Open-access DESAFIOS PARA O ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA COVID-19 EM HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS

Estamos vivendo a mais importante pandemia da história mundial recente causada por um novo coronavírus (SARS-CoV-2), com significativo impacto na economia, na saúde pública e na saúde mental de toda a sociedade. São Paulo é o epicentro da epidemia no Brasil. Os hospitais universitários brasileiros, centros de formação e qualificação profissional, bem como de produção de conhecimento, têm significativo papel no enfrentamento dessa epidemia.

Os coronavírus pertencem a uma grande família viral e são conhecidos há 60 anos como causadores de infecções respiratórias em humanos e animais. Em dezembro de 2019, um novo coronavírus foi identificado como causador de síndrome gripal e graves complicações pulmonares, a COVID-19. A origem, ainda incerta, está provavelmente relacionada a uma mutação do coronavírus que infecta morcegos, quebrando a barreira genética para conseguir se adaptar a uma nova espécie. O local inicial de transmissão foi um mercado de frutos do mar e animais vivos na cidade de Wuhan, China. Os primeiros casos foram de indivíduos frequentadores desse mercado. Posteriormente o vírus foi transmitido para familiares e, em progressão geométrica, para províncias próximas, expandindo-se para diversos países de todos os continentes.1,2

O vírus é altamente transmissível por gotículas e contato. Calcula-se que uma pessoa com infecção o transmita para de duas a quatro pessoas.1 A enzima conversora de angiotensina II (ECA2), encontrada no trato respiratório inferior de humanos, foi identificada como receptor celular para SARS-CoV-2 e tem importante papel na patogênese e na transmissão do vírus. A glicoproteína-S, na superfície do coronavírus, pode se ligar ao receptor ECA2 na superfície das células e, principalmente, nas células pulmonares, ricas em receptores ECA2. O ácido ribonucleico (RNA) do genoma viral é liberado dentro da célula, e, a seguir, inicia-se a codificação de proteínas acessórias e estruturais, com posterior liberação de novos vírus. Esse processo tem como consequência a liberação de citocinas com intensa resposta inflamatória, determinando insuficiência respiratória, choque e fenômenos tromboembólicos relacionados à coagulação intravascular disseminada.3,4

Provavelmente, as crianças desenvolvem quadros clínicos mais leves, oligossintomáticos, porque a maturidade e a capacidade de ligação com a ECA2 podem ser menores que as dos adultos. Isso é um problema do ponto de vista epidemiológico, pois as crianças podem ser importantes reservatórios, tornando-se fontes de infecção.4

O período de incubação é em média de cinco dias, podendo variar de dois a 14 dias. A maioria dos adultos ou crianças com infecção pelo SARS-CoV-2 apresenta síndrome gripal (90%) com sintomas leves, porém alguns indivíduos, especialmente idosos e aqueles com comorbidades, como doença vascular ou pulmonar crônica, diabetes e hipertensão, podem evoluir com quadros graves: insuficiência respiratória, falência de múltiplos órgãos e morte. A taxa de letalidade é de 2 a 5%.2 As crianças, embora adquiram a infecção, de forma geral evoluem bem e raramente apresentam complicações.4

Nenhum país está preparado para enfrentar uma epidemia de COVID-19, que determina importantes impactos negativos na economia, na assistência médica e na saúde mental da sociedade como um todo. O Brasil, especialmente São Paulo, que determinou estado de calamidade pública, tem implantado medidas preventivas adequadas de acordo com o cenário epidemiológico.5

Para a população, o isolamento social rigoroso é fundamental, além de campanhas educativas de higiene e para o uso correto de máscaras. As medidas de isolamento social devem ser avaliadas constantemente, pois, se forem suspensas antes do momento adequado, isto é, antes de a epidemia deixar de ser autossustentada, teremos uma nova onda, com crescimento dos casos de infecção. Haverá impacto importante com a suspensão dos calendários acadêmicos das escolas, incluindo as de Medicina, com revisão dos vestibulares e dos exames de residência médica.

Os grandes desafios para os hospitais, especialmente os universitários, são: reorganizar o atendimento, ampliar leitos de unidade de terapia intensiva, abastecer-se com equipamentos de proteção individual, sobretudo máscaras e aventais de proteção, em escassez no mercado, e ter testes suficientes para o diagnóstico. Muitos profissionais de saúde estão adoecendo e sendo afastados, o que pode levar a um colapso da assistência hospitalar, como visto em países como a Itália e a Espanha. O fomento à pesquisa é fundamental para que consigamos medicamentos eficientes, até o momento em fase de protocolos clínicos, e vacina, que provavelmente estará disponível depois dessa pandemia, somente em 2021.

Como profissionais de saúde, temos de nos preparar para o pior nas próximas semanas, nos proteger, ter esperança e estar na linha de frente, contribuindo nessa importante luta histórica contra esse novo coronavírus.

Referências bibliográficas

  • 1 Benvenuto D, Giovannetti M, Ciccozzi A, Spoto S, Angeletti S, et al. The 2019-new coronavirus epidemic: evidence for virus evolution. J Med Virol. 2020;92:455-9. https://doi.org/10.1002/jmv.25688
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1002/jmv.25688
  • 2 Zhu N, Zhang D, Wang W, Li X, Yang B, et al. A novel coronavirus from patients with pneumonia in China, 2019. N Engl J Med. 2020;382:727-33. https://doi.org/10.1056/NEJMoa2001017
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1056/NEJMoa2001017
  • 3 Chan JF, Yuan S, Kok KH, Kai-Wang To K, Chu H, et al. A familial cluster of pneumonia associated with the 2019 novel coronavirus indicating person-to-person transmission: a study of a family cluster. Lancet. 2020;395:514-23. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30154-9
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30154-9
  • 4 Dong Y, Mo X, Hu Y, Qi X, Jiang F, et al. Epidemiological characteristics of 2143 pediatric patients with 2019 coronavirus disease in China. Pediatrics. 2020;145:e20200702. https://doi.org/10.1542/peds.2020-0702
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1542/peds.2020-0702
  • 5 Brazil - Diário Oficial de São Paulo [homepage on the Internet]. Decreto Nº 64.879 que reconhece o estado de Calamidade Pública no estado por conta da pandemia do Coronavírus (COVID-19) 21 de Março de 2020 [cited 2020 Abr 05]. Available from: Available from: http://diariooficial.imprensaoficial.com.br/
    » http://diariooficial.imprensaoficial.com.br/

Financiamento

  • O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2020
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