RESUMO
Objetivo:
Identificar os padrões alimentares e fatores associados de crianças entre seis e 23 meses de idade, nascidas prematuramente e assistidas em um Hospital Universitário de Curitiba, Paraná.
Métodos:
Os pais ou responsáveis pelas 135 crianças foram questionados quanto aos hábitos alimentares dos filhos e as condições socioeconômicas e demográficas da família. Informações relativas ao nascimento e ao histórico de saúde foram obtidas dos prontuários. Os dados de consumo alimentar foram submetidos a análise fatorial exploratória e o método dos componentes principais foi utilizado para estimar as cargas fatoriais. Regressão linear múltipla foi realizada para verificar possíveis associações.
Resultados:
Foram observados dois padrões alimentares distintos. Aquele denominado de “não saudável” apresentou associação significativa com a idade materna, a idade corrigida da criança e a idade gestacional ao nascer. Por sua vez, o padrão denominado de “saudável” esteve associado à idade corrigida da criança. As variáveis idade materna e idade corrigida da criança permaneceram significativas após as análises de regressão múltipla. Para o padrão “não saudável”, observou-se um efeito positivo, o que sugere que seu consumo é maior conforme a idade da criança aumenta e menos intenso para crianças com mães de 30 anos de idade ou mais. Para o padrão “saudável”, as mesmas duas variáveis mostraram significância estatística. Observamos uma proporção direta entre idade e consumo dos grupos alimentares em ambos os padrões.
Conclusões:
Esses resultados apontam para a importância da educação nutricional de mães mais jovens quanto às práticas alimentares de seus filhos, especialmente à medida que a criança cresce.
Palavras-chave:
Recém-nascido prematuro; Alimentação complementar; Consumo alimentar; Padrões alimentares
ABSTRACT
Objective:
To identify the dietary patterns and associated factors of children aged between 6 and 23 months, born prematurely and assisted at a University Hospital in Curitiba, state of Paraná, Brazil.
Methods:
The parents or guardians of the 135 children were asked about their children’s eating habits and the family’s socioeconomic and demographic conditions. Information regarding birth and health history were obtained from medical records. Data on food consumption were subjected to exploratory factor analysis and the principal component analysis method was used to estimate the factor loads. Multiple linear regression was performed to verify possible associations.
Results:
Two dietary patterns were observed: “unhealthy” and “healthy.” The “unhealthy” pattern was significantly associated with maternal age, the child’s corrected age, and gestational age at birth. The “healthy pattern” was associated with the child’s corrected age. Maternal age and child’s corrected age remained significant after multiple regression analyses. For the “unhealthy” pattern, a positive effect was observed, suggesting that the consumption of this pattern is higher as the child’s age increases and less intense for children with mothers aged 30 years or older. For the “healthy” dietary pattern, the same two variables showed statistical significance. The authors observed a direct proportion between the age and consumption of food groups in both patterns.
Conclusions:
These results indicate the importance of nutritional education for younger mothers regarding their children’s eating practices, especially as the child grows.
Keywords:
Infant, premature; Complementary feeding; Food consumption; Dietary pattern; Feeding behavior
INTRODUÇÃO
O número de nascimentos prematuros, caracterizados por parto anterior à 37a semana gestacional, tem aumentado significativamente nas últimas décadas. Estimativas mundiais aproximamse de 15 milhões por ano e um milhão de óbitos infantis em decorrência da prematuridade.11. World Health Organization [homepage on the Internet]. Preterm birth. Geneva: WHO; 2018 [cited 2018 Feb. 19]. Available from: https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/preterm-birth
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Considerado a principal causa de morte de crianças menores de cinco anos, o nascimento prematuro está relacionado às desigualdades sociais e à ausência de políticas públicas que garantam cuidados básicos ao recém-nascido, como o apoio ao aleitamento materno, por exemplo.11. World Health Organization [homepage on the Internet]. Preterm birth. Geneva: WHO; 2018 [cited 2018 Feb. 19]. Available from: https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/preterm-birth
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,22. Garza C. Fetal, neonatal, infant, and child International growth standards: an unprecedented opportunity for an integrated approach to assess growth and development. Adv Nutr. 2015;6:382-9. https://doi.org/10.3945/an.114.008128
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Em razão dos riscos fisiológicos e do déficit de estoque calórico-proteico consequentes à prematuridade, os bebês prematuros demandam maior aporte nutricional, que varia de acordo com a idade. Dessa forma, a alimentação representa um dos pilares fundamentais para a sobrevivência da criança.22. Garza C. Fetal, neonatal, infant, and child International growth standards: an unprecedented opportunity for an integrated approach to assess growth and development. Adv Nutr. 2015;6:382-9. https://doi.org/10.3945/an.114.008128
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,33. Vissers KM, Feskens EJ, Goudoever JB, Janse AJ. The timing of complementary feeding in preterm infants and the effect on overweight: study protocol for a systematic review. Syst Rev. 2016;149:149. https://doi.org/10.1186/s13643-016-0324-3
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Para os recém-nascidos prematuros, o aleitamento materno proporciona benefícios adicionais. Além de possuir propriedades imunológicas, o leite materno auxilia na redução da incidência e da gravidade da enterocolite necrosante, da sepse e da retinopatia da prematuridade; no desempenho neuropsicomotor, no menor número de internações e no menor tempo de hospitalização.44. Underwood MA. Human milk for the premature infant. Pediatr Clin North Am. 2013;60:189-207. https://doi.org/10.1016/j.pcl.2012.09.008
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,55. Quigley M, Embleton ND, McGuire W. Formula versus donor breast milk for feeding preterm or low birth weight infants. Cochrane Database Syst Rev. 2019;7:CD002971. https://doi.org/10.1002/14651858.CD002971.pub3
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Para iniciar a alimentação complementar, as condições de maturidade fisiológica e neuromuscular, normalmente observadas aos seis meses de idade em crianças nascidas a termo, podem não estar presentes em bebês prematuros.66. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Dietary Guidelines for Brazilian children under two Years of age. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019. O ato de expelir o alimento com a língua, o reflexo de protrusão, a maturação gastrointestinal e a capacidade de sustentação do pescoço e tórax são fatores que possibilitam a deglutição dos alimentos com segurança e devem ser observados. Outro fator importante é considerar a idade corrigida (IC) da criança.22. Garza C. Fetal, neonatal, infant, and child International growth standards: an unprecedented opportunity for an integrated approach to assess growth and development. Adv Nutr. 2015;6:382-9. https://doi.org/10.3945/an.114.008128
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,55. Quigley M, Embleton ND, McGuire W. Formula versus donor breast milk for feeding preterm or low birth weight infants. Cochrane Database Syst Rev. 2019;7:CD002971. https://doi.org/10.1002/14651858.CD002971.pub3
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Também conhecida como idade pós-concepção, a IC traduz o ajuste da idade cronológica em função do grau de prematuridade, ao se considerar ideal a idade gestacional (IG) de 40 semanas.77. Rugolo LM. Growth and developmental outcomes of the extremely preterm infant. J Pediatr. 2005;81:S101-10. https://doi.org/10.2223/1309
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Em virtude de a idade cronológica não determinar o início da oferta de novos alimentos, os desafios da alimentação complementar para crianças nascidas prematuramente são inúmeros. Assim, identificar o padrão alimentar das crianças pode colaborar para a criação de estratégias nutricionais. Um padrão alimentar representa um conjunto de alimentos frequentemente consumidos por uma população, possibilitando que a dieta seja avaliada de uma perspectiva global.88. Hosseinzadeh M, Vafa M, Esmaillzadeh A, Feizi A, Majdzadeh R, Afshar H, et al. Empirically derived dietary patterns in relation to psychological disorders. Public Health Nutr. 2016;19:204-17. https://doi.org/10.1017/S136898001500172X
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Essa abordagem considera aspectos culturais, demográficos e socioeconômicos que podem interferir na escolha dos alimentos.99. Devlin UM, Mcnulty, BA, Nugent AP, Gibney MJ. The use of cluster analysis to derive dietary patterns: methodological considerations, reproducibility, validity and the effect of energy mis-reporting. Proc Nutr Soc. 2012;71:599-609. https://doi.org/10.1017/S0029665112000729
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,1010. Rothausen BW, Matthiessen J, Andersen LF, Brockhoff PB, Tetens I. Dietary patterns on weekdays and weekend days in 4–14-year-old Danish children. Br J Nutr. 2013;109:1704-13. https://doi.org/10.1017/S0007114512003662
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Diante do exposto e pela ausência de pesquisas com abordagem semelhante para essa população, o presente estudo teve por objetivo identificar o padrão alimentar de crianças nascidas prematuramente e os fatores associados.
MÉTODO
Trata-se de um estudo transversal, que avaliou as práticas de alimentação complementar de crianças nascidas prematuramente e assistidas pelo ambulatório de acompanhamento do recém-nascido de risco de um hospital universitário da cidade de Curitiba, Paraná. Semanalmente, são atendidas cerca de 100 crianças, entre consultas médicas, de enfermagem e acompanhamento social. O ambulatório não oferece consultas com profissional nutricionista.
A coleta de dados foi realizada no período de maio de 2018 a abril de 2019, após a aprovação pelo Comitê de Ética do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC-UFPR), nº 2.568.960, e a assinatura do termo de consentimento livre e csclarecido pelos pais ou responsáveis das crianças participantes. A amostra foi definida por conveniência e composta de crianças entre seis e 23 meses, nascidas prematuramente (<37 semanas gestacionais). Foram excluídas as que apresentavam malformação congênita grave ou doença neurológica, as que estavam em uso de sonda ou ostomia para a alimentação, aquelas cujos pais ou responsáveis se tivessem ausentado no dia anterior à entrevista e as que residiam em abrigo.
O instrumento utilizado para a coleta de dados foi elaborado em duas partes e desenvolvido com base no documento denominado “Estudo de Acompanhamento Infantil Pós-Natal”, da Universidade de Oxford.1111. University of Oxford [homepage on the Internet]. Intergrowth 21st: The International Fetal and Newborn Growth Consortium. Postnatal infant follow-up study from FFQ - Food Frequency Questionnaire [cited 2021 June 24]. Available from: https://www.intergrowth21.org.uk/protocol.aspx?lang=1
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Na primeira parte, os pais ou responsáveis foram questionados sobre os hábitos alimentares da criança e as condições socioeconômicas e demográficas da família. Os dados relativos ao nascimento e histórico de saúde das crianças foram obtidos em prontuário.
Com base na descrição do consumo alimentar do dia anterior à avaliação, os alimentos e bebidas foram registrados em quantidades, modo de preparo e apresentação, conforme as refeições realizadas. Para a aplicação do recordatório de 24 horas (R24h) foi utilizada a abordagem Multiple Pass Method (MPM), composta de cinco etapas: (1) listagem rápida dos alimentos; (2) listagem de alimentos comumente esquecidos; (3) definição dos horários e refeições; (4) ciclo de detalhamento; e (5) revisão final, a fim de auxiliar no processo de memória detalhada do entrevistado.1212. Conway JM, Ingwersen LA, Vinyard BT, Moshfegh AJ. Effectiveness of the US Department of Agriculture 5-step multiple-pass method in assessing food intake in obese and nonobese women. Am J Clin Nutr. 2003;77:1171-8. https://doi.org/10.1093/ajcn/77.5.1171
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Os dados do consumo alimentar foram digitados no software REC24H-ERICA. As porções descritas foram inicialmente padronizadas e convertidas em gramas ou mililitros. A conversão das medidas caseiras foi realizada com base na Tabela de Medidas Referidas para os Alimentos Consumidos no Brasil da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008/20091313. Brazil - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de orçamentos familiares 2008/2009 – tabelas de composição nutricional dos alimentos consumidos no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): IBGE; 2011. e nas informações presentes nos rótulos dos produtos. Os alimentos citados foram agrupados conforme sua semelhança nutricional e frequência de consumo, formando1515. Fransen HP, May AM, Stricker MD, Boer JM, Hennig C, Rosseel Y, et al. A posteriori dietary patterns: how many patterns to retain? J Nutr. 2014;144:1274-82. https://doi.org/10.3945/jn.113.188680
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grupos nomeados de acordo com a composição. Os grupos formados e seus respectivos alimentos estão apresentados no Quadro 1.
Grupos de alimentos formados com os alimentos listados nos recordatórios 24 horas e seus respectivos itens.
A análise estatística descritiva foi realizada para as variáveis categóricas por meio do cálculo das frequências absolutas (n) e relativas (%). No caso da variável contínua (idade materna), foi feito o cálculo da mediana com seus respectivos quartis. Para a avaliação do padrão alimentar foi utilizada a abordagem a posteriori. Esse método exploratório emprega técnicas de análise multivariada para derivar padrões alimentares com base no consumo observado. Esse tipo de análise permite agregar os alimentos consumidos pelo indivíduo e reduzi-los a conjuntos de dados menores, que representem a exposição à dieta.99. Devlin UM, Mcnulty, BA, Nugent AP, Gibney MJ. The use of cluster analysis to derive dietary patterns: methodological considerations, reproducibility, validity and the effect of energy mis-reporting. Proc Nutr Soc. 2012;71:599-609. https://doi.org/10.1017/S0029665112000729
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,1010. Rothausen BW, Matthiessen J, Andersen LF, Brockhoff PB, Tetens I. Dietary patterns on weekdays and weekend days in 4–14-year-old Danish children. Br J Nutr. 2013;109:1704-13. https://doi.org/10.1017/S0007114512003662
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,1414. Hearty AP, Gibney MJ. Comparison of cluster and principal component analysis techniques to derive dietary patterns in Irish adults. Br J Nutr. 2009;101:598-608. https://doi.org/10.1017/S0007114508014128
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,1515. Fransen HP, May AM, Stricker MD, Boer JM, Hennig C, Rosseel Y, et al. A posteriori dietary patterns: how many patterns to retain? J Nutr. 2014;144:1274-82. https://doi.org/10.3945/jn.113.188680
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Os dados foram submetidos a análise fatorial exploratória e o método dos componentes principais foi usado para estimar as cargas fatoriais e obter as comunalidades e especificidades. O número de fatores (padrões) retidos na análise foi determinado por meio de simulação usando análise paralela, em que os autovalores da matriz de correlação amostral foram comparados com os autovalores correspondentes produzidos por dados gerados de maneira completamente aleatória. O ponto de corte de 0,25 foi definido para auxiliar na interpretação dos fatores, porém todos os valores foram considerados para o cálculo dos escores fatoriais. O índice Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e a razão de casos por variável foram aplicados para avaliar a adequação da amostra à análise fatorial.1616. Field A, Miles J, Field Z. Discovering statistics using R. Califórnia, EUA: Sage Publications; 2012.,1717. Matos DA, Rodrigues EC. Análise fatorial. Brasília (DF): Enap; 2019.
Uma rotação do tipo varimax foi aplicada visando produzir uma melhor definição dos padrões alimentares. Escores fatoriais foram calculados para cada indivíduo da amostra, com base nas cargas fatoriais correspondentes a cada padrão e nas respectivas respostas. Mediante os escores fatoriais obtidos, procedeu-se ao ajuste de um modelo de regressão linear múltipla, visando identificar possíveis associações com características da família, da mãe ou da própria criança. Todas as análises foram realizadas com o auxílio do software estatístico R, versão 3.6.3, e a biblioteca psych foi utilizada em todas as etapas da análise fatorial exploratória.
RESULTADOS
Participaram do estudo 135 crianças, com predominância do sexo feminino (54,8%; n=74). A mediana da idade corrigida foi de dez meses (percentil 25=7; percentil 75=14), com maior frequência da faixa etária entre seis e 11 meses (53,3%; n=72). A maioria nasceu moderadamente prematura (66,7%; n=90) e com peso adequado para a idade gestacional (75,5%; n=102). Apresentaram alguma intercorrência neonatal 87% (n=117) das crianças, e as complicações gastrointestinais (77,8%; n=91) e respiratórias (62,2%; n=84) foram as mais comuns. O período mediano de internação foi de 20 dias (p25=8; p75=50). A caracterização completa das crianças está apresentada na Tabela 1.
Características demográficas e de saúde das crianças menores de 24 meses corrigidos, nascidas prematuramente (n=135).
Em relação às mães, a mediana da idade foi de 31,5 anos (p25=23; p75=36), e 41,5% (n=46) delas possuíam renda entre 0,5 e 1,0 salário-mínimo per capita. A maioria autodeclarou-se branca (65,7%; n=88), referiu possuir mais de oito anos de estudo (90,3%; n=94), morar com o cônjuge (85,2%; n=115), ter mais de um filho (53,3%; n=72) e não trabalhar fora (67,4%; n=91). Quanto à alimentação das crianças, 24,4% (n=33) continuavam recebendo leite materno em adição à alimentação complementar. A duração mediana do aleitamento materno foi de 135 dias (p25=2; p75=240). A caracterização materna está apresentada na Tabela 2.
Mais da metade das crianças (53,3%; n=72) já estava consumindo outro tipo de leite (de vaca ou à base de soja), que não o leite materno, sendo nove meses (p25=7; p=75=11,7) a idade mediana do início dessa prática. A introdução alimentar em 66,6% (n=90) das crianças ocorreu antes dos seis meses de idade corrigida, sendo cinco meses (p25=4; p75=6) a idade mediana. Quanto aos líquidos, 80,4% (n=108) já haviam ingerido algum tipo de bebida antes dos seis meses, sendo a idade mediana de início aos quatro meses (p25=3; p75=5).
A análise fatorial exploratória verificou apenas dois padrões alimentares. Três grupos alimentares (“salgados”, “sopas” e “embutidos”) apresentaram comunalidade inferior a 0,2, sinalizando que menos de 20% da variação original desses grupos era explicada pelos dois padrões alimentares obtidos. Optou-se por removê-los e repetir a análise considerando-se os demais. O índice KMO calculado foi igual a 0,74, indicando a análise fatorial como apropriada para o presente estudo. A Tabela 3 apresenta o resumo da análise fatorial exploratória resultante.
A Tabela 4 apresenta as análises descritivas bivariadas para os padrões “não saudável” e “saudável”. O consumo do padrão “não saudável” apresentou associação significativa com idade materna, IC da criança, IG ao nascer e com o fato de a mãe morar com o cônjuge. Já para o “padrão saudável”, apenas a IC da criança produziu diferença significativa. As variáveis que produziram p<0,20 na análise bivariada foram consideradas posteriormente na análise de regressão múltipla.
Distribuição dos escores dos padrões alimentares segundo variáveis socioeconômicas e demográficas.
Na Tabela 5 é apresentado o resumo do modelo resultante para os padrões alimentares “não saudável” e “saudável”. Para o “não saudável”, observou-se um efeito positivo associado à IC da criança. Isso sugere que o consumo do padrão “não saudável” é maior conforme a idade da criança aumenta. Com relação à idade materna, o consumo do padrão “não saudável” mostrou-se menos intenso para as crianças cujas mães tinham 30 anos ou mais em relação às mães com menos de 20 anos. Para o padrão alimentar “saudável”, as mesmas duas variáveis mostraram significância estatística.
DISCUSSÃO
O presente estudo identificou dois padrões alimentares opostos. O primeiro, denominado “não saudável”, era caracterizado pela presença de alimentos de alta densidade energética e baixa qualidade nutricional, e o segundo, denominado “saudável”, era composto de grupos alimentares recomendados para uma alimentação complementar adequada. Observou-se que as mães com maior idade tendem a oferecer alimentos mais saudáveis a seus filhos e que, conforme a idade da criança avança, esta passa a consumir mais os alimentos considerados não saudáveis.
O início da alimentação complementar em mais da metade das crianças ocorreu antes dos seis meses de IC. Resultados semelhantes foram relatados em uma coorte italiana, em que a média de IC no momento da introdução dos alimentos complementares foi de44. Underwood MA. Human milk for the premature infant. Pediatr Clin North Am. 2013;60:189-207. https://doi.org/10.1016/j.pcl.2012.09.008
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,66. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Dietary Guidelines for Brazilian children under two Years of age. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019. meses entre os 146 bebês nascidos prematuros em um hospital de Milão.1818. Giannì ML, Bezze E, Colombo L, Rossetti C, Pesenti N, Roggero P, et al. Complementary feeding practices in a cohort of Italian late preterm infants. Nutrients. 2018;10:1861. https://doi.org/10.3390/nu10121861
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Também na Itália, outro estudo de coorte já havia identificado a introdução precoce de alimentos complementares por volta da 15a semana de idade corrigida. Entre os fatores associados, a menor idade materna influenciou significativamente a introdução alimentar precoce.1919. Fanaro S, Borsari G, Vigi V. Complementary feeding practices in preterm infants: an observational study in a cohort of Italian infants. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2007;45 Suppl 3:S210-4. https://doi.org/10.1097/01.mpg.0000302974.90867.f1
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Apesar de os principais órgãos de saúde recomendarem o aleitamento materno exclusivo (AME) até o sexto mês de vida e a introdução de novos alimentos dessa idade em diante, muitos médicos pediatras acabam orientando a oferta de alimentos, principalmente de frutas, antes dos seis meses, especialmente nos casos em que a mãe trabalha fora do domicílio. Essa seria uma forma de realizar a transição ente o AME e a alimentação complementar ainda no período de licença-maternidade.
No padrão “não saudável” foi possível identificar alimen-tos como biscoitos e doces, caracterizados por alta densidade energética e baixa qualidade nutricional, não recomendados para crianças menores de dois anos.66. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Dietary Guidelines for Brazilian children under two Years of age. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019.,2020. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Nutrologia. Manual de orientação para a alimentação do lactente, do pré-escolar, do escolar, do adolescente e na escola. 3rd ed. Rio de Janeiro (RJ): SBP; 2012. Em estudo realizado em uma maternidade do Rio de Janeiro, com 108 bebês nascidos prematuramente, os alimentos à base de trigo, leite de vaca e alimentos ultraprocessados foram destacados como os principais fatores de interferência na adequação da dieta dos bebês.2121. Ribas SA, Rodrigues MC, Mocellin MC, Marques ES, Rosa GP, Maganha CR. Quality of complementary feeding and its effect on nutritional status in preterm infants: a cross-sectional study. J Hum Nutr Diet. 2021;34:3-12. https://doi.org/10.1111/jhn.12762
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No presente estudo, o padrão “saudável” contemplou os alimentos in natura e minimamente processados, seguindo as recomendações de órgãos nacionais e internacionais quanto às práticas alimentares saudáveis.66. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Dietary Guidelines for Brazilian children under two Years of age. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019.,2020. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Nutrologia. Manual de orientação para a alimentação do lactente, do pré-escolar, do escolar, do adolescente e na escola. 3rd ed. Rio de Janeiro (RJ): SBP; 2012.,2222. World Health Organization. Complementary feeding: report of the global consultation: summary of guiding principles. Geneva: WHO; 2003. Os primeiros dois anos de vida da criança são fundamentais para determinar seu crescimento e desenvolvimento.2323. Bhutta ZA, Ahmed T, Black RE, Cousens S, Dewey K, Giugliani E, et al. What works? Interventions for maternal and child undernutrition and survival. Lancet. 2008;371:417-40. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(07)61693-6
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Assim, uma alimentação balanceada é capaz de otimizar o crescimento, a composição corporal, o desenvolvimento neurológico e até mesmo a microbiota intestinal infantil, também de crianças prematuras.2323. Bhutta ZA, Ahmed T, Black RE, Cousens S, Dewey K, Giugliani E, et al. What works? Interventions for maternal and child undernutrition and survival. Lancet. 2008;371:417-40. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(07)61693-6
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–2626. Campoy C, Campos D, Cerdó T, Diéguez E, Garcia-Santos JA. Complementary feeding in developed countries: the 3 Ws (when, what, and why?). Ann Nutr Metab. 2018;73:27-36. https://doi.org/10.1159/000490086
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Resultados semelhantes aos nossos foram obtidos por um estudo de Salles-Costa et. al.2727. Salles-Costa R, Barroso GS, Cabral M, Castro MB. Parental dietary patterns and social determinants of children’s dietary patterns. Rev Nutr. 2016;29:483-93. https://doi.org/10.1590/1678-98652016000400004
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Os pesquisadores identificaram três padrões alimentares em uma amostra de 366 crianças menores de 30 meses e residentes em Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Entre os fatores associados, a menor idade materna representou as maiores chances de a criança pertencer ao padrão “não saudável”. No âmbito internacional, um estudo com 486 crianças asiáticas que detectou quatro padrões alimentares no primeiro ano de vida associou a idade materna mais jovem ao consumo do padrão “alimentos de fácil preparo”, composto de produtos considerados não saudáveis.2828. Lim GH, Toh JY, Aris IM, Chia AR, Han WM, Saw SM, et al. Dietary pattern trajectories from 6 to 12 months of age in a multi-ethnic Asian cohort. Nutrients. 2016;8:365. https://doi.org/10.3390/nu8060365
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Em relação à idade das crianças, observamos uma proporção direta entre idade e consumo dos grupos alimentares em ambos os padrões. Esse resultado já era esperado, uma vez que é natural que crianças mais velhas sejam mais expostas a diferentes tipos de alimentos por sua maior aptidão fisiológica e pela maior segurança por parte dos pais ou responsáveis.66. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Dietary Guidelines for Brazilian children under two Years of age. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019.,2020. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Nutrologia. Manual de orientação para a alimentação do lactente, do pré-escolar, do escolar, do adolescente e na escola. 3rd ed. Rio de Janeiro (RJ): SBP; 2012.
Apesar de não termos encontrado associação significante entre a educação materna e os padrões alimentares, um relatório conjunto divulgado pela Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA)2929. Pan American Health Organization, United Nations Population Fund, United Nations Children’s Fund. Accelerating progress toward the reduction of adolescent pregnancy in Latin America and the Caribbean. Report of a technical consultation. Washington, DC: PAHO; 2017. relatou que 22,4% dos partos prematuros ocorreram em mulheres com menos de 20 anos de idade. Como uma ação em cadeia, muitas meninas que engravidam ainda jovens abandonam a escola. As consequências negativas do ponto de vista educacional, profissional, financeiro, político e social configuram um ciclo vicioso, em que a ausência da educação pode justificar a reprodução de práticas alimentares não saudáveis nos filhos. Nesse sentindo, o estudo de Souza et al.3030. Souza RL, Madruga, SW, Gigante DP, Santos IS, Barros AJ, Assunção MC. Dietary patterns and associated factors among children one to six years of age in a city in southern Brazil. Cad Saude Publica. 2013;29:2416-26. https://doi.org/10.1590/0102-311X00156412
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identificou a maior aderência ao padrão “vegetais e frutas” em crianças menores de cinco anos, cujas mães apresentaram maiores níveis educacionais.
A amostragem não probabilística e o instrumento utilizado para avaliar o consumo alimentar podem caracterizar limitações do presente estudo. Apesar de não ser possível mensurar a precisão dos resultados por meio de ferramentas estatísticas, no universo de crianças assistidas pelo ambulatório de recém-nascidos de alto risco, apenas aquelas nascidas prematuramente e que atendiam aos critérios de inclusão do estudo foram selecionadas, representando fontes adequadas de informação para os objetivos propostos. Quanto ao instrumento de avaliação do consumo alimentar, a obtenção verbal de informações depende da cooperação, da capacidade de comunicação e da memória do entrevistado e pode não refletir a sua rotina alimentar. Entretanto, a alimentação das crianças durante os dois primeiros anos de vida caracteriza-se, geralmente, pela baixa diversidade. Além disso, a abordagem MPM foi utilizada a fim de auxiliar no processo de memória detalhada dos pais ou responsáveis.
O presente estudo identificou dois padrões alimentares com características nutricionais opostas. O primeiro caracteriza-se pela presença de alimentos de alta densidade energética e baixa qualidade nutricional, e o segundo contempla os alimentos in natura e minimamente processados, recomendados para uma alimentação complementar adequada. A idade materna e a IC da criança estiveram associadas aos dois padrões encontrados. Observou-se que as mães com maior idade tendem a oferecer alimentos mais saudáveis a seus filhos. Em contrapartida, conforme as crianças crescem, o consumo de alimentos considerados não saudáveis aumenta.
Para além dos aspectos dietéticos, os resultados deste estudo apontam para a importância da educação nutricional principalmente durante a infância e a adolescência. Sem ações que promovam uma alimentação adequada e saudável, justifica-se a reprodução de práticas alimentares não saudáveis, que passam de geração em geração. No que tange às crianças prematuras, práticas alimentares inadequadas representam riscos ainda maiores de má nutrição em comparação com as crianças nascidas a termo.
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FinanciamentoCoordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) – Código de Financiamento 001.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
20 Maio 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
12 Maio 2021 -
Aceito
29 Ago 2021