Resumos
A associação da psicofarmacoterapia à psicoterapia é prática freqüente e muitas vezes indispensável. É essencial a compreensão psicodinâmica da relação da dupla paciente/psicoterapeuta, caracterizando o tratamento combinado, e do trio paciente/psicoterapeuta/psicofarmacoterapeuta, no caso da co-terapia, já que, se negada ou pouco compreendida, pode levar ao fracasso do tratamento. Este estudo revisa os aspectos psicodinâmicos e técnicos relacionados à integração dos tratamentos psicoterápicos e psicofarmacológicos, na tentativa de buscar a maneira mais adequada de lidar com as questões transferenciais e contratransferenciais envolvidas nessas modalidades terapêuticas.
Tratamento combinado; co-terapia; transferência; contratransferência
Association of psychotherapy and psychopharmacotherapy is a frequent and often indispensable practice. Understanding the psychodynamics of the patient-psychotherapist relationship, characterizing the combined treatment, and the triad patient-psychotherapist-psychopharmacotherapist, concerning split treatment, is essential, since it can lead to treatment failure if denied or poorly understood. The present study aims at reviewing the psychodynamic and technical aspects of psychopharmacologic and psychotherapeutic treatment integration, as an attempt to find the most adequate way to deal with the transference and countertransference aspects involved in these therapeutic modalities.
Combined treatment; split treatment; transference; countertransference
COMUNICAÇÃO TEÓRICO-CLÍNICA
O desafio da integração psicoterapia-psicofarmacoterapia: aspectos psicodinâmicos
Paula Lubianca Saffer
Médica. Especialista em Psiquiatria, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS. Especialista em Psicoterapia de Orientação Analítica, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS
Correspondência Correspondência Paula Lubianca Saffer Av. Luiz Manoel Gonzaga, 351/701 CEP 90470-280, Porto Alegre Tel.: (51) 3330.8825
RESUMO
A associação da psicofarmacoterapia à psicoterapia é prática freqüente e muitas vezes indispensável. É essencial a compreensão psicodinâmica da relação da dupla paciente/psicoterapeuta, caracterizando o tratamento combinado, e do trio paciente/psicoterapeuta/psicofarmacoterapeuta, no caso da co-terapia, já que, se negada ou pouco compreendida, pode levar ao fracasso do tratamento. Este estudo revisa os aspectos psicodinâmicos e técnicos relacionados à integração dos tratamentos psicoterápicos e psicofarmacológicos, na tentativa de buscar a maneira mais adequada de lidar com as questões transferenciais e contratransferenciais envolvidas nessas modalidades terapêuticas.
Descritores: Tratamento combinado, co-terapia, transferência, contratransferência.
"Nenhum comprimido tem condições de me ajudar com o problema de não querer tomar comprimidos. Da mesma forma, nenhuma quantidade de sessões de psicoterapia pode, isoladamente, evitar minhas manias e depressões. Eu preciso dos dois."1
Kay Redfield Jamison
Introdução
A associação da psicofarmacoterapia à psicoterapia é prática clínica freqüente e muitas vezes indispensável. De acordo com Steven Roose, psicofarmacoterapeuta e psicanalista que freqüentemente fornece orientação a analistas que indicam tratamento medicamentoso para seus pacientes, na época de sua formação, "se você tinha um paciente medicado, não falaria ao supervisor sobre isso, e ele não perguntaria"2. Nas últimas décadas, vem ocorrendo mudança importante na atitude dos psicoterapeutas e psicanalistas em relação ao uso concomitante de medicação durante a psicoterapia e psicanálise. Tornou-se necessário o conhecimento mais profundo, por parte dos profissionais de saúde mental, das diversas modalidades terapêuticas, já que a abordagem dos problemas emocionais através de uma visão exclusivamente biológica ou psicológica pode impedir o paciente de obter o tratamento mais adequado. Além disso, é essencial a compreensão psicodinâmica da relação da dupla paciente/psicoterapeuta e do trio paciente/psicoterapeuta/psicofarmacoterapeuta, já que, se negada ou pouco compreendida, pode levar ao fracasso do tratamento.
A motivação para esta revisão bibliográfica surgiu da experiência clínica da autora, que identificou dificuldades no manejo daqueles pacientes em psicoterapia de orientação analítica que realizam tratamento psicofarmacológico com o mesmo profissional e também naqueles submetidos a uma modalidade de tratamento na qual o paciente esteja em psicoterapia com um profissional e atendimento clínico-psiquiátrico com outro.
O termo "tratamento combinado" será usado para designar pacientes em psicoterapia e psicofarmacoterapia com o mesmo profissional e "co-terapia" como sinônimo de split treatment, que não se encontra traduzido em nosso meio, para designar pacientes que realizam cada um desses tratamentos com um profissional diferente, formando um "triângulo terapêutico". Em alguns artigos, o termo split treatment é usado tanto para designar o tratamento em que psicofarmacoterapeuta e psicoterapeuta trabalham de forma integrada quanto para o tratamento em que os dois profissionais trabalham de forma totalmente independente3-5. Outros artigos chamam de tratamento colaborativo aquele em que os dois profissionais trabalham juntos, coordenadamente4. Observa-se uma falta de uniformidade no uso desses termos, o que reflete o conhecimento limitado e o caráter polêmico do tema.
Observa-se que, apesar de essas modalidades de tratamento serem comuns na prática clínica, há poucos estudos sobre o assunto. Além disso, são pouco abordadas durante a formação dos profissionais de saúde mental, geralmente ocorrendo uma supervisão cindida em psicoterapia e psicofarmacoterapia. Conseqüentemente, quando esse tipo de tratamento é realizado, há maior dificuldade de entendimento dos aspectos psicodinâmicos tanto pelo psicoterapeuta quanto pelo psicofarmacoterapeuta.
Esse estudo objetiva revisar os aspectos psicodinâmicos e técnicos relacionados à integração dos tratamentos psicoterápicos e psicofarmacológicos, na tentativa de buscar a maneira mais adequada de lidar com as questões transferenciais e contratransferenciais envolvidas nessas modalidades terapêuticas.
Nesta revisão bibliográfica, serão abordados os principais modelos psicodinâmicos, as características do tratamento combinado e da co-terapia, o papel do terapeuta, do psiquiatra e da medicação na relação transferencial e contratransferencial e os aspectos técnicos dessas modalidades terapêuticas. Para isso, foram selecionados artigos nas bases de dados MEDLINE e LILACS, utilizando os termos split treatment,combined treatment,psychotherapy and pharmacotherapy e psychopharmacotherapy, sendo que todos os artigos encontrados foram incluídos.
Principais modelos psicodinâmicos
Freud desenvolveu um modelo revolucionário do psiquismo, descobrindo o inconsciente. Definiu o inconsciente como "uma instância ou um sistema constituído por conteúdos recalcados que escapam às outras instâncias, o pré-consciente e o consciente"6. Apesar de sempre presentes na relação médico/paciente, na dinâmica do tratamento e nos resultados obtidos, os aspectos inconscientes tendem a ser ignorados pelo psiquiatra que prescreve7.
Melanie Klein, posteriormente, abordou as etapas precoces do desenvolvimento do psiquismo. Na visão kleiniana, no consultório psiquiátrico, o paciente adulto desenvolverá, com o psiquiatra e a medicação, as características de seu primeiro vínculo, de sua primeira possessão: o seio materno. Junto com o leite, o bebê ingere e introjeta objetos e instâncias psíquicas, vínculos e ansiedades que o nutrem psiquicamente8.
Segundo Melanie Klein, um paciente que funciona predominantemente na posição esquizoparanóide vivenciará a medicação de forma principalmente persecutória, desconfiando da substância e do psiquiatra, ao invés de perceber a possibilidade de reparação e de ser ajudado. Poderá atacar o vínculo, como uma reedição da conflitiva precoce com relação a objetos vivenciados como persecutórios. Poderão aparecer impulsos hostis contra o psiquiatra, vivenciado como frustrador, começando a faltar às consultas e não seguindo as orientações quanto à posologia da medicação. Nesses casos, o tratamento corre riscos de fracasso7,9. Um paciente mais próximo da posição depressiva poderia sentir a medicação como um ato predominantemente de reparação, podendo aceitar os cuidados do psiquiatra, sendo esperado um prognóstico melhor7.
Winnicott, através de seus conceitos de objeto transicional, de fenômeno transicional e de mãe suficientemente boa10, faz-nos pensar no tratamento psiquiátrico como um espaço transicional, que tende a habilitar o sujeito a fazer uso de sua vida de forma criativa. Para que isso possa acontecer, deve encontrar um psiquiatra "suficientemente bom", com confiança e força necessárias para tolerar sua ambivalência e destrutividade, e sobreviver a elas7. De acordo com Gabbard, os pacientes com transtorno de personalidade borderline podem ver a medicação como um objeto transicional ou um substituto do terapeuta, o que pode ajudá-los em situações de intensa ansiedade de separação, como, por exemplo, em férias do terapeuta que realiza o tratamento combinado11. O psicofarmacoterapeuta também pode ser visto como um objeto transicional idealizado que fornece os comprimidos, ajudando o paciente a tolerar mudanças no processo psicoterápico, no sentido de desenvolver relações objetais mais estáveis12. Até mesmo embalagens de medicamentos ou receitas médicas podem servir como objetos transicionais, como auxílio para lidar com a ansiedade do perigo da perda temporária do objeto-médico. A deglutição do remédio também pode, em parte, representar a "internalização" do terapeuta durante o processo psicoterápico13. Observa-se que alguns pacientes somente aceitam tomar medicações que possam triturar, não admitindo ingerir, por exemplo, cápsulas, o que pode ser uma representação da relação transferencial com o terapeuta, assim como dos mecanismos de defesa predominantes naquele momento. A necessidade de partir o comprimido em vários pedaços pode estar representando a resistência do paciente em receber e aproveitar as interpretações do psicoterapeuta, por exemplo, num momento em que predominam ansiedades paranóides.
Para Bion14, o ser humano é um ser grupal, e a relação de dois já é considerada uma relação de grupo. Existem dois planos superpostos em um grupo: o primeiro é o plano da intencionalidade consciente, que Bion chama de "grupo de trabalho", enquanto o segundo é regido por ansiedades, defesas e desejos inconscientes, que o autor denomina de "grupos de supostos básicos", que são "acasalamento", "dependência" e "luta e fuga". O grupo que trabalha com o suposto básico de acasalamento tem uma esperança inconsciente, do tipo messiânico, de que algo por acontecer irá resolver as dificuldades do grupo. Esse suposto básico poderá ter implicações produtivas, quando atua no estabelecimento da aliança terapêutica, ou poderá representar uma dificuldade, caso crie, por exemplo, uma esperança utópica a respeito do ingresso no grupo de um terceiro elemento. O psiquiatra também poderá ser visto como um líder de características messiânicas, que salvará o paciente, defendendo-o de seus próprios sentimentos de ódio, destrutividade ou desespero, de acordo com o suposto básico de acasalamento. Em relação ao suposto básico de dependência, Fridlenderis & Levy7 destacam que o grupo espera que alguém ou algo (objeto externo idealizado) forneça a satisfação de todas as suas necessidades e desejos. Nessa perspectiva, o paciente pode esperar que a medicina lhe supra todas as suas necessidades. O psiquiatra deve saber que poderá estar ocupando esse espaço estabelecido dinamicamente. O grupo que trabalha com o suposto básico de luta e fuga tem uma fantasia de que existe um inimigo (objeto externo persecutório) e que é necessário atacá-lo ou fugir dele, vivenciando o psiquiatra como perigoso.
Tratamento combinado
Trata-se de uma modalidade terapêutica em que o profissional que medica também realiza psicoterapia.
De acordo com Gabbard, esse tipo de tratamento tem muitas vantagens, apesar de a co-terapia estar sendo o tratamento standard. O tratamento combinado, de maneira implícita, estimula a integração da mente e cérebro, na perspectiva do paciente e do terapeuta. Numa mesma sessão, o terapeuta deve ser capaz de alternar entre uma abordagem mais ou menos observacional e objetiva e outra mais empática e intersubjetiva, mas não menos científica15. Escutar o paciente tanto do ponto de vista psicofarmacológico quanto psicodinâmico não é uma tarefa fácil. O terapeuta que medica deve "mudar a engrenagem" entre o modelo psicodinâmico e psicofarmacológico ao avaliar e tratar os pacientes. O terapeuta deve tentar determinar se a intervenção interpretativa, psicofarmacológica ou ambas são apropriadas para a situação clínica atual16.
Do ponto de vista psicodinâmico, existe a vantagem de facilitar a compreensão da transferência, ou seja, a transferência que se desenvolve com a medicação e com o terapeuta pode ser avaliada pelo mesmo profissional, diminuindo o risco de dissociação15-17. A medicação pode ser vista, por exemplo, como um agente controlador ou uma toxina venenosa. O psiquiatra que está imerso na psicoterapia com o paciente pode ter melhor noção dos aspectos transferenciais envolvidos na relação com a medicação, já que muitos deles refletem um padrão de relações objetais internas, que são aparentes na transferência com o terapeuta. Do mesmo modo, este poderá identificar os mecanismos de defesa utilizados pelo paciente. As mesmas defesas que parecem ser usadas para lidar com sofrimento no tratamento podem ser usadas para lidar com o estresse relacionado à medicação prescrita15.
A ação farmacológica pode modificar a transferência, e esta pode modular a experiência subjetiva da ação da medicação. De acordo com Brockman, no caso de pacientes com transtorno de personalidade borderline, a introdução da medicação deve ocorrer somente após uma compreensão psicodinâmica e clínica do caso, podendo-se, dessa forma, esclarecer se os sintomas específicos e efeitos adversos são mais bem manejados através da interpretação ou mudança da medicação18.
O tratamento combinado permite mais tempo para o desenvolvimento da relação psiquiatra/paciente, assim podendo ser formada uma aliança terapêutica intensa. Essa aliança, por si só, pode ser muito mais importante do que o impacto de uma modalidade terapêutica particular. A confiança em um mesmo profissional pode facilitar que fale abertamente sobre preocupações embaraçosas relacionadas à medicação. Efeitos adversos sexuais, por exemplo, podem não ser revelados se o paciente encontra o profissional que prescreve uma vez a cada 6 meses. Assim, o tratamento combinado pode representar uma modalidade terapêutica que proporciona maior potencial de adesão ao tratamento farmacológico15.
Além disso, alguns pacientes podem preferir a condição de privacidade e conveniência de lidar somente com um profissional e resistir à introdução de outro, o que pode trazer mais despesas e um caráter ambíguo ao tratamento, ficando dúvidas sobre a responsabilidade de cada profissional em fornecer ajuda a determinadas situações problemáticas19. As mesmas preocupações em relação à responsabilidade de cada um e os riscos legais desse tipo de tratamento podem fazer com que alguns psiquiatras prefiram o tratamento combinado20.
Por outro lado, tanto o paciente quanto o terapeuta podem, inconscientemente, ter uma combinação que assegure que certos afetos devem ser tratados pela medicação e outros pela terapia. A idéia da medicação pode tornar-se um container da transferência negativa que o paciente sente e o terapeuta não pode tolerar21. Nesse caso, a indicação do tratamento medicamentoso pode ser inadequada, talvez refletindo uma atuação por parte do psicoterapeuta.
Goldman et al. conduziram um estudo para avaliar o uso e os custos das duas modalidades terapêuticas em pacientes deprimidos e concluem que o tratamento combinado, ao contrário do que se imaginava, é menos oneroso que a co-terapia, principalmente devido à necessidade de um número menor de sessões. Além disso, destacam que o psiquiatra, ao realizar esse tipo de tratamento, pode iniciar o uso da medicação mais cedo em relação à co-terapia e não necessita de muitas sessões para convencer o paciente da eficácia da medicação22.
Em nosso meio, um estudo realizado no ambulatório do Instituto Cyro Martins mostra que, dentre os 34 pacientes em psicoterapia encaminhados para tratamento psicofarmacoterápico, ao responderem questionário elaborado pelos pesquisadores, todos referem sentir-se satisfeitos com a co-terapia, mas 55,9% preferem ser atendidos por um mesmo profissional. Os pacientes que preferem a co-terapia sentem-se mais seguros com a opinião de dois profissionais, enquanto aqueles que preferem um mesmo profissional salientam o vínculo terapêutico único e os aspectos econômicos como os fatores de maior importância para a sua escolha23.
Gabbard destaca algumas situações específicas em que o tratamento combinado parece ser mais adequado. Tratam-se de pacientes com transtorno bipolar do tipo I que negam o diagnóstico e não cooperam com o plano de tratamento; pacientes com condições médicas graves ou instáveis, quando o conhecimento médico é importante no manejo geral do tratamento; pacientes com grave transtorno de personalidade borderline que usam a dissociação de maneira que provoque o rompimento do tratamento; pacientes suicidas graves que são muito impulsivos e podem necessitar de hospitalização; pacientes com sérios transtornos alimentares que apresentam problemas no manejo de complicações médicas; pacientes sem diagnóstico claro, nos quais a continuidade de vínculo com o psiquiatra pode propiciar uma avaliação da indicação do uso de medicação, como parte do plano terapêutico15.
Co-terapia
Trata-se de uma modalidade terapêutica em que um profissional realiza a psicoterapia e outro conduz a psicofarmacoterapia, de forma integrada e colaborativa ou totalmente independente.
O grau de tolerância do terapeuta diante da angústia do paciente pode representar um problema na direção do tratamento, ou seja, a conduta adotada ao percebermos o sofrimento do paciente está marcada pela angústia de cada profissional. O excesso de tolerância à dor do paciente pode levar a uma conduta sádica por parte dos profissionais. Da mesma maneira, a intolerância ao sofrimento pode levar ao excesso do uso de medicação, sendo maior a urgência e intensidade de intervenção farmacológica. O psicoterapeuta só pode lidar com a transferência se puder cuidar de sua tolerância diante da angústia do paciente. Quando o psiquiatra e o psicoterapeuta apresentam tolerâncias semelhantes em relação à dor, há mais chance do tratamento ter sucesso, criando-se uma melhor condição para o paciente elaborar seu sofrimento17.
Quando dois profissionais estão envolvidos no tratamento, é comum que o psiquiatra delegue a compreensão psicodinâmica ao terapeuta. Assim, a medicação facilmente torna-se dissociada da psicoterapia. Esse tipo de compartimentalização freqüentemente contribui com a tendência do paciente em manter os dois processos totalmente separados, principalmente no caso dos pacientes com transtorno de personalidade borderline. Além disso, o não-contato ou uma comunicação inadequada entre os profissionais também podem contribuir para fragmentação do tratamento. Os pacientes e os profissionais podem ficar confusos em relação à responsabilidade de cada um, por exemplo, quando o paciente está em crise, e essa dúvida pode levar ao fracasso do manejo dessas situações. Quando há uma comunicação adequada entre os profissionais, a oportunidade de troca pode ser benéfica para todas as partes envolvidas15.
Por outro lado, Hunt defende a idéia de que um profissional com formação psicodinâmica não tem maior habilidade em lidar com a relação entre aquele que prescreve e o paciente. Acredita que o psicofarmacoterapeuta pode ser tão colaborativo e capaz de neutralizar os medos paranóides quanto ele, que é um psicanalista, desde que possa lidar com os significados inconscientes de tomar uma medicação, ou seja, tenha habilidade no campo psicodinâmico9.
O papel do psicoterapeuta, psiquiatra e medicação na relação transferencial
Mesmo quando se trata de casos em que a medicação é considerada necessária, a maneira como o paciente deseja, ou não, ser medicado é muito importante, devendo ser observada e compreendida pelo psicoterapeuta e psicofarmacoterapeuta17,20,21,24. Tomar uma medicação não é um ato emocionalmente neutro, podendo ocorrer tanto transferência positiva quanto negativa7. Alicia Powell sugere que se considere a "vida de medicação do paciente", isto é, examinar os aspectos subjetivos do tratamento medicamentoso, como se faz com os sonhos, ou seja, usando não só o conteúdo manifesto, mas também as associações transferenciais e contratransferenciais21. Independentemente da fase da psicoterapia em que o tratamento medicamentoso está sendo indicado, o terapeuta deve explicar o motivo do encaminhamento, permitindo que o paciente tenha tempo de considerar essa questão e reagir de acordo com suas preocupações reais. As associações do paciente, inclusive os sonhos, questionamentos, sentimentos e lembranças nas sessões seguintes. irão expressar a reação transferencial e as preocupações reais relacionadas à indicação do tratamento farmacológico25.
As fantasias e expectativas sobre a medicação recaem sobre a figura do médico, de quem se espera obter rápido alívio do sofrimento. A promessa de bem-estar trazida pelos psicotrópicos reativa desejos infantis ligados a interdições impostas pelos pais. O que a "criança" não pode obter com um, tenta conseguir com o outro. O psicoterapeuta, "pai" severo e exigente, não alivia e insiste no confronto com a vida, e o paciente tende a procurar a medicina, "mãe acolhedora", que o alivia e satisfaz7,17. O paciente pode criar dissociação entre os profissionais, de tal modo que a demanda pela medicação tenda a crescer, e a capacidade de suportar angústias tenda a diminuir. É importante que o psiquiatra esteja atento e cuide dessa questão junto ao psicoterapeuta. Ao contrário, outros pacientes podem sentir o médico como frio, rígido e assertivo, buscando na "mãe psicoterapia", mais ambígua e reflexiva, recursos para suportar suas angústias, livre de drogas psiquiátricas, mesmo quando ainda necessita de medicação17. O tratamento combinado é uma representação da relação parental, e ela funciona bem na medida em que os "pais" interagem com respeito mútuo e comunicação adequada, evitando, dessa maneira, que a "criança" coloque um "pai" contra o outro. Do contrário, surge a oportunidade para a "criança" atuar seu desejo de ter uma relação especial e idealizada com um dos "pais"26. Portanto, o tratamento combinado exige maior habilidade psicoterápica do que a co-terapia27.
O paciente pode apresentar uma reação transferencial positiva na medida em que sente o encaminhamento ao psiquiatra como um cuidado, não diferente da maternagem de uma criança. Simbolicamente, a medicação representa uma forma de alimentação e um presente poderoso, oralmente incorporado. Além disso, a indicação de outro profissional pode representar uma segunda pessoa para nutri-lo. Poderá sentir que é especial e está recebendo tratamento superior porque dois profissionais estão envolvidos. Há uma fantasia de que eles freqüentemente conversam sobre o paciente, e esse é o status de "criança especial" transferido para essa família terapêutica12. Os questionamentos do paciente em relação a doses, efeitos colaterais, necessidade de prescrição, escolha do horário de tomar o remédio e outras perguntas podem mostrar o seu nível de funcionamento egóico21. Do mesmo modo, se o psicofarmacoterapeuta estimula a participação do paciente no tratamento farmacológico, na medida em que o informa dos efeitos colaterais, mecanismos de ação e outros detalhes desse tratamento, o ego observador do paciente tem maior probabilidade de ser ativado para a análise dos efeitos da medicação e para investigação psicoterapêutica subseqüente, que pode ser facilitada pela introdução de um fármaco28.
Reações transferenciais negativas podem ocorrer quando o paciente vivencia a mudança na relação como uma ferida narcísica, uma ameaça à autonomia ou uma falta de interesse ou competência do terapeuta2,7,12. Pode ter fantasias de estar sendo envenenado, seduzido e manipulado25,29. O encaminhamento é percebido como um sinal de que o paciente não é um bom candidato ao tratamento orientado ao insight, concluindo que é um doente, capaz de obter alívio somente com medicação. Ela se torna idealizada e onipotente, capaz de resolver todos os problemas. Pode também sentir que o terapeuta não tem interesse em escutá-lo, está com medo dele ou não o aprecia, sendo, por isso, desviado para outro terapeuta12,25. Essa dinâmica pode inibir o paciente a discutir tais sentimentos dolorosos12.
Pacientes com determinadas estruturas de personalidade podem sentir-se ameaçados em perder o controle e autonomia, vendo a medicação como intrusiva e potencialmente perigosa, o que põe em risco a integridade do self. Esses pacientes tendem a não aderir ao tratamento medicamentoso ou a evitar ambos os tratamentos para manter a integridade interna. Podem também ocorrer fantasias de que o terapeuta é incompetente ou que não trabalhou o suficiente para ajudá-lo, o que explica a necessidade de medicamento2,7,12,20. A desvalorização do terapeuta ou idealização do farmacoterapeuta cria um campo ideal através do qual o paciente pode usar a dissociação como mecanismo de defesa contra conflitos internos7,12. Para um paciente depressivo, por exemplo, a medicação pode simbolizar um castigo, uma confirmação da auto-imagem de desesperança e debilidade e o reforço da tendência masoquista. Pode também apresentar uma conduta passiva e expectante, o que limita sua participação na psicoterapia enquanto espera um alívio farmacológico4. Por outro lado, para o paciente maníaco, pode significar o perigo de uma indesejada interrupção da busca de satisfação, uma ameaça à sua onipotência7,30. Nesse último caso, uma abordagem psicodinâmica pode diminuir a negação da doença e estabelecer a aliança terapêutica30.
Imhof et al. destacam que, após a avaliação medicamentosa com outro profissional, o paciente pode criticar o psicofarmacoterapeuta, podendo significar uma tentativa inconsciente de restabelecer sua lealdade com o terapeuta. Além disso, o impacto dos diferentes preços das consultas na percepção do paciente não deve ser ignorado20. Em relação à comunicação com o psicofarmacoterapeuta, queixas de efeitos adversos podem estar substituindo afetos dolorosos, assim como a solicitação de novas receitas pode expressar o desejo de algo mais do profissional20.
Observa-se que, na maioria das vezes, os pacientes mostram resistência em mudar, assim como suspeitam de qualquer coisa nova, independentemente do tratamento ao qual estão sendo submetidos. De acordo com Brockman, isso é particularmente verdadeiro no caso de pacientes com transtorno de personalidade borderline18. A indicação da introdução de uma medicação no tratamento pode ser recusada pelo paciente, e, do ponto de vista psicodinâmico, a recusa pode estar ligada a qualquer uma das muitas causas de recusa a seguir um comportamento psicoterápico esperado28.
A Tabela 1 reúne as vantagens e os riscos encontrados pelos autores pesquisados, em ambas as modalidades de tratamento.
Contratransferência do psicoterapeuta e psicofarmacoterapeuta na co-terapia
Para o psicoterapeuta, o sucesso do tratamento medicamentoso pode ser vivenciado como uma ferida narcísica, sentindo-se desvalorizado11,12. Pode também representar uma dificuldade em aceitar a evolução lenta, característica do processo psicoterápico, ou em tolerar afetos dolorosos, indicando o tratamento medicamentoso para tratar sua própria ansiedade25. Inconscientemente, pode vivenciar o estado de ansiedade e depressão do paciente como uma ameaça, indicando tratamento medicamentoso na tentativa de evitar identificar-se com o paciente e proteger-se desse sofrimento3,7. Além disso, pode realizar o encaminhamento para se distanciar de reações terapêuticas negativas e de impasses da psicoterapia. Uma armadilha comum para os psicoterapeutas é a idealização da farmacoterapia, atribuindo todo progresso, ou a falta deste, à medicação, o que desvaloriza o trabalho do terapeuta, refletindo conflitos de auto-estima do profissional12. Um reflexo dessa idealização pode ser observado quando um psicoterapeuta, ao encaminhar o paciente para avaliação psiquiátrica, tem a expectativa de que, em uma consulta clínica, o psicofarmacoterapeuta será capaz de fazer um diagnóstico e a prescrição de um fármaco e muitas vezes não compreende a solicitação de mais consultas para que a avaliação seja concluída, o que às vezes provoca desconfiança no psicoterapeuta e desperta receio de que o paciente decida trocá-lo pelo outro profissional.
O psicoterapeuta também pode realizar o encaminhamento a pedido do paciente, para gratificá-lo, mesmo sem convicção clínica da sua utilidade, o que mais tarde pode provocar no profissional um sentimento de ter sido manipulado e desvalorizado12.
De acordo com Gabbard, "a prescrição de um medicamento apresenta uma probabilidade similar a qualquer outra intervenção terapêutica de ser contaminada pela transferência"11. O psicofarmacoterapeuta, sendo mais ativo e diretivo que o psicoterapeuta, pode agir de maneira autoritária e onipotente, estabelecendo uma relação em que o médico sabe tudo e o paciente deve ser complacente com tudo, o que pode fazer com que o profissional rotule o paciente como "ruim" se ele não segue o tratamento, ao invés de compreender a reação transferencial. No caso de pacientes com doenças crônicas, o profissional muito identificado com seus medicamentos e sua onipotência pode ficar desencorajado em função da falta de progresso do tratamento, e a ansiedade resultante pode levar o psicofarmacoterapeuta a medicar exageradamente o paciente12. A prescrição excessiva é manifestação comum de contratransferência que pode ser reflexo dos sentimentos de impotência e raiva evocados pelo paciente11.
Como destacado anteriormente, os pacientes podem idealizar o psicofarmacoterapeuta, e o risco maior ocorre quando o profissional incorpora narcisicamente essa idealização, ao invés de compreender a natureza da distorção. Quando isso ocorre, ele pode entrar num conluio com o paciente, desvalorizando o psicoterapeuta e responsabilizando esse último pelo fracasso do tratamento12,26. Nesse caso, o psicofarmacoterapeuta pode sentir-se prejudicado por ter que dividir seu poder com o psicoterapeuta e pode vivenciar o triângulo terapêutico como uma competição, acreditando que sua abordagem é superior26. De acordo com Lejderman et al., o problema surge com a competição entre os profissionais ao considerarem seu referencial teórico como único ou superior aos demais, caracterizando uma resistência ao progresso terapêutico31. Diferenças entre os referenciais teóricos, assim como sentimentos de competição e inveja, são comuns, e pacientes com funcionamento borderline de personalidade podem aproveitar essa brecha, criando maior dissociação e freqüentemente uma situação de impasse no tratamento3.
Pode também ocorrer raiva contratransferencial, resposta comum à não-adesão dos pacientes. Alguns psicofarmacoterapeutas podem ser coniventes com a não-adesão, com o objetivo de mostrar aos pacientes quão doentes ficarão se não seguirem as orientações, enquanto outros podem ameaçá-los com a possibilidade de alta caso não sigam o tratamento. De acordo com Gabbard, os profissionais que apresentam dificuldades em controlar sua raiva podem não demarcar limites para os pacientes, esperando que, ao gratificarem as exigências destes últimos, estarão mantendo a agressividade fora da relação terapêutica11.
Se o psicofarmacoterapeuta tem respeito e estima pelo psicoterapeuta, terá maior probabilidade de desenvolver uma contratransferência positiva com o paciente encaminhado20. Ao prescrever uma medicação, o psiquiatra pode estar expressando sua autoridade ou seu desejo de ser amado e admirado pelo paciente. No caso do paciente deprimido, por identificação projetiva, o psiquiatra pode experimentar sentimentos de falta de esperança, culpa e vergonha, afetos que também podem ser despertados por uma frustração real, devido à falha terapêutica4.
Alguns aspectos da contratransferência destacados acima, apesar de não mencionados nos artigos revisados, também se aplicam ao tratamento combinado.
Ambos os profissionais, portanto, devem ficar atentos para evitar o uso defensivo da medicação, devendo permanecer alertas ao indicar, iniciar, trocar e retirar um fármaco, identificando possíveis atuações contratransferenciais7.
Aspectos técnicos da co -terapia
Apesar de a co-terapia ser uma modalidade terapêutica bastante comum em nosso meio, não há um consenso sobre como esse tipo de tratamento deve ser conduzido.
Imhof et al., em artigo intitulado "A relação entre o psicoterapeuta e o psiquiatra que prescreve", descreve algumas condições básicas para o desenvolvimento adequado da co-terapia. Entre elas, destaca a necessidade de os profissionais conhecerem a experiência, qualificação, incluindo a área de especialização, formação teórica e tipo de pacientes que cada um prefere não atender19,20. No diálogo entre os profissionais, devem estar contidas questões relacionadas às expectativas do psicoterapeuta e do psicofarmacoterapeuta sobre o momento em que devem ocorrer os contatos entre os dois profissionais e qual a responsabilidade de cada um no tratamento19. É sempre essencial a comunicação entre os profissionais, e o paciente deve ser informado que isso ocorrerá19,20,26. Hansen-Grant et al. sugerem que o primeiro contato entre os profissionais ocorra pessoalmente ou por telefone antes da primeira consulta32.
A maioria dos pacientes parece ficar satisfeita em saber que os profissionais se comunicam, prontamente concordando com o contato. Raramente um paciente proíbe a comunicação entre o psicoterapeuta e o psicofarmacoterapeuta, o que geralmente é um indicativo da presença de uma transferência complicada com um ou ambos ou a existência de um segredo muito importante que foi falado somente para um deles. A recusa do contato entre os profissionais torna impossível o desenvolvimento adequado da co-terapia19.
A comunicação entre os profissionais não deve se limitar ao início do tratamento, ao contrário, deve ser freqüente, cada um informando ao colega sobre questões importantes, como ausências prolongadas, mudanças na abordagem terapêutica e alterações importantes no estado clínico do paciente. Além disso, devem saber a impressão geral de cada um sobre a resposta do paciente ao tratamento19. A responsabilidade de cada profissional em situações especiais como emergências também deve ser bem estabelecida32.
Quando os profissionais têm uma experiência de trabalho prévia, o tratamento tende a ser mais efetivo, o mesmo ocorrendo se os psicólogos têm um conhecimento básico de medicações, e os psiquiatras, uma compreensão psicodinâmica23.
Hansen-Grant et al. realizaram estudo com objetivo de avaliar a extensão e as características da comunicação entre psiquiatras residentes e psicoterapeutas, tendo observado que, em 53% dos casos, o residente teve contato com o psicoterapeuta, e que este foi iniciativa do psiquiatra em 47,7% das vezes, e do psicoterapeuta, em 43,2% dos casos de co-terapia. Nesse estudo, a comunicação entre os profissionais foi irregular e pouco freqüente, e, em quase metade dos casos, o contato ocorreu somente uma vez durante um período de 5 meses32.
Em nosso meio, num estudo desenvolvido por um grupo de psiquiatras do ambulatório do Instituto Cyro Martins, observa-se que, entre os psicoterapeutas componentes do triângulo terapêutico, 81% sentem-se bem ao solicitar avaliação psiquiátrica, complementando e auxiliando mais o paciente; 57% referem existir interferência na relação transferencial após o encaminhamento; e 70% dos profissionais acham que a comunicação com o psiquiatra é boa ou ótima. Dos seis psiquiatras que responderam ao questionário, todos referem discutir o caso com o psicoterapeuta na maioria das vezes, sendo que 66,7% comunicam-se pessoalmente ou por telefone, além de por escrito23.
Há necessidade de o psicofarmacoterapeuta reconhecer o objetivo do tratamento e respeitar os limites do tipo de abordagem a ser realizada, devendo evitar interpretações profundas; investigação inadequada relacionada a áreas muito pessoais como história de traumas; excessiva disponibilidade como um ouvinte empático, o que pode estimular a expectativa de uma gratificação contínua, levar a uma idealização do profissional e interferir na aliança entre o paciente e o psicoterapeuta. Da mesma maneira, mesmo um psicoterapeuta familiarizado com fármacos deve estar atento para não dar conselhos ao paciente em relação à escolha da medicação, dosagem ou efeitos colaterais19.
Por outro lado, Goin refere que não é possível realizar psicofarmacoterapia sem usar os recursos naturais de uma terapia de apoio, tais como clarificações, confrontações e interpretações dadas como explicações e encorajamentos apropriados. Ocasionalmente, estando bem familiarizado com o paciente e tendo uma relação colaborativa com o psicoterapeuta, uma interpretação psicodinâmica da resistência e defesas realizada pelo psicofarmacoterapeuta pode ser útil. O autor destaca que o desafio é alcançar um resultado terapêutico que seja benéfico para o tratamento como um todo e que dê suporte ao trabalho do outro profissional26.
No caso de o paciente estar falando sobre efeitos colaterais do medicamento somente com o psicoterapeuta, por estar constrangido, por exemplo, em falar sobre disfunção sexual, ele deve ser encorajado pelo profissional a levar essas queixas ao psicofarmacoterapeuta. Do mesmo modo, se o paciente está relatando ao psicofarmacoterapeuta questões não divididas com o psicoterapeuta, como, por exemplo, problemas com drogas ilícitas ou sentimentos transferenciais dolorosos, o profissional deve estimulá-lo a falar desse temas ao psicoterapeuta. Além disso, o profissional deve fazer um contato telefônico breve para esclarecer o objetivo do encaminhamento, evitando, desse modo, que o colega conclua estar ocorrendo um problema de comunicação19.
Steven Roose salienta que a co-terapia exige o estabelecimento de múltiplas alianças terapêuticas, inclusive entre psicofarmacoterapeuta e psicoterapeuta, destacando que, na maioria das vezes, há um relacionamento entre profissionais de gerações diferentes, geralmente sendo o psicofarmacoterapeuta mais jovem e o psicoterapeuta mais velho, este último, por vezes, tendo sido professor do primeiro e, não raramente, uma figura transferencial2. No caso do relacionamento transgeracional dos profissionais, é importante estar alerta para sentimentos negativos e competitivos26. Portanto, se o tratamento não está tendo sucesso, o aumento da dose do fármaco ou uma interpretação transferencial podem não ser a solução, sendo necessária uma avaliação da relação entre os profissionais, o que pode corrigir o curso do tratamento2. Para Goin, os profissionais mais jovens parecem estar mais familiarizados e confortáveis com a idéia de fazerem parte de equipe de trabalho, mas isso não os impede de desenvolver uma reação contratransferencial quando o paciente é encaminhado para outro profissional26.
A Tabela 2 reúne sugestões para diminuição e controle dos riscos na co-terapia.
Considerações finais
O entendimento psicodinâmico é essencial para o trabalho de qualquer profissional, mesmo para aqueles que se dedicam mais à prática do tratamento psicofarmacológico. É preciso saber não somente o que prescrever, mas também como prescrever, tanto no tratamento combinado quanto na co-terapia. Podemos observar que o tratamento combinado apresenta mais vantagens em relação à co-terapia, esta última expondo o tratamento psicoterápico e psicofarmacoterápico a maiores riscos e custos, resultando em menor adesão aos tratamentos. Ao mesmo tempo, impõe-se a necessidade de se desenvolverem estratégias que visem diminuir os riscos da co-terapia, que desde a formação acadêmica deveriam ser do conhecimento dos futuros profissionais, já que é prática muito comum em nosso meio. A supervisão com profissional que tenha experiência com tratamento combinado pode ser uma estratégia para que, desde o início, os estudantes sejam estimulados à integração mente-cérebro e aprendam a lidar com os complexos aspectos psicodinâmicos dessas modalidades terapêuticas.
Agradecimento
Agradecimento especial ao Prof. Antonio Marques da Rosa pelo inestimável estímulo e apoio.
Recebido em 24.01.2006
Aceito em 20.06.2007
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Correspondência
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Dez 2007 -
Data do Fascículo
Ago 2007
Histórico
-
Aceito
20 Jun 2007 -
Recebido
24 Jan 2006