Resumos
Neste artigo, trato da relação entre evangélicos e espaço público do ponto de vista das práticas sonoras que operam na chamada "Marcha para Jesus". A "Marcha para Jesus" ocorre anualmente em centenas de cidades e consiste em uma caminhada por locais vistos como importantes para a cidade, acompanhada por músicas evangélicas entoadas em alto som. Nesses eventos, em que se conectam esferas comumente imaginadas como distintas, como religião, indústria cultural (mercado) e política, o som estabelece e dilui fronteiras. Uma coletividade evangélica é performada e se engaja em batalhas sonoras e espirituais pela cidade.
evangélicos; batalha espiritual; paisagens sonoras
In this article, I analyse the relationship between evangelicals and public space through the sound practices of the “Marcha pra Jesus” (“March for Jesus”). The “March for Jesus”, which happens annually in hundreds of cities, is a parade in which people through places seen as important to the city, accompanied by gospel songs sung loudly. In these events, religion, culture industry (market) and political, commonly imagined as distinct, are connected through the sound. A collectivity of “evangelicos” ir performed and engaged through sound practices in the “batalha spiritual” for the city.
evangélicos; spiritual battle; soundscape
Pelo Senhor Marchamos, sim O seu exército Poderoso é Sua glória será vista em toda terra Vamos cantar o hino da vitória "Glória Deus" vencemos a batalha toda arma contra nós perecerá2 2 Trecho de "O hino da vitória", música entoada na abertura das Marchas para Jesus cariocas.
Basta abrir os jornais deste ano eleitoral de 2014 para se dar conta de que os "evangélicos" estão na ordem do dia dos debates públicos. O "voto evangélico", o "mercado evangélico", o "fundamentalismo evangélico" são algumas das palavras-chave que mais aparecem nas manchetes e slogans políticos.
De fato, entre as profundas transformações que marcaram o Brasil desde a redemocratização, a mudança no perfil de participação de grupos reunidos sob esse título é um dos casos mais relevantes. Além de se tornarem assunto de repercussão midiática, vimos crescentes investimentos de setores evangélicos na produção midiática, em especial na televisão e na música (Almeida 2009ALMEIDA, Ronaldo. (2009), A Igreja Universal e seus demônios. São Paulo: Terceiro Nome.; Cunha 2007CUNHA, Magali do Nascimento. (2007), A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X.; De Paula 2008DE PAULA, Robson Rodrigues. (2008), 'Audiência do Espírito Santo': música evangélica, indústria fonográfica e formação de celebridades no Brasil. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Ciências Sociais, PPCIS/UERJ.; Fonseca 1997FONSECA, Alexandre Brasil. (1997), "Além da evangelização: interpretações a respeito da presença das igrejas evangélicas na mídia brasileira". Comunicação & Política, v. 4, n. 3: 81-116.; Rosas 2013ROSAS, Nina. (2013), "Religião, mídia e produção fonográfica: o Diante do Trono e as disputas com a Igreja Universal". Religião e Sociedade, v. 33, n. 1: 167-194.).
A inserção na política parlamentar, que culminou na formação de uma Frente Parlamentar Evangélica, tem sido um dos fenômenos mais marcantes de referência aos "evangélicos" como um conjunto geral que congrega diferentes denominações nos debates públicos.
Assim, se é preciso fazer muitas ressalvas sobre a heterogeneidade que se esconde sob o termo "evangélicos" , é possível também se perguntar: por que essa referência geral, que costuma incomodar nossos ouvidos especializados na diferença, persiste e em que experiências ela se fundamenta? Ou seja, em que medida é possível identificar elementos comuns entre os setores que vêm assumindo o papel de "evangélicos" no debate público nacional, seja por autoidentificação seja por classificação de outros?
Essa é uma questão que merece investigação ampla. Neste artigo, procuro trazer alguns elementos para pensar esse quadro a partir da chamada "Marcha para Jesus". Nas versões brasileiras desse evento, que ocorre anualmente em centenas de cidades em todo o mundo, uma coalizão que inclui diferentes denominações evangélicas reivindica uma ocupação da cidade em nome de Jesus.
Como um evento que traz milhares de pessoas às ruas para "mostrar a força dos evangélicos neste país"3 3 Chamada executada na rádio 93 FM convocando para a Marcha para Jesus de 2012. , a Marcha é um espaço privilegiado para pensar que elementos constroem essa unidade "evangélica" para além dos discursos das lideranças que se propõem a falar em nome do segmento.
Ali, a música gospel4 4 Embora haja diferentes sentidos atribuídos ao termo gospel - para os objetivos do presente texto -, uso esse termo para me referir à produção musical e cultural que orbita o universo evangélico a partir dos anos 1990, referenciada historicamente no avanço da organização de uma indústria fonográfica evangélica e, mais recentemente, no investimento de gravadoras vistas como "seculares" neste setor, consolidando o "gospel" como gênero musical, conforme o processo descrito por Magali Cunha (2007). ocupa um lugar central, sendo coroado um repertório musical que circula entre os diferentes "evangélicos" brasileiros. Os sons são capazes de efetivar as relações entre Deus, os homens e a cidade, tomada pelo diabo, que as orações e louvores dos fiéis vêm retomar.
Por isso, minha proposta neste trabalho é seguir a Marcha a partir de seu som e levar a sério a fala dos participantes quando afirmam que o objetivo de sua presença é "se fazer "ouvir"5 5 Sigo aqui a ideia de Victor Turner (1986, 1987) de que a performance é experiência em sua completude. Trato essas práticas, portanto, como a própria existência performada dos "evangélicos". nesses eventos multivocais, que vinculam pastores, parlamentares, cantores, músicos, e um público de evangélicos e não evangélicos.
O texto que se segue é uma tentativa de apresentar esse percurso sonoro, que passa pelos alto-falantes dos trios elétricos, por vozes de cantores e do público, por gritos descontentes e louvores proféticos.
Antes de tratar propriamente da Marcha, porém, é preciso apresentar alguns dos pressupostos que levaram a esse enquadramento específico do problema.
Para ouvir a Marcha: evangélicos, religião e mídia
Se no início dos anos 1980 Rubem César Fernandes ainda apontava para uma escassez de estudos acerca dos evangélicos e atribuía isso à sua condição minoritária no conjunto da população brasileira (Fernandes 1984FERNANDES, Rubem César. (1984), "'Religiões populares': uma visão parcial da literatura recente". Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais – BIB, n. 18: 3-26.), as décadas que se seguiram viram um crescimento considerável dos evangélicos e de sua presença nos debates nacionais e nos estudos acadêmicos.
O crescimento numérico constatado a partir dos anos 1980, especialmente de denominações pentecostais e neopentecostais, transformou as maneiras de imaginar os evangélicos no Brasil. Após as duas décadas que separam o censo de 1991 e o de 2010, o percentual de declarantes evangélicos passou de 9% para 22,2%, um aumento sobretudo de denominações pentecostais e neopentecostais (Mariano 1999MARIANO, Ricardo. (1999), "O futuro não será protestante". Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, v. 1, n. 1: 89-114.; Pierucci 2004PIERUCCI, Antônio Flávio. (2004), "Bye-bye Brasil: o declínio das religiões tradicionais no Censo 2000". Estudos Avançados, v. 18, n. 52: 17-28.; Teixeira e Menezes 2013STOLOW, Jeremy. (2005), "Religion and/as Media". Theory, Culture & Society, v. 22, n. 4: 119-145.).
Essa mudança quantitativa e qualitativa foi acompanhada de grandes transformações também nos modos de atuação evangélica no espaço público6 6 Embora não seja possível me estender aqui sobre os problemas da noção de "espaço público", me utilizo dela mantendo a ressalva de que as ideias acerca do que seja público têm uma história relacionada à constituição da modernidade, na qual também se inclui a construção de uma ideia de "religião" separada do "Estado" e da "política" (Montero 2006; Asad 1993, 2003). . O crescimento pentecostal e neopentecostal teria influenciado de maneira marcante as demais denominações, tanto no modo de ocupar a política institucional quanto na produção midiática.
É nesse sentido que Maria das Dores Machado (2003)MACHADO, Maria das Dores Campos. (2003), Existe um estilo evangélico de fazer política? In: P. Birman (org.). Religião e espaço público. São Paulo: Attar Editorial. se perguntava sobre a possibilidade de pensar um modo "evangélico" de fazer política e apontava uma tendência de que a prática de estimular votos em candidatos apoiados pela denominação, por exemplo, uma marca da entrada da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) na política institucional, influenciasse a maneira de lidar com a política parlamentar das demais denominações.
A análise da atuação da chamada Frente Parlamentar Evangélica realizada por Christina Vital e Paulo Victor Leite Lopes (2012) também ajuda a pensar a flexibilização de fronteiras entre diferentes denominações e a construção efetiva de um campo de atuação em comum que pretende falar pelos "evangélicos". A articulação em torno de pautas comuns - como o combate aos projetos de flexibilização das leis que proíbem o aborto ou à criminalização da homofobia, por exemplo - tem sido enfatizada como ponto de unidade para a ação de grupos que são muito diferentes entre si, discordam e concorrem em relação a outros pontos.
Da mesma forma, os recursos da indústria cultural, que estavam presentes desde os televangelismos dos anos 1970, sofreram grande influência da aquisição da Rede Record de televisão pela IURD e as novidades trazidas pela Igreja Renascer em Cristo à produção fonográfica evangélica (Cunha 2007CUNHA, Magali do Nascimento. (2007), A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X.; Rosas 2013ROSAS, Nina. (2013), "Religião, mídia e produção fonográfica: o Diante do Trono e as disputas com a Igreja Universal". Religião e Sociedade, v. 33, n. 1: 167-194.)
A presença dos programas de televisão, das rádios evangélicas e a consolidação de um mercado gospel estabeleceram novos patamares estéticos no imaginário sobre (e dos) os "evangélicos". A expansão do gospel e o aparecimento de grandes figuras públicas ligadas a esse segmento (Fausto Neto 2004; De Paula 2008) alcança uma arena ampla que inclui um público que não necessariamente se identifica como evangélico, mas passa a reconhecer algumas referências associadas a eles.
No entanto, se a heterogeneidade é constituinte dos grupos que se costuma reunir sob o nome de "evangélicos", isso não significa que todas as diferenças ocupem igual visibilidade. Como Talal Asad (1993ASAD, Talal. (1993), Genealogies of Religion: Discipline and Reasons of Power in Christianity and Islam. Baltimore: The Johns Hopkins University Press.; 2003_____________. (2003), Formations of the Secular: Christianity, Islam, Modernity. California: Standford University Press.) demonstrou, a criação de um campo discursivo para a "religião" não apenas a efetiva como também privilegia certos modos de imaginá-la, que, por sua vez, trazem consigo relações de poder e assimetria.
Nesse mesmo sentido, podemos pensar que a configuração dos "evangélicos" enquanto campo discursivo não é livre de assimetrias. Ao contrário, se dá a partir da produção de metonímias7 7 Não por acaso, há reações a essa "representação" atribuída a figuras públicas que falariam em nome dos evangélicos, como, por exemplo, no abaixo-assinado promovido pela rede fale a respeito da atuação de Marco Feliciano como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e as reportagens "Afinal, quem são os evangélicos?" e "Rebanho não tão uniforme" publicadas, respectivamente, na Carta Capital e no Estadão em inícios de setembro de 2014, complexificando o suposto apoio do voto evangélico à candidata à presidência de Marina Silva. Entendo que essas reações reforçam a ideia de que há uma assimetria na representação midiática acerca dos evangélicos. As reportagens estão disponíveis nos links: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/afinal-quem-sao-201cos-evangelicos201d-2053.html e http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,rebanho-nao-tao-uniforme,1555950 - acessados em 9 set. 2014. , apresentando certos grupos e lideranças como a totalidade dos "evangélicos" a partir das posições privilegiadas que ocupam em relação aos recursos da indústria cultural8 8 Embora muito venha sendo dito acerca de uma democratização dos meios de comunicação a partir da internet interativa, a chamada web 2.0, considero que o acesso a recursos de distribuição e propaganda ainda reúna grande poder nas mãos dos grande monopólios midiáticos. Desenvolvi argumentação mais detida sobre esse assunto em minha dissertação de mestrado e em artigo acerca do caso do tecnobrega (Sant'Ana 2013). e da política parlamentar.
Assim, tem sido possível pensar em "evangélicos" a partir do cruzamento entre uma produção parlamentar e midiática, revelando disputas e projetos que se tornam metonímia dos 22% dos brasileiros apontados pelo censo, ele próprio objeto de promoção midiática da existência desse segmento.
Aqui, pretendo apontar como a experiência e performance desses repertórios midiáticos por parte do público constitui uma prática que reúne o que se convencionou separar como política, religião e mídia e traz à vida uma certa coletividade "evangélica".
Levo em conta, para isso, os apontamentos de Charles Hirschkind e Brian Lirkin (2008) ao sinalizarem o aspecto político do cruzamento entre religião e mídia. Apoiando-se nas reflexões de Jeremy Stolow (2005)SCHMIDT, Leigh Eric. (2000), Hearing Things: Religion, Illusion and the American Enlightment. Cambridge: Harvard University Press. e Hent De Vries (2001), os autores levam a sério a ideia de que, sendo ambas formas de mediação, é possível pensar "religião como mídia" e "mídia como religião".
Para eles, a investigação das formas de operação dessas mediações estariam na ordem do dia. Perguntar "como política e religião se fundem na circulação de uma forma estética e ritual" não seria apenas uma questão de relatar o conteúdo, mas também das formas e práticas que dão vida a esses modos de mediação.
Sendo esse um campo que se constitui a partir da assimetria de visibilidades e audibilidades, é importante chamar a atenção para a maneira como os sons microfonados e os discursos que ganham holofotes são vividos pelas milhares de pessoas que os acompanham na Marcha e que aparecem como uma grande massa nas imagens aéreas veiculadas como provas da força dos "evangélicos" nas "ruas"9 9 Por essa razão, optei por não trabalhar aqui os elementos visuais vinculados ao evento, na tentativa de chamar atenção para o aspecto profundamente sonoro do evento que o vincula à experiência cotidiana dos "evangélicos", e não reificar o discurso visual oficial comumente disseminado sobre o evento que celebra sua espetacularidade. .
Por isso, sigo a pista de autores que têm apontado para a importância de analisarmos a recepção e a experiência como espaços criativos (remeto aos trabalhos clássicos de Hoggart, de 1973, e de Williams, de 2011, mas principalmente às colocações de Abu-lughod 1999ABU-LUGHOD, Lila. (1999), "The Interpretation of Culture(s) After Television". In: S. Ortner. The Fate of Culture: Geertz and Beyond. Berkeley: University of California Press., que demonstram a importância desse método em um mundo pós-colonial). Mais do que os arranjos institucionais da organização ou os conteúdos das falas oficiais, interessa aqui desenvolver um percurso que, acompanhando o som da Marcha, permita vislumbrar como essa experiência de unidade se constrói durante o evento.
Baseio-me nos dados recolhidos na observação participante que realizo em diferentes edições desse evento desde 201210 10 Realizadas no interior da pesquisa que venho desenvolvendo para a elaboração de minha tese de doutorado. . Embora tenha acompanhado, desde 2012, marchas em 12 municípios de cinco estados brasileiros, trabalho aqui apenas os dados relativos à observação participante nas marchas realizadas nas cidades de Rio de janeiro e São Paulo, tendo em vista um maior diálogo com as articulações que as lideranças dessas marchas possuem com a política nacional e com a grande mídia.
Em cada uma das edições realizei entradas diferentes. No caso do Rio de Janeiro, pude acompanhar um membro da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo que trabalhou na organização do evento em reuniões de planejamento, e de uma caravana da Igreja com a qual realizei pesquisa.
No caso de São Paulo, acompanhei um grupo de jovens da Igreja Batista que participam do fã clube de Fernandinho. Alguns deles estiveram na Marcha para Jesus do Rio de Janeiro para assistir ao show desse cantor. A ida desses jovens ao evento não se configurou como uma atividade específica de sua igreja, embora o pastor responsável pelo setor da juventude nessa igreja tenha nos acompanhado.
Marchando para Jesus
A Marcha para Jesus é herdeira direta da City March, realizada em Londres em 1987, em resposta às diferentes formas de manifestação a que os grupos descontentes com o governo Tatcher, especialmente os de juventude, herdeiros da "contracultura" estavam vinculados.
A March for Jesus, como passou a ser chamada, se tornou um evento internacional, realizado em mais de uma centena de cidades de todo o mundo. O centro do evento, desde seu surgimento, era a utilização da música como forma privilegiada para o evangelismo, extrapolando "as paredes dos templos" (Giumbelli 2014_____________. (2014), "Cultura pública: evangélicos e sua presença na sociedade brasileira". In: E. Giumbelli. Símbolos religiosos em controvérsia. São Paulo: Terceiro Nome.; Ingalls 2012INGALLS, Monique M. (2012), "Singing Praise in the Streets: Performing Canadian Christianity Through Public Worship in Toronto's Jesus in the City Parade". Culture and Religion: An Interdisciplinary Journal, v. 13, n. 3: 337-359.).
Diferente de versões de outros países, em que a marcha une protestantes e católicos (Ingalls 2012INGALLS, Monique M. (2012), "Singing Praise in the Streets: Performing Canadian Christianity Through Public Worship in Toronto's Jesus in the City Parade". Culture and Religion: An Interdisciplinary Journal, v. 13, n. 3: 337-359.), no Brasil a "Marcha para Jesus" passa a ser realizada em 1993 através de esforços da Igreja Renascer em Cristo, que busca uma maior visibilidade aos "evangélicos" no país. Articulada com importantes setores da indústria fonográfica, essa igreja teve papel chave na formulação do que veio a ser chamado de música gospel no Brasil, termo que foi inclusive patenteado pela bispa Sônia Hernandes, líder dessa denominação (Cunha 2007CUNHA, Magali do Nascimento. (2007), A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X.).
Assim como nas edições estrangeiras, a Marcha se constituiu no Brasil como um evento ancorado em apresentações musicais e que passou, por isso, a ser parte de um circuito de música evangélica que veio ganhando cada vez mais corpo desde então.
A adesão de outras denominações não tardou e acompanhou o movimento geral de busca de alianças entre diferentes segmentos evangélicos para atuação pública unificada que mencionei anteriormente. A coroação desse processo foi a aprovação da lei 12.025 de 2009, de autoria de Marcelo Crivella, que instituiu um dia nacional da Marcha para Jesus no calendário oficial do país.
Se por um lado há elementos de conexão com um "povo de Deus" transnacional e com um modo global de realizar o evento, por outro lado a Marcha ganha contornos muito específicos em nosso contexto nacional. O que se "declara" é que o "Brasil é a nação cujo Deus é o Senhor", "que a chuva do Senhor caia sobre o Brasil", que os nossos governantes "sejam cheios do espírito santo"11 11 Respectivamente: discurso de Silas Malafaia na Marcha para Jesus do Rio de Janeiro de 2013; fala do cantor Fernandinho; e fala do cantor Thalles Roberto na Marcha para Jesus de São Paulo do mesmo ano. , que a Marcha é pela "Liberdade de expressão", "pela vida" e "pela família tradicional"12 12 Bandeiras marcadas nos cartazes que estampavam os trios elétricos e materiais oficiais do evento dizem respeito às pautas da frente parlamentar evangélica que é contrária à criminalização da homofobia, à legalização do aborto e da união homoafetiva. (em referência às controvérsias públicas da frente parlamentar evangélica). Acima de tudo, a Marcha protegeria o Brasil contra os ataques do "diabo contra a família brasileira, que vem desses ativistas gays, dos esquerdopatas que tentam destruir o projeto de Deus para o Brasil"13 13 Discurso de Silas Malafaia na Marcha para Jesus do Rio de Janeiro de 2012. .
As razões que levam uma pessoa a comparecer ao evento são as mais diversas, incluindo o entretenimento e a sociabilidade, mas há uma ideia geral de que se trata de um espaço em que os evangélicos brasileiros vão "se fazer ouvir"14 14 Palavras repetidas muitas vezes por Estevam Hernandes na apresentação da Marcha para Jesus de São Paulo de 2013. pela sociedade. "Proclamar a fé" e "entoar louvores que ecoem por toda a nação" como são algumas das respostas repetidas pelos participantes.
Esse caráter é afirmado em toda a sua clareza na fala do pastor Silas Malafaia, importante nome da organização da Marcha do Rio de Janeiro no evento de 2013. Para ele, "a marcha é uma manifestação profética da Igreja pro Estado e pro país, é também a celebração da unidade do povo de Deus conquistada no calvário."
Essa preocupação difere de outras versões da Marcha. Monique Ingalls (2012)INGALLS, Monique M. (2012), "Singing Praise in the Streets: Performing Canadian Christianity Through Public Worship in Toronto's Jesus in the City Parade". Culture and Religion: An Interdisciplinary Journal, v. 13, n. 3: 337-359., por exemplo, demonstra que a March for Jesus canadense possui um caráter relacionado às reivindicações de minorias étnicas e tem na idia de diversidade um ponto chave, inclusive, para orientação estética. As músicas executadas teriam uma relação com a diversidade de comunidades representadas na parada.
Mas e no caso brasileiro, como se manifesta a "unidade do povo de Deus conquistada no calvário" em seu diálogo com o "Estado" e o "país"?
O som da marcha
Muito se fala em visibilidade evangélica e, de fato, a Marcha é um espaço privilegiado de produção de imagens (as fotografias aéreas e os números ganham sempre especial destaque nos veículos evangélicos e da imprensa em geral). Mas em grande medida é espaço de "se fazer ouvir".
Não por acaso, é repetidamente enfatizado o convite a se "declarar" uma série de coisas sobre a cidade e sobre o país. Como explicou o apóstolo Estevam Hernandes didaticamente na Marcha de São Paulo, o "declarar" é um "ato profético" sobre alguma situação, é a confiança de que "Deus vai fazer o que está sendo profetizado, a palavra de Deus não volta em vão, se você está cheio do espírito santo a tua palavra está cheia d'Ele e faz acontecer milagres e prodígios". O som das palavras e dos cânticos teria o poder de transformar a cidade e fazer valer a "vontade de Deus sobre essa nação".15 15 Entrevista de Sônia Hernandes na transmissão televisiva da Marcha para Jesus de 2012.
Essa centralidade do som fica clara no espaço dado às atrações musicais que ocupam mais de 90% do tempo da Marcha, já o restante do tempo é ocupado por falas de pastores e figuras públicas convidadas. Os equipamentos sonoros de dimensões gigantescas utilizados no evento também demonstram essa centralidade. O evento é efetivado pelos marchantes como o entoar e ouvir desses sons.
A Marcha em si consiste num grande cantar, entremeado por momentos de fala que não ultrapassam 30 minutos. Mais de uma dezena de trios elétricos guiam a multidão em canções que orientam o tempo da caminhada e dos ânimos pela cidade, chegando-se a um espaço de concentração no qual há um grande palco em que se realizam os principais shows do dia.
A Marcha para Jesus de São Paulo de 2013, por exemplo, contou com quase 20 horas de shows com alguns dos nomes mais importantes do cenário gospel nacional, vinculados à diversas gravadoras, tanto exclusivamente evangélicas quanto as "seculares" que mais recentemente investiram no segmento.
A organização fica a cargo das lideranças locais e difere de acordo com a configuração política do município e o porte do evento. Em São Paulo, por exemplo, a Igreja Renascer em Cristo tem centralizado grande parte do operativo do evento, enquanto no Rio de Janeiro, embora a Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC) tenha papel protagonista na organização, há outros setores que se responsabilizam por tarefas importantes como a divulgação, a negociação com o poder público, a inscrição em rubricas de financiamento público e incentivo à cultura, por exemplo.
As decisões são negociadas com esses setores que incluem desde os representantes denominacionais, passando pelas gravadoras e rádios com elenco gospel - que participam da elaboração do cast de apresentações -, até a Rede Globo, que apoiou a organização do evento que acompanhei mais de perto e foi responsável por sua divulgação.
Os cantores que se apresentam no palco principal são, em geral, os artistas de maior visibilidade e vendagem do momento, sendo uma forma de atrair público para o evento. Por isso, muitos deles fazem parte do catálogo de grandes gravadoras (que possuem contratos com alguns dos nomes mais importantes), mas não há artistas que estejam apenas ligados às gravadoras de maior influência, podendo haver também músicos independentes que tenha notoriedade.
No entanto, como parte integrante da organização do evento, setores relacionados à gravadoras como a MK Music, Som Livre e Central Gospel16 16 Gravadoras relacionadas, respectivamente, a Arolde de Oliveira, deputado federal pelo Rio de Janeiro e dono da Rádio 93 FM; às organizações Globo; à Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, liderada pelo pastor Silas Malafaia. no caso da Marcha carioca, podem influenciar essa programação no sentido de promover nomes que lhes interessem mais no momento, mesmo que não sejam grandes atrativos para o público, como foi o caso da apresentação da cantora Rachel Malafaia, nora do pastor Silas Malafaia da ADVEC, na edição de 2013. O repertório que se ouve, portanto, difere pouco do que é reproduzido diariamente nas rádios evangélicas dessas cidades. São músicas que já participam do cotidiano da audiência da marcha.
A programação dos trios elétricos, por sua vez, difere pouco entre si. Há trios organizados por associações denominacionais, como a Convenção Batista, ou por igrejas específicas que investem em seus "ministérios de louvor" e entoam um repertório de músicas de grande sucesso, seja por seu uso recorrente na liturgia "evangélica" tradicional (o cântico que serve de epígrafe a este artigo é um exemplo), seja por seu sucesso comercial.
Além disso, há trios que ficam a cargo de rádios e gravadoras. A rádio 93 FM, por exemplo, contou, nas últimas 3 edições da Marcha carioca com um desses caminhões de som em que se apresentavam os cantores da gravadora MK Music, que pertence à mesma família do dono da rádio, o também deputado Arolde de Oliveira.
Assim, o repertório possui certa homogeneidade e circularidade. Muitas vezes os trios entoam as mesmas músicas, algumas das quais serão executadas ainda nos shows que serão exibidos no palco principal após a chegada da Marcha à concentração final. A sonoridade hegemônica que representa essa unidade evangélica apresentada na marcha é a sonoridade dos grandes sucessos gospel.
Embora haja organização massiva de igrejas para comparecerem em forma de caravanas, uma parte igualmente considerável dos participantes vai ao evento de maneira independente. Há inclusive grande expectativa sobre o alcance de "afastados" e "perdidos"17 17 É exemplar, nesse sentido, a apresentação de Thalles Roberto e Naldo Benny na Marcha para Jesus de São Paulo de 2014, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=j9V0vTHyHrY - acessado em 9 set. 2014. . A música é encarada, assim, como ferramenta para "tocar o coração"18 18 Palavras usadas pelo locutor de um dos carros de som da Marcha para Jesus do Rio de Janeiro de 2012. dos que estão "fora".
Em um dos trios elétricos que guiava o público pela Marcha a vocalista da banda que tocava fez a seguinte fala:
Nós somos instrumentos para que a voz de Deus seja ouvida nessa cidade. Deus quer ser ouvido nessa tarde, ele quer que os cativos sejam libertos, ele quer resgatar vidas do tráfico, ele quer salvar o teu filho que seguiu um mal caminho, Ele quer resgatar o teu marido que não dorme mais em casa, Ele quer alcançar toda essa cidade. Hoje o nosso louvor vai chegar aos céus e a mensagem do senhor vai chegar a essa cidade com a nossa voz. Cante comigo, só o Senhor é Deus.
Em seguida a banda completou com uma música do cantor Fernandinho que dizia: "Caia fogo do céu, queima esse altar, mostra pra esse povo que há Deus em Israel". Assim, a associação entre os evangélicos e as falas acerca de um "povo escolhido por Deus" para prosperar, como uma nova Israel no sentido bíblico, constroem uma ideia de que é preciso tomar a cidade para Deus.
Essa relação com os "de fora" ganha outro matiz se pensamos no estabelecimento de fronteiras que o som permite. Uma das razões é a possibilidade de uma escuta involuntária. O raio de alcance do som da Marcha é cuidadosamente calculado pela organização, de modo a tocar a maior parte "do coração da cidade".
Essa dinâmica de estabelecimento de fronteiras sonoras é elemento de muitas práticas de ocupação do espaço público (Chaves 2000CHAVES, Christine Alencar. (2000), A marcha nacional dos sem-terra: um estudo sobre a fabricação do social. Rio de Janeiro: Relume-Dumará.; Groff e Maheirie 2011GROFF, Apoliana Regina e MAHEIRIE, Kátia. (2011), "A mediação da música na construção da identidade coletiva do MST". Política e Sociedade, v. 10, n. 18: 351-370.), mas no caso evangélico tem um enraizamento específico na vida cotidiana. Não apenas pela poder de construção de experiências compartilhadas a partir de um repertório conhecido pelo rádio, mas também porque esse repertório está relacionado a práticas específicas. É o que demonstrou Martijn Oosterbaan (2008)OOSTERBAAN, Martijn. (2008), "Spiritual Attunement: Pentecostal Radio in the Soundscape of a Favela in Rio de Janeiro". Social Text, v. 26, n. 3: 123-145. em sua análise do estabelecimento de fronteiras sonoras na inserção pentecostal no cotidiano de uma favela no Rio de Janeiro.
No cenário descrito por Oosterbaan, o rádio na estação de música gospel, ou o som alto da música na Igreja servem de marca para que os de fora reconheçam que ali é "terreno santo" e também para evitar que a sonoridade alheia afete a "comunhão" espiritual dos ouvintes evangélicos. Assim, o que se percebe é que o som é capaz de transformar o espaço, de construir espaços próprios em sua materialidade.
Se para os "de dentro" essa vivência do som se dá como marca e proteção contra os estímulos do "mundo", para os "de fora" essa fronteira é também inteligível, ainda que possa ser conflituosa.
"Quem tem ouvidos, ouça": alcance sonoro, alcance espiritual
Ainda não passava de 13h quando o ônibus da linha 100 (Niterói-Rio de Janeiro) chegava às cercanias da avenida Presidente Vargas, lugar marcado para a concentração da Marcha para Jesus do ano de 2013. O ônibus enfrentava retenção e estava parado há cerca de 20 minutos no mesmo lugar. Ao virar na av. Passos, que faz esquina com a av. Presidente Vargas, um corredor sonoro se formou e se tornaram audíveis os sons distorcidos e misturados dos muitos trios elétricos que se enfileiravam na concentração do evento.
Subitamente, uma passageira que estava sentada no final do ônibus levantou de seu lugar e se aproximou do motorista gritando que "sabia que esse inferno não era à toa, são esses palhaços, isso é coisa desses crentes" pedindo que ele abrisse a porta para que ela descesse fora do ponto. Diante da negativa do motorista, que alegou que o agente de trânsito que organizava a rua para o evento poderia multá-lo, um rapaz, que estava com ela e trajava um short feminino e maquiagem nos olhos se uniu a ela para gritar que aquilo era um "absurdo", "já não basta ter que ouvir os berros nessas igrejas, eles obrigam a gente a ouvir, todo dia isso, ninguém consegue dormir, é um desrespeito", e a moça completou: "isso é uma tortura, ter que ficar aqui ouvindo isso, esse monte de otário".
O trocador interveio: "a senhora respeite que eu sou cristão e a senhora tá no erro". Ao que o rapaz respondeu: "respeito tem que ter ao Estado laico, isso aqui é um Estado laico, você não é cristão, você é o trocador, o trocador!" Outros passageiros o aplaudiram com certa ironia e um senhor que trajava a blusa oficial da marcha e estava sentado próximo ao trocador interveio "pois você é que não é cidadão, quer saltar fora do ponto contra as leis, hoje esse cristão te deu uma lição de cidadania!!! Você vai saber como todo mundo aqui que cristão também é cidadão brasileiro", apontando para o trocador e sendo acompanhado nos aplausos por outros passageiros que já davam suas opiniões todas ao mesmo tempo.
Diante da confusão que já se tornara incontrolável, o motorista abriu a porta e o casal desceu ainda gritando e gesticulando para o motorista, ao que alguns passageiros responderam com mais aplausos.
Assim, é possível ver que em algum grau a metonímia pretendida pelos setores que organizam a Marcha se efetiva quando chega aos ouvidos dos "de fora", corroborando suas experiências cotidianas. Como indicamos acima, esse tipo de fronteira sonora tem sido marca de usos evangélicos em muitas ocasiões. Embora não fosse evangélica, os poucos acordes distorcidos que eram passíveis de escuta foram suficientes para que a passageira do ônibus da história que relatamos e outros identificassem que se tratava de "coisa desses crentes" e não de qualquer tipo de festa.
Assim como demonstrou Gilberto Velho (1999)_____________. (1987), "The Anthropology of Performance". In: V. Turner. The Anthropology of Performance. New York: PAJ Publications. ao tratar das reações das pessoas a uma consulta de um "preto velho" em plena rua, em que o autor chamava a atenção para o fato de que os transeuntes de diversas origens sabiam do que se tratava, a cidade, em sua heterogeneidade, é um espaço privilegiado para que as pessoas circulem por diversos mundos. No caso dos mundos sonoros, fica claro que nem sempre essa circulação é voluntária.
Ser invadido pelo som alheio, como demonstra Schmidt (2000), em conflito com os individualismos e ideais de espaço público, se tornou especialmente incômodo após as discussões iluministas sobre o estatuto da visualidade e os controles sobre o som nos estudos acústicos. O som passa a ser representado por pensadores da modernidade como próprio de uma esfera da emoção e da subjetividade, enquanto a visão teria sido associada a uma maior racionalidade e objetividade.
Assim, como um sentido "emocional", ele passa a ser associado à esfera do privado, e são desenvolvidas técnicas para enquadrar e controlar os sons da cidade, estímulos a serem neutralizados. O próprio conceito de paisagens sonoras, introduzido por Schaeffer (2011), tinha em vista uma espécie de higienismo sonoro e uma economia sonora para a cidade.
O som da religiosidade alheia é especialmente incômodo para quem partilha uma concepção de religião como parte da esfera privada. O som, no entanto, é bem mais inescapável do que gostariam os avisos de silêncio no ônibus. A afirmação sonora da Marcha, com suas performances musicais emocionadas e sua multidão que "declara", por isso, tem um efeito ainda mais forte de tomada desse espaço público. O sentido da escuta, que de tão público19 19 No sentido de que é mais difícil fechar os ouvidos do que os olhos e que a experiência sonora involuntária é muitas vezes compartilhada. é imaginado como um direito privado, é instrumento privilegiado de um desafio, que também é sensorial, aos limites entre espaço público e "religião" privada.
O som opera como uma ferramenta fundamental de reconstrução do espaço público a partir da experiência e dos significados que passam a estar atrelados a ele. Altera-se desse modo a paisagem da cidade, não apenas em termos visuais, com as milhares de pessoas que marcham carregando cartazes e blusas com mensagens relativas a Jesus, mas, principalmente, a partir de uma transformação sonora dessa paisagem.
Sons de batalha: reconstruções sonoras da cidade e a batalha espiritual
Além da escuta pelos de fora, na lógica da Marcha, o som também é capaz de transformar materialmente a cidade. Um dos momentos mais impactantes da Marcha para Jesus de São Paulo de 2013 foi, por exemplo, o momento de "clamar" pelo rio Tietê20 20 Importante rio de São Paulo, conhecido por seu alto grau de poluição. . A oração e o louvor entoado diziam respeito a uma profecia de que o rio seria despoluído pelo poder de Deus. Após apresentar essa profecia o pastor chamava:
Porque Deus quer vida e vai trazer vida a este rio. Levante a sua mão quem crê que um dia vai passar aqui e ver o rio Tietê despoluído. Vamos profetizar, declara em nome de Jesus! Nós profetizamos que o mal que o homem tem feito para a natureza vai ser desfeito, nós declaramos, o rio Tietê é bênção de Deus para essa cidade.
O refrão da canção entoada, "quero beber do teu rio, Senhor"21 21 Trata-se da música "águas purificadoras" do Ministério Diante do Trono. , tomou um significado menos metafórico do que costuma ter e passou a ser uma ação simultaneamente de devoção individual e de ação pública, a partir do som. Não se tratava apenas de ter uma sede espiritual saciada, mas de, literalmente, poder vir a beber do rio Tietê por meio de sua limpeza espiritual. O som das trombetas que derrubaram as muralhas de Jericó, segundo o relato bíblico, eram relembrados pelo pastor em meio à música, endossando pedidos de que os participantes "erguessem a voz".
Desse modo, o som também é instrumento de combate em uma batalha contra "potestades" e "principados" que são apontados como os causadores das misérias, pobreza, degradação moral e corrupção que assolariam o Brasil.
Todo o mal, incluídas suas dimensões morais e políticas, como a pobreza ou
o crime, estaria relacionado ao Diabo; enquanto as soluções para todas as mazelas estaria em Deus e no clamor direto do fiel, combatendo o diabo manifesto nas adversidades da vida.
Vemos, assim, que a chamada teologia da "batalha espiritual" (Birman 2012BIRMAN, Patrícia. (2012), "O poder da fé, o milagre do poder: mediadores evangélicos e deslocamentos de fronteiras sociais". Horizontes Antropológicos, ano 18, n. 37: 133-153.; Mafra e De Paula 2002MAFRA, Clara & DE PAULA, Robson. (2002), "O espírito da simplicidade: a cosmologia da batalha espiritual e as concepções de corpo e pessoa entre policiais pentecostais cariocas". Religião e sociedade, v. 22, n. 1: 57-76.; Mariz 1999MARIZ, Cecília. (1999), "A teologia da batalha espiritual: uma revisão da literatura". Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais – BIB, n. 47: 33-48.), inicialmente mais atrelada aos pentecostais, foi se tornando a tônica de expressões que muitas vezes construíram uma imagem pública dos evangélicos. Especialmente porque, como apontamos anteriormente, esses grupos tiveram grande êxito na ocupação de espaços de divulgação em rádios e televisões.
Como demonstram as análises de Cecília Mariz (1997_____________. (1997), "O demônio e os pentecostais no Brasil". In: P. Birman, R. Novaes e S. Crespo (Orgs.). O mal à brasileira. Rio de Janeiro: EDUERJ., 1999MARIZ, Cecília. (1999), "A teologia da batalha espiritual: uma revisão da literatura". Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais – BIB, n. 47: 33-48.) e Patrícia Birman (1997)BIRMAN, Patrícia. (2012), "O poder da fé, o milagre do poder: mediadores evangélicos e deslocamentos de fronteiras sociais". Horizontes Antropológicos, ano 18, n. 37: 133-153., a lógica da batalha espiritual une aspectos que a literatura especializada costumava separar como "magia" e "ética". Sob a gramática das "batalhas espirituais", não se dissociam as ações nos mundos espiritual e material. Os fenômenos do mundo material têm relação com agentes espirituais. Haveria uma guerra em curso entre o Bem e o Mal, entre Deus e o Diabo, que se expressaria no cotidiano.
Essas "batalhas" seriam travadas a todo tempo na vida do fiel e dariam a tônica do entendimento da conversão pentecostal, construindo sob a forma de testemunhos marcas de ruptura as quais seriam manifestações da ação do Diabo em suas trajetórias anteriores. Os alvos privilegiados dessa identificação com a ação do Capeta seriam as religiões afro-brasileiras, que muitas vezes faziam parte do repertório de experiências anteriores do convertido (Birman 1997BIRMAN, Patrícia. (2012), "O poder da fé, o milagre do poder: mediadores evangélicos e deslocamentos de fronteiras sociais". Horizontes Antropológicos, ano 18, n. 37: 133-153.; Mafra 2012_____________. (2012), "O percurso de vida que faz o gênero: reflexões antropológicas a partir de etnografias desenvolvidas com pentecostais no Brasil e em Moçambique". Religião e Sociedade, v. 32, n. 2: 124-148.; Contins 2005CONTINS, Márcia. (2005), "Os pentecostais e as religiões afro-brasileiras". Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares, v. 2, n. 2: 37-49.).
O alvo combatido na Marcha, no entanto, é uma manifestação mais geral do que seria a ação do Demônio. Os elementos acionados como sendo fruto da ação do Diabo sobre as vidas humanas incluem a sujeira do rio Tietê, mas também a violência urbana, a prostituição, a homossexualidade e a corrupção. O combate a esse mal não se dá apenas pela ação de um pastor mediador, mas conta com a performance coletiva do público que se torna um verdadeiro "exército de Jesus"22 22 Essa expressão aparece inclusive em uma linha de blusas que se tornou popular e é facilmente encontrada em lojas de produtos voltados para os evangélicos. A variação mais comum tem uma estampa verde camuflada que remete ao uniforme do exército brasileiro com a frase "exército de Jesus" estampada. com suas armas de "louvor" e "oração".
A análise de Patrícia Birman e Carly Machado (2012)_____________ e MACHADO, Carly. (2012), "A violência dos justos: evangélicos, mídia e periferias da metrópole". Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 80: 55-69. sobre as performances do pastor Marcos Pereira, líder da Assembleia de Deus dos Últimos Dias, traz elementos que podem iluminar as relações entre a batalha espiritual e a experiência midiática. As autoras chamam a atenção para uma certa estética da violência urbana que se efetua nos exorcismos do pastor e a efetividade desse repertório de imagens ao ser incorporado no exorcismo.
Disseminados pela Marcha em orações, discursos e músicas, é possível pensar que esses elementos teriam ganhado versões mais palatáveis e genéricas, capazes de abarcar uma gigantesca diversidade de origens doutrinárias que não partilham formalmente da teologia da prosperidade ou da batalha espiritual.
Em lugar de exorcismos que combatem a "possessão" individual com técnicas que incluem um repertório imagético da violência urbana transformada em espetáculo pela mídia, a Marcha produz uma espécie de exorcismo da cidade. Esse combate às "potestades", que seriam responsáveis pelos males sociais, se apropria ao mesmo tempo de uma estética de movimentos de luta social por direitos23 23 As semelhanças entre a estrutura da Marcha e eventos como a Parada do Orgulho LGBT são notórias. e de uma estética de celebração coletiva no modelo de megashow.
A celebração da unidade desse "povo de Deus" ocupa, desse modo, o ponto alto, a vitória nessa batalha travada pela cidade e por um Brasil que queira "declarar que só Jesus é o Senhor", tomando para si as bênçãos de uma "nação feliz", uma "nação cujo Deus é o Senhor"24 24 Frases repetidas algumas vezes pelo apresentador da Marcha para Jesus de São Paulo de 2013 na concentração para a saída dos trios elétricos. . A forma musical e de megashow, por sua vez, permite que essa ação coletiva inclua até mesmo quem não se identifica diretamente com os modelos pentecostais.
Tomo o exemplo do grupo da juventude de uma Igreja Batista com quem fui à Marcha de São Paulo de 2013, entre os quais a liderança (um pastor de jovens25 25 Em algumas igrejas é comum dividir responsabilidades de liderança sobre grupos determinados entre vários pastores ou líderes, mantendo-se um pastor geral sobre toda a igreja. ), que era um crítico especialmente ferrenho da teologia pentecostal e que passou todo o caminho demarcando suas diferenças em relação a esse grupo. Toda a crítica à doutrina pentecostal e sua forma de ocupação do espaço público que me foi apresentada em entrevistas formais, porém, deu lugar a uma inserção completa na dinâmica da Marcha, incluindo-se o repertório da "batalha espiritual".
O pastor, junto com todo o grupo, "declarou" que Jesus "reinará sobre São Paulo", que o rio Tietê será limpo e entoou canções que exaltavam experiências típicas do universo pentecostal, como a de Cassiane, "500 graus", que comemora "irmãos sendo batizados no fogo", com naturalidade e empolgação. A resposta do pastor quando estranhei essa adesão foi de que "aqui representamos uma só nação, o Senhor recebe nosso louvor quando é de coração".
Assim, o discurso da unidade interdenominacional toma uma dimensão prática quando leituras teológicas contraditórias com certas doutrinas são entoadas como um repertório comum. Um repertório de experiências e linguagens sonoras "evangélicas", acessadas cotidianamente nas rádios, comunidades virtuais e mídias que não passam necessariamente pela filiação doutrinária e institucional a uma igreja.
Esse é o argumento acionado por alguns setores: de que haveria uma "cultura evangélica" que permite que a música também atue nas relações com o aparato estatal. É o que aparece, por exemplo, nos textos de reivindicação de recursos públicos para o financiamento da Marcha, prevista em uma série de leis nacionais e municipais que reconhecem o "gospel" como cultura, como "manifestação cultural nacional", merecedora do fomento público, representativa de uma "cultura nacional" (Giumbelli 2014_____________. (2014), "Cultura pública: evangélicos e sua presença na sociedade brasileira". In: E. Giumbelli. Símbolos religiosos em controvérsia. São Paulo: Terceiro Nome.; Rosas 2013ROSAS, Nina. (2013), "Religião, mídia e produção fonográfica: o Diante do Trono e as disputas com a Igreja Universal". Religião e Sociedade, v. 33, n. 1: 167-194.; Sant'Ana 2014SANT'ANA, Raquel. (2013), "Debates sobre o tecnobrega: indústria cultural em tempos de pós-fordismo". Revista História e Cultura, v. 2, n. 2: 78-96.).
"Uma só voz": mídia e religião nas estéticas da participação
Como um evento "gospel"26 26 Essa classificação é utilizada para que o evento se enquadre nas exigências da Lei Rouanet e das chancelas municipais de financiamento. legalmente reconhecido como parte da cultura nacional, a Marcha do Rio de Janeiro, por exemplo, tem contado nos últimos anos com o apoio da Rede Globo de Televisão e da própria prefeitura, cujos logotipos estampam os materiais de divulgação do evento e o palco principal. A própria câmara de vereadores serve de backstage para o palco principal do evento, reunindo organizadores e imprensa e garantindo estrutura para os cantores que lá se apresentam.
A confluência desses agentes religiosos, políticos e midiáticos aparece na própria estética de megashow do evento. Alguns elementos da dinâmica dos shows contribuíam para essa "comunhão" e "unidade" evangélica - em especial sua fácil absorção por parte do público por trazer características da indústria cultural em geral e modificá-los com elementos de dinâmicas de culto comuns.
Se por um lado as expressões como "tira o pé do chão", "grita bem alto pra cima" e o pedido de responsividade do público são elementos disseminados no universo midiático por gêneros musicais que não tratam de temáticas religiosas, sua forma de realização ganha contornos próprios a partir de dinâmicas como o pedido para que se olhe para o "irmão do seu lado" e "lhe dê um abraço" ou "lhe diga que 'Deus tem um plano na sua vida'"27 27 Show de Bruna Karla na Marcha para Jesus do Rio de Janeiro de 2013. , comuns a cultos e fomentador de coesão entre os membros de uma igreja. No processo da Marcha, liturgia e modelo midiático são transformados, construindo-se uma forma de se colocar na cidade enquanto "evangélicos".
Apesar dessa dinâmica manter uma hierarquia em relação a dirigentes do som, mediadores da experiência, a Marcha é capaz de incluir todos os presentes como exército na batalha espiritual. Essa atuação não se resume a uma experiência palco-público. As vozes entoadas pela multidão comunicam-se também com a "sociedade" e os "céus". Como me disse um membro da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e líder de uma caravana para a Marcha:
Aqui ninguém veio ver o pastor, pastor Silas é homem de Deus, mas a gente tá colocando na rua, entende, colocando a nossa voz pra que a sociedade veja que Deus tem um agir sobre essa cidade maravilhosa. E a Bíblia diz que, se nós viermos de coração limpo, nosso clamor vai chegar aos céus e ele vai fazer um novo tempo nesse país.
Se por um lado essa participação só é possível pelo conhecimento prévio do repertório, acessado pela mídia, por outro ela se dá também quando esse repertório é desconhecido, alcançados através da repetição e responsividade característicos dessa dinâmica musical. Mais do que as inferências sobre o poder de transe e emoção que a repetição sonora produz (objeto de reflexões que vão desde Blacking 1973BLACKING, John. (1973), How Musical is Man? Seatle e Londres: The University of Washington Press. e Seeger 1987SEEGER, Anthony. (1987), "Why Suya Sing: a Musical Anthropology of an Amazonian People". Cambridge: Cambridge University Press.), repetir é sem dúvida um elemento chave para a participação generalizada pela simples possibilidade de participar do som com a própria voz.
Faço a ressalva de que, além do famoso "uníssono", capaz de produzir a "presença" (Seeger 1987SEEGER, Anthony. (1987), "Why Suya Sing: a Musical Anthropology of an Amazonian People". Cambridge: Cambridge University Press.), essa dinâmica é também marcada por expressões individuais. A marcha traz um tipo de voz que também quer ser reconhecida por sua individualidade, mas uma individualidade que se vê no volume e na técnica adequada.
Assim, é comum ouvir vocalizes e improvisos em meio ao público (quando se está imerso nele). Eles são expressão ao mesmo tempo de que se produz "o melhor pra Deus" (resposta que me foi dada por uma cantora especialmente potente na multidão) e de um lugar de expressão e conexão individual com o divino, mesmo em meio ao que poderia aparentar ser uma massa homogênea.
Assim, Lidiane, uma das jovens que compunham o grupo que acompanhei na Marcha de São Paulo de 2012, havia ensaiado durante todo o mês anterior à Marcha para acompanhar o repertório dos cantores que se apresentariam com sua melhor voz. Fã do grupo Renascer Praise, liderado pela bispa Sônia Hernandes, ela estava especialmente ansiosa quanto à apresentação do grupo para não "fazer feio" porque ali todo mundo "sabe cantar" acrescentando a consideração, direcionada com certa ironia à esta pesquisadora desafinada, de que "crente sabe cantar".
Cacofonias e ruídos: outras formas de ser "evangélico", outros projetos para o espaço público
Sem dúvida, o som da Marcha se faz ouvir, mas não sem que alguns ruídos se façam presentes. Evangélicos organizados no "Movimento pela ética evangélica brasileira" vêm atuando no evento nos últimos anos com cartazes que apresentam mensagens em defesa do Estado laico e de crítica ao evento como "Parem o $how" ou "Voltemos ao Evangelho puro e simples. O $how tem que parar".
Nessas manifestações se reúnem evangélicos, ou, como preferem alguns, cristãos28 28 Essa maneira de diferenciar-se dos "evangélicos" remonta à Reforma Protestante e é, por sua vez, uma metonímia com seus efeitos. Pretende-se com essa classificação que o "verdadeiro cristão" seguiria esse parâmetro individualizado e privado de religiosidade. , que reivindicam uma outra relação entre o segmento e o espaço público, sobretudo com as esferas pensadas como separadas da religião pela modernidade, o Estado e o Mercado (Asad 2003ASAD, Talal. (1993), Genealogies of Religion: Discipline and Reasons of Power in Christianity and Islam. Baltimore: The Johns Hopkins University Press.; Foucault 2008FOUCAULT, Michel. (2008), Segurança, território e população. São Paulo: Martins Fontes.). Como aparece no panfleto distribuído pelo grupo:
O movimento pela Ética Evangélica Brasileira tem expressão nacional, cujo objetivo é ser uma voz da Igreja, pela Igreja e para a Igreja, denunciando a corrupção ética, a incoerência entre discurso e prática e destacando a beleza da Igreja que tem agido mesmo sem receber o mesmo destaque que tem sido dado aos escândalos que nos dividem e alienam. (...)
Não concordamos com algumas doutrinas onde o ensino se centraliza na satisfação dos desejos e vontades dos fiéis, ao invés da vontade de Deus; (...) que favorecem a construção de grandes templos, catedrais, estratégias imperialistas e manutenção da máquina eclesiástica, mas que muito pouco fazem por aqueles que precisam, esquecendo-se daqueles que a Bíblia chama de 'órfãos, viúvas e estrangeiros'.
Essa crítica, portanto, reivindica um modelo de vivência cristã que identifica na Marcha o seu oposto, um "$how", ou seja, um evento com interesses financeiros e midiáticos em detrimento de uma vivência religiosa pessoal e de uma ação de assistência aos necessitados que não é lida.
Significativamente, em contraste com os altos sons da Marcha, a performance desse grupo é silenciosa. Contra os sons da grande música gospel, seus recursos midiáticos no evento têm na palavra escrita sua maior força. Parados às margens da Marcha, distribuem folhetos e carregam cartazes críticos ao evento que, ao serem lidos, recebem ruidosas vaias dos marchantes.
Outros disputam as representações do evento de maneira menos silenciosa, como os militantes LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais e Travestis, conforme a blusa de uma das participantes da intervenção) que estiveram na Marcha carioca de 2013, e embora em pequeno número, fizeram uma intervenção ruidosa.
Naquele contexto em que se acirravam as disputas em torno da atuação da bancada evangélica com a nomeação de Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, um grupo de militantes LGBTT organizou uma intervenção que contou com a participação de pais de homossexuais que cantavam gritos de guerra como "eu amo meu filho, mexeu com ele mexeu comigo" e "deixem em paz os gays e vão cuidar da bunda de vocês" ostentando bandeiras de arco-íris e provocando um certo choque em relação aos que marchavam.29 29 A Marcha para Jesus do Rio de Janeiro de 2013 foi realizada no dia 25 de maio, ou seja, pouco antes da eclosão das manifestações de grande porte que ocorreram em diversas cidades do Brasil a partir de junho desse ano com pautas que inicialmente se relacionavam ao transporte público, mas que se estenderam por bandeiras as mais diversas. Numa reflexão retrospectiva, já é possível constatar nesse evento um maior acirramento dos ânimos. A Marcha de São Paulo do mesmo ano, no entanto, se deu justamente no mês de junho, levando os organizadores do evento a apropriar-se de forma enfática da expressão "manifestação pacífica" como forma de diferenciar-se do que classificavam como "baderna". Nesse evento, o público foi convocado repetidas vezes pelo apresentador a limpar o chão antes de sair para demonstrar a toda a sociedade que "o cristão é diferente", de que com "crente não tem bagunça".
Diante das vozes não esperadas, as vozes do "outro" daquela Marcha, que ostentava bandeiras contra o PL 122 e contra os "ativistas gays", a maior parte das pessoas presentes na Marcha preferia reclamar da cena entre si e dirigir-se pelo caminho planejado até o palco principal (a intervenção estava na parte oposta ao palco, por onde se passava para ir à concentração final do evento).
A certa altura, porém, um grupo de mulheres vestindo blusas oficiais da Marcha se aproximou desses militantes e uma delas, tomando de maneira suave a mão de uma senhora que carregava uma bandeirinha de arco-íris, disse-lhe algo em baixíssima voz. A senhora, porém, se desvencilhou e disse: "não vou ouvir palavra nada, vocês já têm o microfone pro ódio que vocês têm, a gente vai gritar amor".
Não à toa, o discurso principal de Silas Malafaia nesse evento reivindicava o que chamou de "liberdade de expressão", pauta que na bancada evangélica se articula principalmente no veto às medidas que procuram tornar crime a homofobia.
Eles querem nos proibir, sabe por que eles querem nos proibir? Porque a palavra do cristão incomoda, meu irmão. A tua palavra tem poder porque você é o ungido do Senhor e a Bíblia diz que quando o cristão fala, o mar Vermelho se abre. A Bíblia diz que o louvor de um fiel faz as muralhas de Jericó caírem. (...) Eles querem nos calar, mas é por isso mesmo que nós vamos falar e eles vão ter que ouvir, eles vão ter que engolir!
Considerações finais
Carly Machado (2010)MACHADO, Carly. (2010), "Novos movimentos religiosos, indivíduo e comunidade: sobre família, mídia e outras mediações". Religião e Sociedade, v. 30, n. 2: 145-163., ao seguir as reflexões de Appadurai (1996) na análise dos fluxos de mídia e sua relação com movimentos religiosos, nos convidava a olhar o nó entre religião e mídia como ponto chave para repensar os vínculos estabelecidos nas experiências religiosas recentes à luz de ideias mais fluidas de "comunidades".
Seguindo a trilha desse problema e diante do que vimos acima, é possível afirmar que a Marcha para Jesus é um evento chave para pensar a construção de uma configuração de "evangélicos" que ganha vida nas práticas e experiências do evento, em torno de repertórios em comum. Esses repertórios articulam elementos midiáticos como, por exemplo, a música gospel, o modelo de megashow e uma dinâmica de responsividade do público em relação ao dono honorário do microfone.
Por sua vez, esses elementos ganham sentido a partir das experiências cotidianas com as rádios que tocam gospel para a limpeza da vizinhança nas periferias (Oosterbaan 2008OOSTERBAAN, Martijn. (2008), "Spiritual Attunement: Pentecostal Radio in the Soundscape of a Favela in Rio de Janeiro". Social Text, v. 26, n. 3: 123-145.), e as igrejas que, com seu som alto, tiravam o sono do passageiro que tentava descer do ônibus antes do ponto para escapar à paralisação do tráfego e aos sons da Marcha. Nessas experiências diárias de batalhas espirituais e sonoras se acumulam uma série de resíduos que dão sentido à Marcha, tanto para quem a compõe como para quem dela quer escapar.
Esses conteúdos passam a fundir-se em um repertório estético, religioso e político comum que, performado na Marcha para Jesus, consolida uma experiência coletiva de "evangélico" na ocupação do espaço público, que se efetiva justamente na tomada da rua pelos sons compartilhados, estabelecendo fronteiras e transformações na cidade.
O som da Marcha aparece assim como um som de guerra. É a disputa pela paisagem sonora de uma cidade que estaria perdida em promiscuidade e corrupção. É uma batalha sonora e espiritual em torno do que deva ser o Brasil, cujas armas são "louvores" e orações capazes de limpar rios e corações. E os sons dessa guerra apenas começaram.
Como disse a líder de uma das caravanas da Assembleia de Deus Vitória em Cristo: "Estamos aqui pra mostrar que nós somos cidadãos! Vamos cantando e marchando, declarando que só Jesus Cristo que (sic) comanda essa nação!"
Notas
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1
Uma primeira versão desse artigo foi apresentada no evento "Religião, Mídia e Mediações" realizado na Universidade Rural do Rio de Janeiro no ano de 2013 e algumas reflexões sobre o som que aqui aparecem são também fruto do diálogo proporcionado pelo GT "Sons, práticas e sentidos", na 2ª Reunião Brasileira de Antropologia. Agradeço os comentários dos presentes, que ajudaram a repensar o material, bem como aos pareceristas anônimos pelas leituras e indicações cuidadosas.
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2
Trecho de "O hino da vitória", música entoada na abertura das Marchas para Jesus cariocas.
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3
Chamada executada na rádio 93 FM convocando para a Marcha para Jesus de 2012.
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4
Embora haja diferentes sentidos atribuídos ao termo gospel - para os objetivos do presente texto -, uso esse termo para me referir à produção musical e cultural que orbita o universo evangélico a partir dos anos 1990, referenciada historicamente no avanço da organização de uma indústria fonográfica evangélica e, mais recentemente, no investimento de gravadoras vistas como "seculares" neste setor, consolidando o "gospel" como gênero musical, conforme o processo descrito por Magali Cunha (2007)CUNHA, Magali do Nascimento. (2007), A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X..
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5
Sigo aqui a ideia de Victor Turner (1986TEIXEIRA, Faustino e MENEZES, Renata. (2013), Religiões em movimento. Petrópolis: Vozes., 1987TURNER, Victor. (1986), "Dewey, Dilthey and Drama: an Essay in the Anthropology of Experience". In: V. Turner e E. M. Bruner (Eds.). The Anthropology of Experience. Chicago: University of Illinois Press.) de que a performance é experiência em sua completude. Trato essas práticas, portanto, como a própria existência performada dos "evangélicos".
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6
Embora não seja possível me estender aqui sobre os problemas da noção de "espaço público", me utilizo dela mantendo a ressalva de que as ideias acerca do que seja público têm uma história relacionada à constituição da modernidade, na qual também se inclui a construção de uma ideia de "religião" separada do "Estado" e da "política" (Montero 2006MONTERO, Paula. (2006), "Religião, pluralismo e esfera pública no Brasil". Novos Estudos CEBRAP, n. 74: 47-65.; Asad 1993ASAD, Talal. (1993), Genealogies of Religion: Discipline and Reasons of Power in Christianity and Islam. Baltimore: The Johns Hopkins University Press., 2003_____________. (2003), Formations of the Secular: Christianity, Islam, Modernity. California: Standford University Press.).
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Não por acaso, há reações a essa "representação" atribuída a figuras públicas que falariam em nome dos evangélicos, como, por exemplo, no abaixo-assinado promovido pela rede fale a respeito da atuação de Marco Feliciano como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e as reportagens "Afinal, quem são os evangélicos?" e "Rebanho não tão uniforme" publicadas, respectivamente, na Carta Capital e no Estadão em inícios de setembro de 2014, complexificando o suposto apoio do voto evangélico à candidata à presidência de Marina Silva. Entendo que essas reações reforçam a ideia de que há uma assimetria na representação midiática acerca dos evangélicos. As reportagens estão disponíveis nos links: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/afinal-quem-sao-201cos-evangelicos201d-2053.html e http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,rebanho-nao-tao-uniforme,1555950 - acessados em 9 set. 2014.
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Embora muito venha sendo dito acerca de uma democratização dos meios de comunicação a partir da internet interativa, a chamada web 2.0, considero que o acesso a recursos de distribuição e propaganda ainda reúna grande poder nas mãos dos grande monopólios midiáticos. Desenvolvi argumentação mais detida sobre esse assunto em minha dissertação de mestrado e em artigo acerca do caso do tecnobrega (Sant'Ana 2013SANT'ANA, Raquel. (2013), "Debates sobre o tecnobrega: indústria cultural em tempos de pós-fordismo". Revista História e Cultura, v. 2, n. 2: 78-96.).
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Por essa razão, optei por não trabalhar aqui os elementos visuais vinculados ao evento, na tentativa de chamar atenção para o aspecto profundamente sonoro do evento que o vincula à experiência cotidiana dos "evangélicos", e não reificar o discurso visual oficial comumente disseminado sobre o evento que celebra sua espetacularidade.
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Realizadas no interior da pesquisa que venho desenvolvendo para a elaboração de minha tese de doutorado.
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Respectivamente: discurso de Silas Malafaia na Marcha para Jesus do Rio de Janeiro de 2013; fala do cantor Fernandinho; e fala do cantor Thalles Roberto na Marcha para Jesus de São Paulo do mesmo ano.
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Bandeiras marcadas nos cartazes que estampavam os trios elétricos e materiais oficiais do evento dizem respeito às pautas da frente parlamentar evangélica que é contrária à criminalização da homofobia, à legalização do aborto e da união homoafetiva.
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Discurso de Silas Malafaia na Marcha para Jesus do Rio de Janeiro de 2012.
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Palavras repetidas muitas vezes por Estevam Hernandes na apresentação da Marcha para Jesus de São Paulo de 2013.
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Entrevista de Sônia Hernandes na transmissão televisiva da Marcha para Jesus de 2012.
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Gravadoras relacionadas, respectivamente, a Arolde de Oliveira, deputado federal pelo Rio de Janeiro e dono da Rádio 93 FM; às organizações Globo; à Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, liderada pelo pastor Silas Malafaia.
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É exemplar, nesse sentido, a apresentação de Thalles Roberto e Naldo Benny na Marcha para Jesus de São Paulo de 2014, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=j9V0vTHyHrY - acessado em 9 set. 2014.
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Palavras usadas pelo locutor de um dos carros de som da Marcha para Jesus do Rio de Janeiro de 2012.
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No sentido de que é mais difícil fechar os ouvidos do que os olhos e que a experiência sonora involuntária é muitas vezes compartilhada.
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Importante rio de São Paulo, conhecido por seu alto grau de poluição.
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Trata-se da música "águas purificadoras" do Ministério Diante do Trono.
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Essa expressão aparece inclusive em uma linha de blusas que se tornou popular e é facilmente encontrada em lojas de produtos voltados para os evangélicos. A variação mais comum tem uma estampa verde camuflada que remete ao uniforme do exército brasileiro com a frase "exército de Jesus" estampada.
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As semelhanças entre a estrutura da Marcha e eventos como a Parada do Orgulho LGBT são notórias.
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Frases repetidas algumas vezes pelo apresentador da Marcha para Jesus de São Paulo de 2013 na concentração para a saída dos trios elétricos.
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Em algumas igrejas é comum dividir responsabilidades de liderança sobre grupos determinados entre vários pastores ou líderes, mantendo-se um pastor geral sobre toda a igreja.
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Essa classificação é utilizada para que o evento se enquadre nas exigências da Lei Rouanet e das chancelas municipais de financiamento.
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Show de Bruna Karla na Marcha para Jesus do Rio de Janeiro de 2013.
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Essa maneira de diferenciar-se dos "evangélicos" remonta à Reforma Protestante e é, por sua vez, uma metonímia com seus efeitos. Pretende-se com essa classificação que o "verdadeiro cristão" seguiria esse parâmetro individualizado e privado de religiosidade.
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A Marcha para Jesus do Rio de Janeiro de 2013 foi realizada no dia 25 de maio, ou seja, pouco antes da eclosão das manifestações de grande porte que ocorreram em diversas cidades do Brasil a partir de junho desse ano com pautas que inicialmente se relacionavam ao transporte público, mas que se estenderam por bandeiras as mais diversas. Numa reflexão retrospectiva, já é possível constatar nesse evento um maior acirramento dos ânimos. A Marcha de São Paulo do mesmo ano, no entanto, se deu justamente no mês de junho, levando os organizadores do evento a apropriar-se de forma enfática da expressão "manifestação pacífica" como forma de diferenciar-se do que classificavam como "baderna". Nesse evento, o público foi convocado repetidas vezes pelo apresentador a limpar o chão antes de sair para demonstrar a toda a sociedade que "o cristão é diferente", de que com "crente não tem bagunça".
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul-Dec 2014
Histórico
-
Recebido
Set 2014 -
Aceito
Out 2014