Acessibilidade / Reportar erro

Em tempo: deficiência da Vitamina D: quem precisa de suplementação?

A vitamina D tem um papel fundamental no metabolismo de cálcio e na saúde óssea das crianças. Acredita-se ainda que ela seja benéfica em doenças não ósseas, tais como doenças respiratórias, atopia e esquizofrenia.11 Paxton GA, Teale GR, Nowson CA, et al. Vitamin D and health in pregnancy, infants, children and adolescents in Australia and New Zealand: a position statement. Med J Aust. 2013;198:142-3. Existe uma relação clara entre a deficiência de vitamina D e raquitismo e hipocalcemia neonatal, mas a vitamina D também facilita a aquisição de massa óssea na infância.22 Winzenberg T, Jones G. Vitamin D and bone health in childhood and adolescence. Calcif Tissue Int. 2013;92:140-50. Assim, a necessidade de suplementação dessa vitamina precisa ser considerada sob uma série de perspectivas.

Raquitismo

O raquitismo pode ser causado por baixos níveis séricos de vitamina D e/ou por ingestão dietética de cálcio insuficiente; e, menos comumente, por distúrbios no metabolismo de fosfato. É importante diferenciar essas causas, já que a suplementação de vitamina D de forma isolada não cura o raquitismo, a menos que essa deficiência seja a causa única ou principal da doença. Isso foi observado em um estudo clínico randomizado (ECR) com crianças nigerianas com raquitismo, no qual apenas 19% daquelas tratadas exclusivamente com vitamina D tiveram resolução quase completa do quadro, comparadas com 61% e 58% das tratadas com cálcio e cálcio e vitamina D, respectivamente.33 Thacher TD, Fischer PR, Pettifor JM, et al. A comparison of calcium, vitamin D, or both for nutritional rickets in Nigerian children. N Engl J Med. 1999;341:563-8. O raquitismo hipocalcêmico é mais comumente observado em países em desenvolvimento. O uso de vitamina D combinada com cálcio para o tratamento de raquitismo hipocalcêmico traz resultados melhores do que o uso de cálcio isoladamente.44 Thacher TD, Fischer PR, Pettifor JM. Vitamin D treatment in calcium-deficiency rickets: a randomised controlled trial. Arch Dis Child. 2014;99:807-11.

Quando a baixa ingestão de cálcio contribui para o raquitismo, o nexo de causalidade pode ser incorretamente atribuído aos níveis de vitamina D, o que resulta na superestimativa do limiar de vitamina D, acima do qual o raquitismo por deficiência de vitamina D não ocorreria. No entanto, em um ECR que analisou a suplementação dessa vitamina para a prevenção de raquitismo em crianças chinesas, mesmo com baixas concentrações séricas de 25-hidroxi-vitamina D (25[OH]D; cerca de 30nmol/L), a doença não foi observada.55 Specker BL, Ho ML, Oestreich A, et al. Prospective study of vitamin D supplementation and rickets in China. J Pediatr. 1992;120:733-9. Assim, o raquitismo dependente de vitamina D pode ser mais comum abaixo desse nível. Isso é consistente com os dados de países desenvolvidos, nos quais o raquitismo ocorre predominantemente em populações sabidamente em alto risco para deficiência de vitamina D moderada a grave, tais como populações Afro-Americanas – nos Estados Unidos66 Wiesburg P, Scanlon KS, Li R, Cogswell ME. Nutritional rickets among children in the United States: review of cases reported between 1986 and 2003. Am J Clin Nutr. 2004;80:1697S-705S. – e populações de imigrantes de pele escura – na Austrália.77 Robinson PD, Hogler W, Craig ME, et al. The re-emerging burden of rickets: a decade of experience from Sydney. Arch Dis Child. 2006;91:564-8.,88 Munns CF, Simm PJ, Rodda CP, et al. Incidence of vitamin D deficiency rickets among Australian children: an Australian Paediatric Surveillance Unit study. Med J Aust. 2012;196:466-8. Em estudos mais recentes, observaram-se níveis séricos de 25(OH)D<20mmol/L em 73% dos casos e em 88% dos casos com idade inferior a seis meses,77 Robinson PD, Hogler W, Craig ME, et al. The re-emerging burden of rickets: a decade of experience from Sydney. Arch Dis Child. 2006;91:564-8. embora raquitismo tenha sido observado em pacientes com até 50nmol/L.88 Munns CF, Simm PJ, Rodda CP, et al. Incidence of vitamin D deficiency rickets among Australian children: an Australian Paediatric Surveillance Unit study. Med J Aust. 2012;196:466-8. Por isso, nos países desenvolvidos é necessária a intervenção nesses grupos de alto risco, seja por triagem e correção deficiências significativas de vitamina D seja por suplementação de vitamina D de rotina em lactentes de alto risco.

Suplementação de vitamina D para aumentar o pico de massa óssea

Evidências observacionais relacionam a deficiência de vitamina no útero e na infância à redução da densidade mineral óssea em crianças,22 Winzenberg T, Jones G. Vitamin D and bone health in childhood and adolescence. Calcif Tissue Int. 2013;92:140-50. mas os dados de ECRs são limitados. Nenhum ECR abordou a suplementação de vitamina D na gravidez e sua associação com resultados de densidade óssea em crianças. De forma geral, lactentes amamentados têm menor crescimento ósseo em comparação com aqueles alimentados com fórmula.99 Specker B. Nutrition influences bone development from infancy through toddler years. J Nutr. 2004;134:691S-5S. Embora esse déficit seja aparentemente temporário, já que observa-se a recuperação do crescimento, é possível que o desenvolvimento ósseo em crianças amamentadas possa ser aumentado com suplementação de vitamina D. Essa premissa e as preocupações com o risco de raquitismo em crianças em risco de deficiência de vitamina D levaram à recomendação generalizada de suplementação de vitamina D para lactentes.22 Winzenberg T, Jones G. Vitamin D and bone health in childhood and adolescence. Calcif Tissue Int. 2013;92:140-50. Infelizmente, os dados de ECRs são escassos e pouco convincentes. De três pequenos ensaios com suplementação diária de 400UI de vitamina D, nenhum demonstrou quaisquer benefícios da suplementação de vitamina D na densidade óssea no primeiro ano de vida.22 Winzenberg T, Jones G. Vitamin D and bone health in childhood and adolescence. Calcif Tissue Int. 2013;92:140-50. No entanto, mais da metade das crianças estudadas apresentavam níveis de vitamina D provavelmente superiores a 50nmol/L; portanto, ECRs com crianças com deficiência de vitamina D são necessários urgentemente antes que os benefícios de sua suplementação para tais crianças possam ser descartados. Isso é importante, já que é possível que a suplementação de vitamina D seja benéfica à massa óssea apenas em crianças deficientes. Em uma metanálise1010 Winzenberg T, Powell S, Shaw KA, Jones G. Effects of vitamin D supplementation on bone density in healthy children: systematic review and meta-analysis. BMJ. 2011;342:c7254.,1111 Winzenberg TM, Powell S, Shaw KA, Jones G. Vitamin D supplementation for improving bone mineral density in children. CDS Rev. 2010;10. CD006944. de seis ECRs, a suplementação de vitamina D não teve efeitos estatisticamente significantes ou clinicamente importantes sobre o conteúdo mineral ósseo total do corpo (CMO-TC) nem sobre a densidade mineral óssea (DMO) do quadril ou antebraço, mas apresentou uma tendência para um pequeno efeito sobre a DMO da coluna lombar (DMO-CL; diferença média padronizada [DMP] +0,15; [IC95%: 0,01 a 0,31]; p = 0,07), quando os estudos foram analisados independentemente da média inicial de 25(OH)D. No entanto, quando agrupados por média inicial de 25(OH)D, foram observados efeitos estatisticamente significantes no CMO-TC e na DMO-CL em estudos com média inicial de 25(OH)D <35 nmol/L. A magnitude dos efeitos em todos os locais foi no mínimo 0,2 DMP maior do que em estudos com média inicial de 25(OH)D ≥35nmol/L. Mesmo em estudos com média de níveis séricos de 25(OH)D <35 nmol/L, cerca de 20% das crianças teriam níveis de vitamina D adequados. Portanto, para estimar corretamente a magnitude de quaisquer benefícios, são necessários ECRs dirigidos às crianças deficientes.

A vitamina D e outras doenças crônicas

A sugestão de que os níveis de vitamina D na infância estejam relacionados com a ocorrência de outras doenças crônicas é baseada em dados observacionais limitados,11 Paxton GA, Teale GR, Nowson CA, et al. Vitamin D and health in pregnancy, infants, children and adolescents in Australia and New Zealand: a position statement. Med J Aust. 2013;198:142-3. com poucas evidências de ECR confirmatórias. A exceção é o peso ao nascer, no qual os dados observacionais e ECR são congruentes com um tamanho de efeito agrupado entre ECRs de 130g.1212 Theodoratou E, Tzoulaki I, Zgaga L, Ioannidis JP. Vitamin D and multiple health outcomes: umbrella review of systematic reviews and meta-analyses of observational studies and randomised trials. BMJ. 2014;348:g2035. Ainda que existam associações observacionais com doenças respiratórias, ECRs não demonstraram benefício da suplementação de vitamina D na prevenção da pneumonia em crianças ou da suplementação materna durante a gestação no risco de chiado na criança aos três anos de idade.11 Paxton GA, Teale GR, Nowson CA, et al. Vitamin D and health in pregnancy, infants, children and adolescents in Australia and New Zealand: a position statement. Med J Aust. 2013;198:142-3.,1313 Goldring ST, Griffiths CJ, Martineau AR, et al. Prenatal vitamin d supplementation and child respiratory health: a randomised controlled trial. PLoS ONE. 2013;8, e66627. Em crianças com pneumonia provenientes de uma população em alto risco de deficiência, a vitamina D não reduziu a duração da doença, mas diminuiu a probabilidade de recorrência dentro de 90 dias (RR: 0,78; IC95%: 0,64-0,94).1414 Manaseki-Holland S, Qader G, Isaq Masher M, et al. Effects of vitamin D supplementation to children diagnosed with pneumonia in Kabul: a randomised controlled trial. Trop Med Int Health. 2010;15:1148-55.

Conclusão

A suplementação de vitamina D em grávidas ou em crianças com alto risco para níveis séricos de 25(OH) muito baixos é claramente necessária para evitar o raquitismo e a hipocalcemia neonatal. A suplementação também é necessária para o tratamento de crianças com raquitismo associado à deficiência de vitamina D e, potencialmente, para reforçar os suplementos de cálcio no raquitismo hipocalcêmico. Não existe comprovação de que o pico de massa óssea pode ser aumentado com a correção da deficiência de vitamina D em crianças ou na gestação. Portanto, a suplementação rotineira dessa vitamina não pode ser recomendada para essa finalidade. A evidência de que a suplementação de vitamina D melhora outros desfechos de saúde também é insuficiente para fundamentar a suplementação generalizada.

  • Fontes de financiamento
    Este estudo não recebeu financiamento.

References

  • 1
    Paxton GA, Teale GR, Nowson CA, et al. Vitamin D and health in pregnancy, infants, children and adolescents in Australia and New Zealand: a position statement. Med J Aust. 2013;198:142-3.
  • 2
    Winzenberg T, Jones G. Vitamin D and bone health in childhood and adolescence. Calcif Tissue Int. 2013;92:140-50.
  • 3
    Thacher TD, Fischer PR, Pettifor JM, et al. A comparison of calcium, vitamin D, or both for nutritional rickets in Nigerian children. N Engl J Med. 1999;341:563-8.
  • 4
    Thacher TD, Fischer PR, Pettifor JM. Vitamin D treatment in calcium-deficiency rickets: a randomised controlled trial. Arch Dis Child. 2014;99:807-11.
  • 5
    Specker BL, Ho ML, Oestreich A, et al. Prospective study of vitamin D supplementation and rickets in China. J Pediatr. 1992;120:733-9.
  • 6
    Wiesburg P, Scanlon KS, Li R, Cogswell ME. Nutritional rickets among children in the United States: review of cases reported between 1986 and 2003. Am J Clin Nutr. 2004;80:1697S-705S.
  • 7
    Robinson PD, Hogler W, Craig ME, et al. The re-emerging burden of rickets: a decade of experience from Sydney. Arch Dis Child. 2006;91:564-8.
  • 8
    Munns CF, Simm PJ, Rodda CP, et al. Incidence of vitamin D deficiency rickets among Australian children: an Australian Paediatric Surveillance Unit study. Med J Aust. 2012;196:466-8.
  • 9
    Specker B. Nutrition influences bone development from infancy through toddler years. J Nutr. 2004;134:691S-5S.
  • 10
    Winzenberg T, Powell S, Shaw KA, Jones G. Effects of vitamin D supplementation on bone density in healthy children: systematic review and meta-analysis. BMJ. 2011;342:c7254.
  • 11
    Winzenberg TM, Powell S, Shaw KA, Jones G. Vitamin D supplementation for improving bone mineral density in children. CDS Rev. 2010;10. CD006944.
  • 12
    Theodoratou E, Tzoulaki I, Zgaga L, Ioannidis JP. Vitamin D and multiple health outcomes: umbrella review of systematic reviews and meta-analyses of observational studies and randomised trials. BMJ. 2014;348:g2035.
  • 13
    Goldring ST, Griffiths CJ, Martineau AR, et al. Prenatal vitamin d supplementation and child respiratory health: a randomised controlled trial. PLoS ONE. 2013;8, e66627.
  • 14
    Manaseki-Holland S, Qader G, Isaq Masher M, et al. Effects of vitamin D supplementation to children diagnosed with pneumonia in Kabul: a randomised controlled trial. Trop Med Int Health. 2010;15:1148-55.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2015
Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rpp@spsp.org.br