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Quando a política afeta a religião: como o posicionamento ideológico-partidário se relaciona com o comportamento religioso dos brasileiros

When politics shapes religion: how ideological party affiliation relates to Brazilian religious behavior

Resumos

Resumo: Pesquisas recentes sobre o eleitorado estadunidense atestaram que o posicionamento ideológico-partidário dos indivíduos tem moldado seus comportamentos religiosos. A explicação passa pela noção da identidade religiosa como endógena aprocesso político. A discussão sobre religião no Brasil, por outro lado, concentra grandes esforços na abordagem tradicional, analisando se e como a identidade religiosa dos brasileiros afeta seus comportamentos políticos e não o inverso. Utilizando dados do World Values Survey [WVS] (1990-2014) e testes estatísticos, esse artigo mapeou a relação entre política e religião no Brasil, buscando compreender como ao longo do tempo as categorias de ideologia e partidarismo se relacionam com as três facetas da Religião: Belonging(Pertencimento), Believing(Crença) e Behaving(Comportamento).

Palavras-chave:
Religião; Comportamento Político; Teoria da Identidade Social; Brasil


Abstract: Reversing the causality arrow recently, a number of researchers studying the American electorate have attested that their ideological-partisan positions could also shape their religious behavior. The explanation of this impact goes through the notion of religious identity as endogenous and not independent of the political process. On the other hand, the discussion about religion in Brazil has been focused on the traditional approach, currently analyzing whether and how the religious identity of Brazilians has affected their attitudes and political behavior and not the opposite. Using data from the World Values ​​Survey [WVS] (1990-2014) and statistical tests, this article aimed to map the relationship between politics and religion in Brazil, seeking to understand how over time the categories of ideology and partisanship relate to the three main facets of Religion: belonging, believing and behaving (behavior).

Keywords:
Religion; Political Behavior; Social Identity Theory; Brazil


O aumento do número de indivíduos se declarando sem preferência religiosa (Hout & Fisher 2002HOUT, Michael, & FISCHER, Claude S. (2002). “Why more Americans have no religious preference: Politics and generations”. American Sociological Review, vol. 67, nº 2: 165-190.) e o crescente envolvimento entre o Partido Republicano e as comunidades evangélicas e protestantes1 1 Estudos feitos nos EUA costumam diferenciar entre mainline protestants e evangelicals em suas análises. Contudo, para o contexto brasileiro, acreditamos que essa diferenciação não faz tanto sentido. A diferenciação maior se dá dentro da categoria de evangélicos entre aqueles que se consideram, por exemplo, tradicionais, pentecostais e neopentecostais. nos EUA (Patrikios 2008PATRIKIOS, Stratos (2008). “American Republican religion? Disentangling the causal link between religion and politics in the US”. Political Behavior, nº 30: 367-389.), impulsionaram estudos que se posicionam na contramão dos achados na Ciência Política sobre a relação entre política-religião. Revertendo a seta de causalidade, os autores comprovaram que não somente a identidade religiosa dos indivíduos afetava suas identidades políticas, mas os posicionamentos ideológico-partidários poderiam também moldar o comportamento religioso deles. Recentemente, uma série de pesquisadores buscaram analisar de forma mais profunda essa relação lançando mão de experimentos que atestaram, em alguns momentos, um maior efeito da política sobre a religião do que o inverso (Cf.Campbell et al. 2018CAMPBELL, David E. et al. (2018), “Putting politics first: The impact of politics on American religious and secular orientations”. American Journal of Political Science, vol. 62, nº 3: 551-565.; Djupe et al. 2018DJUPE, Paul A. & NEIHEISEL, Jacob R. & SOKHEY, Anand E. (2018), “Reconsidering the role of politics in leaving religion: The importance of affiliation”. American Journal of Political Science , vol. 62, nº 1: 161-175.; Egan 2019).

A explicação desse impacto passa pela noção da identidade religiosa como endógena e não independente do processo político. Ademais, ressalta, com base na Teoria da Identidade Social, como a identidade política moldada através do pertencimento a grupos específicos pode afetar outras identidades sociais dos indivíduos que buscam ao longo do tempo se parecer mais com os membros do grupo e se diferenciar dos de fora.

Nas últimas décadas, o contexto social e político no Brasil, respeitando-se as peculiaridades, apresentou os dois elementos que instigaram as pesquisas que culminaram na fundamentação da abordagem alternativa da relação entre política e religião nos EUA. A porcentagem de brasileiros declarando-se sem preferência religiosa subiu de 1,9% em 1980 para 10% em 2010 (Coutinho & Golgher 2014COUTINHO, Raquel Zanatta & GOLGHER, André Braz. (2014), “The changing landscape of religious affiliation in Brazil between 1980 and 2010: age, period, and cohort perspectives”. Revista Brasileira de Estudos de População, 31: 73-98.), e os anos 1990 foram cenário do início de um crescente envolvimento de evangélicos, principalmente pentecostais, no processo político no Brasil. Diversos pastores e lideranças religiosas passaram a disputar importantes cargos no legislativo e executivo nos três níveis de governo (Costa, Marcantonio & Rocha 2023COSTA, Francisco., MARCANTONIO, Angelo, & ROCHA, Rudi. (2023). “Stop suffering! Economic downturns and Pentecostal upsurge”. Journal of the European Economic Association, vol 21, nº 1: 215-250.).

Apesar disso, a discussão sobre religião na Sociologia e na Ciência Política no Brasil tem mormente se enquadrado na abordagem tradicional, analisando correntemente se e como a identidade religiosa dos brasileiros tem afetado suas atitudes e comportamentos políticos (Cf.Silva 2017SILVA, Luiz Gustavo Teixeira da. (2017), “Religião e política no Brasil”. Latinoamérica, Revista de Estudios Latinoamericanos, nº 64: 223-256.; Machado 2015MACHADO, Maria das Dores Campos. (2015), “Religião e Política no Brasil Contemporâneo: uma análise dos pentecostais e carismáticos católicos”. Religião & Sociedade, vol. 35, nº 2: 45-72.; Ferreira & Fuks 2021FERREIRA, Matheus Gomes Mendonça & FUKS, Mario. (2021), “O hábito de frequentar cultos como mecanismo de mobilização eleitoral: o voto evangélico em Bolsonaro em 2018”. Revista brasileira de ciência política, e238866.).

Utilizando dados do World Values Survey (WVS), este artigo se propôs a mapear de forma exploratória a relação entre política e religião no Brasil, tendo em vista que os resultados poderiam apontar para dados que não permitissem serem analisados unicamente pelo viés de impacto da religião na política, como também o contrário. Em suma, buscou-se compreender como ao longo do tempo as categorias de ideologia e partidarismo se relacionam com a religiosidade do eleitorado brasileiro. Os resultados da análise atestaram diferenças estatisticamente significativas entre ideólogos e partidários no tocante às três facetas da religião, com indivíduos de esquerda e petistas demonstrando-se menos religiosos do que os de direita e apartidários.

A primeira seção do artigo traz uma breve revisão da literatura sobre a discussão dos impactos da política sobre a religião, elucidando os principais pontos da abordagem tradicional e a consolidação da abordagem alternativa. Além disso, apresenta a Teoria da Identidade Social como principal ferramenta explicativa do mecanismo causal apontado pelos pesquisadores na relação entre identidade política e identidade religiosa. Ao final da seção, expomos a posição dos estudos sobre o Brasil nesse debate, tendo em vista que os elementos políticos contextuais que levaram a essas pesquisas nos EUA têm sido observados no caso brasileiro. Na segunda seção, abordamos os dados utilizados na pesquisa empírica e os modelos de análise escolhidos para tratar os dados. A terceira seção apresenta os resultados da análise, e a última seção traz as considerações finais.

Abordagem tradicional: identidade religiosa anterior, exógena e independente da identidade política

Os diversos estudos sobre religião que ganharam expressão na Ciência Política até os anos 2000 lançaram mão de uma abordagem tradicional que considerava os aspectos concernentes à religiosidade dos indivíduos como anteriores, independentes e exógenos às suas preferências políticas (Cf.Campbell et al. 2018CAMPBELL, David E. et al. (2018), “Putting politics first: The impact of politics on American religious and secular orientations”. American Journal of Political Science, vol. 62, nº 3: 551-565.; Djupe et al. 2018DJUPE, Paul A. & NEIHEISEL, Jacob R. & SOKHEY, Anand E. (2018), “Reconsidering the role of politics in leaving religion: The importance of affiliation”. American Journal of Political Science , vol. 62, nº 1: 161-175.; Margolis 2018MARGOLIS, Michele F. (2018). From politics to the pews: How partisanship and the political environment shape religious identity. Chicago: University of Chicago Press.). Ao lado das identidades étnicas e sexuais, a identidade religiosa foi continuamente postulada pelos cientistas políticos como unmoved mover no processo de observação da relação política-religião e explicação das cadeias causais (Egan 2019EGAN, Patrick J. (2020), “Identity as dependent variable: How Americans shift their identities to align with their politics”. American Journal of Political Science , vol. 64, nº 3: 699-716.). Essa suposição, quase que implícita e inquestionável, assumiu a estaticidade da identidade religiosa e sua precedência sobre as atitudes e comportamentos políticos do eleitorado (Cf. Djupe et al. 2018; Margolis 2018).

Estudos sobre os Estados Unidos reforçaram a lógica argumentativa dessa abordagem tradicional. Pesquisadores demonstraram um acirramento da diferenciação entre os partidos Democrata e Republicano ao longo dos anos, claramente motivado por questões religiosas (Campbell et al. 2018CAMPBELL, David E. et al. (2018), “Putting politics first: The impact of politics on American religious and secular orientations”. American Journal of Political Science, vol. 62, nº 3: 551-565.). Enquanto o Partido Republicano se inclinou para a defesa de valores religiosos, firmando aliança com grupos religiosos organizados, o Partido Democrata rompeu laços com esses grupos e adotou progressivamente posicionamentos moralmente liberais. Como consequência, observou-se um crescente número de indivíduos religiosos entre os adeptos do republicanismo e de indivíduos com visões secularistas entre os partidários democratas (Bolce & De Maio 1999BOLCE, Louis & DE MAIO, Gerald. (1999), “Religious outlook, culture war politics, and antipathy toward Christian fundamentalists”. Public Opinion Quarterly: 29-61.; Layman 2001LAYMAN, Geoffrey. (2001). The great divide: Religious and cultural conflict in American party politics. New York: Columbia University Press.: D’Antonio, Tuch & Baker 2013D'ANTONIO, William V.; TUCH, Steven A. & BAKER, Josiah R. (2013), Religion, politics, and polarization: How religiopolitical conflict is changing congress and American democracy. Rowman & Littlefield Publishers.). A explicação para essa mudança estrutural era apontada pelos pesquisadores como resultado da escolha individual dos eleitores. Estes estariam tomando partido, literalmente, a partir de suas convicções religiosas ou secularistas. Os mais religiosos adotavam o pacote republicano no espaço político, e os menos, assumiam a bandeira democrata (Cf.Campbell et all. 2018; Margolis 2018MARGOLIS, Michele F. (2018). From politics to the pews: How partisanship and the political environment shape religious identity. Chicago: University of Chicago Press.). Partindo do pressuposto de que as convicções religiosas seriam mais enraizadas do que as preferências políticas, nessas análises a religião assumia lugar de causal mover, determinando o perfil político dos indivíduos.

Abordagem alternativa: religião como endógena ao processo político

Nos anos 2000, o paradigma tradicional passou a ser questionado. Alguns fenômenos sociológicos e políticos percebidos no contexto estadunidense levaram pesquisadores a abandonar o único caminho explicativo da relação política-religião adotado até então e a considerar a possibilidade de reversão da seta de causalidade. A identidade religiosa do eleitorado era realmente anterior, exógena e estática a ponto de não poder ser afetada pelo seu perfil político?

Hout e Fischer (2002HOUT, Michael, & FISCHER, Claude S. (2002). “Why more Americans have no religious preference: Politics and generations”. American Sociological Review, vol. 67, nº 2: 165-190., 2014) foram pioneiros na adoção de uma nova perspectiva de análise da religião no campo da Ciência Política. Na busca por explicar a duplicação na porcentagem de americanos adultos que se declararam sem preferência religiosa na década de 1990 (subindo de 7% em 1990 para 14% em 2000), os autores postularam três hipóteses: sucessão geracional, secularização e motivações políticas. No que tange à sucessão geracional os autores encontraram evidências de que transformações sociais estavam impactando a conformação religiosa da época. Utilizando dados do General Social Survey (GSS), constataram que, em relação às gerações anteriores, indivíduos que nasciam em ambientes não religiosos se filiavam menos a religiões na fase adulta. Além disso, o fato de casarem-se mais tarde do que as gerações anteriores, terem maior possibilidade de encontrar parceiros sem religião e sofrerem menos pressão para aceitar a religião do cônjuge, corroborava para sua postura não religiosa. No entanto, Hout e Fischer (2002) perceberam que essas mudanças geracionais levariam mais tempo que uma década para gerar o impacto percebido. Sendo assim, outros fatores estariam contribuindo para o aumento de não-religiosos.

Ao analisarem o aspecto da secularização, os autores perceberam que grande parte dos indivíduos que não declararam preferência religiosa ainda mantinham suas crenças sobre a existência de Deus, céu, inferno, entre outras questões. Os autores cunharam a nomenclatura de unchurched believers para respondentes nessa condição. Os dados da década de 1990 apresentaram um aumento de 3% para 8% dessa categoria entre os adultos estadunidenses, enquanto os descrentes sem denominação aumentaram apenas 1,5%. Dessa forma os dados evidenciavam que o expressivo abandono da denominação religiosa não poderia ser atribuído à perda da fé.

Por fim, lançaram luz sobre o aspecto político. Hout e Fischer (2002HOUT, Michael, & FISCHER, Claude S. (2002). “Why more Americans have no religious preference: Politics and generations”. American Sociological Review, vol. 67, nº 2: 165-190.) observaram pelos dados que o aumento significativo de indivíduos se declarando sem nenhuma preferência religiosa se deu entre aqueles que se identificavam como liberais e moderados, em detrimento dos conservadores. Moderados inclinados à ideologia liberal e liberais aumentaram sua preferência por nenhuma religião em 7% e 11%, respectivamente. Por outro lado, moderados inclinados à ideologia conservadora aumentaram sua preferência por nenhuma religião em apenas 4%, e conservadores apresentaram um aumento de 1,7 pontos percentuais, não significativos (Hout & Fischer 2002: 181).

Demonstrando alta correlação entre identificação política e a não-preferência religiosa, os autores descartaram a lógica explicativa tradicional ao comprovarem que, apesar do aumento no número expressivo de liberais e moderados declarando-se sem preferência religiosa entre 1990-2000, a proporção liberais-moderados-conservadores permaneceu praticamente a mesma. A abordagem tradicional afirmaria que a mudança no comportamento religioso dos indivíduos levaria a uma mudança no perfil político dos mesmos, mas o cenário foi outro. Os indivíduos preservaram sua identidade política e alteraram sua identidade religiosa. Hout & Fischer (2002HOUT, Michael, & FISCHER, Claude S. (2002). “Why more Americans have no religious preference: Politics and generations”. American Sociological Review, vol. 67, nº 2: 165-190.: 168) concluíram que a

conexão crescente feita na imprensa e no congresso estadunidense entre Republicanos e cristãos evangélicos na década de 1990 levou americanos com visões moderadas e liberais a expressarem distanciamento da direita religiosa e declararem-se sem religião.

Em 2008, Stratos Patrikios publicou um estudo que corroborou para a consolidação dessa abordagem alternativa na explicação da relação entre política e religião. Diferente de Hout e Fischer, o ponto de partida de Patrikios não foi o aumento da preferência por nenhuma religião entre os estadunidenses, mas sim o crescente envolvimento dos evangélicos protestantes com o Partido Republicano nos Estados Unidos. Dados coletados pelo American National Election Studies(ANES) entre 1960 e 2004 apontavam um expressivo aumento de evangélicos protestantes entre os adeptos do republicanismo e uma consequente diminuição dessa categoria entre democratas e apartidários. Patrikios (2008) decide entender se nessa crescente imersão das comunidades religiosas no processo político norte-americano, estariam os fatores políticos afetando o comportamento religioso do eleitorado - o oposto da tese amplamente aceita. Usando dados de painel do ANES, Patrikios mensurou o comportamento religioso dos indivíduos pela frequência de comparecimento a cultos, missas e cerimônias religiosas e o perfil político com base na sua ideologia e no seu partidarismo (escala de autoposicionamento). A análise dos dados demonstrou que o explícito posicionamento ideológico-partidário dos evangélicos estadunidenses no espectro republicano-conservador desde a década de 1970 impulsionou o engajamento de membros que se intitulavam conservadores e republicanos à suas comunidades religiosas e o afastamento dos liberais e democratas dessas instituições (Patrikios 2008).

Seguindo a mesma linha, dois anos depois desse estudo, Putnam & Campbell (2010PUTNAM, Robert D. & CAMPBELL, David E. (2010). American Grace: How Religion Divides and Unites Us. New York: Simon and Schuster.) lançaram um livro no qual, a partir de um banco de dados de painel formulado pelos próprios autores, analisaram a variação no nível de secularismo e religiosidade dos conservadores e liberais nos Estados Unidos. Os autores atestaram que liberais se tornaram ao longo do tempo mais seculares, enquanto os conservadores se tornaram mais religiosos. Observando pelos dados de painel a precedência dos fatores, Putnam e Campbell (2010) concluíram que, no embate entre a identidade religiosa e a identidade política, a identidade religiosa tendia a perder. Corroborando os dados que estavam sendo publicados, Hout e Fischer (2014HOUT, Michael, & FISCHER, Claude S. (2014). “Explaining why more Americans have no religious preference: Political backlash and generational succession, 1987-2012”. Sociological Science, nº 1: 423-447.) publicaram uma nova análise, baseada em dados de painel coletados pelo GSS entre 2006 e 2012, e confirmaram os mesmos achados de 2002.

Pesquisas recentes: mecanismo causal testado por experimentos

Em 2018, pelos menos três trabalhos focados na análise do impacto da política sobre a religião nos Estados Unidos foram publicados no American Journal of Political Science(AJPS) (Cf.Campbell et al. 2018CAMPBELL, David E. et al. (2018), “Putting politics first: The impact of politics on American religious and secular orientations”. American Journal of Political Science, vol. 62, nº 3: 551-565.; Djupe et al., 2018DJUPE, Paul A. & NEIHEISEL, Jacob R. & SOKHEY, Anand E. (2018), “Reconsidering the role of politics in leaving religion: The importance of affiliation”. American Journal of Political Science , vol. 62, nº 1: 161-175.; Margolis 2018MARGOLIS, Michele F. (2018). From politics to the pews: How partisanship and the political environment shape religious identity. Chicago: University of Chicago Press.). O diferencial em relação aos trabalhos anteriores foi o emprego, por parte desses pesquisadores, de métodos experimentais para além da análise de dados de painel. O objetivo principal do uso de experimentos era testar o mecanismo causal proposto pelos estudiosos até então, de que “a injeção da religião na política americana e sua associação com o Partido Republicano levaram os cidadãos a basear suas orientações religiosas e seculares nas orientações políticas” (Campbell et al. 2018:552). Campbell e colaboradores (2018), por exemplo, além de comprovarem o mecanismo supracitado, chegaram a resultados que atestam um efeito mais forte de orientações políticas sobre identificações religiosas e secularistas do que o contrário. Isso se deve à dissonância cognitiva experimentada por religiosos liberais e democratas ao verem sua comunidade religiosa associada a valores políticos contrários aos que defendem. Como fruto da desconexão entre sua identidade religiosa e política, muitos decidiram abandonar a primeira.

Em suma, esses artigos apontaram para quatro principais impactos da política sobre a identidade religiosa dos estadunidenses: (i) a tendência de democratas e liberais declararem-se sem preferência religiosa, (ii) adotarem uma postura secularista passiva e ativa,2 2 O secularismo passivo seria caracterizado pela descrença em aspectos religiosos importantes, como a existência de Deus, céu e inferno. O secularismo ativo, por outro lado, seria caracterizado por uma identificação com crenças e pensamento seculares e possível defesa desses valores. (iii) diminuírem suas frequências em encontros religiosos e (iv) abandonarem sua filiação a comunidades religiosas. O caminho oposto foi trilhado por adeptos do Partido Republicano (Cf.Hout & Fisher 2002HOUT, Michael, & FISCHER, Claude S. (2002). “Why more Americans have no religious preference: Politics and generations”. American Sociological Review, vol. 67, nº 2: 165-190., 2014; Patrikios 2008PATRIKIOS, Stratos (2008). “American Republican religion? Disentangling the causal link between religion and politics in the US”. Political Behavior, nº 30: 367-389.; Putnam & Campbell 2010PUTNAM, Robert D. & CAMPBELL, David E. (2010). American Grace: How Religion Divides and Unites Us. New York: Simon and Schuster.; Campbell et al. 2018; Djupe et al. 2018DJUPE, Paul A. & NEIHEISEL, Jacob R. & SOKHEY, Anand E. (2018), “Reconsidering the role of politics in leaving religion: The importance of affiliation”. American Journal of Political Science , vol. 62, nº 1: 161-175.; Margolis 2018MARGOLIS, Michele F. (2018). From politics to the pews: How partisanship and the political environment shape religious identity. Chicago: University of Chicago Press.).

Essas pesquisas viraram de ponta a cabeça a produção científica realizada há décadas em termos da relação religião e política por diversos fatores: primeiro, por reverterem a seta de causalidade, entendendo que a religião poderia ser afetada pela política, assim como o contrário já era atestado. Nesse sentido, desconstruíram a visão de unmoved mover da identidade religiosa, de certa forma petrificada na abordagem tradicional. Ademais, as pesquisas mais recentes, ao utilizarem experimentos para testar as hipóteses em questão, trouxeram um grau maior de confirmação para o nível, forma e variações do impacto da identidade política dos indivíduos sobre sua identidade religiosa. As conclusões de pesquisas anteriores, feitas com dados observacionais, só foram afirmadas com mais robustez. Por fim, esses estudos abriram espaço para que tal análise concernente à influência da política sobre a religião dos indivíduos fosse abordada e discutida em outros contextos políticos, como é o caso do presente artigo.

Destaca-se o fato de que o impacto da Política nesses casos se deu sobre as três principais facetas da Religião, também reputadas na literatura como os três Bs da religiosidade: Belonging(Pertencimento), Believing(Crença) e Behaving (Comportamento) (Cf.Layman 2001LAYMAN, Geoffrey. (2001). The great divide: Religious and cultural conflict in American party politics. New York: Columbia University Press.; Díaz-Dominguez 2009, 2011). O Pertencimento se refere à afiliação do indivíduo a uma determinada denominação, ou seja, o grupo do qual se identifica como membro e parte integrante. A Crença diz respeito ao conhecimento teológico e à fundamentação conceitual na qual a fé daquele indivíduo se baseia. Leva em conta também a autopercepção sobre seu nível de religiosidade. Por fim, o Comportamento diz respeito às práticas religiosas daquele indivíduo, que compreendem frequência em reuniões religiosas, frequência de oração ou reza, entre outras ações motivadas por sua religiosidade (Cf.Layman 2001; Díaz-Dominguez 2009DÍAZ-DOMÍNGUEZ, Alejandro (2009). “Nota metodológica: midiendo religión en encuestas de Latinoamérica”. Perspectivas desde el Barómetro de las Américas, 29., 2011DÍAZ-DOMÍNGUEZ, Alejandro. (2011). “Political Knowledge and Religious Channels of Socialization in Latin America”. Americas Barometer Insights, 55.).

Teoria da Identidade Social: posição ideológica-partidária como importante identidade social

A associação do eleitorado a diferentes grupos ideológico-partidários flui como resultado natural do posicionamento político adotado por cada indivíduo, permitindo sua identificação e diferenciação dentro do contexto social no qual está inserido. Por essa razão, o partidarismo e a ideologia têm sido considerados nos estudos de Sociologia e de Ciência Política como importantes identidades sociais. No cenário estadunidense, o crescente processo de distanciamento entre os grupos políticos tem resultado na sobrepujança da identidade política. Com efeito, os indivíduos têm definido preferências sociais diversas a partir de um viés político.

Além da identidade religiosa, pesquisadores têm demonstrado que o perfil político dos indivíduos afeta outros componentes dos seus perfis sociodemográficos. Bishop & Cushing (2009BISHOP, Bill, & CUSHING, Robert G. (2009). The big sort: Why the clustering of like-minded America is tearing us apart. Boston: Houghton Mifflin Harcourt.), demonstrou que indivíduos podem decidir onde desejam ou não morar com base em suas preferências políticas. Iyengar, Sood, & Lelkes (2012IYENGAR, Shanto; SOOD, Gaurav & LELKES, Yphtach (2012). “Affect, not ideology: A social identity perspective on polarization”. Public opinion quarterly, vol. 76, nº 3: 405-431.) mostraram que a escolha pelo cônjuge pode ser determinada pelo perfil político do pretendente. Mais adiante, Iyengar & Westwood (2015)IYENGAR, Shanto, & WESTWOOD, Sean J. (2015). “Fear and loathing across party lines: New evidence on group polarization”. American Journal of Political Science , vol. 59, nº 3: 690-707. verificaram que a postura dos indivíduos em relação a grupos em diversas instâncias da sua vida social pode ser derivada de seus posicionamentos políticos.

A explicação do impacto do partidarismo e do autoposicionamento ideológico sobre as identidades sociais - inclusive religiosas - dos indivíduos, passa pela noção de pertencimento grupal. A imersão do eleitorado em grupos ideológicos partidários promoveria uma assimilação gradual das normas, crenças, comportamentos e lógicas de ação próprios do grupo. Em um processo de despersonalização, os indivíduos, ao buscarem maior aproximação com os membros do grupo e diferenciação de grupos opostos, alinham suas preferências, comportamentos e atitudes ao padrão esperado. Isso explica, por exemplo, os dados obtidos por Patrikios (2008PATRIKIOS, Stratos (2008). “American Republican religion? Disentangling the causal link between religion and politics in the US”. Political Behavior, nº 30: 367-389.). Enquanto os republicanos se tornaram, ao longo dos anos, mais frequentes nas atividades religiosas de suas comunidades, os democratas diminuíram sua assiduidade. A adequação desses indivíduos ao padrão de comportamento de seus grupos ideológicos partidários alterou gradualmente seu comportamento religioso. O processo se retroalimenta à medida que a adesão ao republicanismo passa ser um padrão esperado de indivíduos mais religiosos, enquanto de pessoas menos religiosas se espera uma identificação com os valores liberais democratas.

No caso apontado por Patrikios (2008PATRIKIOS, Stratos (2008). “American Republican religion? Disentangling the causal link between religion and politics in the US”. Political Behavior, nº 30: 367-389.) e outros estudiosos (Campbell et al. 2018CAMPBELL, David E. et al. (2018), “Putting politics first: The impact of politics on American religious and secular orientations”. American Journal of Political Science, vol. 62, nº 3: 551-565.; Djupe et al. 2018DJUPE, Paul A. & NEIHEISEL, Jacob R. & SOKHEY, Anand E. (2018), “Reconsidering the role of politics in leaving religion: The importance of affiliation”. American Journal of Political Science , vol. 62, nº 1: 161-175.; Margolis 2018MARGOLIS, Michele F. (2018). From politics to the pews: How partisanship and the political environment shape religious identity. Chicago: University of Chicago Press.), é evidente o estabelecimento de dois processos simultâneos: dissonância cognitiva e retornos crescentes (increasing returns). A teoria da dissonância cognitiva desenvolvida por Festinger (1957FESTINGER, Leon. (1957). “Social comparison theory”. Selective Exposure Theory, vol. 16, nº 401: 3.), ressalta a necessidade que os indivíduos têm de buscarem manter coerência e harmonia entre suas cognições. Frequentemente, as pessoas buscam o alinhamento entre suas preferências e seu modo de agir, suas crenças e suas ações. A adequação à estrutura padrão dos grupos no qual estão inseridas também seria um fruto dessa busca. Em um cenário onde as coisas não podem ser conciliadas, os indivíduos seriam pressionados a abandonar algo para manter sua integridade (Acharya, Blackwell & Sen 2018ACHARYA, Avidit, BLACKWELL, Matthew & SEN, Maya. (2018), “Explaining preferences from behavior: A cognitive dissonance approach”. The Journal of Politics, vol. 80, nº 2: 400-411.). No contexto dos Estados Unidos, o crescente entrelaçamento do Partido Republicano com os evangélicos e protestantes gerou uma dissonância nos religiosos liberais democratas, que se viram desafiados a equilibrar a divergência entre seus valores religiosos e suas posturas políticas. Como apontado anteriormente, esperava-se que as preferências religiosas moldassem o comportamento político, mas, em muitos casos, o contrário ocorreu. Verificou-se, por parte de alguns, o enfraquecimento dos vínculos religiosos e, por parte de outros, o abandono da identidade religiosa, confirmado pelo crescimento acelerado dos denominados nones (desigrejados) (Cf.Hout & Fisher 2002HOUT, Michael, & FISCHER, Claude S. (2002). “Why more Americans have no religious preference: Politics and generations”. American Sociological Review, vol. 67, nº 2: 165-190.).

O Brasil nesse debate

Trabalhos como de Simone Bohn (2004BOHN, Simone R. (2004). “Evangélicos no Brasil: perfil socioeconômico, afinidades ideológicas e determinantes do comportamento eleitoral”. Opinião pública, vol. 10: 288-338.), Paula, Peregrini & Moura (2015PAULA, Carolina Almeida de; PEREGRINI, Ingrid Pacheco & MOURA, Mauricio Serpa. (2015). “Religião importa na decisão do voto? Um estudo comparativo sobre a intenção de voto para os cargos Executivos nas eleições de 2014 no Brasil”. VI Congresso Compolítica, PUC-Rio.), e Cerqueira (2021CERQUEIRA, Claudia. (2021). “Igreja como partido: a relação entre a Igreja Universal do Reino de Deus e o Republicanos”. Revista Brasileira de Ciências Sociais , vol. 36, nº 107.) analisaram no cenário brasileiro a relação entre política e religião através do enfoque convencional da direção religião ⟶ política. As autoras buscaram entender como a identidade religiosa dos brasileiros têm determinado o seu comportamento político. É perceptível que a abordagem tradicional de análise dessa relação tem direcionado boa parte das pesquisas sobre religião no campo da Ciência Política no Brasil (Cf. Silva 2017SILVA, Luiz Gustavo Teixeira da. (2017), “Religião e política no Brasil”. Latinoamérica, Revista de Estudios Latinoamericanos, nº 64: 223-256.; Machado 2015MACHADO, Maria das Dores Campos. (2015), “Religião e Política no Brasil Contemporâneo: uma análise dos pentecostais e carismáticos católicos”. Religião & Sociedade, vol. 35, nº 2: 45-72.; Ferreira & Fuks, 2021FERREIRA, Matheus Gomes Mendonça & FUKS, Mario. (2021), “O hábito de frequentar cultos como mecanismo de mobilização eleitoral: o voto evangélico em Bolsonaro em 2018”. Revista brasileira de ciência política, e238866.).

Como demonstrado anteriormente, o contexto que impulsionou Hout e Fischer (2002HOUT, Michael, & FISCHER, Claude S. (2002). “Why more Americans have no religious preference: Politics and generations”. American Sociological Review, vol. 67, nº 2: 165-190.) a reverterem a direção da seta na análise de religião e política nos EUA, foi o aumento expressivo de adultos declarando-se sem preferência religiosa (nones): 7% para 14% da população entre 1990 e 2000. Dados do Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)3 3 Eleições 2018: bancada evangélica cresce na Câmara e no Senado. mostram que no Brasil essa realidade também pôde ser observada. Enquanto o Censo de 1980 apontava que os sem religião consistiam em 1,9% dos brasileiros, o Censo de 2010 registrou que a categoria alcançou 8% da população brasileira (Coutinho & Golgher 2014COUTINHO, Raquel Zanatta & GOLGHER, André Braz. (2014), “The changing landscape of religious affiliation in Brazil between 1980 and 2010: age, period, and cohort perspectives”. Revista Brasileira de Estudos de População, 31: 73-98.).

Antunes (2023ANTUNES, Henrique Fernandes. (2023). “Dos Censos à literatura acadêmica: os 'sem religião' e o campo religioso brasileiro”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 37: 1-16.) destaca que, apesar de a categoria “sem religião” ter sido incluída no Censo brasileiro desde a década de 1940, esse grupo se transformou em objeto de pesquisa nos diversos ramos das Ciências Sociais apenas nas últimas duas décadas. As discussões em torno desse grupo, que se tornou relevante demograficamente a partir da década de 1970, se concentraram, por um lado, em entender e identificar o que significa ser “sem religião”, abordando tipologias e critérios de inclusão e exclusão dessa categoria (Cf.Novaes 2006NOVAES, Regina. (2006), “Os jovens, os ventos secularizantes e o espírito do tempo”. In: F. Teixeira & R. Menezes (orgs.). As religiões no Brasil: continuidades e rupturas. Petrópolis: Vozes.; Rodrigues 2007RODRIGUES, Denise dos Santos. (2007), “Religiosos sem igreja: um mergulho na categoria censitária dos sem religião”. Revista de estudos da religião: 31-56.; Fernandes 2008FERNANDES, Sílvia Regina Alves. (2008), “Sem religião e identidades religiosas: notas para uma tipologia”. Interseções, vol. 10, nº 1: 31-46., 2012FERNANDES, Sílvia Regina Alves. (2012), “A (re)construção da identidade religiosa inclui dupla ou tripla pertença”. Instituto Humanitas Unisinos, 07 jul. 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/511249-estamos-falando-de-re-construcao . Acesso em: 18/03/2024.
https://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/...
, 2018FERNANDES, Sílvia Regina. (2018), “Trajetórias religiosas de jovens sem religião-algumas implicações para o debate sobre desinstitucionalização”. Interseções , vol. 20, nº 2: 369-387.; Mafra 2013MAFRA, Clara. (2013), “Números e Narrativas”. Debates do NER, vol. 14, nº 24: 13-25.; Villasenor 2013VILLASENOR, Rafael Lopez. (2013), Os “sem religião” no ciberespaço: interfaces da religiosidade nas comunidades virtuais. São Paulo: Tese de Doutorado em Ciências Sociais, PUC-SP.); por outro lado, focaram na crítica aos instrumentos censitários, à coleta e análise dos dados relacionados à consolidação dessa categoria e às implicações disso (Cf.Magaldi 2008MAGALDI, Juliana Alves. (2008), Os 'sem religião' no Brasil: Um estudo sócio-antropológico sobre as suas interpretações e consequências. Juiz de Fora: Tese de Doutorado em Ciência da Religião, UFJF.; Rodrigues 2012; Mariano 2013MARIANO, Ricardo. (2013), “Mudanças no campo religioso brasileiro no censo 2010”. Debates do NER , vol. 14, nº 24: 119-137.; Teixeira 2013TEIXEIRA, Faustino. (2013), “Os dados sobre religiões no Brasil em debate”. Debates do NER , v. 14, nº 24: 77-84.; Mariz 2013MARIZ, Cecília. (2013), “O que precisamos saber sobre o censo para poder falar sobre seus resultados? Um desafio para novos projetos de pesquisa”. Debates do NER , vol. 14, nº 24: 39-58.); e, por fim, em entender os motivos por trás do crescimento expressivo dos sem religião (Pierucci 2004PIERUCCI, Antônio Flávio. (2004), “Bye, Bye, Brasil: o declínio das religiões tradicionais no Censo 2000”. Estudos Avançados , vol. 18, nº 52: 17-28.; Novaes 2006, 2013; Rodrigues 2007, 2011, 2012; Luiz 2013LUIZ, Ronaldo Robson. (2013), “A religiosidade dos Sem Religião”. Ciências Sociais e Religião, vol. 15, nº 19: 73-88.; Vieira 2015VIEIRA, José Álvaro Campos. (2015), “Os ‘sem religião’: dados para estimular a reflexão sobre o fenômeno”. Horizonte, vol. 13, nº 37: 605-612.; Assis 2017ASSIS, Thais Silva de. (2017), “Religiosos sem religião: Nuances sociais de uma tendência”. Áskesis, vol. 6, nº 1: 40-51.; Montero & Antunes 2020MONTERO, Paula & ANTUNES, Henrique. (2020), “A diversidade religiosa e não religiosa nas categorias censitárias do IBGE e suas leituras na mídia e produção acadêmica”. Debates do NER , vol. 20, nº 38: 339-373.).

No que diz respeito a esse terceiro grupo de discussão, é possível identificar três grandes conjuntos de fatores associados apontados como responsáveis, entre outras coisas, pelo aumento de indivíduos que se identificam como sem preferência religiosa no Brasil: “os processos de desinstitucionalização e destradicionalização religiosos; o crescimento da autonomia individual e de novas formas de subjetivação; e o progressivo trânsito e circulação religiosos” (Antunes 2023ANTUNES, Henrique Fernandes. (2023). “Dos Censos à literatura acadêmica: os 'sem religião' e o campo religioso brasileiro”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 37: 1-16.:8).

A desinstitucionalização e destradicionalização referem-se, respectivamente, à crescente ruptura dos indivíduos com suas instituições religiosas e à percepção de um desenraizamento dos sistemas sociais tradicionais, refletido em mudanças de práticas e hábitos. A dificuldade moderna dos indivíduos em criar e estabelecer vínculos sociais também afeta as instituições religiosas, contribuindo para uma crise de pertencimento institucional e tornando a filiação algo opcional. Esse processo de desinstitucionalização também está relacionado ao pluralismo religioso, caracterizado por uma religiosidade sem indexação institucional necessária, na qual alguns indivíduos optam por manter múltiplos vínculos simultâneos, sem se apegar a uma única denominação ou instituição (Cf.Novaes 2004NOVAES, Regina. (2004), “Os jovens Sem Religião: ventos secularizantes, 'espírito de uma época' e novos sincretismos. Notas preliminares”. Estudos Avançados, vol. 18, nº 5: 321-330.; Pierucci 2004PIERUCCI, Antônio Flávio. (2004), “Bye, Bye, Brasil: o declínio das religiões tradicionais no Censo 2000”. Estudos Avançados , vol. 18, nº 52: 17-28.; Rodrigues 2007RODRIGUES, Denise dos Santos. (2007), “Religiosos sem igreja: um mergulho na categoria censitária dos sem religião”. Revista de estudos da religião: 31-56., 2012; Vieira 2015VIEIRA, José Álvaro Campos. (2015), “Os ‘sem religião’: dados para estimular a reflexão sobre o fenômeno”. Horizonte, vol. 13, nº 37: 605-612.; Assis 2017ASSIS, Thais Silva de. (2017), “Religiosos sem religião: Nuances sociais de uma tendência”. Áskesis, vol. 6, nº 1: 40-51.).

O crescimento da autonomia individual e de novas formas de subjetivação está relacionado a um processo de independência das experiências religiosas dos indivíduos, que transpuseram a referência religiosa do eixo institucional para o eixo individual, levando em conta suas próprias subjetividades. Isso resulta em um fenômeno de individualização da religião, que culmina numa ideia de religiosidade individual ou religiosidades, considerando a crescente noção de não exclusividade religiosa. Esse fenômeno explicaria em partes os indivíduos autodenominados sem religião, que optam por manter sua conexão espiritual no âmbito privado, questionam crenças estabelecidas e reiteram o direito de não se ligar a nenhuma organização religiosa (Cf.Rodrigues 2011RODRIGUES, Denise dos Santos. (2011), “Liberdade de afirmar-se sem religião: reflexo de transformações no Brasil contemporâneo”. PLURA, Revista de Estudos de Religião, vol. 2, nº 1: 49-64.; Assis 2017ASSIS, Thais Silva de. (2017), “Religiosos sem religião: Nuances sociais de uma tendência”. Áskesis, vol. 6, nº 1: 40-51.).

Por fim, em relação ao trânsito e circulação, observa-se que os indivíduos sem religião estão continuamente transitando entre práticas religiosas e não religiosas, seja de forma permanente ou temporária. Esse trânsito pode estar relacionado ao não alinhamento entre a religião familiar herdada e a busca por uma adequação religiosa própria. Essa busca poderia levar à experimentação de diversas crenças sem uma necessária institucionalização do status religioso (Cf.Rodrigues 2012RODRIGUES, Denise dos Santos. (2012), “Os sem religião nos censos brasileiros: sinal de uma crise do pertencimento institucional”. HORIZONTE-Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, vol. 10, nº 28: 1130-1153.; Assis 2017ASSIS, Thais Silva de. (2017), “Religiosos sem religião: Nuances sociais de uma tendência”. Áskesis, vol. 6, nº 1: 40-51.).

Nesses últimos dois conjuntos de fatores, o crescimento da autonomia individual e o progressivo trânsito religioso, a literatura ressalta o aspecto geracional como fundamental, tendo em vista que a maioria dos declarados sem religião são jovens, com uma média de 26 anos de idade (Novaes 2013NOVAES, Regina. (2013), “Jovens sem religião: sinais de outros tempos”. In: F. Teixeira & R. Menezes (orgs.). Religiões em movimento: o censo de 2010, Petrópolis: Vozes .).

Um apanhado da discussão acadêmica brasileira sobre os indivíduos “sem religião” nos mostra que, de forma geral, diferentemente do caso dos EUA, não há uma busca evidente por investigar o aumento expressivo de indivíduos declarando-se sem religião a partir da relação com aspectos políticos, tais como ideologia e filiação partidária. Vale notar que o trabalho de Patrikios (2008PATRIKIOS, Stratos (2008). “American Republican religion? Disentangling the causal link between religion and politics in the US”. Political Behavior, nº 30: 367-389.), um dos pioneiros da abordagem alternativa, teve um ponto de partida diferente de Hout e Fischer (2002HOUT, Michael, & FISCHER, Claude S. (2002). “Why more Americans have no religious preference: Politics and generations”. American Sociological Review, vol. 67, nº 2: 165-190.). Patrikios buscava entender se o entrelaçamento dos evangélicos e protestantes com o Partido Republicano e o crescente envolvimento político desses poderiam gerar um impacto no comportamento religioso de liberais e democratas pertencentes a essas comunidades religiosas. O fenômeno que despertou o olhar de Patrikios também encontrou eco no Brasil dos anos 1990. Como relatado por Costa, Marcantonio e Rocha (2023COSTA, Francisco., MARCANTONIO, Angelo, & ROCHA, Rudi. (2023). “Stop suffering! Economic downturns and Pentecostal upsurge”. Journal of the European Economic Association, vol 21, nº 1: 215-250.), os anos 1990 foram palco de um profundo adentramento de evangélicos pentecostais no processo político brasileiro, com diversos líderes principais de igrejas dessa denominação formalizando candidaturas para cargos do executivo e legislativo.

O crescente engajamento permitiu que, em 2014, 75 das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados fossem ocupadas por evangélicos, e que, em 2019, essa bancada mantivesse 85 representantes na Câmara e 7 no Senado Federal (DIAP 2019DIAP. (2018). “Eleições 2018: bancada evangélica cresce na Câmara e no Senado”. Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, 18 out. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.diap.org.br/index.php/noticias/noticias/88900-eleicoes-2018-bancada-evangelica-cresce-na-camara-e-no-senado . Acesso em: 08/02/2020.
https://www.diap.org.br/index.php/notici...
). Diante desse cenário, diversos pesquisadores se propuseram a estudar o “voto evangélico” no Brasil e como a atuação desses políticos tem moldado as leis no país (Cf.Bohn, 2004BOHN, Simone R. (2004). “Evangélicos no Brasil: perfil socioeconômico, afinidades ideológicas e determinantes do comportamento eleitoral”. Opinião pública, vol. 10: 288-338.; Machado, 2006MACHADO, Maria das Dores Campos. (2006), Política e religião: a participação dos evangélicos nas eleições. Rio de Janeiro: FGV Editora.; Vital da Cunha & Lopes, 2013VITAL DA CUNHA, Christina & LOPES, Paulo Victor Leite. (2013). Religião e política: uma análise da atuação de parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e de LGBTs no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll.). Essa preocupação em torno da população evangélica se dá também pelo aumento eloquente dos adeptos dessa religião no Brasil. O Censo de 2010 apontou que a população evangélica havia passado de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010. Pesquisa recente, feita a partir de uma amostra representativa demonstrou que em 2019 os evangélicos já constituíam 31% da população brasileira (Balloussier 2020BALLOUSSIER, Anna Virginia. (2020), “Cara típica do evangélico brasileiro é feminina e negra, aponta Datafolha”. Folha de S. Paulo, 13 jan. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/01/cara-tipica-do-evangelico-brasileiro-e-feminina-e-negra-aponta-datafolha.shtml . Acesso em: 08/02/2020.
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020...
).

Diante de um contexto similar ao que impulsionou as pesquisas sobre a relação entre política e religião nos EUA por um viés não convencional, a pesquisa aqui relatada pretendeu de forma exploratória entender as possíveis relações entre o comportamento político e religioso do eleitorado brasileiro, levando em conta a abordagem não tradicional que entende o provável e possível impacto dos fatores políticos sobre a religiosidade dos indivíduos. Portanto, esta pesquisa se destaca por incluir o elemento político como categoria de análise possivelmente importante para entendimento do comportamento religioso dos brasileiros, para além das abordagens relevantes e necessárias focadas nas dinâmicas de desinstitucionalização e destradicionalização religiosas, subjetivação da religião e trânsito religioso. Sendo assim, pergunta-se como, ao longo do tempo, as categorias de ideologia e partidarismo se relacionam com as três facetas da religiosidade no Brasil?

Dados e métodos

Os dados aqui utilizados foram extraídos do repositório do World Values Survey (WVS), considerando as Ondas 2,3,5 e 6, que dispunham de informações referentes ao Brasil nos períodos de 1990-1994, 1995-1998, 2005-2008 e 2010-2014.4 4 As Ondas 1 (1981-1984) e 4 (1999-2004) não possuem dados sobre o Brasil e os dados da Onda 7 (2017-2020) ainda estão sendo processados. Os dados disponibilizados pelo WVS foram coletados de amostras representativas da população brasileira nos anos correspondentes. Para o objetivo do presente artigo, foram selecionadas questões referentes à identidade religiosa dos respondentes, bem como suas identidades políticas.

A escolha desse banco de dados, em detrimento de outros como o Americas Barometer (Latin American Public Opinion Project - LAPOP), se deu pela maior disponibilidade de perguntas relacionadas à religiosidade dos indivíduos. A amplitude de questões permitiu abarcar na análise as três principais facetas da religião, explicadas anteriormente: Belonging(Pertencimento), Believing(Crença) e Behaving(Comportamento). A decisão por utilizar essa classificação preconizada por Laymann (2001LAYMAN, Geoffrey. (2001). The great divide: Religious and cultural conflict in American party politics. New York: Columbia University Press.) foi baseada no entendimento, provindo de estudos anteriores, de que, ao se procurar entender a relação política-religião dos indivíduos, não se pode considerar que todos os aspectos da religiosidade serão afetados da mesma forma. A pesquisa desenvolvida por Hout e Fischer (2002HOUT, Michael, & FISCHER, Claude S. (2002). “Why more Americans have no religious preference: Politics and generations”. American Sociological Review, vol. 67, nº 2: 165-190., 2014) atestou que um indivíduo pode, por exemplo, decidir desfiliar-se de sua denominação (Pertencimento) motivado por fatores políticos, sem que sua crença seja afetada.

Para analisar o Pertencimento, foi escolhida a questão referente à denominação religiosa à qual o indivíduo pertence. Para o Comportamento, utilizou-se a questão referente à frequência de comparecimento do indivíduo aos cultos, missas ou eventos religiosos.5 5 Inicialmente pensou-se em incorporar a pergunta sobre frequência de oração/reza dos indivíduos nesta faceta, mas os dados sobre essa prática não foram coletados em todas as ondas. No âmbito da Crença, foram selecionadas três questões, com opções de respostas no formato de escalas Likert com diferentes números de categorias. A primeira delas (C1) trata do nível de importância que a religião tem para o respondente, com quatro possíveis respostas, indo de 1) Muito importante a 4) Sem importância. A segunda (C2) refere-se ao quanto a pessoa se considera religiosa, com três possíveis respostas: 1) Pessoa religiosa; 2) Pessoa não religiosa; e 3) Ateu convicto. Por fim, a terceira categoria (C3) aborda o nível de importância de Deus na vida da pessoa, numa escala de 1 a 10.

Especificamente para a faceta Crença, foi criado um escore, que varia de 0 a 100, a fim de obter uma visão geral do nível de crença em Deus dos respondentes. Note que C1 e C2 possuem relação inversamente proporcional ao nível de crença, e isso deve ser levado em consideração no cálculo do escore. Assim, o cômputo do escore Crença para cada indivíduo se deu pela expressão abaixo:

[ ( 1 - C 1 × 5 - 5 15 ) + ( 1 - C 2 × 5 - 5 10 ) + C 3 × 5 - 5 45 ] × 100 3

Nessa fórmula para calcular o Escore Crença, C1 pode assumir valores em {1,2,3,4}, C2 assume valores em {1,2,3} e C3, valores em {1,2,3,4,5,6,7,8,9,10}.

Para realização do tratamento dos dados e análises estatísticas, utilizou-se o software R, o qual consiste em um ambiente computacional que possibilita cálculo de testes estatísticos, bem como a geração de gráficos. O software é livre e pode ser utilizado gratuitamente (Cf. R 2020R Development Core Team (2011), R: A language and environment for statistical computing. Vienna: R Foundation for Statistical Computing. Disponível em: Disponível em: http://www.R-project.org/ . Acesso em janeiro de 2020.
http://www.R-project.org/...
). Os testes estatísticos utilizados foram Qui-quadrado de independência, Kruskal-Wallis, correlação de postos de Spearman e Wilcoxon-Mann-Whitney (Cf. Siegel & Castellan 1988SIEGEL, Sidney & CASTELLAN, N. John. (1988), Nonparametric statistics for the behavioral sciences. New York: McGraw Hill.; Pontes et al. 2010PONTES, Antonio Carlos Fonseca. (2010), “Ensino da Correlação de Postos no Ensino Médio”. 19º Simpósio Nacional de Probabilidade e Estatística, Estância de São Pedro: SINAPE.).

É importante salientar que foram retirados das amostras os NA (Not Available ou missings), indivíduos que não responderam algumas das questões mencionadas. A Tabela 1 mostra a quantidade de respondentes antes e depois da retirada desse grupo.

Tabela 1
Número de respondentes nas amostras antes e após a retirada dos indivíduos com alguma resposta NA, subdivididos por anos de coleta da pesquisa

Relação entre religião e política no Brasil (1990-2010)

Posição ideológico-partidária dos brasileiros

Para trazer um panorama sobre a percepção política do eleitorado brasileiro, analisou-se primeiramente a variável que apresentava dados sobre o nível de importância dado à política pelos indivíduos. Os resultados apresentados na Figura 1 demonstram que a importância da política para os brasileiros decaiu ao longo dos anos. Na categoria “Muito importante”, há uma queda de 31,26% em 1990-1994 para 14,72% em 2010-2014. As categorias “Pouco importante” e “Sem importância”, por sua vez, apresentaram um aumento dos pontos percentuais, passando de 21,61% e 21,15%, em 1990-1994, para 29,94% e 26,71% em 2010-2014, respectivamente.6 6 O teste Qui-quadrado evidencia a diferença entre os níveis de importância da política para os respondentes ao longo dos anos, com um nível de 1% de significância.

Para mensurar o partidarismo, utilizou-se a classificação apresentada por Samuels e Zucco (2018SAMUELS, David J. & ZUCCO, Cesar. (2018), Partisans, antipartisans, and nonpartisans: Voting behavior in Brazil. Cambridge: Cambridge University Press.) em Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil. Os autores comprovaram a existência de uma clivagem observada no eleitorado brasileiro desde os anos 1980, definida pela simpatia e antipatia pelo Partido dos Trabalhadores (PT). A noção de antipetismo vem da discussão sobre identidade negativa, preconizada por Campbell et al. (1960CAMPBELL, Angus et al. (1960). The American Voter. New York: Wiley.). Por esse conceito, entende-se que os indivíduos podem alimentar tanto uma relação de empatia quanto de discordância com um partido, e essa posição contrária a um partido pode significar mais politicamente do que uma posição de concordância a outro, por exemplo. O multipartidarismo presente no contexto brasileiro dificulta uma explícita identificação partidária como a oposição entre republicanos e democratas nos EUA. Contudo, o PT, diferente de outros partidos, teria sido capaz de promover ao longo das décadas um relevante engajamento partidário, mesmo num cenário desfavorável para filiações. Essa atuação resultou na obtenção de adeptos e opositores, reputados como petistas e antipetistas, respectivamente.

Figura 1
Frequências absolutas das opiniões dos brasileiros sobre a importância da política

Samuels e Zucco (2018SAMUELS, David J. & ZUCCO, Cesar. (2018), Partisans, antipartisans, and nonpartisans: Voting behavior in Brazil. Cambridge: Cambridge University Press.) demonstraram que o antipetismo não foi fruto de momentos críticos do governo do PT, como durante a presidência de Dilma Rousseff, mas teve grande expressão mesmo nos dias gloriosos - economicamente falando - do governo Lula. A apatia em relação aos partidos foi interpretada como uma posição apartidária. Para análise do partidarismo neste estudo, utilizou-se as categorias de Petistas, Antipetistas e Apartidários. Foram classificados como antipetistas todos os respondentes que declararam que votariam em partidos diferentes do PT.7 7 Neste trabalho, decidimos incluir todos os que não votaram no PT no grupo de antipetistas. Respondentes que escolheram a opção “outros” na pergunta sobre em qual partido votariam também foram inseridos na categoria de Antipetismo. Uma definição mais clara dessa posição seria possível através da pergunta “Com qual partido você não se simpatiza?”. No entanto, essa questão não estava disponível em todas as Ondas avaliadas. Como apartidários, consideraram-se os respondentes que declaram que votariam em “nenhum” partido, “não votariam”, “votariam em branco” ou “anulariam o voto”.

De acordo com os resultados apresentados na Figura 2, observa-se que ao longo dos anos as porcentagens de indivíduos que se consideram apartidários aumentaram significativamente, saindo de 0,00% em 1990-1994 e 1995-1998, e chegando a 56, 05% em 2010-2014. Houve também uma redução considerável no número de antipetistas e, em menor grau, dos petistas. Pelos dados, pode-se entender que ao longo dos anos houve um deslocamento de petistas e antipestistas em direção a uma posição apartidária.8 8 O teste Qui-quadrado evidenciou diferença entre os posicionamentos partidários e os grupos dos anos de coleta da pesquisa. No tocante à ideologia (Fig. 3), observou-se que a maior porcentagem dos indivíduos de ideologia de direita encontra-se na amostra coletada nos anos 1995-1998, correspondendo aproximadamente à metade da amostra (51,21%) desses anos.

Figura 2
Frequências absolutas dos posicionamentos partidários dos brasileiros
Figura 3
Frequências absolutas das ideologias partidárias dos brasileiros

Entretanto, nos últimos anos (2010-2014), o grupo de ideologia moderada apresentou a maior porcentagem (36,39%), seguido pelo grupo de direita (34,68%), e, por fim, o grupo de esquerda (28,93%). Os dados demonstram que, diante da polarização política, há um aumento significativo dos eleitores que evitam posicionar-se nos extremos. Isso se reflete no crescimento expressivo de apartidários e no aumento do posicionamento ideológico moderado. Ao investigar uma tendência semelhante nos EUA, Treier e Hillygus (2009TREIER, Shawn & HILLYGUS, D. Sunshine. (2009), “The nature of political ideology in the contemporary electorate.” Public Opinion Quarterly , vol. 73, nº 4: 679-703.), utilizando dados do ANES (1972-2000), descobriram que os identificados com partidos têm menos chances de se declararem moderados do que apartidários. Além disso, indivíduos com maior conhecimento político também têm menos probabilidade de se posicionar ideologicamente como moderados. Contudo, Treier e Hillygus mostraram que, ao contrário do que se pensava até então, considerar-se moderado não está necessariamente associado à falta de conhecimento político ou sofisticação. Pelo contrário, indivíduos que se sentem pressionados entre posicionamentos liberais ou de esquerda em temas econômicos e conservadores ou de direita em temas sociais têm maior probabilidade de se autodeclararem moderados quando questionados sobre sua posição ideológica. A complexidade multidimensional da política muitas vezes não é captada por posicionamentos ideológico-partidários unidimensionais (Treier & Hillygus 2009).

As três facetas da religião

Na faceta Pertencimento,9 9 Nessa variável condensamos os respondentes que se declararam “protestantes” e “evangélicos” em uma só categoria: evangélicos. Como dito anteriormente, pesquisas feitas nos EUA costumam diferenciar entre ‘mainline protestants’ e ‘evangelicals’ em suas análises. O WVS seguindo a tendência oferece essas diferentes opções. Nessa variável, a categoria Outros abarcou respondentes que se declararam pertencentes às seguintes denominações: Budista, Espírita, Candomblé, Umbanda, Judaísmo, Esoterismo, Ocultismo, Muçulmana e Ortodoxa. os respondentes foram questionados sobre a denominação religiosa à qual pertencem (Fig. 4). Os dados mostram que, ao longo dos anos, houve um declínio da porcentagem de católicos romanos, que correspondiam a 74,48% da amostra em 1990-1994, passando a compor 55,34% da população em 2010-2014. Por outro lado, nesse ínterim, os evangélicos apresentaram um aumento expressivo, ascendendo de 4,14% em 1990-1994 para aproximadamente um quarto da amostra em 2010-2014.10 10 O teste Qui-quadrado apresentou diferença significativa ao nível de 1% entre os anos de pesquisa e as denominações religiosas às quais os respondentes pertencem.

Figura 4
Frequências absolutas das denominações religiosas dos brasileiros

Na relação entre denominação religiosa e importância dada à religião, as maiores porcentagens encontram-se na denominação católica romana, variando entre 49,31% (categoria “Muito importante”, nos anos 2010-2014) e 76,99% (categoria “Importante”, nos anos 1990-1994). No entanto, os testes Qui-quadrado aplicados aos grupos de anos de coleta não evidenciaram diferença significativa entre a denominação religiosa dos respondentes e sua opinião com relação à importância da política.

No tocante ao partidarismo (Fig. 5), verificou-se que tanto em 1990-1994 quanto em 1995-1998 há uma porcentagem maior de indivíduos que não possuem denominação religiosa no grupo dos petistas (17,81% para 1990-1994 e 17,98% para 1995-1998), quando comparados com os antipetistas (11,76% para 1990-1994 e 7,58% para 1995-1998). Nos períodos seguintes, surgem respondentes apartidários, e em todos os grupos partidários o catolicismo romano se sobressai, com porcentagens variando entre 53,82% (católicos romanos antipetistas em 2010-2014) e 70,83% (católicos romanos petistas em 2005-2008). Com exceção dos anos 2010-2014, houve diferença significativa entre os grupos partidários e as denominações religiosas dos respondentes, de acordo com os testes Qui-quadrado.11 11 Para os anos 1990-1994: x2=6,3409; g.l=3, p-valor=0,096*. De 1995-1998: x2=20,187; g.l=3, p-valor=0,01***. De 2005-2008: x2=15,999; g.l=6, p-valor=0,014**.

Figura 5
Frequências absolutas das denominações religiosas e partidarismo dos brasileiros

Observando cada denominação religiosa em específico, verifica-se que, entre os católicos romanos e os evangélicos, as categorias de ideologias direita e moderada apresentam maiores porcentagens, quando comparadas com a ideologia de esquerda. Já para os indivíduos que alegaram não fazer parte de denominação alguma, a predominância está na categoria ideológica de esquerda, seguida pela moderada, principalmente nos últimos anos (2005-2008 e 2010-2014). De acordo com o teste Qui-quadrado, evidenciou-se diferença estatística ao nível de 1% entre denominação religiosa e ideologia política apenas nos anos 2005-2008.12 12 Dados do Teste: 2005-2008: x2=49,545; g.l=6, p-valor<0,01 significativo a 1%. Em outras palavras, há uma chance muito remota (1%) de que a associação observada entre a denominação religiosa e a ideologia política tenha ocorrido por acaso, indicando uma forte relação entre essas duas variáveis no período específico analisado.

No tocante à Crença (Figs. 6 e 7), os dados mostraram que os respondentes dos anos 1995-1998 apresentaram os maiores escores, com média igual a 91,08 e mediana 100,00. Essa mediana infere que, no mínimo, 50% dos indivíduos possuíam escore máximo de crença (100,00) naqueles anos. Tendo a Onda 3 como parâmetro, é perceptível uma queda na média de crença dos brasileiros ao longo dos anos. O teste Kruskal-Wallis13 13 O teste de Kruskal-Wallis é uma técnica estatística não paramétrica usada para determinar se há diferenças significativas entre três ou mais grupos independentes em relação a uma variável dependente contínua. Ele é semelhante à análise de variância (ANOVA), mas é utilizado quando os pressupostos da ANOVA paramétrica não são atendidos, como a normalidade dos dados ou a homogeneidade das variâncias. No contexto fornecido, o teste de Kruskal-Wallis foi aplicado para investigar se há diferenças nos escores da faceta Crença entre os grupos de anos de pesquisa e entre as diferentes denominações religiosas dos respondentes. mostrou fortes indícios de diferença dos escores de crença entre os grupos de anos de pesquisa, com p-valor=0,01 14 14 Um p-valor inferior a 0,01, sugere que essa diferença é estatisticamente significativa. . Ademais, ao aplicar o teste de Kruskal-Wallis, tem-se fortes evidências da diferença entre a distribuição dos escores de crença e as denominações religiosas dos respondentes. Colocando em ordem decrescente a média dos escores de crença, temos os evangélicos em primeiro (93,35), seguidos pela categoria “Outros” (91,24), católicos romanos (90,92) e, por fim, os indivíduos que não possuem denominação alguma (74,45).15 15 Para o teste: x2=307,36; g.l=3, p-valor<0,01 significativo a 1%.

Figura 6
Histogramas dos escores de crença dos indivíduos
Figura 7
Densidade de probabilidade dos escores de crença dos indivíduos

Na relação entre a variação da Crença dos brasileiros ao longo dos anos e a importância dada à política (Figs. 8, 9, 10 e 11), observa-se que as maiores médias de escores dessa faceta encontram-se na categoria “Muito importante” do nível de importância da política para os respondentes, com exceção apenas dos anos 2010-2014, que apresentam um escore médio de 89,87. Esse dado aponta para a realidade de que brasileiros com crenças religiosas mais consolidadas, em termos de nível de fé, também são aqueles que mais consideram a política como instrumento importante no cenário em que vivem. Apenas nos anos 2005-2008 não houve diferença significativa entre a distribuição dos escores de crença e o nível de importância da política atribuído pelos respondentes.

Figura 8
Histogramas dos escores de crença estratificados por nível de importância política (1990-1994)
Figura 9
Histogramas dos escores de crença estratificados por nível de importância política (1995-1998)
Figura 10
Histogramas dos escores de crença estratificados por nível de importância política (2005-2008)
Figura 11
Histogramas dos escores de crença estratificados por nível de importância política (2010-2014)

Em relação ao partidarismo, foi possível averiguar que, em todas as Ondas, houve diferença estatisticamente significativa entre as distribuições dos escores de Crença e os posicionamentos partidários, ao nível de 5% de significância (Figs. 12, 13,14 e 15). Nos dois primeiros períodos da pesquisa (1990-1994 e 1995-1998), os petistas apresentaram as menores médias de escores da faceta Crença (83,07 e 89,20). Entretanto, essa situação se inverte nos anos posteriores, com escores de 93,71 nos anos 2005-2008 e 90,84 nos anos 2010-2014. Esse resultado contraria outros achados que frequentemente apontam para os petistas como o grupo menos religioso em relação aos demais.

Essa discrepância pode ser compreendida à luz do que Hout e Fischer (2002HOUT, Michael, & FISCHER, Claude S. (2002). “Why more Americans have no religious preference: Politics and generations”. American Sociological Review, vol. 67, nº 2: 165-190.), entre outros pesquisadores, relataram sobre o impacto das identidades políticas na identidade religiosa, que se manifesta mais no Pertencimento (Belonging) e Comportamento (Behaving) do que na Crença (Believing). A descrença em aspectos religiosos centrais, como a existência de Deus, céu, inferno, entre outros tópicos característicos do secularismo passivo, não resulta necessariamente do impacto da política sobre a religião. Por isso, é importante analisar as três facetas da religião separadamente.

Figura 12
Histogramas dos escores de crença estratificados por partidarismo (1990-1994)
Figura 13
Histogramas dos escores de crença estratificados por partidarismo (1995-1998)
Figura 14
Histogramas dos escores de crença estratificados por partidarismo (2005-2008)
Figura 15
Histogramas dos escores de crença estratificados por partidarismo (2010-2014)

Analisando-se o posicionamento ideológico em relação à Crença, verificou-se que em todos os períodos os indivíduos que declararam assumir ideologia política de direita possuem os maiores escores médios, variando entre 90,39 e 91,98. Já os indivíduos de esquerda possuem as menores médias, com valores entre 81,92 e 89,05. O teste Kruskal-Wallis apontou diferença, com pelo menos 10% de nível de significância, entre os escores de Crença dos grupos de ideologias políticas, em todos os períodos de coleta da pesquisa.16 16 Dados do Teste: para os anos 1990-1994: x2=14,789; g.l=2, p-valor<0,01 significativo a 1%; 1995-1998: x2=5,1598; g.l=2, p-valor=0,0757 significativo a 1%; 2005-2008: x2=14,979; g.l=2, p-valor<0,01 significativo a 10%; 2010-2014: x2=9,2575; g.l=2, p-valor<0,0098 significativo a 10%.

Na faceta Comportamento, observou-se que, especificamente nos anos 1990-1994, as maiores porcentagens, em todas os níveis de importância da política foram encontradas nas categorias de indivíduos que raramente comparecem a culto, missa ou evento religioso, variando entre 20,59% e 30,09%. No entanto, o único período da coleta da pesquisa que apresentou diferença estatisticamente significativa entre frequência de culto, missa ou evento religioso e importância da política foi o de 2010-2014, com p-valor menor que 0,01.17 17 Dados do Teste: x2=38,098; g.l=18, p-valor<0,01 significativo a 1%.

Em relação ao partidarismo, verificou-se queapenas nos dois primeiros períodos houve significância estatística na diferença entre a frequência a evento religioso e o posicionamento partidário dos respondentes. Comparado aos antipetistas, o grupo dos petistas apresenta procentagem menores na categoria de frequência “Mais de uma vez na semana” e maiores em “Raramente” e “Nunca/quase nunca”, em ambos os períodos (1990-1994 e 1995-1998)18 18 20 Dados do Teste: 1990-1994: x2=14,043; g.l=6, p-valor=0,029 significativo a 5%; 1995-1998: x2=15,067; g.l=5, p-valor=0,0101 significativo a 5%. .

Houve diferença estatística entre frequência de culto, missa ou evento religioso e ideologia política em todos os anos de coleta da pesquisa (Fig. 16). Note-se que o grupo ideológico de esquerda é o que possui menor frequência de culto, com as menores porcentagens em “Mais de uma vez por semana”, variando entre 5,36% e 18,12%, e as maiores em “Raramente” e “Nunca/quase nunca”, variando entre 9,81% e 29,76%. Percebe-se que as frequências de “Mais de uma vez na semana” têm mostrado um aumento gradativo nas porcentagens de indivíduos ao longo dos anos em todos os grupos ideológicos. Esse dado possivelmente está relacionado ao aumento do número de evangélicos no país, tendo em vista que esse grupo costuma ter uma prática de fé mais regular que os brasileiros das demais denominações.

Figura 16
Frequências absolutas do comportamento religioso estratificado por ideologia política dos respondentes, subdivididos por anos de pesquisa.

Razão de Importância Política/Religião

Para avaliar a relação entre a importância da política e da religião ao longo dos anos e compará-las considerando a ideologia e o partidarismo dos respondentes, foi calculada uma nova variável denominada razão de importância política/religião. Esta consiste literalmente na razão entre a importância que a política e a religião têm para o indivíduo. Ambas variáveis possuem quatro respostas possíveis: 1) Muito importante, 2) Importante, 3) Pouco importante e 4) Sem importância. Assim, ao calcularmos a razão entre elas, temos:

Razão da importância política/religião = Importância da Política Importância da Religião

Nesse cálculo, a razão da importância política/religião assume valores que variam de 0,25 até 4,00. Para fins de interpretação, valores mais próximos de 4,00 indicam que o indivíduo considera a política menos importante que a religião, e valores mais próximos de 0,25 indicam que a religião é considerada menos importante que a política.

Ao longo dos períodos de coleta dos dados da pesquisa (Fig. 17), observa-se que a média das razões de importância política/religião aumenta, partindo de 1,68 para 1,99. Aplicando o teste Kruskal-Wallis, obtém-se um p-valor menor que 0,01, indicando diferença estatisticamente significativa entre os anos e a razão de importância, ao nível de 1%. Considerando a ordinalidade das categorias dos anos, ao realizar o teste não-paramétrico de correlação de Spearman, obtém-se correlação forte (0,8) entre as médias de razões de importância política/religião e os grupos dos anos. Isso significa que, ao longo dos anos, a média de importância dada à religião, em relação à política, tem aumentado.

Figura 17
Histogramas das razões de importância política/religião dos respondentes por anos de pesquisa

Comparando as razões de importância a cada dois períodos, só não houve diferença estatisticamente significativa entre os anos 1995-1998 e 2005-2008, com p-valor igual à 0,3736 ( W=0,03736 ) no teste Wilcoxon-Mann-Whitney. Os demais grupos de anos apresentaram p-valores menores que 0,0134, indicando diferença significativa entre as razões de importância dos anos 1990-1994 e 2010-2014, quando comparadas às demais, com 5% de significância.

Em relação ao partidarismo, como pode ser visto na Tabela 2 abaixo, os dados mostram que a média da razão importância política/religião dos indivíduos apartidários é maior que as demais (2,02). O teste Kruskal-Wallis evidencia diferença entre os grupos petistas, antipetistas e apartidários em relação aos valores das razões de importância política/religião, com p-valor menor que 0,01. Esses resultados sugerem que a filiação partidária pode influenciar a importância atribuída à política em relação à religião.

Tabela 2
Razões de importância política/religião dos respondentes, subdivididos por posicionamento partidário

O único grupo de pessoas que apresentou uma razão de importância política/religião estatisticamente diferente dos outros dois foi o grupo dos apartidários, com p-valor menor que 0,001 no teste Wilcoxon-Mann-Whitney, quando comparado aos petistas ( W=289690 ) e antipetistas ( W=721240 ). Observa-se que esse grupo apresenta a maior média (2,02) de razão de importância política/religião, bem como a maior mediana (2,00). Isso significa que pelo menos 50% dos indivíduos apartidários possuem valores de razão de importância política/religião maiores que 2,00. Os apartidários abarcariam, portanto, brasileiros bastante religiosos que estão no “limbo” entre os extremos políticos e preferem abster-se. Conforme discutido por Treier e Hillygus (2009TREIER, Shawn & HILLYGUS, D. Sunshine. (2009), “The nature of political ideology in the contemporary electorate.” Public Opinion Quarterly , vol. 73, nº 4: 679-703.), isso aponta para indivíduos pressionados entre divergentes posicionamentos ideológico-partidários em temas diversos.

Quando avaliada a ideologia dos indivíduos (Tabela 3), houve diferença estatisticamente significativa, ao nível de 5%, entre a distribuição das razões de importância política/religião dos grupos de direita, moderados e de esquerda, de acordo com o teste não-paramétrico Kruskal-Wallis. Os brasileiros que se consideram ideologicamente moderados são mais religiosos que os demais, seguidos pelos de direita e os de esquerda. Indivíduos que assumem a ideologia de esquerda tendem a priorizar suas identidades políticas sobre as religiosas.

Tabela 3
Estatísticas descritivas básicas das razões de importância política/religião dos respondentes, subdivididos por ideologia política

Considerações finais

O presente artigo buscou contribuir no campo da Ciência Política no Brasil para o estudo da relação entre a identidade religiosa e a identidade política dos brasileiros. Seguindo a literatura que tem abordado o impacto da religião sobre a política, buscou-se mapear como os grupos ideológico-partidários importantes diferem em sua religiosidade. Os resultados apresentados na seção anterior mostram diferenças estatísticas significativas entre petistas, antipetistas e partidários, assim como entre ideólogos moderados, de direita e de esquerda, nas categorias de Pertencimento, Crença e Comportamento. Além disso, demonstrou-se a diferença da importância atribuída à política em relação à religião ao longo dos anos. Com base nos dados, é possível identificar uma correlação entre as categorias da identidade política e religiosa, mas não o nível de impacto de um sobre o outro.

Como é evidente, a presente proposta se deparou com delimitações, como a ausência de dados de painel que trouxessem informações sobre o eleitorado ao longo do tempo, permitindo uma análise mais detalhada dos fatores religiosos. Esse tipo de dado permitiria avaliar a real exogeneidade da religião sobre a política no contexto brasileiro, e se o eleitorado tem sido afetado por dissonância cognitiva e entrado em um ciclo de retornos crescentes.

Pesquisas futuras poderão explorar mais a fundo essa correlação e até mesmo investigar a direção da causalidade nesse contexto. Esses achados contribuem para a literatura na Ciência Política que tem reconhecido a identidade política como uma importante identidade social para o eleitorado. Não se pode assumir que identidades sociais consideradas sempre como unmoved movers irão permanecer completamente intactas ao longo das gerações, diante dos contextos que estão em constante em transformação.

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  • DIAP. (2018). “Eleições 2018: bancada evangélica cresce na Câmara e no Senado”. Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, 18 out. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.diap.org.br/index.php/noticias/noticias/88900-eleicoes-2018-bancada-evangelica-cresce-na-camara-e-no-senado Acesso em: 08/02/2020.
    » https://www.diap.org.br/index.php/noticias/noticias/88900-eleicoes-2018-bancada-evangelica-cresce-na-camara-e-no-senado
  • 1
    Estudos feitos nos EUA costumam diferenciar entre mainline protestants e evangelicals em suas análises. Contudo, para o contexto brasileiro, acreditamos que essa diferenciação não faz tanto sentido. A diferenciação maior se dá dentro da categoria de evangélicos entre aqueles que se consideram, por exemplo, tradicionais, pentecostais e neopentecostais.
  • 2
    O secularismo passivo seria caracterizado pela descrença em aspectos religiosos importantes, como a existência de Deus, céu e inferno. O secularismo ativo, por outro lado, seria caracterizado por uma identificação com crenças e pensamento seculares e possível defesa desses valores.
  • 3
    Eleições 2018: bancada evangélica cresce na Câmara e no Senado.
  • 4
    As Ondas 1 (1981-1984) e 4 (1999-2004) não possuem dados sobre o Brasil e os dados da Onda 7 (2017-2020) ainda estão sendo processados.
  • 5
    Inicialmente pensou-se em incorporar a pergunta sobre frequência de oração/reza dos indivíduos nesta faceta, mas os dados sobre essa prática não foram coletados em todas as ondas.
  • 6
    O teste Qui-quadrado evidencia a diferença entre os níveis de importância da política para os respondentes ao longo dos anos, com um nível de 1% de significância.
  • 7
    Neste trabalho, decidimos incluir todos os que não votaram no PT no grupo de antipetistas. Respondentes que escolheram a opção “outros” na pergunta sobre em qual partido votariam também foram inseridos na categoria de Antipetismo. Uma definição mais clara dessa posição seria possível através da pergunta “Com qual partido você não se simpatiza?”. No entanto, essa questão não estava disponível em todas as Ondas avaliadas.
  • 8
    O teste Qui-quadrado evidenciou diferença entre os posicionamentos partidários e os grupos dos anos de coleta da pesquisa.
  • 9
    Nessa variável condensamos os respondentes que se declararam “protestantes” e “evangélicos” em uma só categoria: evangélicos. Como dito anteriormente, pesquisas feitas nos EUA costumam diferenciar entre ‘mainline protestants’ e ‘evangelicals’ em suas análises. O WVS seguindo a tendência oferece essas diferentes opções. Nessa variável, a categoria Outros abarcou respondentes que se declararam pertencentes às seguintes denominações: Budista, Espírita, Candomblé, Umbanda, Judaísmo, Esoterismo, Ocultismo, Muçulmana e Ortodoxa.
  • 10
    O teste Qui-quadrado apresentou diferença significativa ao nível de 1% entre os anos de pesquisa e as denominações religiosas às quais os respondentes pertencem.
  • 11
    Para os anos 1990-1994: x2=6,3409; g.l=3, p-valor=0,096*. De 1995-1998: x2=20,187; g.l=3, p-valor=0,01***. De 2005-2008: x2=15,999; g.l=6, p-valor=0,014**.
  • 12
    Dados do Teste: 2005-2008: x2=49,545; g.l=6, p-valor<0,01 significativo a 1%.
  • 13
    O teste de Kruskal-Wallis é uma técnica estatística não paramétrica usada para determinar se há diferenças significativas entre três ou mais grupos independentes em relação a uma variável dependente contínua. Ele é semelhante à análise de variância (ANOVA), mas é utilizado quando os pressupostos da ANOVA paramétrica não são atendidos, como a normalidade dos dados ou a homogeneidade das variâncias. No contexto fornecido, o teste de Kruskal-Wallis foi aplicado para investigar se há diferenças nos escores da faceta Crença entre os grupos de anos de pesquisa e entre as diferentes denominações religiosas dos respondentes.
  • 14
    Um p-valor inferior a 0,01, sugere que essa diferença é estatisticamente significativa.
  • 15
    Para o teste: x2=307,36; g.l=3, p-valor<0,01 significativo a 1%.
  • 16
    Dados do Teste: para os anos 1990-1994: x2=14,789; g.l=2, p-valor<0,01 significativo a 1%; 1995-1998: x2=5,1598; g.l=2, p-valor=0,0757 significativo a 1%; 2005-2008: x2=14,979; g.l=2, p-valor<0,01 significativo a 10%; 2010-2014: x2=9,2575; g.l=2, p-valor<0,0098 significativo a 10%.
  • 17
    Dados do Teste: x2=38,098; g.l=18, p-valor<0,01 significativo a 1%.
  • 18
    20 Dados do Teste: 1990-1994: x2=14,043; g.l=6, p-valor=0,029 significativo a 5%; 1995-1998: x2=15,067; g.l=5, p-valor=0,0101 significativo a 5%.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2022
  • Aceito
    14 Maio 2024
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