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AVALIAÇÃO ANTROPOMÉTRICA E DIETÉTICA DE PACIENTES COM GLICOGENOSE TIPO I

RESUMO

Objetivo:

Realizar avaliação antropométrica e dietética de pacientes com glicogenose tipos Ia e Ib.

Métodos:

Estudo transversal composto de uma amostra de 11 pacientes com glicogenose divididos em dois subgrupos de acordo com a classificação da glicogenose (tipo Ia=5; tipo Ib=6), com idades entre 4 e 20 anos. As variáveis antropométricas analisadas foram peso, estatura, índice de massa corporal e medidas de massa magra e gorda, que foram comparadas com valores de referência. Para avaliação dietética, foi utilizado um questionário de frequência alimentar para cálculo de ingestão de energia e macronutrientes, além da quantidade de amido cru ingerida. Realizaram-se testes U de Mann-Whitney e exato de Fisher, com nível de significância de 5%.

Resultados:

Os pacientes ingeriram amido cru na quantidade de 0,49 a 1,34 g/kg/dose na frequência de seis vezes ao dia, inferior à dosagem preconizada (1,75-2,50 g/kg/dose quatro vezes ao dia). A quantidade de energia consumida foi, em média, 50% a mais que as necessidades, contudo o consumo de carboidratos foi abaixo da porcentagem de adequação em 5/11 pacientes. Baixa estatura ocorreu em 4/10 pacientes, obesidade em 3/11 e déficit de massa muscular em 7/11. Não houve diferença estatística entre os subgrupos.

Conclusões:

Em pacientes com glicogenose tipo I, houve déficit de crescimento e de massa muscular, mas não diferença significante entre os subgrupos (Ia e Ib). Embora a dieta não tenha ultrapassado a adequação de carboidratos, 1/3 dos pacientes apresentou obesidade, provavelmente pela maior ingestão de energia.

Palavras-chave:
Doença de depósito de glicogênio tipo I; Antropometria; Dieta

ABSTRACT

Objective:

To perform anthropometric and dietary evaluation of patients with glycogenosis type Ia and Ib.

Methods:

This cross-sectional study is composed of a sample of 11 patients with glycogenosis divided into two subgroups according to the classification of glycogenosis (type Ia=5 and type Ib=6), aged between 4 and 20 years. The analyzed anthropometric variables were weight, height, body mass index, and measures of lean and fat body mass, which were compared with reference values. For dietary assessment, a food frequency questionnaire was used to calculate energy and macronutrients intake as well as the amount of raw cornstarch consumed. Mann-Whitney U test and Fisher’s exact test were performed, considering a significance level of 5%.

Results:

Patients ingested raw cornstarch in the amount of 0.49 to 1.34 g/kg/dose at a frequency of six times a day, which is lower than recommended (1.75-2.50 g/kg/dose, four times a day). The amount of energy intake was, on average, 50% higher than energy requirements; however, carbohydrate intake was below the adequacy percentage in 5/11 patients. Short stature was found in 4/10 patients; obesity, in 3/11; and muscle mass deficit, in 7/11. There were no statistical differences between the subgroups.

Conclusions:

In patients with glycogenosis type I, there was deficit in growth and muscle mass, but no differences were found between the subgroups (Ia and Ib). Although the diet did not exceed the adequacy of carbohydrates, about 1/3 of the patients presented obesity, probably due to higher energy intake.

Keywords:
Glycogen storage disease type I; Anthropometry; Diet

INTRODUÇÃO

A glicogenose tipo I (GSD I) é um erro inato de metabolismo do glicogênio e está relacionada com a deficiência na atividade da enzima glicose-6-fosfatase.11. Ozen H. Glycogen storage diseases: new perspectives. World J Gastroenterol. 2007;13:2541-53. https://doi.org/10.3748/wjg.v13.i18.2541
https://doi.org/https://doi.org/10.3748/...
,22. Reis CV, Penna FJ, Oliveira MC, Roquete ML. Glicogenose tipo I. J Pediatr. 1999;75:227-36. Pode ser subdividida em dois tipos principais: tipo Ia, em que se observa inatividade da enzima glicose-6-fosfatase; e tipo Ib, em que há defeito no transporte da glicose-6-fosfato.11. Ozen H. Glycogen storage diseases: new perspectives. World J Gastroenterol. 2007;13:2541-53. https://doi.org/10.3748/wjg.v13.i18.2541
https://doi.org/https://doi.org/10.3748/...
,33. Wolfsdorf JI, Weinstein DA. Glycogen storage diseases. Rev Endocr Metab Disord. 2003;4:95-102. https://doi.org/10.1023/a:1021831621210
https://doi.org/https://doi.org/10.1023/...
Sua incidência é estimada em 1:100.000 nascidos vivos.44. Chou JY, Matern D, Mansfield BC, Chen YT. Type I glycogen storage diseases: disorders of the glucose-6-phosphatase complex. Curr Mol Med. 2002;2:121-43. https://doi.org/10.2174/1566524024605798
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Como consequência, a GSD I pode levar ao acúmulo de glicogênio no fígado, rins e mucosa intestinal, além de consequências metabólicas como hipoglicemia (podendo chegar a crises convulsivas), acidose lática, hiperlipidemia e hiperuricemia. Além disso, sinais clínicos como facies de boneca e hepatomegalia são frequentes. Em longo prazo, podem surgir complicações renais, hipertensão pulmonar e até adenomas hepáticos. A glicogenose (GSD) tipo Ib diferencia-se do tipo Ia pelas infecções recorrentes associadas à neutropenia e disfunção dos neutrófilos apresentadas pelos pacientes.22. Reis CV, Penna FJ, Oliveira MC, Roquete ML. Glicogenose tipo I. J Pediatr. 1999;75:227-36.,33. Wolfsdorf JI, Weinstein DA. Glycogen storage diseases. Rev Endocr Metab Disord. 2003;4:95-102. https://doi.org/10.1023/a:1021831621210
https://doi.org/https://doi.org/10.1023/...
,55. Kishnani PS, Austin SL, Abdenur JE, Arn P, Bali DS, Boney A, et al. Diagnosis and management of glycogen storage disease type I: a practice guideline of the American College of Medical Genetics and Genomics. Genet Med. 2014;16:e1. https://doi.org/10.1038/gim.2014.128
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
,66. Froissart R, Piraud M, Boudjemline AM, Vianey-Saban C, Petit F, Hubert-Buron A, et al. Glucose-6-phosphatase deficiency. Orphanet J Rare Dis. 2011;6:27. https://doi.org/10.1186/1750-1172-6-27
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...
,77. Santos BL, Souza CF, Schuler-Faccini L, Refosco L, Epifanio M, Nalin T, et al. Glycogen storage disease type I: clinical and laboratory profile. J Pediatr (Rio J). 2014;90:572-9. https://doi.org/10.1016/j.jped.2014.02.005
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O tratamento dietético é fundamental e visa prevenir hipoglicemias, melhorar o controle metabólico, garantir o crescimento adequado e adiar complicações que ocorrem em longo prazo.11. Ozen H. Glycogen storage diseases: new perspectives. World J Gastroenterol. 2007;13:2541-53. https://doi.org/10.3748/wjg.v13.i18.2541
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,22. Reis CV, Penna FJ, Oliveira MC, Roquete ML. Glicogenose tipo I. J Pediatr. 1999;75:227-36.,55. Kishnani PS, Austin SL, Abdenur JE, Arn P, Bali DS, Boney A, et al. Diagnosis and management of glycogen storage disease type I: a practice guideline of the American College of Medical Genetics and Genomics. Genet Med. 2014;16:e1. https://doi.org/10.1038/gim.2014.128
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,66. Froissart R, Piraud M, Boudjemline AM, Vianey-Saban C, Petit F, Hubert-Buron A, et al. Glucose-6-phosphatase deficiency. Orphanet J Rare Dis. 2011;6:27. https://doi.org/10.1186/1750-1172-6-27
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Ele consiste em fornecer uma dieta fracionada ao longo do dia, com carboidratos de absorção lenta (como amido de milho cru) nos intervalos, para manutenção de glicemia, além de restrição de lactose, sacarose e frutose na dieta. Como essa dieta é limitada, frequentemente é necessário utilizar suplementos vitamínicos e minerais.11. Ozen H. Glycogen storage diseases: new perspectives. World J Gastroenterol. 2007;13:2541-53. https://doi.org/10.3748/wjg.v13.i18.2541
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,22. Reis CV, Penna FJ, Oliveira MC, Roquete ML. Glicogenose tipo I. J Pediatr. 1999;75:227-36.,77. Santos BL, Souza CF, Schuler-Faccini L, Refosco L, Epifanio M, Nalin T, et al. Glycogen storage disease type I: clinical and laboratory profile. J Pediatr (Rio J). 2014;90:572-9. https://doi.org/10.1016/j.jped.2014.02.005
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,88. Shah KK, O’Dell SD. Effect of dietary interventions in the maintenance of normoglycaemia in glycogen storage disease type 1a: a systematic review and meta-analysis. J Hum Nutr Diet. 2013;26:329-39. https://doi.org/10.1111/jhn.12030
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Quanto ao perfil nutricional, o portador de GSD I pode apresentar déficit de crescimento e, em alguns casos, baixa estatura.11. Ozen H. Glycogen storage diseases: new perspectives. World J Gastroenterol. 2007;13:2541-53. https://doi.org/10.3748/wjg.v13.i18.2541
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O excesso de ganho de peso pode ser decorrente da oferta excessiva de energia e/ou amido.55. Kishnani PS, Austin SL, Abdenur JE, Arn P, Bali DS, Boney A, et al. Diagnosis and management of glycogen storage disease type I: a practice guideline of the American College of Medical Genetics and Genomics. Genet Med. 2014;16:e1. https://doi.org/10.1038/gim.2014.128
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,66. Froissart R, Piraud M, Boudjemline AM, Vianey-Saban C, Petit F, Hubert-Buron A, et al. Glucose-6-phosphatase deficiency. Orphanet J Rare Dis. 2011;6:27. https://doi.org/10.1186/1750-1172-6-27
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O monitoramento do estado nutricional pode ser feito acompanhando-se as medidas de peso, altura e índice de massa corporal, além de circunferência braquial e pregas cutâneas, úteis na avaliação de massa magra e gorda.55. Kishnani PS, Austin SL, Abdenur JE, Arn P, Bali DS, Boney A, et al. Diagnosis and management of glycogen storage disease type I: a practice guideline of the American College of Medical Genetics and Genomics. Genet Med. 2014;16:e1. https://doi.org/10.1038/gim.2014.128
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,99. Bavdekar A, Bhave S, Pandit A. Nutrition management in chronic liver disease. Indian J Pediatr. 2002;69:427-31. https://doi.org/10.1007/bf02722636
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Considerando a raridade da doença e suas consequências metabólicas, o tratamento nutricional é essencial para esses pacientes. Assim, o objetivo desta pesquisa foi realizar a avaliação antropométrica e dietética de pacientes portadores de glicogenose tipos Ia e Ib acompanhados ambulatorialmente em serviço de nível terciário.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo e transversal realizado com pacientes portadores de GSD I acompanhados no ambulatório de hepatologia pediátrica e de erros inatos de metabolismo de um hospital terciário. Do total de 18 pacientes com GSD I acompanhados, sete foram excluídos (dois por não terem diagnóstico confirmado; um por não ter completado os exames; um pela opção de não participar da pesquisa; e três por não responderem à convocação). O diagnóstico da doença desses pacientes foi realizado com base na história clínica, nos exames bioquímicos, na biópsia hepática analisada por meio de microscopia óptica e eletrônica e no estudo molecular.

Os pacientes foram divididos em dois grupos quanto à classificação da glicogenose, com base no quadro clínico e no estudo da mutação genética por análise molecular (tipo Ia=5 pacientes; tipo Ib=6 pacientes). Na história clínica e nos exames bioquímicos, observaram-se hepatomegalia, hipoglicemia (por vezes, com convulsão secundária), hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, hiperuricemia e aumento nos níveis de lactato. Alguns pacientes apresentavam facies de boneca. Os pacientes com tipo Ib também exibiam neutropenia e infecções de repetição. A biópsia hepática evidenciou hepatócitos com citoplasma claro, esteatose e membrana citoplasmática espessada aparentando célula vegetal por causa do deslocamento de organelas para a periferia por acúmulo excessivo de glicogênio. Na microscopia eletrônica, viu-se abundante depósito de glicogênio citoplasmático e nuclear. Na análise molecular realizada em oito pacientes, cinco apresentaram mutações compatíveis com o grupo Ia em éxons do gene G6PC e três mutações compatíveis com o grupo Ib em éxons do gene SLC37A4.

Todos os pacientes faziam uso de amido cru como parte do tratamento e passavam por consultas regulares com nutricionista para avaliação nutricional e orientações sobre o consumo desse alimento, restrições dietéticas de lactose, sacarose e frutose, especialmente para os mais jovens,55. Kishnani PS, Austin SL, Abdenur JE, Arn P, Bali DS, Boney A, et al. Diagnosis and management of glycogen storage disease type I: a practice guideline of the American College of Medical Genetics and Genomics. Genet Med. 2014;16:e1. https://doi.org/10.1038/gim.2014.128
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,1010. Martins AM, Micheletti C, Giannetti JG, Banin MR, Oliveira RB. Glicogenoses. In: Martins AM, Frangipani B, Micheletti C, Oliveira R, editors. Protocolo brasileiro de dietas: erros inatos do metabolismo. São Paulo: Segmento Farma; 2006. p. 71-80.,1111. Rake JP, Visser G, Labrune P, Leonard JV, Ullrich K, Smit GP. Guidelines for management of glycogen storage disease type I - European Study on Glycogen Storage Disease Type I (ESGSD I). Eur J Pediatr. 2002;161 (Suppl 1):S112-9. https://doi.org/10.1007/s00431-002-1016-7
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além de adequações das dietas e orientações específicas quando necessário.

Os pacientes foram convidados a participar da pesquisa após suas consultas de rotina no serviço. Nesse momento, coletaram-se os dados antropométricos e dietéticos pelo pesquisador principal. As variáveis coletadas para análise da antropometria, seguindo técnicas descritas por Lohman et al.,1212. Lohman TG, Roche AF, Martorell R. Anthropometric standardization reference manual. Champaign: Human Kinetics Books; 1988. foram: peso, estatura, circunferência braquial (CB) e prega cutânea tricipital (PCT) - para esta, foi utilizado o adipômetro Lange® (Beta Technology, Santa Cruz, CA, Estados Unidos). Com base nesses dados, foram calculados: índice de massa corporal (IMC=peso/altura2); circunferência muscular do braço (CMB); área muscular do braço corrigida (AMBc) e área adiposa do braço (AAB), pelas fórmulas de Frisancho.1313. Frisancho AR. Anthropometric Standards for the Assessment of Growth and Nutritional Status. Ann Arbor: The University of Michigan Press; 1990. Compararam-se essas medidas com valores de referência em percentis. Para pacientes de até 20 anos (10/11 pacientes), ainda foram calculados escores Z de estatura para idade (E/I) e de IMC para idade (IMC/I). Para pacientes de até 10 anos, também se calculou o escore Z de peso para idade (P/I). Utilizou-se o software WHO AntroPlus v1.0.4 (World Health Organization, Genebra, Suíça) para os cálculos de escore Z.

Para avaliação dietética, foi realizada entrevista com os próprios pacientes, no caso de adolescentes e adultos, ou com os responsáveis, quando se tratava de crianças, por meio de questionário de frequência alimentar (QFA) semiquantitativo, adaptado de Ribeiro et al.1414. Ribeiro AC, Sávio KE, Rodrigues ML, Costa TH, Schmitz BA. Validation of a food frequency questionnaire for the adult population. Rev Nutr. 2006;19:553-62. O questionário continha uma lista com diferentes categorias de alimentos, frequência de consumo e porção consumida, a fim de avaliar o consumo usual do paciente, baseado nos 30 dias anteriores. Para o cálculo da dieta a partir do questionário, utilizou-se o software Dietpro 5i (Dietpro, Viçosa, MG, Brasil), que permitiu determinar as quantidades de energia, carboidratos, proteínas e gorduras ingeridas. Em seguida, foi calculada a porcentagem de adequação desses macronutrientes, e os valores foram comparados com aqueles estabelecidos pelo Protocolo Brasileiro de Dietas: Erros Inatos de Metabolismo.1010. Martins AM, Micheletti C, Giannetti JG, Banin MR, Oliveira RB. Glicogenoses. In: Martins AM, Frangipani B, Micheletti C, Oliveira R, editors. Protocolo brasileiro de dietas: erros inatos do metabolismo. São Paulo: Segmento Farma; 2006. p. 71-80. De acordo com esse protocolo, o valor recomendado para carboidratos deve estar entre 60-65% do valor energético total; para proteínas, entre 10-15%; e para gorduras, entre 20-25%. As necessidades energéticas foram calculadas por meio das fórmulas de Estimated Energy Requirements (EER), estabelecidas pelas Dietary References Intakes (DRIs).1515. Institute of Medicine. Dietary reference intakes: the essential guide to nutrient requirements. Washington: National Academy Press; 2006.

Todos os dados foram coletados e compilados pelos pesquisadores, sendo a análise estatística feita com o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) (versão 20.0). Realizaram-se frequência e estatística descritiva. Além disso, para variáveis contínuas, empregou-se o teste U de Mann-Whitney; para variáveis categóricas, o teste exato de Fisher, ambos com nível de significância de 5%.

A pesquisa teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) número 11737312.1.0000.5404.

RESULTADOS

A amostra deste estudo foi composta de 11 pacientes portadores de GSD I, sendo seis do gênero feminino e cinco do masculino. A idade variou de 4 anos e 6 meses a 20 anos e 6 meses, e o tempo de acompanhamento, de 3 anos e 5 meses a 17 anos e 2 meses. Os dados da avaliação dietética de cada paciente estão apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Características da avaliação dietética de cada paciente com glicogenose tipo I.

Os pacientes foram acompanhados por profissional nutricionista do próprio serviço, que orientava o tratamento dietético, porém, durante a pesquisa, apenas o paciente mais velho perdeu seguimento. Todos os pacientes fizeram uso de amido de milho cru diluído em água, por via oral, como parte do tratamento, apresentando mediana de consumo de seis vezes/dia (sendo o mínimo de quatro e o máximo de oito vezes/dia), em intervalos regulares. Acerca da frequência de refeições e lanches ao longo do dia, os pacientes apresentaram mediana de seis refeições/dia.

Os resultados da avaliação dietética pelo QFA estão na Tabela 2. Quanto às calorias ingeridas, ao serem comparadas com os valores de referência, notou-se que ambos os grupos consumiam em média 50% a mais que suas necessidades estimadas. Ao analisar a contribuição de cada macronutriente na dieta, a proporção de carboidratos para o tipo Ia encontrou-se de acordo com os valores de referência; já para os pacientes do tipo Ib, esse valor apresentou-se abaixo dessa recomendação. A distribuição de proteínas na dieta esteve acima da recomendada em ambos os grupos de pacientes, enquanto o consumo de gordura ficou em conformidade com a faixa dos valores recomendados. Apesar disso, não houve diferença estatisticamente significante entre os dois grupos.

Tabela 2
Média e mediana das quantidades de energia e nutrientes ingeridos pelos pacientes com glicogenose tipo I, de acordo com o questionário de frequência alimentar.

O estudo também avaliou o consumo de macronutrientes pelos pacientes, comparando-o com valores de referência, com base na avaliação dietética. Ao ser aplicado o teste exato de Fisher, não houve diferença significativa entre GSD Ia e Ib, entretanto, apesar de os pacientes consumirem amido como parte do tratamento, apenas 2/11 pacientes apresentaram carboidrato acima dos valores de referência. O consumo de proteína em 8/11 pacientes estava acima da referência, sendo cinco deles do subtipo Ib. Já em relação à gordura, 8/11 pacientes apresentaram consumo conforme o valor de referência.

Quanto aos resultados da avaliação antropométrica, 5/6 pacientes avaliados por escore Z de P/I tiveram peso adequado para idade, enquanto para IMC 8/11 eram eutróficos e 3/11 apresentaram sobrepeso (2/11 sendo do tipo Ia). Já para estatura, 4/10 pacientes apresentaram baixa estatura para idade - os dois pacientes com muito baixa estatura para idade eram do tipo Ib. Apenas um paciente (1/10) exibiu baixa estatura acompanhada de obesidade. Apesar disso, comparando-se os dois grupos, não houve diferença estatística entre eles, conforme mostrado na Tabela 3. Não foi verificada nenhuma associação entre parâmetros antropométricos e deficiência ou excesso de algum macronutriente, segundo teste exato de Fisher.

Tabela 3
Valores de médias e medianas da avaliação antropométrica de pacientes com glicogenose.

A avaliação do estado nutricional dos pacientes com base na massa magra e gorda está demonstrada no Gráfico 1.

Gráfico 1
Perfil da avaliação de massa magra e massa gorda de portadores de glicogenose tipo I.

DISCUSSÃO

Embora a GSD I possa ter forte impacto no estado nutricional do paciente e o tratamento dietético ser primordial, raras são as pesquisas que abordam a avaliação quantitativa da dieta desses pacientes para além do consumo de amido. Este estudo diferencia-se na literatura por tratar desse aspecto especificamente.

A terapia nutricional é a primeira linha de tratamento e visa, em primeiro lugar, evitar jejum a fim de prevenir hipoglicemia, por meio do consumo fracionado de carboidratos complexos, sendo o amido cru o carboidrato principal. Apesar de este ser parte do tratamento, as quantidades utilizadas variam de paciente para paciente. A investigação de Santos et al.77. Santos BL, Souza CF, Schuler-Faccini L, Refosco L, Epifanio M, Nalin T, et al. Glycogen storage disease type I: clinical and laboratory profile. J Pediatr (Rio J). 2014;90:572-9. https://doi.org/10.1016/j.jped.2014.02.005
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apresenta valores de ingestão de amido cru de 0,5-2,5 g/kg/dose; no presente estudo, esse valor variou de 0,49-1,34 g/kg/dose. Quando comparados ao Protocolo Brasileiro de Dietas: Erros Inatos de Metabolismo,1010. Martins AM, Micheletti C, Giannetti JG, Banin MR, Oliveira RB. Glicogenoses. In: Martins AM, Frangipani B, Micheletti C, Oliveira R, editors. Protocolo brasileiro de dietas: erros inatos do metabolismo. São Paulo: Segmento Farma; 2006. p. 71-80. tanto a média quanto os valores individuais dos pacientes desta pesquisa encontraram-se abaixo dos valores sugeridos (1,75-2,5 g/kg/dose), entretanto o número de doses recomendado (quatro vezes/dia) é inferior ao verificado neste trabalho. Visto que a prescrição da quantidade de amido cru precisa ser individualizada, a dose ideal deve ser a mínima que controle a hipoglicemia, sem causar efeitos adversos, evitando que o consumo excessivo de amido cru possa levar a excesso de peso e obesidade.

Apesar de nenhum estudo elucidar a frequência de refeições e lanches intermediários ingeridos pelos pacientes, na presente pesquisa o fracionamento médio das dietas foi de seis vezes/dia, sendo essa frequência uma vez a mais por dia quando comparado ao guideline europeu para manejo de GSD I.1111. Rake JP, Visser G, Labrune P, Leonard JV, Ullrich K, Smit GP. Guidelines for management of glycogen storage disease type I - European Study on Glycogen Storage Disease Type I (ESGSD I). Eur J Pediatr. 2002;161 (Suppl 1):S112-9. https://doi.org/10.1007/s00431-002-1016-7
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Diversas pesquisas abordam as diferentes formas de uso de amido/carboidratos no tratamento da glicogenose, bem como suas vias e intervalos de administração, contudo são poucas as que avaliam a dieta dos pacientes, tanto em nível quantitativo como qualitativo. Apenas o estudo de Bhattacharya1616. Bhattacharya K. Dietary dilemmas in the management of glycogen storage disease type I. J Inherit Metab Dis. 2011;34:621-9. https://doi.org/10.1007/s10545-011-9322-8
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forneceu dados de avaliação de energia e macronutrientes de uma coorte de 20 pacientes com GSD I. Em relação ao consumo de energia, o autor relatou que os pacientes apresentaram média de 11% a mais que a Estimated Average Requirement. Os pacientes da atual investigação também apresentaram consumo superior em comparação com as necessidades energéticas, com valores médios 50% acima do calculado pelas DRIs.

Feillet et al.1717. Feillet F, Bodamer OA, Leonard JV. Increased resting energy expenditure in glycogen storage disease type Ia. J Inherit Metab Dis. 1998;21:80-1. https://doi.org/10.1023/a:1005375717518
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analisaram o gasto energético por calorimetria indireta de sete pacientes com GSD Ia e observaram que o metabolismo basal dos pacientes estava aumentado em 16%, quando comparado a valores preditivos, e em 25% em relação ao grupo controle. Para os autores, isso se deve às massas celulares aumentadas desses pacientes (hepatomegalia, por exemplo), além de a produção de glicose ocorrer ainda por vias alternativas. Na presente pesquisa, esse aumento no metabolismo basal poderia explicar o fato de o valor energético total da dieta de 10/11 pacientes ultrapassar suas necessidades e apenas três deles estarem obesos.

Em relação ao consumo de macronutrientes, os resultados observados aqui diferenciaram-se daqueles reportados por Bhattacharya.1616. Bhattacharya K. Dietary dilemmas in the management of glycogen storage disease type I. J Inherit Metab Dis. 2011;34:621-9. https://doi.org/10.1007/s10545-011-9322-8
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O autor verificou que 13/20 indivíduos apresentavam consumo maior que o recomendado para carboidrato, e 9/11, consumo abaixo das recomendações para proteínas e gorduras. Nesta pesquisa, a maioria apresentou valores de carboidrato conforme as referências ou abaixo delas, enquanto os valores de proteína e gordura estavam de acordo com o recomendado ou acima. Bhattacharya1616. Bhattacharya K. Dietary dilemmas in the management of glycogen storage disease type I. J Inherit Metab Dis. 2011;34:621-9. https://doi.org/10.1007/s10545-011-9322-8
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sugere que a ingestão aumentada de carboidratos, principalmente proveniente do amido cru, pode levar à saciedade e interferir na ingestão de outros alimentos. Como no presente estudo todos os pacientes foram acompanhados por nutricionista, a dieta era fracionada e contava com doses menores de amido, esses fatores podem ter contribuído para a diferença entre os dois estudos.

Apesar de as recomendações para pacientes com glicogenose se referirem apenas à porcentagem de adequação de cada macronutriente, elas podem mascarar as quantidades totais ingeridas pelos pacientes. Muitas vezes a proporção dos nutrientes pode estar adequada, porém as quantidades totais serem excessivas ou insuficientes. Além disso, elas não garantem a qualidade da alimentação, já que uma dieta pode ser de má qualidade e ainda assim estar de acordo com as porcentagens recomendadas.

Quanto ao perfil do estado nutricional dos pacientes da presente investigação, os resultados diferiram do estudo de Däublin et al.,1818. Däublin G, Schwahn B, Wendel U. Type I glycogen storage disease: favorable outcome on a strict management regimen avoiding increased lactate production during childhood and adolescence. Eur J Pediatr. 2002;161 (Suppl 1):S40-5. https://doi.org/10.1007/s00431-002-1001-1
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
em que 23 pacientes com GSD I seguiam dieta restritiva e não houve obesidade no grupo. Na pesquisa de Schwahn et al.,1919. Schwahn B, Rauch F, Wendel U, Schönau E. Low bone mass in glycogen storage disease type 1 is associated with reduced muscle force and poor metabolic control. J Pediatr. 2002;141:350-6. https://doi.org/10.1067/mpd.2002.126456
https://doi.org/https://doi.org/10.1067/...
dos 19 pacientes, apenas um era obeso, e pacientes do tipo Ia apresentaram peso inferior aos do tipo Ib, o que não ocorreu neste trabalho.

Diversos estudos, como o de Rake,2020. Rake JP, Visser G, Huismans D, Huitema S, Veer E, Piers DA, et al. Bone mineral density in children, adolescents and adults with glycogen storage disease type Ia: a cross-sectional and longitudinal study. J Inherit Metab Dis. 2003;26:371-84. https://doi.org/10.1023/a:1025111220095
https://doi.org/https://doi.org/10.1023/...
também mostraram que é comum pacientes com glicogenose apresentarem baixa estatura. Chen2121. Chen YT, Scheinman JI, Park HK, Coleman RA, Roe CR. Amelioration of proximal renal tubular dysfunction in type I glycogen storage disease with dietary therapy. N Engl J Med. 1990;323:590-3. https://doi.org/10.1056/NEJM199008303230907
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destacou ainda que pacientes que não seguiam tratamento apresentaram déficit grave. À semelhança desta pesquisa, os resultados de Melis et al.2222. Melis D, Pivonello R, Parenti G, Casa RD, Salerno M, Balivo F, et al. The growth hormone-insulin-like growth factor axis in glycogen storage disease type 1: evidence of different growth patterns and insulin-like growth factor levels in patients with glycogen storage disease type 1a and 1b. J Pediatr. 2010;156:663-70.e1. https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2009.10.032
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indicaram que pacientes do tipo Ib tiveram maior déficit estatural, ao passo que Schwahn et al.1919. Schwahn B, Rauch F, Wendel U, Schönau E. Low bone mass in glycogen storage disease type 1 is associated with reduced muscle force and poor metabolic control. J Pediatr. 2002;141:350-6. https://doi.org/10.1067/mpd.2002.126456
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identificaram que o tipo Ia apresentou menor estatura.

Em estudo brasileiro, Santos et al.77. Santos BL, Souza CF, Schuler-Faccini L, Refosco L, Epifanio M, Nalin T, et al. Glycogen storage disease type I: clinical and laboratory profile. J Pediatr (Rio J). 2014;90:572-9. https://doi.org/10.1016/j.jped.2014.02.005
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avaliaram a antropometria de pacientes com GSD I e observaram que 16/21 pacientes apresentavam excesso de peso (sendo seis obesos) e apenas 4/21 exibiam baixa estatura, relacionando uma tendência de maiores escores Z para estatura a IMC/I maiores. Diferentemente, a presente pesquisa constatou menor frequência de excesso de peso e maior de baixa estatura. Isso pode ser justificado pela quantidade de consumo de amido cru. Em Santos et al.,77. Santos BL, Souza CF, Schuler-Faccini L, Refosco L, Epifanio M, Nalin T, et al. Glycogen storage disease type I: clinical and laboratory profile. J Pediatr (Rio J). 2014;90:572-9. https://doi.org/10.1016/j.jped.2014.02.005
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esse valor é maior, o que poderia ter levado a um menor déficit de crescimento e maior ganho de peso, quando realizado tratamento dietético intensivo, contudo o estudo não avaliou a dieta dos pacientes.

Algumas pesquisas defendem que o início do tratamento dietoterápico e o bom controle metabólico da doença possibilitam crescimento acelerado, enquanto pacientes não tratados têm crescimento lento. Além disso, tanto peso como estatura podem se aproximar do percentil 50,1818. Däublin G, Schwahn B, Wendel U. Type I glycogen storage disease: favorable outcome on a strict management regimen avoiding increased lactate production during childhood and adolescence. Eur J Pediatr. 2002;161 (Suppl 1):S40-5. https://doi.org/10.1007/s00431-002-1001-1
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
,2323. Dunger DB, Leonard JV, Preece MA. Patterns of growth in the hepatic glycogenoses. Arch Dis Child. 1984;59:657-60. https://doi.org/10.1136/adc.59.7.657
https://doi.org/https://doi.org/10.1136/...
,2424. Daeschel IE, Janick LS, Kramish MJ, Coleman RA. Diet and growth of children with glycogen storage disease types I and III. J Am Diet Assoc. 1983;83:135-41. entretanto Daeschel et al.2424. Daeschel IE, Janick LS, Kramish MJ, Coleman RA. Diet and growth of children with glycogen storage disease types I and III. J Am Diet Assoc. 1983;83:135-41. ressaltaram que, ao considerar peso por estatura, os pacientes apresentaram sobrepeso. Em um estudo de caso, Karnsakul et al.2525. Karnsakul W, Gillespie S, Skitarelic K, Hummel M. Obesity and reversed growth retardation in a child with type Ia glycogen storage disease. J Pediatr Endocrinol Metab. 2010;23:507-12. https://doi.org/10.1515/jpem.2010.083
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conseguiram reverter a baixa estatura em um paciente com GSD Ia, que chegou até mesmo a sua estatura-alvo, por meio de controle metabólico adequado e dietoterapia, porém essa reversão foi acompanhada de obesidade.

Uma possível explicação para o maior déficit de estatura em pacientes do tipo Ib, como visto neste estudo, pode estar relacionada ao fato de eles apresentarem neutropenia e infecções recorrentes. Com isso, ficam mais expostos a internações, mudanças nos padrões alimentares e uso de medicamentos, que podem interferir no tratamento dietético adequado, provocando descompensação metabólica e contribuindo para a redução da velocidade de crescimento.66. Froissart R, Piraud M, Boudjemline AM, Vianey-Saban C, Petit F, Hubert-Buron A, et al. Glucose-6-phosphatase deficiency. Orphanet J Rare Dis. 2011;6:27. https://doi.org/10.1186/1750-1172-6-27
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...

De 2003 em diante, novos estudos surgiram na tentativa de explicar e melhorar o déficit de estatura em pacientes com glicogenose. Foi observado que pacientes com menor crescimento apresentavam menor sensibilidade ao hormônio de crescimento (GH),2626. Mundy HR, Hindmarsh PC, Matthews DR, Leonard JV, Lee PJ. The regulation of growth in glycogen storage disease type 1. Clin Endocrinol (Oxf). 2003;58:332-9. https://doi.org/10.1046/j.1365-2265.2003.01717.x
https://doi.org/https://doi.org/10.1046/...
e pacientes do tipo Ib exibiam menores níveis de fator de crescimento insulina-I (IGFI).2222. Melis D, Pivonello R, Parenti G, Casa RD, Salerno M, Balivo F, et al. The growth hormone-insulin-like growth factor axis in glycogen storage disease type 1: evidence of different growth patterns and insulin-like growth factor levels in patients with glycogen storage disease type 1a and 1b. J Pediatr. 2010;156:663-70.e1. https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2009.10.032
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
Noto et al.2727. Noto RA, Vijayaraghavan V, Timoshin A, Sansobrino D. Improved growth with growth hormone therapy in a child with glycogen storage disease Ib. Acta Paediatr. 2003;92:977-9. utilizaram GH em uma adolescente com GSD Ib e conseguiram aumento na velocidade de crescimento. Em contrapartida, os níveis de triglicérides e colesterol aumentaram. Além do GH, foram analisadas outras alternativas, como intervenções cirúrgicas (shunting ou transplante hepático), na correção do déficit de crescimento em pacientes com GSD I. Embora elas tenham reduzido o déficit estatural, não houve melhora nos parâmetros metabólicos.2828. Choi Y, Yi NJ, Ko JS, Moon JS, Suh SW, Lee JM, et al. Reappraisal of the role of portacaval shunting in the growth of patients with glycogen storage disease type I in the era of liver transplantation. Transplantation. 2016;100:585-92. https://doi.org/10.1097/tp.0000000000000884
https://doi.org/https://doi.org/10.1097/...
Estudo com animais mostrou possibilidade de melhora no crescimento com terapia gênica.2929. Brooks ED, Little D, Arumugam R, Sun B, Curtis S, Demaster A, et al. Pathogenesis of growth failure and partial reversal with gene therapy in murine and canine Glycogen Storage Disease type Ia. Mol Genet Metab. 2013;109:161-70. https://doi.org/10.1016/j.ymgme.2013.03.018
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Em síntese, observa-se que vários fatores podem estar implicados na etiopatogênese do déficit de crescimento, incluindo o controle metabólico, que não foi estudado de forma sistemática nesta pesquisa.

O presente estudo observou déficit de massa muscular e, apesar de os pacientes exibirem média de ingestão energética acima das recomendações e não apresentarem inadequação de proteínas, não houve associação entre os dados antropométricos, de modo que outros fatores podem estar envolvidos nesse processo. Alguns autores sugerem que é possível melhorar parâmetros de massa muscular e prevenir fraqueza muscular em pacientes com glicogenose com o início do tratamento dietético intensivo.1919. Schwahn B, Rauch F, Wendel U, Schönau E. Low bone mass in glycogen storage disease type 1 is associated with reduced muscle force and poor metabolic control. J Pediatr. 2002;141:350-6. https://doi.org/10.1067/mpd.2002.126456
https://doi.org/https://doi.org/10.1067/...
,2424. Daeschel IE, Janick LS, Kramish MJ, Coleman RA. Diet and growth of children with glycogen storage disease types I and III. J Am Diet Assoc. 1983;83:135-41.

Tendo em vista que a glicogenose é uma doença rara e de difícil diagnóstico, o número de pacientes da amostra foi relativamente baixo, o que limita, de certa forma, uma análise mais precisa dos achados. Assim, a realização de estudos multicêntricos é uma alternativa para aumentar essa amostragem. Embora os dados da análise estatística não tenham se mostrado significantes, os resultados podem ser de grande auxílio no entendimento da doença.

Os resultados mostraram que a baixa estatura foi comum nos pacientes com GSD I. O tratamento dietético não conseguiu reverter o déficit de crescimento em 1/3 dos pacientes. Além disso, houve déficit de massa muscular, apesar de a ingestão de proteína não ter sido reduzida. Foi verificada obesidade em 1/3 dos pacientes, possivelmente justificada pela maior ingestão energética, e não pela ingestão excessiva de carboidratos e amido, como seria esperado. Considerando a escassez de estudos epidemiológicos sobre a avaliação da dieta dos pacientes com glicogenose, novas pesquisas devem ser realizadas a fim de aprimorar o tratamento dietético e desenvolver novas estratégias nutricionais de adesão.

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  • Financiamento

    O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    05 Mar 2020
  • Aceito
    19 Jul 2020
  • Publicado
    03 Fev 2021
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