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Lísias Nogueira Negrão: um sociólogo da religião na USP e um pioneiro em “Religião e Sociedade” no ISER

“Religião e Sociedade” homenageia nesta seção o sociólogo da religião, Lísias Nogueira Negrão, falecido em 08 de novembro de 2015. Lísias Negrão era colaborador e um dos conselheiros da revista desde seus primórdios no final dos anos 1970.

Fez sua trajetória acadêmica sempre ligada a Universidade de São Paulo (USP), onde cursou sua graduação em Ciências Sociais (1967), uma pós-graduação stricto sensu no mesmo curso (1969) e seu doutorado (1973) sob a orientação de Maria Isaura Pereira de Queiroz. Na mesma instituição, foi contratado para o Departamento de Sociologia (1970), onde obteve o título de Livre Docência (1993) e o de professor Titular (2005) e nela permaneceu até sua aposentadoria em 2009. No seu Memorial_____________. (2003), Memorial. Apresentado a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo para concurso público de professor titular, junto ao Departamento de Sociologia, (mimeo). para o concurso de titular, ele remarcou esta pertença e ligação de longo curso com a universidade: “Tenho já 39 anos de USP, 6 como aluno e 33 como docente”. Essa ambiência “uspiana” está presente em um capítulo escrito por ele para um livro em homenagem ao sociólogo do protestantismo Antônio Gouvêa Mendonça. Neste capítulo Lísias relatou o choque que teve com a precoce morte do renomado professor/pesquisador da USP, Duglas Teixeira Monteiro em 1978, de quem era colaborador no Centro de Estudos da Religião desta instituição (que depois tomou o nome deste professor); assim como, o encargo que esta situação funesta legou a ele: assumir as orientações de pós-graduação em curso do professor Duglas Monteiro. Embora estes orientandos (dentre eles, Mendonça) tivessem sugerido seu nome para a substituição, ele hesitou, mas acedeu no cumprimento da missão que redundou no já clássico trabalho de Mendonça: “O Celeste porvir: a inserção do Protestantismo no Brasil”, tese de doutorado, que levou o timbre da orientação de Lísias Negrão (2010: 131-132_____________. (2010), Sobre os deuses que nunca se foram. In A. M. Augusto (org.). Ainda o Sagrado Selvagem: homenagem à Antônio Gouvêa Mendonça. São Paulo: Ed. Paulinas e Fonte Editorial, pp. 131-154.).

No que diz respeito a sua relação com “Religião e Sociedade”, ele passa a integrar seu Conselho de Redação no número 04 da revista em outubro de 1979. Este volume da revista homenageava Duglas Teixeira Monteiro, um dos fundadores da revista em maio de 1977. Lísias tem um artigo na seção de homenagem a Duglas Monteiro intitulado “A crítica de Duglas Teixeira Monteiro à Sociologia da Religião de Roger Bastide” (1979:31-36NEGRÃO, Lísias Nogueira (1979), “A crítica de Duglas Teixeira Monteiro à Sociologia da Religião de Roger Bastide”. Religião e Sociedade, nº 4, pp.31-36.). O CER era junto com o ISER as duas entidades mantenedoras da revista, portanto, com a morte do seu fundador e presidente, Duglas Monteiro, Lísias Negrão passa a assumir a coordenação deste Centro de Estudos na USP e desta forma, a representação anteriormente exercida por Duglas Monteiro no Conselho de Redação de “Religião e Sociedade”. A partir do número 14/1 de 1987, integra junto com os fundadores da revista, uma Comissão Editorial destacada do Conselho de Redação. Mais adiante no número 18/1 de 1997, retorna ao Comitê Editorial daqueles que dirigem a revista, distinto do Conselho de Redação, mas também do Comitê Científico, restrito aos fundadores. No número 23/2 de 2003, comemorativo dos 25 anos da revista vemos seu nome de novo no Conselho Científico ao lado dos fundadores. Por fim, a partir do número 27/2 de 2007, seu nome retorna ao Conselho de Redação onde permanece até o último número da revista, onde deve ser acrescentado um “in memoriam”.

A revista comemorativa dos 20 anos estampou no seu editorial uma problemática: “Religião e Sociedade, o que mudou nestes últimos 20 anos?” (1997:05_____________. (1997), “Refazendo antigas e urdindo novas tramas: trajetórias do sagrado”. Religião e Sociedade, 18/2, pp.63-74.). Para responder esta pergunta destacando a “vida pregressa” e “perspectivas futuras” da revista, vários autores se debruçaram sobre panoramas e balanços dos enfoques teóricos sobre as principais correntes do campo religioso brasileiro: o “catolicismo popular”, as religiões afro brasileiras e os pentecostalismos. Coube a Lísias Negrão, um texto que sintomaticamente abordava uma tendência que gradativamente tomava conta das análises sobre um fenômeno religioso contemporâneo, como indicado no Editorial da revista: “o múltiplo pertencimento religioso” (1997:06_____________. (1997), “Refazendo antigas e urdindo novas tramas: trajetórias do sagrado”. Religião e Sociedade, 18/2, pp.63-74.). Este artigo intitulado “Refazendo antigas e urdindo novas tramas: trajetórias do sagrado” (1997: 63-74_____________. (1997), “Refazendo antigas e urdindo novas tramas: trajetórias do sagrado”. Religião e Sociedade, 18/2, pp.63-74.) tornou-se uma referência para os estudos de uma nova realidade que se descortinava para as pesquisas em Ciências Sociais da religião, o “trânsito religioso” e as “pertenças múltiplas”.

No seu Memorial_____________. (2003), Memorial. Apresentado a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo para concurso público de professor titular, junto ao Departamento de Sociologia, (mimeo). para professor Titular, Lísias Negrão registra três grandes ciclos na sua trajetória intelectual, “o ciclo messiânico”, o “ciclo afro brasileiro” e o “ciclo do trânsito e multiplicidades religiosas”, que corresponderam ao seu doutorado, a sua Livre Docência e ao projeto integrado que coordenava na época “Refazendo antigas e urdindo novas tramas: trajetórias do sagrado”, financiada pela FAPESP. Do primeiro ciclo, redundou sua tese “Um movimento messiânico urbano: messianismo e mudança social no Brasil”, publicada em 1984 pela USP com o título de “Messianismo no Brasil contemporâneo”. Do segundo ciclo, sua tese de livre docência, talvez sua obra mais conhecida, “Entre a cruz e a encruzilhada: formação do campo umbandista em São Paulo”, publicada pela Edusp em 1994. Por fim do terceiro ciclo, resultou o conhecido artigo, com o mesmo nome do Projeto, referido acima e publicado no número comemorativo de “Religião e Sociedade” nos 20 anos da revista.

Para os que conviveram com ele na USP, no CER e nas atividades acadêmicas dos congressos, seminários, etc., são muitos depoimentos acerca de sua dedicação aos projetos em que se engajava, sua conduta afável e respeitosa para com alunos, funcionários e docentes. De seus colegas do ISER e de “Religião e Sociedade”, fica a lembrança sentida de sua presença intelectual.

Marcelo Camurça

Referências Bibliográficas

  • NEGRÃO, Lísias Nogueira (1979), “A crítica de Duglas Teixeira Monteiro à Sociologia da Religião de Roger Bastide”. Religião e Sociedade, nº 4, pp.31-36.
  • _____________. (1997), “Refazendo antigas e urdindo novas tramas: trajetórias do sagrado”. Religião e Sociedade, 18/2, pp.63-74.
  • _____________. (2003), Memorial Apresentado a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo para concurso público de professor titular, junto ao Departamento de Sociologia, (mimeo).
  • _____________. (2010), Sobre os deuses que nunca se foram. In A. M. Augusto (org.). Ainda o Sagrado Selvagem: homenagem à Antônio Gouvêa Mendonça São Paulo: Ed. Paulinas e Fonte Editorial, pp. 131-154.

Notas

  • *
    Agradeço a Reginaldo Prandi do Departamento de Sociologia da FFLCH da USP e a Leci Reis secretária deste Departamento por terem me encaminhado o Memorial do concurso de Professor Titular de Lísias Nogueira Negrão.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2016
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