Open-access ATIVIDADE FÍSICA E GORDURA CORPORAL DE ADOLESCENTES VIVENDO COM HIV: UM ESTUDO COMPARATIVO

RESUMO

Objetivo:  Comparar a atividade física habitual entre adolescentes que vivem com o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e seus pares saudáveis e testar a relação com indicadores antropométricos de gordura corporal.

Método:  Estudo transversal, com dois grupos de investigação, composto por 57 adolescentes (10-15 anos) com HIV e 54 adolescentes aparentemente saudáveis, pareados por sexo e idade. Medidas antropométricas foram realizadas e a atividade física habitual foi obtida por um questionário aplicado em entrevista. Os grupos foram comparados de acordo com os exercícios físicos e foi testada a correlação linear e correlação parcial (ajustada por sexo e idade) entre atividade física e os indicadores antropométricos.

Resultados:  Adolescentes que vivem com HIV apresentaram menor escore total de atividade física, comparados aos pares saudáveis (1,73 versus 2,14; p<0,001); porém tiveram maior participação nas práticas de educação física escolar. Ambos os grupos praticaram futebol e caminhadas mais frequentemente, entre as atividades físicas relatadas. Não houve correlação entre o escore total de atividade física e os indicadores antropométricos de gordura corporal, quando ajustado por sexo e idade. As variáveis sexo feminino (β=21,51), meses de exposição à terapia antirretroviral (β=1,26) e as classes econômicas “B” e “C” (β= 22,05 e β=28,15, respectivamente) explicaram 33% do somatório de dobras cutâneas de adolescentes que vivem com HIV (F=6,70; p<0,001).

Conclusões:  Adolescentes com o HIV têm menor escore de atividade física comparados aos pares saudáveis, porém a educação física escolar se mostrou um espaço favorável para o aumento dessa prática.

Palavras-chave: Atividade física; HIV; Adolescente

ABSTRACT

Objective:  To compare regular physical activity among adolescents living with human immunodeficiency virus (HIV) with their healthy peers, and to evaluate the relationship with anthropometric indicators of body fat.

Methods:  This was a cross-sectional study which investigated two groups: 57 adolescents (10-15 years of age) living with HIV, and 54 apparently healthy adolescents matched for sex and age. Physical activity was evaluated using a questionnaire and anthropometric measurements were performed. The groups were compared in terms of physical activity, and the linear and partial correlations (adjusted for age and sex) between physical activity and the anthropometric indicators were tested.

Results:  Adolescents living with HIV had a lower total activity score than their healthy peers (1.73 versus 2.14; p<0.001), but participated more frequently in physical education activities. Soccer and walking were the physical activities most frequently reported by adolescents of the two groups. No correlation was observed between total physical activity score and anthropometric indicators of body fat when adjusted for sex and age. Female gender (β=21.51), months of exposure to antiretroviral therapy (β=1.26), and socioeconomic classes B and C (β=22.05 and 28.15, respectively) explained 33% of the sum of skinfolds in adolescents living with HIV (F=6.70; p<0.001).

Conclusions:  Adolescents living with HIV have lower physical activity scores compared with their healthy peers, but physical education was found to be an opportunity to increase physical activity.

Keywords: Physical activity; HIV; Adolescent

INTRODUÇÃO

A prática de atividades físicas traz diversos benefícios à saúde e previne, primária e secundariamente, os agravos degenerativos de várias doenças.1{Organization, 2010 #239} Para crianças e adolescentes, é recomendado pelo menos 60 minutos diários de atividade física moderada a vigorosa, que pode ser realizada de diferentes formas e ocorrer em vários contextos. Isto pode ser ainda mais importante para crianças e adolescentes portadores do HIV, pois em longo prazo, a terapia antirretroviral combinada (TARV) pode causar dislipidemias, resistência à insulina e acúmulo da gordura corporal na região do tronco,2 o que aumenta o risco de doenças cardiovasculares.3

Em adultos com HIV, uma metanálise identificou que o exercício físico aeróbio, resistido ou combinado, reduz a gordura corporal, aumenta a massa magra, melhora a força e aptidão aeróbia, os sintomas de depressão e a qualidade de vida.4 Em crianças e adolescentes, apenas um estudo demonstrou que os exercícios aeróbios e de força foram seguros e eficazes em aumentar a massa magra, flexibilidade, aptidão aeróbia e força, porém sem alterações na gordura corporal e lipídios.5 Reduzir a gordura corporal, especialmente a gordura do tronco, pode representar uma redução dos efeitos deletérios das alterações metabólicas e cardiovasculares,6 além de promover a qualidade de vida.

Crianças e adolescentes com condições crônicas geralmente têm restrições à participação em atividade física e esportes devido às limitações reais e percebidas.7 Isto leva a uma redução do condicionamento físico e da capacidade funcional,7 que pode ser exacerbada pela evolução da infecção pelo HIV e pela TARV.8 Baixos níveis de atividade física regular foram encontrados em crianças e adolescentes que vivem com o HIV,9,10 mas, em outros estudos, concluiu-se que a maioria das crianças e adolescentes praticava atividade física regularmente.11,12 Nos estudos caso-controle, não foram encontradas diferenças entre os pacientes portadores de HIV comparados aos pares saudáveis,13,14 porém estes estudos não abordaram a atividade física como desfecho principal. Ainda, os instrumentos utilizados apresentavam grandes limitações em captar intensidade, tipos e contextos da atividade física e, além disso, os dados representaram apenas pacientes de países desenvolvidos.

Os objetivos deste estudo foram:

  1. comparar a atividade física entre adolescentes que vivem com o HIV e seus pares saudáveis;

  2. verificar a relação entre atividade física e os indicadores antropométricos de gordura corporal de adolescentes com HIV, ajustando-a por possíveis fatores de confundimento.

MÉTODO

Estudo observacional, do tipo transversal com grupo controle de comparação, que investigou 57 adolescentes de ambos os sexos, com idade de 10 a 15 anos, portadores de HIV adquirido por transmissão vertical e em seguimento clínico no Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG) em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Os critérios de inclusão no estudo foram:

  • Apresentar registro da infecção pelo HIV, por transmissão vertical, em prontuário médico.

  • Apresentar registros clínicos e laboratoriais no prontuário médico (linfócitos T CD4+, linfócitos T CD8+, carga viral, exposto ou não à TARV, tipo e tempo de TARV).

  • Ter capacidade de manter-se em pé e comunicar-se.

Caso o participante apresentasse alguma patologia, exceto a infecção pelo HIV, que alterasse a composição corporal era excluído do estudo. Em seguida, o grupo controle foi recrutado pareando os participantes por sexo e idade em uma taxa de alocação de 1:1. Fizeram parte do grupo controle 54 adolescentes hígidos, que relataram nos últimos seis meses não terem recebido diagnóstico de HIV e outras doenças que alterassem a composição corporal; após a coleta de dados verificou-se que três participantes tinham dados incompletos de dobras cutâneas e questionários, o que impossibilitou a análise. Todos eram estudantes de uma Escola Básica Municipal de Florianópolis, Santa Catarina, próxima ao HIJG.

A atividade física habitual foi investigada pelo Physical Activity Questionnaire for Older Children (PAQ-C),15 questionário que permite analisar tipo, frequência e intensidade das atividades a partir de nove questões sobre a prática de esportes, jogos, práticas de exercícios no contexto escolar e no lazer. O escore final é determinado pela média aritmética das questões, sendo o escore de 1 a <3 considerado insuficientemente ativo e o escore ≥3 considerado ativo.15 O questionário foi aplicado na forma de entrevista e as atividades físicas investigadas se referem aos sete dias anteriores. Um estudo de validação, tendo o uso de pedômetros por sete dias como o método de referência, mostrou que o PAQ-C possui validade (r=0,35 a 0,43).16

Foram obtidas as medidas de massa corporal, estatura, dobras cutâneas e perímetros corporais. Para todas elas foram seguidos os procedimentos da International Society for the Advancement of Kinanthropometry (ISAK). A massa corporal foi mensurada com uma balança digital Tanita® (BF683W, Arlington Heigths, EUA), com capacidade de até 150 kg e resolução de 100 g. A estatura foi mensurada com a utilização de um estadiômetro Sanny® (ES2060, São Paulo, Brasil), com resolução de 0,1 cm. A partir destas medidas, foi derivado o índice de massa corporal (IMC). As medidas de dobras cutâneas do tríceps, subescapular, abdominal, panturrilha e os perímetros corporais do braço relaxado e da cintura foram realizados com um adipômetro Cescorf (Cescorf, Porto Alegre, Brasil) e uma fita antropométrica Sanny®, respectivamente. Todas as medidas foram obtidas por avaliadores calibrados e certificados pela ISAK.

As informações sociodemográficas sobre idade, sexo e cor da pele do participante, renda familiar e escolaridade dos responsáveis foram colhidas em entrevista. O nível econômico foi determinado de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa.17 As informações referentes ao estágio de evolução da doença, classificada de acordo com o Centers of Disease and Control (CDC),18 aos linfócitos T CD4 e CD8, carga viral do HIV e o tratamento TARV (tempo de tratamento, tipo [classes] de medicamento e adesão) foram obtidas por meio dos prontuários médicos de cada paciente.

Os dados foram tabulados no programa Epidata, versão 3.1. Para análise dos dados, foi realizada a estatística descritiva (média, desvio padrão, mínimo e máximo, frequências). O teste Kolmogorv-Smirnov foi utilizado para verificar a normalidade dos dados, assim como a análise de histogramas. Para a comparação da atividade física e da gordura corporal entre os grupos HIV+ e controle, foi utilizado o teste t de “Student” para amostras independentes. Para testar a relação entre o escore de atividade física e os indicadores antropométricos de gordura corporal, utilizou-se da correlação linear de Pearson e Spearman para dados normais e assimétricos, respectivamente. A correlação parcial foi testada controlando-se o efeito do sexo e da idade. A magnitude de correlação entre as variáveis foi interpretada de acordo com a força de relação (zero indicou correção nula; 0,01-0,39 correlação fraca; 0,40-0,69 correlação moderada; 0,70-0,99 correlação forte, e 1,00 correlação perfeita). Para todas as análises foi utilizado o software STATA, versão 11.0, estabelecendo-se um valor p≤0,05.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina (CAAE: 34505314.7.0000.0121). Os responsáveis legais assinaram um Termo de Consentimento Livre Esclarecido para participação. O estudo atendeu às Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Participaram do estudo 111 adolescentes, com idade de 10 a 15 anos nos grupos HIV+ (n=57) e controle (n=54). No grupo HIV+, a maioria dos adolescentes era do sexo feminino (57,1%), possuía cor de pele branca (29,8%), tinha nível econômico baixo (56,1%) e baixa escolaridade (ensino fundamental; 66,6%). No grupo controle, 51,9% da amostra era do sexo feminino, predominantemente de cor de pele branca (57,4%), nível econômico baixo (44,4%) e baixa escolaridade (59,3%). Não houve diferenças significativas entre as características sociodemográficas entre os grupos. Na Tabela 1 estão apresentadas as características antropométricas dos participantes. A massa corporal, estatura e perímetro do braço foram menores no grupo caso, comparado ao controle, ao contrário da razão de dobras cutâneas do tronco pelas extremidades.

Tabela 1:
Características antropométricas e sociodemográficas de adolescentes com HIV e adolescentes aparentemente saudáveis. Florianópolis-SC.

No que se refere ao estado clínico dos adolescentes com HIV, foi observado que todos os adolescentes com idade inferior a 13 anos estavam em estágios iniciais da doença, na fase assintomática ou leve. Para os adolescentes com idade superior a 13 anos, três estavam com imunossupressão grave. Em relação à carga viral, 31 estavam em níveis indetectáveis (54,4%); 26 (45,6%) com valores detectáveis, seis (10,5%) adolescentes com carga viral acima de 10.000 cópias e dois (3,5%) apresentaram carga viral acima de 100.000 cópias. As demais informações clínicas e laboratoriais são apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2:
Parâmetros clínicos e de tratamento/infecção de adolescentes com HIV, Florianópolis-SC.

A Fig. 1 mostra a frequência e o tipo de atividades físicas relatadas em entrevista. Ambos os grupos realizaram atividades semelhantes, sendo o futebol e as caminhadas as práticas predominantes. Na análise estratificada por sexo, o futebol e a caminhada foram as atividades mais realizadas pelos meninos, enquanto as caminhadas e corridas ou trotes pelas meninas.

Figura 1:
Frequência semanal e tipo de atividades físicas relatadas por adolescentes portadores do HIV (A) e grupo controle (B). Florianópolis-SC.

A Tabela 3 apresenta a análise da atividade física habitual de ambos os grupos. Adolescentes portadores do HIV apresentaram menor escore geral de atividade física, comparados ao grupo controle (p<0,001), embora não exista diferença para as atividades realizadas durante a semana e final de semana. A prevalência de participantes insuficientemente ativos foi de 96,5% (n=55) para o grupo caso e 92,6% (n=50) para os controles. Em média, 1/4 da amostra não realiza nenhuma atividade nos finais de semana. Por outro lado, mais da metade relatou participar sempre das aulas de educação física, sendo uma proporção maior entre os adolescentes com HIV, quando comparados ao grupo controle (p<0,001). Durante o recreio escolar, ambos os grupos foram pouco ativos e 30% deles permanecem sentados (conversando, lendo ou fazendo tarefa). Constatou-se que 28% não realizam atividades físicas em nenhum dia após o período escolar.

Tabela 3:
Análise da atividade física de adolescentes portadores do HIV e de seus pares saudáveis. Florianópolis-SC.

Na análise bivariada, verificou-se uma relação inversa entre o escore geral da atividade física e a massa corporal, a dobra cutânea abdominal e o somatório das dobras cutâneas nos adolescentes que vivem com HIV. Entretanto, quando ajustado para o efeito do sexo e da idade, verificou-se que as correlações encontradas não permaneceram significativas (Tabela 4). Adicionalmente, foi realizada a análise de regressão linear múltipla para testar as condições que explicam a variação na gordura corporal, tendo em vista o somatório de dobras cutâneas. O sexo feminino (β=21,51; p<0,001), os meses de exposição à TARV (β=1,26; p=0,072) e as classes econômicas “B” e “C” (β=22,05; p=0,1030 e β=28,15; p=0,037, respectivamente) explicaram 33% da variação da gordura corporal em adolescentes com o HIV (F= 6,70; p<0,001). Os anos de exposição à TARV mostraram relação inversa com a dobra cutânea subescapular (r=-0,29; p=0,04) e positiva com a massa corporal (r=0,42; p=0,01), a estatura (r=0,36; p=0,04) e o perímetro do braço (r=0,30; p=0,04). Não houve diferenças nas dobras cutâneas do tríceps, subescapular, abdominal e panturrilha na comparação entre os grupos de adolescentes HIV+ que utilizavam TARV com inibidores de protease (n=36), TARV sem PI (n=13) e que não faziam uso de TARV (n=8) (dados não apresentados).

Tabela 4:
Coeficientes de correlação do escore da atividade física e indicadores antropométricos de gordura corporal de adolescentes com HIV+. Florianópolis-SC.

DISCUSSÃO

O principal achado do presente estudo foi observar que os adolescentes portadores do HIV apresentaram menor escore de atividade física quando comparados ao grupo controle. Entretanto, eles foram mais ativos nas aulas de educação física escolar. Ambos os grupos praticaram com maior frequência o futebol e as caminhadas. A análise bivariada mostrou que a relação entre a atividade física e a gordura corporal no grupo HIV+ é fraca (<0,40) e desaparece quando ajustada pelo sexo, idade e exposição à TARV. O sexo, o tempo de exposição à TARV e o nível econômico explicaram 33% do somatório de dobras cutâneas no grupo HIV+.

Para crianças e adolescentes saudáveis, é consenso na literatura de que as atividades físicas de intensidade moderada a vigorosa, realizadas por pelo menos 60 minutos diários, trazem benefícios à saúde cardiovascular, diminuem a adiposidade corporal, aumentam flexibilidade e força muscular, entre outros benefícios psicossociais.19 Para crianças e adolescentes vivendo com HIV, não há evidências similares. Embora a atividade física sistematizada possa ser segura, benéfica e eficaz em modificar a aptidão física em crianças e adolescentes que vivem com o HIV, também não foi suficiente para reduzir a gordura corporal.20 Em adultos HIV+, a atividade física habitual pode ser uma possível ferramenta para aprimorar a composição corporal.21

Os escores inferiores de atividade física habitual dos adolescentes com HIV reforçam algo já observado no mesmo Serviço de Assistência Especializada, em que foi encontrada uma prevalência de 71,7% de adolescentes que não atendiam às recomendações de prática de exercícios.9 Em estudo realizado com meninas (de 5 a 9 anos de idade) sul-africanas HIV+, notou-se menor tempo em atividades físicas vigorosas e participação nas aulas de educação física escolar, comparado a meninas saudáveis.22 Isto reforça a necessidade de criar estratégias de promoção da atividade física para esta população e de compreender a razão pela qual níveis inferiores de atividades vêm sendo encontrados no contexto do HIV. Em uma revisão da literatura,23 verificou-se que o apoio social de pais e amigos está consistentemente e positivamente associado aos níveis de atividade física dos adolescentes. O isolamento social, o estigma e a orfandade que a infeção pelo HIV pode causar são possíveis explicações.

Verificou-se que, em ambos os grupos, as moças relataram realizar caminhadas, corridas e/ou trotes e os rapazes praticavam o futebol. Similar ao nosso estudo, há relatos de que o futebol e a dança são as atividades mais realizadas entre rapazes e moças.24 Em um estudo em São Paulo, as atividades mais realizadas por 91 adolescentes HIV+ foram o futebol, o voleibol e andar de bicicleta, porém os participantes pertenciam a uma faixa etária mais ampla.25 Isto reforça que adolescentes portadores de HIV realizam as mesmas atividades que aqueles aparentemente saudáveis e, desta forma, estratégias para a promoção das atividades físicas utilizadas em geral também podem ser aplicadas para a melhoria da qualidade de vida dos portadores de HIV.

Embora o menor escore total de atividade física tenha sido encontrado no presente estudo, adolescentes com HIV mostraram maior participação nas aulas de educação física escolar. Esta é uma disciplina curricular obrigatória, disciplinada pela Lei nº 9.394, de 20/12/1996, que pode, pelo menos em parte, contribuir para que crianças e adolescentes se tornem mais ativos, uma vez que eles gastam grande parte do seu dia no ambiente escolar.26 Experiências positivas com atividades físicas na infância e adolescência podem auxiliar o indivíduo a se tornar fisicamente ativo quando adulto.27 Além do mais, o acúmulo de intervalos curtos de atividades físicas com intensidade moderada a vigorosa pode ser mais viável e eficaz para o alcance das recomendações de práticas de exercício.28 Compreender porque adolescentes com HIV são mais ativos na escola e menos fora dela é difícil. Embora o status socioeconômico seja relativamente semelhante no grupo investigado, a explicação pode estar associada às menores oportunidades de praticar atividades físicas que exigem espaço físico sofisticado (clube, academias etc.) ou profissionais com remuneração. Estas variáveis não foram coletadas e a hipótese é apenas uma especulação, porém a infecção pelo HIV está associada à pauperização no Brasil.12

Embora vários estudos tenham demonstrado uma relação inversa entre atividade física habitual e gordura corporal em adolescentes saudáveis,29 isto não foi observado no presente estudo. A composição corporal de pacientes que vivem com HIV geralmente é modificada na interação entre o vírus, a TARV e o hospedeiro. Tal mudança de fenótipo foi observada pela diferença entre os grupos caso e controle, bem como pela contribuição da TARV (meses de exposição) na variação do somatório de dobras cutâneas. Portanto, nesse contexto, as variáveis clínicas e sociodemográficas podem expressar uma relação mais forte com a gordura corporal do que a atividade física habitual. Em adultos portadores de HIV, a atividade física tem sido considerada uma intervenção preventiva para o acúmulo de gordura corporal visceral, pois, em níveis elevados, esse acúmulo se associa à inflamação crônica, alterações metabólicas e doenças cardiovasculares.14

A nossa hipótese para a ausência de correlação entre atividade física e indicadores de gordura corporal reside, principalmente, no processo de crescimento e desenvolvimento do tecido adiposo que adolescentes HIV+ experimentam pela própria infecção e exposição à TARV. Adolescentes portadores de HIV, em geral, têm menor estatura e massa corporal, bem como entram na puberdade tardiamente, quando comparados aos seus pares aparentemente saudáveis.30 Isto pode ser explicado pela toxicidade mitocondrial causada pelo HIV e pela TARV, fatores psicossociais, deficiência na ingestão e absorção de micronutrientes, balanço de nitrogênio anormal e prejuízos na secreção do hormônio do crescimento devido ao processo inibitório induzido por proteínas virais.2 Portanto, um padrão diferenciado e menor quantidade de gordura corporal podem ser encontrados nesses adolescentes, o que pode influenciar a relação entre gordura corporal e atividade física habitual.

Mais da metade desses adolescentes estão com carga viral indetectável, isso reflete o bom estado clínico dos pacientes e a eficácia dos medicamentos que consequentemente pode proporcionar melhor qualidade de vida.2 Em média, os adolescentes tinham 10 anos de exposição à TARV, um longo período, podendo começar a desenvolver efeitos adversos como resistência à insulina, dislipidemias, diminuição do conteúdo mineral ósseo, inflamação crônica e doença cardiovascular aterosclerótica.3,14 Além disso, todos os adolescentes do grupo HIV+ foram infectados pela via da transmissão vertical, caracterizando também um longo tempo de exposição ao vírus. Assim, devem-se buscar estratégias para minimizar os efeitos adversos da longa exposição à TARV. Estas complicações podem diminuir a qualidade de vida desta população e interferir na prática regular de atividades físicas,28 retroalimentando o ciclo de hipoatividade.7 A partir do delineamento deste estudo, não é possível indicar causa e efeito e a causalidade reversa pode ser considerada.

As limitações do presente estudo incluem o delineamento transversal, que reside na impossibilidade de estabelecer causa e efeito, na medida subjetiva da atividade física por questionário e na avaliação indireta da gordura corporal. Os pontos fortes incluem a amostra ter sido selecionada a partir de um hospital de referência no tratamento de HIV pediátrico e ter um grupo controle pareado por sexo e idade.

Conclui-se que os adolescentes portadores do HIV têm menor escore de atividade física quando comparados aos seus pares saudáveis, embora eles tenham maior participação nas aulas de educação física escolar. O ambiente escolar pode ser um espaço privilegiado, ainda mais favorável, de promoção da atividade física privilegiado dessa população. Estudos longitudinais são necessários para confirmar se os baixos níveis de atividade física habitual são conduzidos à idade adulta. O sexo, a exposição à TARV e o nível econômico explicam um terço do somatório de dobras cutâneas em adolescentes com HIV. Embora a atividade física não tenha sido relacionada aos indicadores de gordura corporal são necessários estudos com medidas objetivas e com foco em parâmetros metabólicos de saúde que precedem as alterações na composição corporal.

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  • Financiamento O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2016
  • Aceito
    02 Out 2016
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