Resumos
Este texto analisa três casos em que referências religiosas servem para a construção de monumentos: uma estátua de Cristo no Rio Grande do Sul, a escultura de uma Bíblia no Rio de Janeiro e uma imagem de Iemanjá no Maranhão. O objetivo de nossas elaborações é tomar esses objetos como formas de presença, respectivamente, do catolicismo, das igrejas evangélicas e das religiões afro-brasileiras no espaço público. As análises focam em dois pontos: a inserção desses objetos monumentalizados, com suas materialidades específicas, na paisagem urbana e os modos de interação com seus públicos que esses monumentos almejam ou que os sustentam. Buscamos contribuir para discussões sobre as configurações da diversidade religiosa brasileira e as consequências de certos modos de ocupação de espaços públicos.
Palavras-chave:
monumentos; diversidade religiosa; espaço público
This article analyzes three cases in which monuments are based on religious references: a statue of Christ in Rio Grande do Sul, the sculpture of a Bible in Rio de Janeiro and an image of Iemanjá in Maranhão. The objective of our elaborations is to take these objects as forms of presence, respectively, of Catholicism, evangelical faith and Afro-Brazilian religions in public space. The analyses focus on two points: the insertion of these monumentalized objects, with their specific materialities, in the urban landscape and the modes of interaction with their audiences that these monuments aim for or that support them. We seek to contribute to discussions about the configurations of Brazilian religious diversity and the consequences of certain ways of occupying public spaces.
Keywords:
monuments; religious diversity; public space
Nos últimos anos, os monumentos se tornaram um assunto candente. Em alguns casos, literalmente, por conta do uso das chamas como forma de protesto.2 2 Deve-se dar destaque a mobilizações relacionadas ao Black Lives Matter em 2020 (Abraham 2021), embora debates e ações sejam mais antigos (Levinson 1998). Para repercussões e episódios no Brasil, ver, por exemplo, Lorenzoni e Gomes (2021). Como consequência desses oportunos questionamentos, vários monumentos foram removidos, com ou sem autorização oficial. Entretanto, o foco estrito nos ataques pode dar a impressão de que esses objetos têm sido apenas removidos ou alterados. Na verdade, ao lado dos monumentos atacados, muitos outros têm sido levantados, sob as mais variadas motivações. Portanto, uma das formas de compreender as chamas em torno de algumas esculturas públicas é como uma provocação para iluminar uma discussão complexa, devidamente ancorada em empreendimentos de pesquisa.
Este artigo analisa três casos em que referências religiosas servem para a construção de monumentos no Brasil, todos em um período recente: uma estátua de Cristo no Rio Grande do Sul, a escultura de uma Bíblia no Rio de Janeiro e uma imagem de Iemanjá no Maranhão. O objetivo de nossas elaborações é tomar esses objetos como formas de presença, respectivamente, do catolicismo, das igrejas evangélicas e das religiões afro-brasileiras no espaço público. Mais especificamente, buscamos sistematizar informações que tratem da concepção e produção desses monumentos e de sua existência até o presente. Juntamente com considerações mais gerais sobre a presença de monumentos católicos, bíblicos e afro-brasileiros em espaços públicos no Brasil, essa é a base a partir da qual elaboramos análises que focam em dois pontos: a inserção desses objetos monumentalizados, com suas materialidades específicas, na paisagem urbana e os modos de interação com seus públicos que esses monumentos almejam ou que os sustentam.
Para reunir os dados que servem às nossas análises, recorremos a fontes variadas, especificadas na exposição de cada caso. Em dois dos três casos, foram realizadas observações de curta duração. De forma mais ampla, a etnografia como perspectiva (Peirano 2014PEIRANO, Mariza. (2014), “Etnografia não é método”. Horizontes Antropológicos , nº 42:377-391.) inspirou a obtenção e sistematização de dados. Assumimos a existência de lacunas que apenas poderiam ser preenchidas com abordagens mais detalhadas. O que reivindicamos é que os dados reunidos são suficientes para enfrentarmos as questões que nosso texto levanta. Foi esse o critério que orientou a escolha dos casos, sobre nenhum dos quais, até onde pudemos saber, existem ainda estudos específicos. Certamente outras situações poderiam cumprir o mesmo papel. Esperamos que nossa aproximação possa inspirar pesquisas mais aprofundadas, inclusive sobre as situações enfocadas neste texto.3 3 Procuramos por situações relacionadas a catolicismo, protestantismo e religiões afro-brasileiras. Os casos no Rio Grande do Sul e no Maranhão foram escolhidos pela possibilidade de observação direta; o caso do Rio de Janeiro foi incluído pela sua relação com outros indicadores de forte presença evangélica na região. Em todos os casos, buscamos nos assegurar sobre a existência de uma diversidade de fontes documentais.
Nossa pretensão é contribuir para discussões sobre as configurações da diversidade religiosa brasileira, considerando as características de cada universo religioso e as consequências de seus modos de ocupação de espaços públicos. Trabalhos anteriores evidenciaram a importância da abordagem conjunta dos três universos (católico, evangélico e afro-brasileiro) para essa problematização (Montero 1999MONTERO, Paula. (1999), “Dilemas da cultura brasileira nos estudos recentes sobre as religiões”. In: S. Miceli. (org.). O que ler na Ciência Social Brasileira (1970-1995). São Paulo: ANPOCS.; Giumbelli 2008GIUMBELLI, Emerson. (2008), “A presença do religioso no espaço público: modalidades no Brasil”. Religião & Sociedade, vol. 28, nº 2:80-101.; Mafra 2011MAFRA, Clara. (2011), “A ‘arma da cultura’ e os ‘universalismos parciais’”. Mana, vol. 17, no 3: 607-624.). Na mesma linha, a temática dos monumentos afigura-se como um tema pertinente e ainda pouco explorado. As questões que pautam a análise serão apontadas na primeira seção deste artigo, mobilizando referências que participam da discussão sobre monumentos, antimonumentos e contramonumentos. As três seções seguintes apresentam dados sobre os casos enfocados. Na seção final, adotamos uma visada comparativa para destacar conclusões baseadas em nossas elaborações anteriores.
A contramonumentalidade como método
Os debates sobre monumentos passam por muitas dimensões. Vale destacar, como uma fonte para inspirações analíticas, os diálogos entre ciências sociais, história, práticas artísticas e coletivos que propõem ou se interessam por monumentos. Nesta seção do texto, exploramos alguns desses diálogos para sugerir que se pode depreender de certas discussões sobre monumentos um caminho para o entendimento de sua existência como objetos sociais.
Nosso ponto inicial é a possibilidade de considerarmos, com a designação “monumento”, uma espécie de tipo ideal - recorrendo à clássica noção weberiana. A referência para esse tipo ideal é o processo histórico que engendrou uma profusão de esculturas públicas em padrões consolidados entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Inserem-se aí tanto o que Agulhon (1978AGULHON, Maurice. (1978), “La ‘statuomanie’ et l'‘histoire’”. Ethnologie Française, vol. 8, nº 2/3:145-172.) chamou, no contexto francês, de statuomanie, quanto as elaborações de Riegl (2014RIEGL, Alois. (2014), O culto moderno dos monumentos: a sua essência e a sua origem. São Paulo: Perspectiva.) sobre o “culto moderno dos monumentos” em texto originalmente publicado em 1903 na Áustria. Articulando nation building, inovações tecnológicas e celebração de figuras heroicas, a proliferação de monumentos não se restringiu às metrópoles europeias, espalhando-se por territórios coloniais e novas nações.
O monumento como tipo ideal atrela propósito e forma. Seu objetivo é eternizar um evento ou uma figura. Como tal, todo monumento é um dispositivo de memória, inscrevendo no espaço um objeto que pretende destacar sua referência no fluxo das lembranças e esquecimentos. Nesse sentido, é parte de um jogo político que registra certas coisas e oculta outras (Salgueiro 2008SALGUEIRO, Valéria. (2008), De pedra e bronze: um estudo sobre monumentos: o monumento a Benjamin Constant. Niterói: EDUFF.). Como sugeriu Mitchell (1992MITCHELL, W. J. T. (1992), “The violence of public art: do the right thing”. In: W. J. T. Mitchell (org.). Art and the public sphere. Chicago: University of Chicago Press.), esses monumentos afirmam-se como celebrações do poder e da guerra. De fato, homenagens a soberanos e a militares serviram de modelo para abranger, com variações, figuras do universo da ciência e da cultura.
Quanto à forma, são vários elementos a compor o tipo ideal do monumento. Como objeto com pretensões de eternidade, há preferência por materiais duradouros (metal e pedra, por exemplo). Nota-se o predomínio de representações figurativas, até mesmo no uso de alegorias que antropomorfizam princípios abstratos. Outro elemento importante é a visibilidade, privilégio forjado seja pela localização (em região de muita circulação ou de significado histórico), seja pela estatura (uso de escalas avantajadas), seja ainda pelo recurso ao pedestal (que tem também a função de dificultar acesso outro que o visual).
Bataille (2018BATAILLE, Georges. (2018) [1929], “Arquitetura”. In: G.Bataille. Documents: Georges Bataille. Florianópolis: Cultura e Barbárie.) foi um dos autores que, escrevendo no auge da proliferação desses monumentos, percebeu os sentidos mais transcendentais de suas formas materiais. Sugerindo analogias entre processos de constituição histórica de terrenos geológicos e da espécie humana, seu texto entende os monumentos como expressão de uma vontade de saliência. A verticalidade que os caracteriza - muitas vezes literalmente, por conta do uso de colunas - não é casual. Trata-se de objetos obcecados pela estabilidade e pela ascensão. Celebram a integridade em sua forma humana buscando afastá-la do solo em direção aos céus, privilegiando a visão sobre os demais sentidos.
Após a II Guerra Mundial, monumentos que correspondem ao tipo ideal delineado acima, embora não deixem de ser erigidos, passam a levantar desconfianças. As fontes para essas críticas são variadas, apenas aludidas aqui. A própria tragédia do holocausto figura entre elas, abrindo espaço para o enfoque de outras dinâmicas históricas de vitimização (Seligmann-Silva 2016SELIGMANN-SILVA, Marcio. (2016), “Antimonumentos: trabalho de memória e de resistência”. Psicologia USP, vol 27, nº1:49-60.). No campo da arte, a escultura passa por redefinições (Krauss 2022KRAUSS, Rosalind. (2022) [1979], “A escultura no campo ampliado”. Arte & Ensaios, 17:128-137. Disponível em: Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/52118/28402 . Acesso em: 31/01/2023.
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), além de ser atravessada por concepções mais gerais que valorizam antes o processo do que o produto como objetivo (North 1992NORTH, Michael. (1992), “The public as sculpture: from heavenly city to mass ornament”. In: W. J. T. Mitchell (ed.). Art and the public sphere . Chicago: University of Chicago Press .).
Nesse contexto, surgem obras que contestam diretamente os monumentos em seu tipo ideal. Podemos chamá-las de antimonumentos, guardando o termo contramonumento para uma elaboração posterior. Elas subvertem, invertem e/ou recusam as formas consagradas pelo tipo ideal. Recorrem a materiais que são efêmeros ou amorfos. Apelam para composições não figurativas. Miniaturizam o colossal. Celebram não a grandeza de um evento ou de uma pessoa, mas ou reveem criticamente personagens ou efemérides consagradas ou apontam a transitoriedade e os fluxos que constituem o que quer que seja.
As obras destacadas por Pereira (2021PEREIRA, Edilson. (2021), “Monumentos Urbanos e Arte Pública: Os Obeliscos em Rotação”. Arte & Ensaios , vol. 27, nº 41:251-278.), partindo de inspirações que configuram os antimonumentos, apresentam várias camadas críticas. Nesse caso, dirigem-se a um objeto específico, o obelisco construído nos anos 1930 que se tornou um ícone da capital argentina. Por meio de intervenções e recriações, esse monumento tradicional é ressignificado, passando a expressar demandas sociais recentes (como ocorre quando é vestido por um preservativo gigante ou quando é replicado com um “recheio” comestível). Outros exemplos são discutidos por Waldman (2018WALDMAN, Thais Chang. (2018), Entre batismos e degolas: (des)caminhos bandeirantes em São Paulo. São Paulo: Tese de Doutorado em Antropologia Social, USP.), nesse caso por conta de reconsiderações sobre figuras, referências e narrativas que compõem o bandeirantismo em São Paulo.
Para nossos propósitos neste texto, outra obra artística é fundamental. Trata-se do Monumento Contra o Fascismo, de autoria de Jochen Gerz e Esther Shalev-Gerz, instalado na cidade de Hamburgo em 1986. Como os antimonumentos aludidos acima, não se trata de celebrar algo edificante, mas de fazer lembrar de uma tragédia para que ela não se repita. Em uma região de grande circulação de pessoas, foi instalado uma espécie de totem para receber inscrições do público, que era convidado a juntar seus nomes aos das pessoas mortas pelo nazismo. Depois que a parte mais baixa do totem era preenchida, um mecanismo permitia torná-la subterrânea, disponibilizando mais espaço livre para inscrições, até o momento em que a coluna desapareceu sob o solo, restando apenas um marco no chão e uma placa que apresentava o projeto.4 4 Para apresentações e discussões sobre esse monumento, nenhuma das quais na direção tomada por este artigo, ver Young (1992), Stubblefield (2011), Giumbelli (2018) e Pereira (2021).
Embora a obra compartilhe com os antimonumentos a ideia de desmaterialização, deles se distingue por outras características. Primeiro, ela insiste no uso da coluna, uma das formas típicas da monumentalidade tradicional. Segundo, embora essa coluna seja forjada para desaparecer, isso demora cerca de oito anos para ocorrer. Durante esse tempo, muito acontece no monumento e junto a ele. Ao contrário de um monumento tradicional, a coluna de Hamburgo foi concebida para receber intervenções. As pessoas que se aproximaram dela não escreveram apenas seus nomes, mas muitas outras coisas, incluindo efêmeras manifestações nazistas. Se isso contrariava as intenções iniciais, não deixava de estendê-las, pois as inscrições, em sua diversidade, obrigavam a articular o trabalho da memória a um debate sobre os atores e as forças que compõem uma sociedade no presente.
Parece-nos que isso que Young (1992YOUNG, James. (1992), “The counter-monument: memory against itself in Germany today”. In: W. J. T. Mitchell (Ed.). Art and the public sphere . Chicago: University of Chicago Press :73-90.) chama de contramonumento sugere um método para abordarmos a vida dos monumentos - incluindo aqueles que assumem formas típicas. Em um plano, somos levados a dar atenção aos elementos materiais desses objetos. Não apenas os materiais que os constituem (e o que se pode fazer com eles), mas também e sobretudo questões como a localização e a relação com a paisagem. Em outro plano, somos remetidos às interações. Essas interações não estão restritas à contemplação visual, como supõe o monumento típico, mas incluem ações e eventos que mobilizam os sentidos atribuídos ao objeto. Ampliam-se para registrar as forças sociais que operam para propor, manter, ignorar ou remover um monumento. Como regra metodológica, devemos aceitar que as interações - em um sentido amplo, que envolve os discursos assumidos pelos atores interessados - são parte da existência dos próprios objetos.
Em suma, se a monumentalidade busca impor um objeto em sua presença pretensamente atemporal, a contramonumentalidade inspira uma abordagem sensível a processos históricos. Assim, qualquer monumento pode ser abordado como o resultado de componentes materiais e interações sociais, de inserções na paisagem e controvérsias discursivas. Ao adotar essa abordagem, não queremos assumir que todos os monumentos sejam meras variações de uma mesma composição. Como mostraremos em nossa análise dos três casos incluídos neste texto, há muitas diferenças na própria constituição de cada um dos monumentos, assim como são distintos os agentes sociais que sustentam e interagem com os objetos e que contribuem para definir os seus paradeiros. Isso tem consequência para a própria apresentação dos casos, pois mobilizam objetos de grandezas variadas, o que interfere na caracterização tanto das materialidades quanto das interações.
No entanto, há um ponto em comum entre os três casos a serem analisados: em sua dimensão estética, todos se adequam ou se aproximam do monumento em seu tipo ideal. De acordo com a discussão elaborada anteriormente, não poderiam ser descritos como antimonumentos. Ocorre que, no entendimento assumido neste texto, se um antimonumento corresponde a um tipo de objeto, a mesma categorização não se aplica ao termo contramonumento. As referências acima mobilizadas nos incentivam a conceber o contramonumento como um dispositivo, uma operação, um procedimento que pode ser aplicado a qualquer objeto. Por isso preferimos a palavra contramonumentalidade, que permite abordar monumentos, mesmo os mais típicos em suas formas, como processos. A partir disso, em nossa análise, privilegiamos dois aspectos: a inserção desses monumentos, com suas materialidades específicas, na paisagem urbana e os modos de interação com variados atores sociais e seus posicionamentos discursivos.
Assumir a contramonumentalidade como método aproxima-se de perspectivas como a vida social das coisas (Appadurai 2008APPADURAI, Arjun. (org.). (2008), A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense.) e a abordagem material da religião (Meyer 2019MEYER, Birgit. (2019), “Religião material: como as coisas importam”. In: E. Giumbelli; J. Rickli & R. Toniol (org.). Como as coisas importam: uma abordagem material da religião. Porto Alegre: Editora da UFGRS.). Nas descrições dos três casos houve um esforço para recuperar a biografia dos monumentos, desde sua concepção, e uma atenção especial é conferida às formas materiais e suas transformações. Os casos escolhidos serão devidamente contextualizados para entendermos seus processos de construção e as forças sociais que os sustentam. Neste texto, contudo, quisemos tirar algumas das consequências de um debate que vem se constituindo a propósito dos monumentos, especificamente. Reiteramos nossa preocupação em associar a análise de monumentos religiosos com caracterizações da diversidade religiosa no Brasil e de sua expressão no espaço público, tomando como referências os universos do catolicismo, das religiões evangélicas e das afro-religiosidades.
O Cristo de Encantado
Encantado é um município no estado do Rio Grande do Sul, com cerca de 23 mil habitantes, situado às margens do caudaloso Rio Taquari.5 5 Fonte das informações: Site da Prefeitura Encantado (s.d.). Fica a 150km da capital gaúcha e há em suas proximidades cidades que a superam em grandeza e importância econômica. As narrativas sobre suas origens destacam a colonização italiana, iniciada em 1882, embora o nome do município esteja relacionado a uma “lenda indígena”. Sobrenomes italianos abundam nas placas que identificam lojas e negócios. Apesar de suas dimensões modestas, a cidade é reconhecida como um polo na produção de cosméticos e alimentos. Nos últimos anos, contudo, busca destacar-se como um destino turístico. O setor de turismo é a mais nova entre as secretarias da administração municipal.
A principal aposta para sustentar os ousados planos no campo do turismo é um monumento que retrata Jesus Cristo (Fig. 1). Embora o complexo de estruturas planejado para cercá-la ainda não esteja pronto, a escultura já está concluída desde 2022. Ela é apresentada, muitas vezes, como a maior estátua de Cristo no mundo, se for excluída a parte do pedestal. Por ora, de acordo com esse critério, é a maior do Brasil, suplantando inclusive o Cristo Redentor do Rio de Janeiro. O Cristo Protetor de Encantado, composto por ferro, concreto e cimento, alcança 37,5 metros de altura, sobre um pedestal de 6 metros. Seus braços abertos cobrem a extensão de 39 metros. O desenho da imagem lembra bastante o Cristo Redentor carioca, embora seu rosto seja menos estilizado. A inspiração direta, quando a ideia do monumento de Encantado surgiu, foi uma réplica do Redentor situado na cidade próxima de Guaporé e que existe desde 1967. Os escultores do Protetor - Genésio e Markus Moura, pai e filho - já construíram em várias cidades interioranas do Brasil outros Cristos inspirados no monumento carioca.6 6 O monumento tem um site oficial e redes sociais, de onde foram retiradas várias informações. Ao lado de matérias jornalísticas, outra fonte é o livro de Souza (2022), o encarregado principal das obras. Uma visita para observações realizada no dia 07/01/2023 forneceu a maior parte dos dados.
A partir dessas informações, podemos inserir o Cristo Protetor de Encantado como mais um caso em um conjunto recente de colossais monumentos brasileiros que retratam figuras religiosas - mais especificamente, do catolicismo. Além de cristos, há marias, santas e santos. Juntamente com suas dimensões gigantescas, comungam outra característica: situam-se em áreas elevadas. Isso também ocorre com o Cristo Protetor, erguido no cume do Morro das Antenas, a 378 metros de altura em relação à cidade. Sua visibilidade, no entanto, não é tão privilegiada quanto em outros casos, pois a região tem vários morros e o monumento está distante 10km do centro da cidade (Fig. 2). Mesmo assim enquadra-se na caracterização já proposta de monopólio espacial (Giumbelli 2021GIUMBELLI, Emerson. (2021), “Santuarios y monumentos: el catolicismo como religión pública en Brasil”. In: R. de la Torre & P. Semán. (Org.). Religiones y espacios públicos en América Latina. México: Centro de Estudios Latinoamericanos Avanzados/CALAS.). Trata-se de monumentos que, por suas dimensões e por sua localização, dominam a paisagem e não permitem que outros de mesma estatura lhes façam companhia. O fato de ser uma figura do cristianismo, como veremos adiante, não impede que o Cristo de Encantado seja apresentado como algo mais abrangente do que uma imagem religiosa.
Um ponto sempre lembrado na apresentação do Cristo Protetor é que “não há dinheiro público envolvido em sua construção” (Costa 2022COSTA, Jhully, (2022), “Cristo Protetor de Encantado: confira como estão as obras e o que falta para a conclusão do projeto”. GaúchaZH, 01 set. 2022. Disponível em: Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2022/09/cristo-protetor-de-encantado-confira-como-estao-as-obras-e-o-que-falta-para-a-conclusao-do-projeto-cl7je7pwg00b10163fjfwq3e8.html . Acesso em 31/01/2023.
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). Para arrecadar e gerir os recursos da obra foi constituída em 2019 uma entidade privada, com o nome de Associação Amigos de Cristo. Entre os dirigentes da associação, vários são empresários locais, incluindo setores de construção e transporte. A entidade organiza o recebimento de doações individuais e o apoio de empresas. A Associação Amigos de Cristo vem imprimindo uma gestão profissional ao empreendimento. Montou uma estrutura provisória de banheiros, bilheteria e loja de souvenirs e desde 2021 - quando a cabeça e os braços das esculturas foram içados - oferece visitas guiadas ao canteiro de obras.7
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Abril de 2021 foi um marco na história do projeto, pois sua divulgação passou a alcançar um público nacional (por exemplo, Santiago 2021) e mesmo internacional (Guy et al 2021).
Também promove o monumento em feiras de negócios. Busca integrar o Cristo Protetor a circuitos turísticos já bem estabelecidos no Rio Grande do Sul. Preocupa-se com articulações políticas e midiáticas que projetem o monumento à condição de atrativo estadual e mesmo nacional.8
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Ver a seção de notícias do site https://cristoencantado.com.br/ e a página no Facebook: https://www.facebook.com/cristoencantado/. Uma música oficial foi lançada em 2021, com participação de uma famosa dupla sertaneja, disponível no Youtube em: https://www.youtube.com/watch?v=QrBPu8xxlW4. Acesso em: 31/01/2023
Durante a visita guiada no início de 2023, foi anunciado que “130 mil visitantes de 40 países” já estiveram aos pés do Cristo Protetor.
A caracterização do monumento como empreendimento privado não significa que a administração municipal não esteja envolvida. Quando a Associação Amigos de Cristo foi constituída, um de seus principais incentivadores foi o então prefeito municipal. Adroaldo Conzatti promoveu a ideia de uma imagem de Cristo desde a campanha eleitoral em 2016. Ele foi reeleito em 2020, quando o monumento já estava em construção. O vice-prefeito Jonas Calvi assumiu o cargo com a morte de Conzatti em 2021 e mantém o apoio ao projeto. Simbolicamente, isso se expressa na inserção do Cristo Protetor na logomarca da gestão municipal. Um vídeo recente, destinado a apresentar os “atrativos de turismo religioso” da cidade, confere lugar destacado ao Cristo.9 9 Fonte: Prefeitura de Encantado (2022). O apoio vai além, pois a prefeitura, com a participação do governo estadual, é responsável pelas obras de infraestrutura que estão providenciando um melhor acesso ao monumento. Graças a essas obras, a estrada será asfaltada e haverá condições de levar energia de maior potência ao local.
Em 2022, foi anunciado o projeto de um espaço adjacente ao monumento, nesse caso uma iniciativa da própria administração municipal. Trata-se do Jardim de Acolhimento, pelo qual os visitantes do Cristo Protetor serão obrigados a atravessar para atingir a estátua. De acordo com o projeto, o Jardim contará com “espaços de estar e contemplação” - uma escultura de duas mãos pretende expressar acolhimento - e “de convívio e playground”, destacando a integração com a mata existente e com a paisagem.10 10 Fonte: Independente (2022). Ver também Costa (2022). A relação com a paisagem está contemplada no próprio monumento, que prevê a existência de dois mirantes. O primeiro, junto à base, que, de maneira improvisada, já foi instalado. O segundo estará dentro da estátua do Cristo. No centro do peito da escultura foi realizada uma abertura em forma de coração. Dessa abertura envidraçada, os visitantes, levados por um elevador, poderão apreciar a paisagem da região. Vale destacar uma passagem do texto por meio do qual a administração municipal apresenta o Jardim do Acolhimento, que se aplica também às pretensões do Cristo Protetor: "espaço (...) que oferta uma experiência de integração da espiritualidade com o ambiente natural".11 11 PL 054/2022, de autoria do executivo municipal, cria Jardim do Acolhimento do Cristo Protetor e autoriza despesas necessárias, aprovado por unanimidade em 25/07/22. Esse projeto de lei trata também de outras questões que envolvem a gestão fundiária do espaço onde está instalado o Cristo Protetor. O Morro das Antenas foi escolhido pelo fato de pessoas envolvidas na ideia da construção de um monumento em Encantado serem as proprietárias de terrenos lá localizados. Uma análise mais acurada da situação poderá apontar se esses terrenos foram doados à Associação Amigos de Cristo ou à Prefeitura de Encantado.
Se o anúncio do monumento como empreendimento privado - quando, como vemos, a realidade é mais complexa - pode responder a questionamentos que invocariam o princípio da laicidade, o termo “espiritualidade” nos permite trazer de volta a relação do Cristo com a religião. A Igreja Católica não está, como instituição, envolvida na construção do monumento. Mas há uma série de registros que apontam a presença de referências e eclesiásticos católicos. A principal delas é a realização de missas, a primeira das quais ocorreu em novembro de 2019. Uma das mais recentes celebrações aconteceu em dezembro de 2022, anunciada como “missa do Cristo Rei”, “promovida pela Paróquia São Pedro, com o apoio da Associação Amigos de Cristo e da Prefeitura Municipal de Encantado”.12 12 Fonte: Facebook: Cristo Encantado. Em 2023, missas mensais estão previstas. Nos últimos dois anos, houve procissão e encenação durante a Semana Santa. A loja de souvenirs, que atualmente funciona junto ao monumento, comercializa, entre outros objetos, terços católicos. O portão de acesso se tornou lugar para a amarração de fitinhas, como acontece em santuários católicos. Outro ponto relevante é a reconhecida contribuição do Padre João Granzotto, quando era pároco da principal igreja católica de Encantado (2014-2018), como um dos incentivadores da construção de um monumento de Cristo.13 13 Fonte: Faleiro (2021).
Apesar dessas indicações, insiste-se na apresentação do monumento como um “cristo ecumênico” - termo utilizado na visita guiada. Inquiridas sobre o assunto, guias turísticas lembraram a presença de evangélicos entre visitantes, inclusive em grupos fazendo orações. Observando-se as interações, nota-se rituais de penitência por parte de outros visitantes, sem uma caracterização específica de sua religiosidade. Ao mesmo tempo, mesmo reconhecendo a existência de igrejas evangélicas na cidade,14 14 Templos evangélicos, em quantidade significativa, podem ser vistos nas ruas de Encantado. Segundo dados do IBGE, em 2010, 13,3% da população era composta de evangélicos. Existe um Conselho de Pastores de Encantado, que organiza Marchas para Jesus na cidade. A terceira delas ocorreu em 2021. Não encontramos, por parte dessa entidade, menções ao Cristo Protetor. Em 2017, uma lei incluiu no calendário oficial do Município de Encantado o "Dia da Bíblia". uma das guias apontou a força do catolicismo em Encantado. Em 2010, de acordo com o IBGE, 85% da população era formada por católicos; há no calendário várias festas católicas, sendo que o dia dedicado a São Pedro é feriado municipal; o vídeo já indicado sobre “turismo religioso”, além do Cristo Protetor, lista apenas templos católicos. A julgar por essas recorrências, como se configurará a “capela” que, ainda sem projeto ou especificações, está prevista para ser construída junto ao monumento?15 15 Em notícia divulgada em março de 2023, depois que uma primeira versão deste texto já estava redigida, alguns detalhes do projeto para o entorno imediato do monumento foram expostos. Nele, as referências bíblico-cristãs são reforçadas: haverá uma Fonte dos Apóstolos e um Caminho dos Salmos, além da capela em que se destaca uma cruz estilizada. Ver Souza (2023).
Embora tenha conseguido superar várias dificuldades, o Cristo Protetor é ainda um projeto incompleto. Considerando as atuais definições, há a aposta de que o monumento seja capaz de atender a muitos interesses. Isso incide sobre a própria caracterização do empreendimento, pois, nas palavras do atual prefeito, “o Cristo não é da prefeitura, da associação ou de um grupo restrito de pessoas, mas sim da comunidade, que tem essa sensação de pertencer ao local” (Costa 2022COSTA, Jhully, (2022), “Cristo Protetor de Encantado: confira como estão as obras e o que falta para a conclusão do projeto”. GaúchaZH, 01 set. 2022. Disponível em: Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2022/09/cristo-protetor-de-encantado-confira-como-estao-as-obras-e-o-que-falta-para-a-conclusao-do-projeto-cl7je7pwg00b10163fjfwq3e8.html . Acesso em 31/01/2023.
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). O sucesso do lugar como “atração turística” parece depender exatamente da ampliação dos agentes que interagem com o monumento, a partir de distintas motivações. A religião - com as indicações nada casuais do viés católico - é incluída nessas motivações. O resultado é um apelo vago, mas que se pretende poderoso para atrair pessoas “que, independentemente da religião que norteia a vida de cada ser humano, busca[m] a proteção divina e a benção para todos os seus anseios e realizações”.16
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A frase pode ser encontrada na página do monumento no Facebook em post datado de 14/11/2019, e, com variações, reaparece em outras manifestações, incluindo as visitas guiadas.
Ou seja, uma das formas de expansão de referências católicas no espaço público brasileiro, algo que vale para outros casos similares, depende da sua inclusão em um conjunto mais amplo de interesses e motivações. Assim se pode compreender a sugestão das guias turísticas quando direcionam os visitantes para os pés do Cristo Protetor: “fiquem à vontade para fazerem fotos e orações”.
A Bíblia de Mesquita
Ranquetat (2016RANQUETAT, César. (2016), Laicidade à brasileira: estudo sobre a controvérsia em torno da presença de símbolos religiosos em espaços públicos. São Paulo: Paco Editorial.) é um dos autores que observou a proliferação de monumentos bíblicos nas praças de cidades brasileiras. Trabalhamos neste texto com o caso de Mesquita, um dos mais novos municípios do estado do Rio de Janeiro. Emancipou-se em 1999 de Nova Iguaçu, tendo fronteiras com outros municípios da Baixada Fluminense: Nilópolis, Belford Roxo e São João do Meriti. Não está distante dos subúrbios do norte da capital do estado, aos quais se liga por via rodoviária e ferroviária. Sua população, segundo dados do IBGE no ano de 2022, atinge pouco menos de 170 mil habitantes. Na esfera econômica, predomina o setor de serviços. Outro destaque é sua vila olímpica com estrutura para vários esportes. Muitas atividades, contudo, dependem da relação com os municípios vizinhos.17 17 Usamos como principal fonte dessas informações o verbete da Wikipédia sobre o município. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Mesquita_(Rio_de_Janeiro). Acesso em: 31/01/2023.
Na cidade de Mesquita podemos encontrar o Monumento à Bíblia (Figura 3).18 18 Construímos o quadro que caracteriza o Monumento à Bíblia de Mesquita com a ajuda de várias fontes, que incluem textos de naturezas distintas referidos adiante e material disponível em sites e Facebook. Consideramos todas as ocorrências relevantes encontradas em sites de busca na internet. A autoria dos registros é variada e corresponde ao conjunto diverso de atores sociais em interação com o monumento, além de trabalhos acadêmicos. Situa-se na Praça Elizabeth Paixão, que também está equipada com um playground para crianças, aparelhos de ginástica e uma espécie de gazebo de concreto. Cercada de muitas lojas e lanchonetes, a praça, que fica junto à estação de trem e está próxima da sede da prefeitura, abriga várias atividades sociais (Fig. 4). Localizado no bairro central da cidade, não muito longe da Igreja de Nossa Senhora das Graças,19 19 Nossa Senhora das Graças é a padroeira de Mesquita e seu templo é um dos ícones da cidade. o monumento retrata uma bíblia aberta, inscrita com o texto do Salmo 91. Naquilo que representa a capa está impresso “Bíblia Sagrada”. Ele está elevado em relação ao chão, aproveitando as marcações no piso que serviam para destacar um chafariz, o qual deu lugar ao monumento. Tem aproximadamente 8 metros de altura e 6 metros de largura, podendo ser visto desde a estação ferroviária e também do viaduto e da passarela que atravessam a via férrea (Moreira 2018MOREIRA, Giordana. (2018), “Da Passarela do Rock ao Monumento à Bíblia - A estética do incômodo”. Anais do XIV Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura - XIV ENECULT, Salvador.).
Embora o Monumento à Bíblia tenha sido construído em 2015, cumpre uma lei de 2001, cujo texto indica apenas: “Fica o Poder Executivo autorizado a construir o Monumento à Bíblia na Praça Manuel Duarte [renomeada para Elizabeth Paixão], Centro, Município de Mesquita”. Era a primeira legislatura da Câmara Municipal de Mesquita e o autor da lei já havia obtido a aprovação de outra proposta de sua iniciativa, que estabelece o Dia da Bíblia no calendário municipal, a ser comemorado no segundo domingo do mês de dezembro de cada ano. Seu outro artigo define: “O Dia da Bíblia será considerado como de interesse público pela municipalidade, que promoverá o apoio necessário à grandiosidade da data a ser comemorada”.20 20 Para os textos das leis, ver o site da Câmara Municipal de Mesquita (https://www.mesquita.rj.leg.br/). Não foi possível obter acesso à justificativa dos projetos de lei. O autor de ambos é Ricardo Fried, médico que foi vereador por quatro vezes, eleito em 2000, 2004, 2008 e 2012. No pleito de 2016, ficou como suplente. Em 2001, Fried pertencia ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Há registros de visitas a igrejas evangélicas em sua campanha de 2016, mas não de seu pertencimento confessional.
O monumento foi inaugurado exatamente na data atribuída ao Dia da Bíblia em 2015. O evento contou com a participação de várias autoridades municipais, incluindo o então prefeito, que, segundo o informativo oficial, “agradeceu pelas famílias e citou o Salmo 56, um pedido de misericórdia que fala da confiança em Deus e clama por proteção contra os inimigos.”21 21 Fonte: Notícias de Mesquita (2015). De acordo com registros fotográficos e outros relatos, houve apresentação de grupos musicais, vinculados a organizações e igrejas evangélicas de Mesquita.22 22 Fonte: Plantão de Mesquita (2015). O cartaz que divulga o evento indica o envolvimento da Coordenadoria Municipal de Assuntos Religiosos, um setor da administração municipal, que no ano seguinte organizaria o “II Encontro Interdenominacional das 1.000 Mulheres Evangélicas de Mesquita”.23 23 Em 2017, o mesmo setor promoveu o “1º Colóquio Inter-religioso”.
Mesquita ilustra um processo que ocorre na Baixada Fluminense, região na qual a maioria dos municípios apresenta dados de filiação religiosa que colocam os evangélicos à frente dos católicos (Rocha 2019ROCHA, André Santos da. (2019), “Espaço urbano e religião: sobre a espacialidade evangélica e a dinâmica pentecostal na Baixada Fluminense”. Simpósio Nacional de Geografia Urbana, Vitória.). De acordo com o Censo do IBGE de 2010, 34,1% dessa população era formada por católicos, abaixo dos 37,7% de evangélicos. Há registos de ocorrência de Marchas para Jesus em Mesquita ao menos nos anos de 2014 e 2017. Na inauguração do Monumento à Bíblia, essa presença expressou-se pela inclusão do logo da Sociedade Bíblica do Brasil no cartaz de divulgação, pela participação do Coral Jovens Batistas de Mesquita e do pastor Carlos Renato, presidente da Associação Batista Mesquitense, “que fez uma oração pelas autoridades e por todos os presentes” (Notícias de Mesquita 2015), e na foto do pastor da Igreja do Nazareno de Mesquita publicada nas redes sociais.24 24 Fonte: Igreja do Nazareno de Mesquita (2015). Note-se que nas referências convivem organizações pentecostais e históricas.
Se os dados até aqui expostos traçam um panorama geral da situação, duas outras fontes nos permitirão avançar na sua caracterização. Em 2017, o procurador municipal de Mesquita elaborou um parecer em resposta a uma recomendação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Menezes 2019MENEZES, Igor Silva de. (2019), Parecer 002/2017. Consulta acerca de Recomendação do MP/RJ. Alegada violação à Laicidade. Monumento à Bíblia. Mesquita: Procuradoria Geral.). Baseando-se no princípio da laicidade, a recomendação apontava a necessidade de remoção do Monumento à Bíblia. O procurador contesta o argumento do Ministério Público recorrendo basicamente a dois pontos: a lei de 2001 que serve de base legal ao monumento não foi tempestivamente questionada e não houve emprego de recursos públicos na sua construção, pois ela teria dependido de doação de uma empresa de produções artísticas de Nilópolis.25 25 Essa informação não aparece em qualquer outra fonte. Todas as demais indicações apontam para o financiamento público da construção do monumento.
O parecer vai além, buscando legitimar a existência do monumento: “A Bíblia é um livro sagrado para a maioria absoluta da população do Município de Mesquita, dentre os quais os cristãos de diversas confissões, a exemplo de católicos e evangélicos.” Lembrando que é um trecho do Antigo Testamento que está destacado, indica que “também os judeus foram homenageados” (Menezes 2019MENEZES, Igor Silva de. (2019), Parecer 002/2017. Consulta acerca de Recomendação do MP/RJ. Alegada violação à Laicidade. Monumento à Bíblia. Mesquita: Procuradoria Geral.). E arremata: “Se o monumento representa uma expressão religiosa, seguramente também representa uma expressão cultural. Mais ainda, o livro contém registros históricos importantes” (Menezes 2019). Nota-se aqui uma semelhança com argumentos que encontramos no caso católico, que buscam ampliar o sentido e a “representatividade” de uma referência que outros veriam como estritamente confessional. A diferença é que, no caso de Mesquita, o arco de agentes que suporta socialmente o Monumento à Bíblia é bem mais restrito, o que o impede de ser apresentado, em termos mais categóricos, como objeto cultural e muito menos como atração turística.
O parecer ainda acusa a recomendação do Ministério Público de falta de isonomia, pois desconsidera “duas outras homenagens postas em espaços públicos mesquitenses, a saber: o busto do sambista Dicró e uma escola municipal chamada Ernesto Chê [sic] Guevara” (Menezes 2019MENEZES, Igor Silva de. (2019), Parecer 002/2017. Consulta acerca de Recomendação do MP/RJ. Alegada violação à Laicidade. Monumento à Bíblia. Mesquita: Procuradoria Geral.). Apontando a parcialidade das duas homenagens, o argumento do procurador relativiza inclusive o arrazoado anterior: uma deferência pode ocorrer sem precisar ser “representativa do conjunto da sociedade”. Tal argumento dialoga com um ponto já observado sobre monumentos evangélicos em contraponto aos monumentos católicos (Giumbelli 2019GIUMBELLI, Emerson. (2019), “Religious Tourism and Religious Monuments: the Politics of Religious Diversity in Brazil”. International Journal of Latin American Religions, vol. 3:1-14.). As dimensões e a localização de esculturas bíblicas expressam uma ideia de pluralismo espacial, pois permitem sua convivência com outros monumentos. Na própria Praça Elizabeth Paixão, há o Monumento aos Paraquedistas e um busto não identificado.
No entanto, o princípio do pluralismo espacial precisa ser considerado, no caso de Mesquita, com certos contrapesos. Primeiro, não foram encontrados registros de referências afro-religiosas na cidade. Segundo, as dimensões do Monumento à Bíblia são significativas, conferindo-lhe, como já foi mencionado, destaque visual na paisagem de uma praça central. Terceiro, ele se beneficia de um reconhecimento que foi negado a outras manifestações que percorrem o mesmo espaço. De acordo com Moreira (2018MOREIRA, Giordana. (2018), “Da Passarela do Rock ao Monumento à Bíblia - A estética do incômodo”. Anais do XIV Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura - XIV ENECULT, Salvador.), entre os anos 2001 e 2007, realizava-se na Praça Elizabeth Paixão o Passarela do Rock, “o maior encontro aberto de rock do estado do Rio de Janeiro”. Evangélicos que usavam a passarela que atravessa a via ferroviária diziam-se incomodados com os roqueiros e o evento deixou de ocorrer no local onde foi instalado o monumento religioso. A Bíblia monumentalizada é um marco territorial da expansão evangélica, que se expressa ainda, no caso da Baixada Fluminense, como nota Rocha (2019ROCHA, André Santos da. (2019), “Espaço urbano e religião: sobre a espacialidade evangélica e a dinâmica pentecostal na Baixada Fluminense”. Simpósio Nacional de Geografia Urbana, Vitória.), na mudança do nome de vias públicas, na proliferação de templos e na ocupação de postos políticos.
A segunda fonte a merecer evidência são as manifestações de um pastor em redes sociais, que aconteceram no contexto dos questionamentos levantados pelo Ministério Público. Ele se apresenta como “presidente do Conselho de Pastores de Mesquita” e em abril de 2017 organizou um abaixo-assinado em defesa do Monumento à Bíblia. Dias depois, o pastor Miqueias Campos postou um texto do qual destacamos:
1) Todos sabem que é indiferente a nós cristãos TER ou NÃO o Monumento à Bíblia no Município, isso não muda em nada a nossa fé e relacionamento com Deus. 2) A Bíblia que temos condena a idolatria, por esse motivo, ninguém fica, ou ficou na Praça, cultuando ou adorando o monumento. 3) Nenhuma Igreja pediu para que ele fosse construído, o poder público o fez e tem lei. 4) O pedido é para que CUIDE, acho que é de competência do poder público fazer, custou dinheiro público da sua contribuição, e é patrimônio do município.26 26 Fonte: Conselho de Ministros Evangélicos de Mesquita (2017). A entidade existe pelo menos desde 2013 e denomina-se oficialmente Conselho de Ministros Evangélicos de Mesquita. Em 2015, organizou uma carreata no dia da inauguração do monumento.
As manifestações deixam entrever desacordos entre lideranças evangélicas; afinal, como afirma o autor do texto, “nenhuma igreja pediu” para que o monumento fosse construído, o que reforça, no caso de Mesquita, o protagonismo das autoridades civis. Por outro lado, trata-se de “um símbolo do cristianismo, mais que um símbolo, a bíblia que amamos”, o que justifica o seu cuidado. Esse reconhecimento é temperado pela conhecida iconoclastia protestante, que incide já na forma adotada pela maioria dos monumentos evangélicos: eles precisam materializar a palavra.27 27 Mais minimalistas do que as bíblias monumentalizadas são as esculturas que servem apenas de suporte para versículos bíblicos. Em alguns casos, essas mensagens são afirmações de domínio territorial (essa cidade pertence a Jesus etc). No monumento em Mesquita, o Salmo 91 é basicamente uma mensagem sobre os poderes da proteção divina. O mesmo princípio, como vemos no texto do pastor Campos, busca invalidar o monumento como objeto e mesmo como local de culto. De fato, até onde nossa busca alcançou, não encontramos registros de outros eventos junto ao monumento além daquele que marcou a sua inauguração.
Parece que as preces do pastor foram atendidas. Ainda em 2017, um projeto foi apresentado na Câmara de Vereadores de Mesquita visando “o tombamento da Bíblia construída na Praça Elizabeth Paixão”.28 28 Projeto de Lei nº 109/17, de autoria do Vereador Marcelo Santos Rosa (Biriba), sem registro de aprovação. Cf. o site da Câmara Municipal de Mesquita: https://www.mesquita.rj.leg.br/. Entre 2019 e 2020, ocorreram obras de reforma na praça e o Monumento à Bíblia beneficiou-se de trabalhos de restauração. Na versão original, a escultura ficava sobre um gramado (ou algo que o simulava), adornada por pombas brancas, “simbolizando a paz”. Os pássaros foram dispensados, assim como a discreta cerca que protegia o monumento; agora as pessoas podem sentar nos dois degraus que formam seu pedestal. Em agosto de 2020, noticiou-se que pela segunda vez após a restauração o monumento aparecia depredado, como se uma de suas páginas tivesse sido arrancada.29 29 Fonte: S.O.S Mesquita (2020). Expressão material de uma devoção iconoclasta, o Monumento à Bíblia de Mesquita dependerá de mais recursos públicos para constantes restaurações.
A Iemanjá de São Luís
Na capital maranhense cujo nome homenageia um rei francês canonizado pela Igreja Católica, na qual 21% de sua população de pouco mais de um milhão de pessoas é constituída por evangélicos, as religiões de matriz africana ocupam um lugar de relevância. Como em todos os lugares no Brasil onde tais religiões estão presentes, o quadro ganha cores locais. Se desde já focamos na personagem que abordaremos adiante, podemos dizer que ela é compartilhada por diversas vertentes. Em São Luís, as tradições de origem jeje-nagô são cultivadas em diversas “casas” com suas “famílias”, configurando o conjunto designado como Tambor de Mina, no qual voduns dividem lugar com orixás como Iemanjá. Como parte da paisagem nortista brasileira, a metrópole maranhense participa do complexo das encantarias. Nesse caso, Iemanjá relaciona-se com seres que se tornaram espirituais sem terem morrido, muitos a povoar os ambientes aquáticos (Mãe d’Água, botos, cobras, sereias, marinheiros etc.). Enfim, Iemanjá faz presença no comando de entidades que caracterizam a umbanda, como ocorre em outros lugares do país.30 30 Para caracterizações da religiosidade no Maranhão, ver Maués (1977); Ferretti (2000, 2008); Ferreira (2008); Ferreti (2013) e Ahlert & Lima (2019). O dado sobre os evangélicos é do Censo IBGE 2010.
Desde 2021, uma imagem de Iemanjá pode ser vista e visitada ao final de uma avenida que costeia a praia marítima conhecida como Olho d’Água.31 31 Em São Luís, há uma segunda escultura de Iemanjá. Situa-se no Porto do Itaqui, desde sua construção, em uma área restrita ao público. Apenas funcionários ou a tripulação de algum navio cargueiro têm a oportunidade de apreciar a imagem, com exceção dos dias em que religiosos coletivamente fazem um ritual. Justifica-se existência da imagem pela territorialidade da encantaria, que abrange a zona tomada pelo porto. A estátua foi colocada naquele ponto em decorrência de obras executadas desde 2018 pelo Governo do Maranhão, por meio da Agência Estadual de Mobilidade Urbana e Serviços Públicos (MOB), que prolongaram a Avenida Governador Edison Lobão, mais conhecida como Litorânea. Vencendo embargos que alegaram impactos ambientais, essa obra de pavimentação e alargamento de via pública busca melhorar a mobilidade urbana e aumentar o apelo comercial e turístico da região. Localizada ao final do trecho costeiro da avenida, entre a areia e rodovia, a Praça de Iemanjá tem, além da estátua de quase 3 metros posicionada sobre um pedestal de tijolos com cerca de 1 metro, algumas mesas de concreto e cadeiras, em meio a pequenos canteiros. Compõem ainda a pequena praça três quiosques que vendem coco e outros artigos de consumo praiano. Há uma rampa para a areia, que também dá acesso ao playground que é parte da área de um restaurante (Fig. 5).
O artista que esculpiu a estátua de Iemanjá é Eduardo Sereno. Obras suas estão espalhadas em vários locais de São Luís, sendo recorrente a temática religiosa.32 32 Sereno é autor de representações de poetas, escritores, políticos e santos, entre as quais figuram referências consagradas e outras que a história oficial insiste em invisibilizar. De sua autoria é o busto de Maria Firmina dos Reis (a primeira escritora negra maranhense) e de outros ícones da cultura negra. Ele concedeu uma entrevista à pesquisa em 28/06/2022. Sereno já produziu outras imagens dedicadas aos terreiros afro-brasileiros, como o busto de Pai Euclides e trabalhos para a casa Fanti-Ashanti. Segundo o artista, para a Iemanjá da Praia de Olho d’Água, suas feições deveriam seguir as características físicas do povo maranhense, marcadamente negro e indígena. Ele conta que, para o rosto da escultura, serviu-se de uma jovem que visitava o local aproximado da praça durante as obras e que aceitou posar para o trabalho. No restante do corpo da estátua, Sereno adotou as convenções estabelecidas na representação de Iemanjá: cabelos longos, cabeça coroada, brincos nas orelhas, colar no pescoço, seios fartos, mãos estendidas, as pernas sugerindo algum movimento. O longo vestido foi pintado de azul. Aos pés, foram adicionadas quatro conchas.33 33 Segundo o artista, a escultura é composta por poliuretano expansor e pedra de zirconita, com estrutura em bastão de inox. Sua aparência externa é semelhante à de imagens em gesso ou concreto.
Estátuas de Iemanjá existem em muitos lugares no Brasil, especialmente em cidades litorâneas, por conta da associação do orixá-entidade com as águas marítimas. A imagem que se disseminou a partir do final da primeira metade do século XX retrata uma mulher branca, com traços que dialogam (em semelhanças e diferenças) com representações marianas. Mais recentemente, versões africanizadas propõem-se como alternativas, escurecendo a pele ou mesmo mudando toda a parte de vestimentas e adereços (Salomão 2012SALOMÃO, Suzana. (2012), Deusa, Sereia, Rainha do Mar: representações artísticas de Iemanjá. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado em Arte e Cultura Contemporânea, UERJ.). Em geral, esculturas públicas de Iemanjá servem de referência para locais onde ocorrem eventos em ocasiões especiais, de acordo com calendários rituais que não são unificados e que interagem com datas católicas (Frigerio 2021FRIGERIO, Alejandro. (2021), “Iemanjá: casi una Virgen (africana) del Mar”. In: D. Mauro (coord.). Devociones marianas. Catolicismos locales y globales en la Argentina. Desde el siglo XIX a la actualidad. Rosario: Prohistoria Ediciones:243-259.; Anjos 2021ANJOS, Jean dos. (2021), Imaterialidades - Festa de Iemanjá de Fortaleza. Fortaleza: Prefeitura de Fortaleza/IPHAN.; Bahia 2023BAHIA, Joana. (2023), O Rio de Iemanjá: um olhar sobre a cidade e a devoção. Rio de Janeiro: Telha.). Outro ponto recorrente na vida dessas esculturas é o de sofrerem ataques e agressões que as descaracterizam, mutilam ou desfiguram (Alves 2023ALVES, Fillipe. (2023), Racismo religioso e as imagens que (não) queremos na cidade. Nexo, 28 mar. 2023. Disponível em: Disponível em: https://pp.nexojornal.com.br/opiniao/2023/Racismo-religioso-e-as-imagens-que-n%C3%A3o-queremos-na-cidade . Acesso em 08/11/2023.
https://pp.nexojornal.com.br/opiniao/202...
) - algo que, como notaremos, já vitimizou a Iemanjá de Olho d’Água.
Um breve relato dos eventos nessa praia de São Luís vai nos levar à história pregressa à imagem atual de Iemanjá - pois ela não é a primeira a se encontrar ali.34 34 Para a elaboração deste trabalho, além de observações no local em 2022 e 2023, foram realizadas entrevistas com Mãe Nonata de Oxum e Pai Paulo de Aruanda (22/07/2022), que serão mencionados na sequência. No dia 31 dezembro, na Praia de Olho d’Água, nas primeiras horas do dia, iniciam as instalações de barracas das caravanas de centenas de terreiros dos mais diversos lugares do estado. Práticas rituais duram todo o dia, com banhos, oferendas e toques de tambor, varando a madrugada. Há informações da existência dessa festa desde a década de 1930, o que permite associar a praia a um grande potencial de “encante” entre os povos de terreiro. Já no dia 2 de fevereiro, acontecem rituais e obrigações em homenagem à Iemanjá. Em geral, no caso dos terreiros da grande São Luís, a visita à praia ocorre como parte da finalização da festa que se inicia em suas dependências e têm seu desfecho com oferendas e banhos de mar. Os festejos de final de ano têm sido promovidos nas últimas décadas pela Federação de Umbanda e Cultos Afro-brasileiros do Maranhão. Nos eventos de fevereiro, um dos protagonistas é o Terreiro Nossa Senhora da Vitória.
Lideranças da Federação de Umbanda e Cultos Afro-brasileiros do Maranhão e do Terreiro Nossa Senhora da Vitória acompanharam os arranjos relacionados às obras de extensão da Avenida Litorânea que incluíram a Praça de Iemanjá. Do lado dos poderes públicos, além da MOB, estiveram envolvidos setores ligados a políticas de Cultura e de Direitos Humanos. O contato com Mãe Nonata da Oxum e Pai Paulo de Aruanda, ligados ao Terreiro Nossa Senhora da Vitória e à defesa dos direitos de religiosos afro-brasileiros, foi fundamental para termos acesso a outras dimensões da construção da atual Praça de Iemanjá.35 35 Mãe Nonata integra o Fórum Estadual de Mulheres de Axé do Maranhão e a coordenação da Rede Nacional das Religiões Afro-brasileiras e Saúde (RENAFRO), ao passo que Pai Paulo coordena o Fórum Estadual de Homens de Axé do Maranhão. Além destes, destacamos os nomes do vereador Astro de Ogum e de Biné Gomes, do Terreiro de Iemanjá, ambos ligados à Federação de Umbanda e Cultos Afro-brasileiros do Maranhão. Veremos que essas lideranças afro-religiosas, embora tenham participado das negociações que abrangeram outras lideranças e poderes públicos, apontam problemas e limitações na configuração assumida pela praça.
Como anunciamos, já havia, junto à Praia do Olho d´Água, uma praça tomada por uma imagem de Iemanjá. A praça ficava em um ponto que seria parte do traçado da nova avenida. Sabendo da ameaça, Mãe Nonata e Pai Paulo iniciaram uma mobilização para manter no lugar a imagem de Iemanjá. A história dessa imagem é interessante (Fig. 6). Ela substitui uma anterior, instalada nos anos 1970, de autoria de um ex-frade capuchinho, que tem outras esculturas públicas na cidade de São Luís.36 36 Luigi Dovera chegou no Brasil em 1945 e faleceu em 1994. Casou-se com uma maranhense e trabalhou como arquiteto e escultor. É autor da Sereia da Ponta d’Areia, inaugurada em 1983, da qual hoje só restam algumas partes. Um registro fotográfico mostra a estátua sem pintura, uma representação convencional de Iemanjá. Em algum momento, essa imagem foi substituída por outra,37 37 Atribuída a Jean Marieu Lecornu, padre francês radicado no Maranhão desde os anos 1970, onde ficou conhecido como João de Fátima. bem semelhante, em torno da qual foi colocada uma proteção gradeada. Uma fotografia de 2012 mostra a imagem deitada, bastante danificada, fora de seu pequeno pedestal.38 38 Para visualizar a fotografia, ver Blog do Bóis (2012). Paulo de Aruanda conta que em 2018 a mesma imagem foi encontrada enterrada na areia. Junto com outras pessoas do seu terreiro, ele recolocou a estátua no pedestal. Nas vésperas da festa de 2019, as mesmas pessoas promoveram uma restauração, providenciando nova pintura, mas sem devolver as mãos que já estavam ausentes.
As três imagens de Iemanjá na Praia de Olho d’Água. À esquerda, a imagem original, instalada na praça ainda nos anos 1970 (São Luís Memória 2022SÃO LUÍS MEMÓRIA. (2022), “A estátua de Iemanjá, Praia do Olho D'Água, 1979”. Facebook: slzmemoria, 3 nov. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.facebook.com/photo/?fbid=493179526186164&set=a.460723962765054 . Acesso em 30/11/2023
https://www.facebook.com/photo/?fbid=493... ); Ao centro, em dois momentos (antes e depois da restauração), a segunda Iemanjá instalada na praça (Cunha 2019CUNHA, Patrícia. (2019), “Religiosos pedem apoio para Praça de Iemanjá na Praia do Olho D’água”. O Imparcial, 02 fev. 2019. Disponível em: Disponível em: https://oimparcial.com.br/entretenimento-e-cultura/2019/02/religiosos-pedem-apoio-para-praca-de-iemanja-na-praia-do-olho-dagua/ . Acesso em 31/01/2023.
https://oimparcial.com.br/entretenimento... ); À direita, escultura em versão atual
Os poderes públicos concordaram com a preservação da Praça de Iemanjá, ficando pendente a definição do novo lugar, uma vez que o traçado da avenida foi mantido. A estátua inclusive seria a mesma, mas Pai Paulo e Mãe Nonata contam que ela foi destruída quando as máquinas tentaram removê-la de seu lugar. Segundo informações de comerciantes da área, ela ficou por um longo tempo encostada em um muro, até chegar numa condição em que virou entulho da própria obra. Diante dessa situação é que ocorre o contato com Eduardo Sereno para a escultura de uma nova imagem. A escultura, contudo, estava projetada para um espaço bem diferente do que veio a ocupar. Em 2020, o projeto foi apresentado a Pai Paulo e Mãe Nonata: a praça seria uma área ampla, de frente para a orla, separada da praia pela avenida. A imagem de Iemanjá ficaria em ponto privilegiado, rodeada por palmeiras.39 39 Uma imagem do projeto pode ser vista na página do Facebook Direitos Humanos Maranhão (2020). Por razões que nossos interlocutores não sabem explicar, tal projeto não foi executado. Quando a avenida foi oficialmente inaugurada em março de 2022, a obra de Sereno já havia sido instalada no lugar em que figura atualmente, acima descrito.
Mãe Nonata e Pai Paulo apresentam várias críticas à atual configuração da Praça de Iemanjá. A expectativa deles é que ainda haja um lugar mais amplo para acolher a pequena multidão (estimada em cinco mil pessoas) que acorre aos festejos na virada do ano e no 2 de fevereiro. Eles reivindicam uma área coberta, com uma infraestrutura de banheiros, cozinha e estacionamentos para ônibus das caravanas. Acham que, do jeito que está, a praça confere visibilidade à Iemanjá e atende a necessidade de devotos individuais e de apreciadores do lugar. Mas veem limitações, tanto que não se ocuparam até agora de um evento de inauguração. As condições de instalação da imagem não permitiram o seu assentamento ritual.40 40 O assentamento é um procedimento imprescindível à vinculação de um orixá às dependências de um terreiro e aos seus devotos, envolvendo oferendas de vários tipos (Rabelo 2015). Mas é comum que ocorra também no caso de imagens públicas (ver a análise de uma situação no Pará em Veras 2022:97-108). Mãe Nonata disse não ter certeza se a imagem anterior à atual na Praia de Olho d’Água recebeu assentamento. Entre os problemas, destacam um emissor de águas pluviais que passa por baixo da praça, recebendo também o esgoto de ligações clandestinas. Na visão dos religiosos, é um desrespeito a Iemanjá, que contempla um mar alimentado por águas poluídas.
Observações e registros junto à nova imagem demonstram que oferendas têm sido colocadas sobre e junto ao pedestal. Ou seja, apesar dos lamentos das lideranças religiosas, Iemanjá consegue mobilizar devoções. A composição e as práticas que caracterizam essas oferendas incidem de maneira específica sobre o objeto que as suporta. Flores, comidas e outras substâncias, além de velas acesas, marcam o pedestal e a barra do vestido de Iemanjá, concorrendo com registros de algumas pichações. A degradação da estátua pode ser indício tanto de ataques quanto de sua vitalidade, conjunção que não se verifica nos dois casos anteriores.41 41 Após submissão deste artigo à Religião & Sociedade, a imagem de Iemanjá da Praia de Olho d’Água sofreu um grave ataque de autoria não identificada em 23/07/2023, que afetou a estrutura da estátua e arrancou toda a sua face. Lideranças afro-religiosas, entre elas Mãe Nonata e Pai Paulo, demonstraram sua indignação em manifestações realizadas na própria praça e nas redes sociais, denunciando o ataque como um caso de racismo religioso. Ver, por exemplo, G1 MA (2023). Em novembro de 2023, enquanto redigimos a versão final deste texto, a estátua encontra-se em processo de restauração sob os cuidados do escultor Eduardo Sereno, com recursos públicos. Autoridades anunciaram que o pedestal será aumentado (ficará com pouco mais de 2 metros) para receber a imagem restaurada (Sereno 2023). Os atos que correspondem a essas oferendas são uma espécie de microcosmos do que ocorre durante os festejos multitudinários, quando as esculturas públicas de Iemanjá recebem presentes abundantes, envoltos em perfumes e brindados com espumante.
Monumentos em (des)construção
Os três monumentos analisados neste texto mantêm uma semelhança se os consideramos em relação ao tipo ideal delineado anteriormente: representações figurativas, colocadas sobre pedestais, feitas com materiais que não pretendem ser temporários. Revestem-se desses atributos mesmo com sua construção recente, demonstrando que as formas típicas dos monumentos continuam vigentes. Por outro lado, as cidades nas quais estão inseridos são distintas, assim como o lugar onde se situam nessas cidades: Encantado é um pequeno município do interior gaúcho, com seu Cristo no alto de um morro nas redondezas; Mesquita faz parte das margens da metrópole carioca, tendo a Bíblia em uma de suas praças centrais; São Luís é uma capital norte-nordestina, estando a Iemanjá na via que acompanha uma de suas várias praias. Em vez dessas diferenças contestarem a reunião desses casos em um único estudo, elas nos obrigam a discuti-las com base nos dois pontos que caracterizam nossa abordagem.
Comecemos pelas paisagens e pelas condições materiais dos três monumentos. Há um enorme contraste entre o Cristo Protetor e a Iemanjá da Praia do Olho d’Água. O Cristo desfruta de um privilégio visual e se pretende intangível. A Iemanjá compartilha condições de outras tantas esculturas públicas da capital maranhense. A altura de seu pedestal permite que o vestido seja tocado, a ponto de não sabermos se as marcas nele são o resultado de ataques ou de devoções. Quanto à Bíblia de Mesquita, se por um lado ela está pouco protegida (ficando à mercê de ataques), por outro ela ocupa um espaço destacado na cidade e na praça que a abrigam. Os casos confirmam o favorecimento de que se beneficiam os objetos cristãos no espaço público brasileiro. Esse favorecimento é reforçado pelo fato de que nem Encantado nem Mesquita ostentam objetos que representem outras religiões, ao passo que São Luís tem sua Praça da Bíblia e abunda de referências católicas, a começar pelo nome da cidade.42 42 Há exceções representadas por casos em que referências afro-religiosas ocupam um espaço destacado. A principal delas é a situação de Salvador. Ver, entre outros, Goes (2019).
Seremos um pouco mais detalhados ao caracterizar os três casos com base nas interações que os mantêm. Ao considerar essas interações, nosso foco é a existência e a natureza das devoções que ocorrem, ou não, junto aos monumentos. Desse ponto de vista, o Cristo Protetor chama a atenção por não se apresentar como um objeto religioso. Propõe-se como atrativo turístico, sem que a Igreja Católica, por meio de representantes oficialmente constituídos, tenha participado de sua proposta. Por outro lado, como vimos, desde o início da construção, missas e outros eventos católicos têm sido realizados junto ou com destino ao monumento. Embora a capela projetada tenha características que permitem a acomodação de outras igrejas cristãs (mas só delas), por ora é apenas a Igreja Católica que tem abraçado o local. Notemos ainda que, mesmo quando se queira apresentá-lo como mais do que religioso, a estátua retrata Jesus Cristo, sendo mais um exemplo entre os muitos casos que seguem o modelo estabelecido pelo Cristo Redentor, o qual, não devemos esquecer, foi proposto e construído como monumento católico (Pereira, Giumbelli e Toniol, 2023PEREIRA, Edilson Sandro; GIUMBELLI, Emerson & TONIOL, Rodrigo. (2023), Uma encruzilhada modernista: Victor Brecheret, Mário de Andrade e o Cristo Redentor. Porto Alegre: Zouk.).
O caso de Mesquita ilustra situação bem diferente. Os evangélicos que publicamente demonstraram seu apreço pelo monumento à Bíblia recusam que o objeto seja concebido como o foco de um culto. Um estudo mais aprofundado poderá confirmar se realmente não ocorrem reuniões e orações junto ao monumento, além do evento que marcou a sua inauguração. De todo modo, isso não torna menos relevante a postura que destacamos, diretamente derivada da crítica protestante à idolatria. Ou seja, não seria um problema fazer uma reunião religiosa em uma praça; a questão é fazê-la diante de uma escultura, mesmo que esta represente a Bíblia. Sendo assim, o monumento tem seu sentido definido sobretudo como ocupação do espaço público por uma religião que se tornou a mais importante nas afiliações declaradas pela população dessa cidade da Baixada Fluminense. Não é irrelevante que essa ocupação tenha sido não só permitida, como também financiada pela administração municipal, embora - algo que também será preciso entender melhor - essa chancela possa ter criado divergências na comunidade evangélica.
O apoio do poder público também ocorre no caso da Iemanjá do Olho d’Água e não encontramos contestações a isso, em nome da laicidade ou de outros critérios. O fato de haver uma praça anterior com uma imagem não pode ser ignorado, o que justificou a mobilização de algumas lideranças religiosas pela manutenção do objeto ameaçado na nova avenida. Lembremos que a participação dos poderes públicos não está ausente nem mesmo no caso de Encantado, embora seja menos direta. O que distingue a situação de São Luís é o fato de a Iemanjá ter sido concebida para ser cultuada. Não consta nenhuma proibição ao depósito de objetos, que na lógica devocional correspondem a oferendas. Ao mesmo tempo, vimos como as lideranças afro-religiosas envolvidas no acompanhamento da obra lamentam as ações tomadas pela administração pública, que não seguiram os projetos acordados. O que existe, do ponto de vista dessas lideranças, é uma escultura “turística”. Se o ritual de assentamento tivesse sido realizado, a imagem de Iemanjá poderia ser considerada um prolongamento dos objetos constituídos nos terreiros. No entanto, o afastamento dos sacerdotes afro-religiosos pelos poderes públicos não permitiu isso até agora. A situação, contudo, não impede que Iemanjá receba devoções, sendo este o modo pelo qual se afirma a presença daquilo que a imagem representa no regime de realidade amparado pelas religiões de matriz africana.
Reiteramos que as pesquisas em que se baseiam os casos aqui apresentados são exploratórias, no entanto, elas nos parecem suficientes para sustentar as análises elaboradas nas seções anteriores e nestas considerações finais. Atentar para as paisagens e as condições materiais de uma escultura pública, assim como para as interações em que, em sentido amplo, se apoiam, mostra que qualquer monumento, mesmo quando se apresenta como consumado, está sempre em construção. Isso também significa estar sempre em desconstrução, seja porque os discursos que se atrelam a esses monumentos podem ser abordados como parte de uma controvérsia inacabada (Giumbelli 2018GIUMBELLI,Emerson. (2018), “Public spaces and religion: an idea to debate, a monument to analyze”. Horizontes Antropológicos, vol. 24:279-309.), seja porque sua materialidade, como mostrou Sansi (2005), está perenemente em risco.
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1
Os autores agradecem aos pareceristas anônimos da revista por suas críticas e sugestões. Agradecem também as pessoas entrevistadas. Uma versão deste texto foi discutida em sessão da disciplina “Religião e Sociedade”, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS, em 2023/2. Para Giumbelli, este texto é resultado do projeto “Materialidades Religiosas”, Bolsa de Produtividade do CNPq; para Lima, é resultado do projeto “Territórios Sagrados, Patrimônio e Meio Ambiente: a memórias das religiões afro-maranhenses em cena” e de sua inserção em FATUMBI: Núcleo de Performance, Memória e Religiosidades.
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Deve-se dar destaque a mobilizações relacionadas ao Black Lives Matter em 2020 (Abraham 2021ABRAHAM, Christiana. (2021), “Toppled Monuments and Black Lives Matter: Race, Gender, and Decolonization in the Public Space. An Interview with Charmaine A. Nelson”. Atlantis, vol. 42 nº 1:1-17.), embora debates e ações sejam mais antigos (Levinson 1998LEVINSON, Sanford. (1998), Written in stone: public monuments in changing society. Durham: Duke University Press.). Para repercussões e episódios no Brasil, ver, por exemplo, Lorenzoni e Gomes (2021LORENZONI, Lara F. & GOMES, Raoni V. (2021), “Destruindo estátuas: o incêndio no Monumento a Borba Gato e a relevância da memória pelo olhar dos oprimidos”. Revista Brasileira de História do Direito, vol. 7, nº 2:40-59.).
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3
Procuramos por situações relacionadas a catolicismo, protestantismo e religiões afro-brasileiras. Os casos no Rio Grande do Sul e no Maranhão foram escolhidos pela possibilidade de observação direta; o caso do Rio de Janeiro foi incluído pela sua relação com outros indicadores de forte presença evangélica na região. Em todos os casos, buscamos nos assegurar sobre a existência de uma diversidade de fontes documentais.
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4
Para apresentações e discussões sobre esse monumento, nenhuma das quais na direção tomada por este artigo, ver Young (1992), Stubblefield (2011STUBBLEFIELD, Thomas. (2011), “Do disappearing monuments simply disappear? The Counter-Monument in revision”. Future Anterior, vol. 8, nº 2:1-11.), Giumbelli (2018) e Pereira (2021).
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5
Fonte das informações: Site da Prefeitura Encantado (s.d.PREFEITURA DE ENCANTADO. (s.d.), História do município. Disponível em: Disponível em: https://encantado.rs.gov.br/pagina/id/2/?historia-do-municipio.html . Acesso em: 31/01/2023
https://encantado.rs.gov.br/pagina/id/2/... ). -
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O monumento tem um site oficial e redes sociais, de onde foram retiradas várias informações. Ao lado de matérias jornalísticas, outra fonte é o livro de Souza (2022SOUZA, Artur Lopes de. (2022), Construindo o Cristo Protetor, diário de obras do maior Cristo do mundo. Encantado: edição do autor.), o encarregado principal das obras. Uma visita para observações realizada no dia 07/01/2023 forneceu a maior parte dos dados.
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Abril de 2021 foi um marco na história do projeto, pois sua divulgação passou a alcançar um público nacional (por exemplo, Santiago 2021SANTIAGO, Abinoan. (2021), “Estátua de Cristo no RS supera a do RJ e vira a maior do Brasil”. Uol, 08 abr. 2021. Disponível em: Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2021/04/08/obra-estatua-cristo-protetor-encantado.htm . Acesso em: 31/01/2023.
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ul... ) e mesmo internacional (Guy et al 2021GUY, Jack; COTOVIO, Vasco & PEDROSO, Rodrigo. (2021), “Brazil is building a new statue of Jesus -- and it's going to be bigger than Rio's”. CNN, 12 abr. 2021. Disponível em: Disponível em: https://edition.cnn.com/travel/article/brazil-christ-statue-encantado-scli-intl/index.html . Acesso em: 31/01/2023.
https://edition.cnn.com/travel/article/b... ). -
8
Ver a seção de notícias do site https://cristoencantado.com.br/CRISTO PROTETOR. (s.d.), Disponível em: Disponível em: https://cristoencantado.com.br/ . Acesso em: 31/01/2023
https://cristoencantado.com.br/... e a página no Facebook: https://www.facebook.com/cristoencantado/CRISTO ENCANTADO. (s.d.), Facebook. Disponível em: Disponível em: https://www.facebook.com/cristoencantado/ . Acesso em: 31/01/2023.
https://www.facebook.com/cristoencantado... . Uma música oficial foi lançada em 2021, com participação de uma famosa dupla sertaneja, disponível no Youtube em: https://www.youtube.com/watch?v=QrBPu8xxlW4. Acesso em: 31/01/2023 -
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Fonte: Prefeitura de Encantado (2022PREFEITURA DE ENCANTADO. (2022), ENCANTADO FICO EU! Turismo Religioso. 28 abr. 2022. Disponível em: Disponível em: https://encantado.rs.gov.br/video/id/1248/?encantado-fico-eu-turismo-religioso.html . Acesso em: 31/01/2023
https://encantado.rs.gov.br/video/id/124... ). -
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Fonte: Independente (2022INDEPENDENTE. (2022), “Conheça o projeto do “Jardim do Acolhimento”, no entorno do Cristo Protetor de Encantado”. Independente, 26 mai. 2022. Disponível em: Disponível em: https://independente.com.br/conheca-o-projeto-do-jardim-do-acolhimento-no-entorno-do-cristo-protetor-de-encantado/ . Acesso em: 31/01/2023.
https://independente.com.br/conheca-o-pr... ). Ver também Costa (2022). -
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PL 054/2022, de autoria do executivo municipal, cria Jardim do Acolhimento do Cristo Protetor e autoriza despesas necessárias, aprovado por unanimidade em 25/07/22. Esse projeto de lei trata também de outras questões que envolvem a gestão fundiária do espaço onde está instalado o Cristo Protetor. O Morro das Antenas foi escolhido pelo fato de pessoas envolvidas na ideia da construção de um monumento em Encantado serem as proprietárias de terrenos lá localizados. Uma análise mais acurada da situação poderá apontar se esses terrenos foram doados à Associação Amigos de Cristo ou à Prefeitura de Encantado.
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12
Fonte: Facebook: Cristo EncantadoCRISTO ENCANTADO. (s.d.), Facebook. Disponível em: Disponível em: https://www.facebook.com/cristoencantado/ . Acesso em: 31/01/2023.
https://www.facebook.com/cristoencantado... . -
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Fonte: Faleiro (2021FALEIRO, Bibiana (2021), “Quando a estátua era apenas uma ideia”. A Hora, 13 jun. 2021. Disponível em: Disponível em: https://grupoahora.net.br/conteudos/2021/06/13/quando-a-estatua-era-apenas-uma-ideia/ Acesso em: 31/01/2023
https://grupoahora.net.br/conteudos/2021... ). -
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Templos evangélicos, em quantidade significativa, podem ser vistos nas ruas de Encantado. Segundo dados do IBGE, em 2010, 13,3% da população era composta de evangélicos. Existe um Conselho de Pastores de Encantado, que organiza Marchas para Jesus na cidade. A terceira delas ocorreu em 2021. Não encontramos, por parte dessa entidade, menções ao Cristo Protetor. Em 2017, uma lei incluiu no calendário oficial do Município de Encantado o "Dia da Bíblia".
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Em notícia divulgada em março de 2023, depois que uma primeira versão deste texto já estava redigida, alguns detalhes do projeto para o entorno imediato do monumento foram expostos. Nele, as referências bíblico-cristãs são reforçadas: haverá uma Fonte dos Apóstolos e um Caminho dos Salmos, além da capela em que se destaca uma cruz estilizada. Ver Souza (2023SOUZA, Jonathan Nunes de. (2023), “Complexo do Cristo Protetor de Encantado é apresentado à comunidade”. Cristo Protetor, 23 mar. 2023. Disponível em: Disponível em: https://cristoencantado.com.br/complexo-do-cristo-protetor-de-encantado-e-apresentado-a-comunidade/ . Acesso em 15/05/2023
https://cristoencantado.com.br/complexo-... ). -
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A frase pode ser encontrada na página do monumento no Facebook em post datado de 14/11/2019, e, com variações, reaparece em outras manifestações, incluindo as visitas guiadas.
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Usamos como principal fonte dessas informações o verbete da Wikipédia sobre o município. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Mesquita_(Rio_de_Janeiro)WIKIPÉDIA. (s.d.), Mesquita (Rio de Janeiro ). Disponível em: Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Mesquita_(Rio_de_Janeiro) . Acesso em: 31/01/2023.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Mesquita_(... . Acesso em: 31/01/2023. -
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Construímos o quadro que caracteriza o Monumento à Bíblia de Mesquita com a ajuda de várias fontes, que incluem textos de naturezas distintas referidos adiante e material disponível em sites e Facebook. Consideramos todas as ocorrências relevantes encontradas em sites de busca na internet. A autoria dos registros é variada e corresponde ao conjunto diverso de atores sociais em interação com o monumento, além de trabalhos acadêmicos.
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Nossa Senhora das Graças é a padroeira de Mesquita e seu templo é um dos ícones da cidade.
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Para os textos das leis, ver o site da Câmara Municipal de Mesquita (https://www.mesquita.rj.leg.br/). Não foi possível obter acesso à justificativa dos projetos de lei. O autor de ambos é Ricardo Fried, médico que foi vereador por quatro vezes, eleito em 2000, 2004, 2008 e 2012. No pleito de 2016, ficou como suplente. Em 2001, Fried pertencia ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Há registros de visitas a igrejas evangélicas em sua campanha de 2016, mas não de seu pertencimento confessional.
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Fonte: Notícias de Mesquita (2015NOTÍCIAS DE MESQUITA. (2015), “Mesquita inaugura monumento religioso”. Notícias de Mesquita, 14 dez. 2015.https://www.noticiasdemesquita.com/2015/12/mesquita-inaugura-monumento-religioso.html. Acesso em 31/01/2023
https://www.noticiasdemesquita.com/2015/... ). -
22
Fonte: Plantão de Mesquita (2015PLANTÃO MESQUISA. (2015), “Veja fotos que marcaram a reinauguração da Praça Sec. Elizabeth Paixão”, Plantão Mesquita, 13 dez. 2015. Disponível em: Disponível em: https://plantaomesquita.blogspot.com/2015/12/veja-fotos-que-marcaram-reinauguracao.html . Acesso: 31/01/2023.
https://plantaomesquita.blogspot.com/201... ). -
23
Em 2017, o mesmo setor promoveu o “1º Colóquio Inter-religioso”.
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24
Fonte: Igreja do Nazareno de Mesquita (2015IGREJA DO NAZARENO DE MESQUITA. (2015). “Salmos 119 - 11. [...]”. Facebook: igrejadonazarenodemesquita, 12 dez. 2015. Disponível em: Disponível em: https://m.facebook.com/igrejadonazarenodemesquita/photos/salmos-119-11-escondi-a-tua-palavra-no-meu-cora%C3%A7%C3%A3o-para-n%C3%A3o-pecar-contra-ti-13-d/1654721874805285/ . Acesso em: 29/12/2023.
https://m.facebook.com/igrejadonazarenod... ). -
25
Essa informação não aparece em qualquer outra fonte. Todas as demais indicações apontam para o financiamento público da construção do monumento.
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Fonte: Conselho de Ministros Evangélicos de Mesquita (2017CONSELHO DE MINISTROS EVANGÉLICOS DE MESQUITA. (2017), “Manifesto”. Facebook: conselhodepastoresdemesquita, 4 mai. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.facebook.com/page/1059120304152760/search/?q=monumento . Acesso em: 31/01/2013
https://www.facebook.com/page/1059120304... ). A entidade existe pelo menos desde 2013 e denomina-se oficialmente Conselho de Ministros Evangélicos de Mesquita. Em 2015, organizou uma carreata no dia da inauguração do monumento. -
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Mais minimalistas do que as bíblias monumentalizadas são as esculturas que servem apenas de suporte para versículos bíblicos. Em alguns casos, essas mensagens são afirmações de domínio territorial (essa cidade pertence a Jesus etc). No monumento em Mesquita, o Salmo 91 é basicamente uma mensagem sobre os poderes da proteção divina.
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Projeto de Lei nº 109/17, de autoria do Vereador Marcelo Santos Rosa (Biriba), sem registro de aprovação. Cf. o site da Câmara Municipal de Mesquita: https://www.mesquita.rj.leg.br/.
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29
Fonte: S.O.S Mesquita (2020S.O.S MESQUITA (2020), “O monumento da Bíblia na Praça Elizabeth Paixão amanheceu depredado”. Facebook: sosmesquita, 24 ago. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.facebook.com/1380433478924811/posts/1953579614943525/ . Acesso em: 31/01/2023.
https://www.facebook.com/138043347892481... ). -
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Para caracterizações da religiosidade no Maranhão, ver Maués (1977MAUÉS, Raimundo Heraldo. (1977), A Ilha Encantada: Medicina e xamanismo numa comunidade de pescadores. Brasília: Dissertação de Mestrado em Antropologia, UNB.); Ferretti (2000FERRETTI, Mundicarmo. (2000), Maranhão Encantado. Encantaria maranhense e outras histórias. São Luís: UEMA., 2008FERRETTI, Mundicarmo. (2008), “Lugares Sagrados e Encantarias Maranhense”. Boletim da Comissão Maranhenses de Folclore, nº 40.); Ferreira (2008FERREIRA, Euclides M. (2008), Jubileu de ouro casa Fanti-Ashanti São Luís-MA: depoimento dos omorixás.); Ferreti (2013FERRETTI, Sergio. (2013), “Encantaria maranhense de Dom Sebastião”. Revista Lusófona de Estudos Culturais, vol. 1, nº1:262-285.) e Ahlert & Lima (2019AHLERT, Martina & LIMA Conceição de Maria Teixeira . (2019), “‘A família de Légua está toda na eira’: tramas entre pessoas e encantados”. Etnográfica, vol. 23, nº 2.). O dado sobre os evangélicos é do Censo IBGE 2010.
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Em São Luís, há uma segunda escultura de Iemanjá. Situa-se no Porto do Itaqui, desde sua construção, em uma área restrita ao público. Apenas funcionários ou a tripulação de algum navio cargueiro têm a oportunidade de apreciar a imagem, com exceção dos dias em que religiosos coletivamente fazem um ritual. Justifica-se existência da imagem pela territorialidade da encantaria, que abrange a zona tomada pelo porto.
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Sereno é autor de representações de poetas, escritores, políticos e santos, entre as quais figuram referências consagradas e outras que a história oficial insiste em invisibilizar. De sua autoria é o busto de Maria Firmina dos Reis (a primeira escritora negra maranhense) e de outros ícones da cultura negra. Ele concedeu uma entrevista à pesquisa em 28/06/2022.
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Segundo o artista, a escultura é composta por poliuretano expansor e pedra de zirconita, com estrutura em bastão de inox. Sua aparência externa é semelhante à de imagens em gesso ou concreto.
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Para a elaboração deste trabalho, além de observações no local em 2022 e 2023, foram realizadas entrevistas com Mãe Nonata de Oxum e Pai Paulo de Aruanda (22/07/2022), que serão mencionados na sequência.
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Mãe Nonata integra o Fórum Estadual de Mulheres de Axé do Maranhão e a coordenação da Rede Nacional das Religiões Afro-brasileiras e Saúde (RENAFRO), ao passo que Pai Paulo coordena o Fórum Estadual de Homens de Axé do Maranhão. Além destes, destacamos os nomes do vereador Astro de Ogum e de Biné Gomes, do Terreiro de Iemanjá, ambos ligados à Federação de Umbanda e Cultos Afro-brasileiros do Maranhão.
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Luigi Dovera chegou no Brasil em 1945 e faleceu em 1994. Casou-se com uma maranhense e trabalhou como arquiteto e escultor. É autor da Sereia da Ponta d’Areia, inaugurada em 1983, da qual hoje só restam algumas partes.
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Atribuída a Jean Marieu Lecornu, padre francês radicado no Maranhão desde os anos 1970, onde ficou conhecido como João de Fátima.
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Para visualizar a fotografia, ver Blog do Bóis (2012BLOG DO BÓIS. (2012), “Lambe-lambe: Três momentos de Iemanjá na Praia do Olho D´àgua em São Luís (MA)”. Blog do Bóis, 2 fev. 2012. Disponível em: Disponível em: https://hbois.blogspot.com/2012/02/lambe-lambe-tres-momentos-de-iemanja-na.html . Acesso em 30/11/2023.
https://hbois.blogspot.com/2012/02/lambe... ). -
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Uma imagem do projeto pode ser vista na página do Facebook Direitos Humanos Maranhão (2020DIREITOS HUMANOS MARANHÃO. (2020), “Importante monumento para os povos de religião de matriz africana de São Luís [...]”. Facebook: direitoshumanosma, 23 jul. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.facebook.com/direitoshumanosmaranhao/photos/a.945327852144407/3449868541690313/?paipv=0&eav=AfZlOmJWuFUsHlz6AGXloDePu3AE9DbNeqWZM7tL02mj_PvaLP5r7OJO3bRjEitMtYQ&_rdr . Acesso em: 30/11/2023.
https://www.facebook.com/direitoshumanos... ). -
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O assentamento é um procedimento imprescindível à vinculação de um orixá às dependências de um terreiro e aos seus devotos, envolvendo oferendas de vários tipos (Rabelo 2015RABELO, Miriam C. (2015), “Aprender a ver no candomblé”. Horizontes Antropológicos , nº 44:229-251.). Mas é comum que ocorra também no caso de imagens públicas (ver a análise de uma situação no Pará em Veras 2022VERAS, Hermes. (2022), Convivendo com Seres Encantados: Encontros e percursos da encantaria de Rei Sabá em São João de Pirabas, Pará. Porto Alegre: Tese de Doutorado em Antropologia Social, UFRGS.:97-108). Mãe Nonata disse não ter certeza se a imagem anterior à atual na Praia de Olho d’Água recebeu assentamento.
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Após submissão deste artigo à Religião & Sociedade, a imagem de Iemanjá da Praia de Olho d’Água sofreu um grave ataque de autoria não identificada em 23/07/2023, que afetou a estrutura da estátua e arrancou toda a sua face. Lideranças afro-religiosas, entre elas Mãe Nonata e Pai Paulo, demonstraram sua indignação em manifestações realizadas na própria praça e nas redes sociais, denunciando o ataque como um caso de racismo religioso. Ver, por exemplo, G1 MA (2023G1 MA (2023), “Estátua de Iemanjá é alvo de vandalismo na praia do Olho d’ Água, em São Luís; pai de santo aponta intolerância religiosa”. G1, 23 jul. 2023. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2023/07/23/estatua-de-iemanja-e-alvo-de-vandalismo-na-praia-do-olho-d-agua-em-sao-luis-pai-de-santo-aponta-intolerancia-religiosa.ghtml . Acesso em: 08/11/2023.
https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia... ). Em novembro de 2023, enquanto redigimos a versão final deste texto, a estátua encontra-se em processo de restauração sob os cuidados do escultor Eduardo Sereno, com recursos públicos. Autoridades anunciaram que o pedestal será aumentado (ficará com pouco mais de 2 metros) para receber a imagem restaurada (Sereno 2023Comunicação pessoal de Eduardo Sereno, 2023.). -
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Há exceções representadas por casos em que referências afro-religiosas ocupam um espaço destacado. A principal delas é a situação de Salvador. Ver, entre outros, Goes (2019GOES, Alexandre San. (2019), ““Orixás do Dique”: Estudo sobre a religião e espaço público em Salvador-Bahia ”. Salvador: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, UFBA .).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Fev 2024 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2023
Histórico
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Recebido
07 Jun 2023 -
Aceito
11 Dez 2023