já com menarca (n=17), 88% tinham amenorreia secundária.
Relativamente aos parâmetros vitais avaliados, 62,5% apresentavam bradicardia e 12,5%, hipotensão. Os doentes com AN grave e extrema apresentavam mais frequentemente bradicardia e hipotensão do que os doentes com AN leve a moderada (87,5 versus 50%; p=0,074; e 25 versus 6,3%; p=0,19; respetivamente). A Tabela 1 mostra a caracterização da amostra na primeira consulta.
Entre t2 e t3, o aumento do escore Z de IMC foi acompanhado por um aumento significativo dos valores de FC (60,1±13,4 versus 70,8±14,6; p=0,022) e PA (97,3±10,1 versus 102,2±11,2; p=0,031), como representado na Tabela 2.
Os exames pedidos em cada avaliação laboratorial (t1, t2 e t3) variaram, sendo o hemograma e a glicose solicitados em todas as avaliações. Para além dessas, os exames mais frequentemente pedidos foram: ureia, creatinina, TSH, T4 livre, ionograma completo, perfil lipídico, transaminases e gasometria venosa, solicitados em mais de 75% dos casos. Os resultados da avaliação analítica estão apresentados na Tabela 3.
Parâmetros laboratoriais dos doentes com anorexia nervosa nos três pontos de avaliação analítica.
Considerando a avaliação laboratorial realizada com o menor IMC (t2), verificou-se que a maioria dos parâmetros laboratoriais estava normal. As alterações encontradas foram: na gasometria venosa (100% com elevação da pCO2, 75% com elevação do HCO3, 70% com acidose), na ferritina (72% elevada, 14% diminuída), na função tireoidiana (53% com diminuição da tiroxina, 6% com diminuição da tirotrofina), dislipidemia (31% com elevação de LDL, 25% com hipercolesterolemia), elevação da ureia (25%), elevação da ALT (14%), hipoglicemia (14%) e anemia (9%).
Considerando as médias dos parâmetros laboratoriais, a gasometria venosa e a ferritina (no sexo feminino) foram os únicos parâmetros alterados (Tabela 3). A ferritina apresentava valores elevados em t1 e t2 (163,2 e 191,6 ng/mL, respetivamente), considerando os valores de referência para o sexo feminino. Verificou-se uma diminuição do seu valor entre t2 e t3, sem significância estatística (p=0,196). Não se encontrou correlação significante entre os valores de ferritina e o escore Z de IMC. Apesar de os valores do perfil lipídico estarem dentro dos limites estabelecidos pelos valores de referência, houve uma diminuição significante, entre t2 e t3, do valor médio do CT (167,4 versus 148,5 mg/dL; p=0,026) e de LDL (98,4 versus 83,8 mg/dL; p=0,025).
Existe uma correlação positiva entre a variação do escore Z de IMC e a variação da média de glicose entre t2 e t3 (rho=0,464; p=0,034).
Os resultados relativos à gasometria venosa estão representados na Tabela 4. A acidose respiratória (compensada ou não) esteve presente em 20 doentes em t1 (91%), 20 doentes em t2 (100%) e 16 doentes em t3 (94%). Os parâmetros da gasometria na primeira consulta não mostraram correlação com a duração de doença nem com o escore Z em t1. Verificou-se uma diminuição do número de acidoses não compensadas de t2 para t3 (sem significado estatístico; p=0,453). Houve uma diminuição significativa entre t2 e t3 da pCO2 média (57,2 versus 53,6 mmHg; p=0,009) e de HCO3 médio (30,0 versus 28,8 mEq/L; p=0,023).
DISCUSSÃO
No presente estudo, a maioria dos parâmetros laboratoriais geralmente solicitados em doentes com anorexia nervosa apresentava médias dentro dos valores de referência, exceto os parâmetros da gasometria venosa e ferritina. No ponto de maior gravidade clínica (t2 – quando havia o menor IMC e mais frequentemente a presença de bradicardia e de hipotensão), as alterações laboratoriais mais frequentes foram encontradas na gasometria venosa. Também se demonstrou, por ordem de frequência, alterações da ferritina (72% com elevação), alteração da função tireoidea (53% com diminuição da tiroxina), dislipidemia (31% com elevação da LDL, 25% com hipercolesterolemia), elevação da ureia (25%), elevação da ALT (14%), hipoglicemia (14%) e anemia (9%).
Existe uma grande variabilidade nos resultados dos estudos que avaliam as alterações laboratoriais na AN, decorrente da heterogeneidade da metodologia utilizada (parâmetros laboratoriais analisados, doentes internados/ambulatório, comparação com valores de referência/grupos controle). Nova et al.1414. Nova E, Lopez-Vidriero I, Varela P, Casas J, Marcos A. Evolution of serum biochemical indicators in anorexia nervosa patients: a 1-year follow-up study. J Hum Nutr Diet. 2008;21:23-30. https://doi.org/10.1111/j.1365-277X.2007.00833.x
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,1515. Nova E, Lopez-Vidriero I, Varela P, Toro O, Casas JJ, Marcos AA. Indicators of nutritional status in restricting-type anorexia nervosa patients: a 1-year follow-up study. Clin Nutr. 2004;23:1353-9. https://doi.org/10.1016/j.clnu.2004.05.004
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analisaram doentes hospitalizados (e provavelmente mais descompensados), comparativamente a um grupo controle, e descrevem alterações laboratoriais frequentes, em especial no hemograma, glicemia, proteínas totais, transaminases, LDH, CK e ferritina. Nesses doentes recrutados durante a internação, a presença de dislipidemia foi menos frequente do que no presente estudo (hipercolesterolemia em 18% e elevação de LDL em 16%).2323. Rigaud D, Tallonneau I, Vergès B. Hypercholesterolaemia in anorexia nervosa: frequency and changes during refeeding. Diabetes Metab. 2009;35:57-63. https://doi.org/10.1016/j.diabet.2008.08.004
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Também comparativamente aos achados da presente pesquisa, em outros estudos efetuados em ambulatório1010. Miller KK, Grinspoon SK, Ciampa J, Hier J, Herzog D, Klibanski A. Medical findings in outpatients with anorexia nervosa. Arch Intern Med. 2005;165:561-6. https://doi.org/10.1001/archinte.165.5.561
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,1717. Barron LJ, Barron RF, Johnson JC, Wagner I, Ward CJ, Ward SR, et al. A retrospective analysis of biochemical and haematological parameters in patients with eating disorders. J Eat Disord. 2017;5:32. https://doi.org/10.1186/s40337-017-0158-y
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a anemia foi mais frequente (38,6%), assim como as alterações hidroeletrolíticas (hiponatremia em 19,7% e hipocalemia em 19,7%), mas com valores similares de elevação de ALT (12,2%). Esses resultados demonstram que as alterações laboratoriais podem ser pouco frequentes, mesmo naqueles com doença grave. A “normalidade” laboratorial nessa doença, que clinicamente se apresenta com sinais físicos de descompensação de vários sistemas por desnutrição, pode, por um lado, levar o clínico menos treinado a desvalorizar a gravidade da situação e, por outro, reforçar o comportamento do paciente, a quem é devolvida a informação de que laboratorialmente seus valores são adequados.
Como referido, nesta amostra, as alterações laboratoriais mais frequentes foram a gasometria venosa e a ferritina. Os dados na literatura são controversos em relação às alterações da gasometria em doentes com anorexia. Existem estudos que reportam valores normais,2424. Pieters T, Boland B, Beguin C, Veriter C, Stanescu D, Frans A, et al. Lung function study and diffusion capacity in anorexia nervosa. J Intern Med. 2000;248:137-42.,2525. Gonzalez-Moro JM, Miguel-Diez J, Paz-González L, Buendía-García MJ, Santacruz-Siminiani A, Lucas-Ramos P. Abnormalities of the respiratory function and control of ventilation in patients with anorexia nervosa. Respiration. 2003;70:490-5. https://doi.org/10.1159/000074205
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enquanto outros referem que as alterações da gasometria (venosa) são frequentes.1111. Kerem NC, Riskin A, Averin E, Srugo I, Kugelman A, Tov N. Respiratory acidosis in adolescents with anorexia nervosa hospitalized form medical stabilization: a retrospective study. Int J Eat Disord. 2012;45:125-30.,1212. Kerem NC, Averin E, Riskin A, Toy N, Srugo I, Kugelman A. Respiratory functions in adolescents hospitalized for anorexia nervosa: a prospective study. Int J Eat Disord. 2012;45:415-22. https://doi.org/10.1002/eat.20960
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Os diferentes resultados podem estar relacionados às diferentes metodologias, nomeadamente idade, fase da doença (descompensação versus “estável”) e uso de gasometria arterial versus venosa. Kerem et al.1111. Kerem NC, Riskin A, Averin E, Srugo I, Kugelman A, Tov N. Respiratory acidosis in adolescents with anorexia nervosa hospitalized form medical stabilization: a retrospective study. Int J Eat Disord. 2012;45:125-30. relataram que a acidose respiratória leve é comum na gasometria venosa em adolescentes com diagnóstico recente de AN, hospitalizados para estabilização clínica (78% na admissão e 35% na alta hospitalar). Os dados aqui apresentados têm a particularidade de demonstrar que as alterações da gasometria venosa são também frequentes em adolescentes com seguimento em ambulatório e em diferentes fases da sua doença.
Apesar de não se ter encontrado uma correlação direta entre o escore Z de IMC e os parâmetros da gasometria venosa, verificou-se que na consulta com pior IMC (t2), todos os doentes apresentavam acidose respiratória, o que está de acordo com os dados de Kerem et al.1111. Kerem NC, Riskin A, Averin E, Srugo I, Kugelman A, Tov N. Respiratory acidosis in adolescents with anorexia nervosa hospitalized form medical stabilization: a retrospective study. Int J Eat Disord. 2012;45:125-30. Houve uma diminuição do número de pacientes portadores de acidoses não compensadas de t2 para t3, associada a uma diminuição significativa entre t2 e t3 da pCO2 média (57,2 versus 53,6 mmHg; p=0,009) e do HCO3 médio (30,0 versus 28,8 mEq/L; p=0,023). Esse dado parece indicar a gasometria como um instrumento útil na monitorização da doença, uma vez que a recuperação do IMC esteve associada a uma tendência à normalização dos valores da gasometria venosa. Vários mecanismos fisiológicos podem explicar a presença de acidose respiratória nos doentes com AN: alteração da força muscular dos músculos implicados na respiração (particularmente o diafragma),2525. Gonzalez-Moro JM, Miguel-Diez J, Paz-González L, Buendía-García MJ, Santacruz-Siminiani A, Lucas-Ramos P. Abnormalities of the respiratory function and control of ventilation in patients with anorexia nervosa. Respiration. 2003;70:490-5. https://doi.org/10.1159/000074205
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,2626. Gardenghi Gardenghi G, Boni E, Todisco P, Manara F, Borghesi A, Tantucci C. Respiratory function in patients with stable anorexia nervosa. Chest. 2009;136:1356-63. https://doi.org/10.1378/chest.08-3020
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anormalidades no controle respiratório (aumento do tônus vagal)2424. Pieters T, Boland B, Beguin C, Veriter C, Stanescu D, Frans A, et al. Lung function study and diffusion capacity in anorexia nervosa. J Intern Med. 2000;248:137-42.,2626. Gardenghi Gardenghi G, Boni E, Todisco P, Manara F, Borghesi A, Tantucci C. Respiratory function in patients with stable anorexia nervosa. Chest. 2009;136:1356-63. https://doi.org/10.1378/chest.08-3020
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e possíveis alterações na função pulmonar (alterações enfisema-like).2727. Coxson HO, Chan IH, Mayo JR, Hlynsky J, Nakano Y, Birmingham CL. Early emphysema in patients with anorexia nervosa. Am J Respir Crit Care Med. 2004;170:748-52. https://doi.org/10.1164/rccm.200405-651OC
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Na amostra estudada, a ferritina apresentou igualmente valores alterados: elevados em t1 e t2 e com uma tendência à normalização em t3. Comparativamente às alterações da gasometria venosa, a elevação da ferritina foi menos frequente e a descida da ferritina não teve significância estatística (p=0,196). Apesar de esses resultados não serem consensuais em toda a literatura,1717. Barron LJ, Barron RF, Johnson JC, Wagner I, Ward CJ, Ward SR, et al. A retrospective analysis of biochemical and haematological parameters in patients with eating disorders. J Eat Disord. 2017;5:32. https://doi.org/10.1186/s40337-017-0158-y
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vários autores têm reportado elevação dos valores de ferritina nos doentes com AN, com tendência à normalização associada à recuperação ponderal.1515. Nova E, Lopez-Vidriero I, Varela P, Toro O, Casas JJ, Marcos AA. Indicators of nutritional status in restricting-type anorexia nervosa patients: a 1-year follow-up study. Clin Nutr. 2004;23:1353-9. https://doi.org/10.1016/j.clnu.2004.05.004
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,1616. Kennedy A, Kohn M, Lammi A, Clarke S. Iron status and haematological changes in adolescent female inpatients with anorexia nervosa. J Paediatr Child Health. 2004;40:430-2. https://doi.org/10.1111/j.1440-1754.2004.00432.x
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,2828. Papillard-Marechal S, Sznadjer M, Hurtado-Nedelec M, Alibay Y, Martin-Schmitt C, Dehoux M, et al. Iron metabolismo in patients with anorexia nervosa: elevated serum hepcidin concentrations in the absence of inflammation. Am J Clin Nutr. 2012;95:548-54. https://doi.org/10.3945/ajcn.111.025817
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29. Wanby P, Berglund J, Brudin L, Hedberg D, Carlsson M. Increased ferritin levels in patients with anorexia nervosa: impact of weight gain. Eat Weight Disord. 2016;21:411-7. https://doi.org/10.1007/s40519-015-0246-4
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-3030. Tran J, Story C, Moore D, Metz M. Unexpected increased ferritin concentration in patients with anorexia nervosa. Ann Clin Biochem. 2013;50:504-6. https://doi.org/10.1177/0004563213490289
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A ferritina é frequentemente usada para avaliar as reservas de ferro, no entanto, pode estar elevada noutras situações, como lesão hepática, neoplasia, infecção e inflamação. Assim, a sua elevação nos doentes com AN é difícil de interpretar e, atualmente, o mecanismo fisiopatológico ainda não está esclarecido. Num estudo realizado por Papillard-Marechal et al.,2828. Papillard-Marechal S, Sznadjer M, Hurtado-Nedelec M, Alibay Y, Martin-Schmitt C, Dehoux M, et al. Iron metabolismo in patients with anorexia nervosa: elevated serum hepcidin concentrations in the absence of inflammation. Am J Clin Nutr. 2012;95:548-54. https://doi.org/10.3945/ajcn.111.025817
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a concentração de ferritina e hepcidina estava elevada nos doentes com AN, sem evidência de sobrecarga de ferro ou hemólise e com parâmetros inflamatórios e testes hepáticos normais. Esses autores sugerem que a má nutrição aguda possa constituir uma fonte de estresse em nível dos hepatócitos, levando ao aumento da hepcidina e, consequentemente, de ferritina. Nova et al.1515. Nova E, Lopez-Vidriero I, Varela P, Toro O, Casas JJ, Marcos AA. Indicators of nutritional status in restricting-type anorexia nervosa patients: a 1-year follow-up study. Clin Nutr. 2004;23:1353-9. https://doi.org/10.1016/j.clnu.2004.05.004
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defendem que a ferritina aumenta em resposta a um processo de adaptação à restrição alimentar, com normalização dos valores quando há recuperação ponderal.
O nosso estudo teve algumas limitações decorrentes do fato de se tratar de uma análise retrospectiva, com uma amostra de conveniência de tamanho reduzido e com poucos adolescentes do sexo masculino. Tendo em conta o período de estudo, em três casos a avaliação clínica e laboratorial foi feita apenas na primeira consulta, uma vez que as consultas subsequentes foram posteriores ao período de tempo considerado. Esses casos correspondem a duas adolescentes do sexo feminino e um do sexo masculino, o que não altera a representatividade global da amostra em termos de sexo, apesar de, no contexto de uma amostra de reduzidas dimensões, representar 12,5% do total. A avaliação laboratorial também não foi totalmente homogênea nos diferentes tempos considerados e não existiu um grupo controle. Não foram também consideradas outras informações clínicas relevantes, tais como a ingestão de laxantes, a quantificação de vômitos, a prática de exercício físico e o consumo de medicação ou drogas/álcool/tabaco. Seria também importante avaliar a frequência respiratória, pois poderia ajudar a perceber o mecanismo associado à acidose respiratória nesses doentes. Um estudo prospectivo e com maior poder amostral poderia avançar em relação a essas limitações. Seria também interessante incluir outras perturbações do comportamento alimentar.
Em conclusão, este estudo veio demonstrar que as alterações dos exames laboratoriais geralmente solicitados são pouco frequentes em adolescentes com AN em seguimento ambulatorial. Por outro lado, revelaram-se como parâmetros laboratoriais frequentemente alterados a gasometria venosa (na quase totalidade dos pacientes) e a ferritina (numa percentagem menor e com as prováveis limitações na sua interpretação). Considera-se, assim, que ambos os exames devam ser incluídos na avaliação laboratorial de doentes com AN. Especificamente a presença de acidose respiratória na gasometria venosa desses pacientes esteve associada a uma maior gravidade clínica e pode ser um marcador precoce de descompensação. No futuro e mediante novos estudos, a gasometria venosa poderá ser assumida como clinicamente útil na estratificação de risco dos doentes com AN seguidos em ambulatório e na sua monitorização/recuperação.
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Financiamento
-
Este estudo não recebeu financiamento.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Jan 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
12 Nov 2018 -
Aceito
13 Jan 2019 -
Publicado
20 Dez 2019