Acessibilidade / Reportar erro

Cavalhadas em Pirenópolis: tradições e sociabilidade no interior de Goiás

Resumos

Este artigo aborda aspectos da cultura de Pirenópolis através de um festejo anualmente realizado na cidade: as cavalhadas, rito de fundo religioso que integra a tradicional festa do Divino Espírito Santo. Seu palco, a pequena Pirenópolis, se localiza no interior do estado de Goiás e se caracteriza por uma marcante interface entre o universo urbano e o rural. Para a população local, os dias festivos representam importantes momentos de socialização e também de compartilhamento de valores. A festa religiosa permite que se constitua uma noção de pertencimento coletivo a uma comunidade de fiéis, além de reforçar anualmente elementos da cultura local. A partir de perspectiva etnográfica, analisaremos: a dimensão familiar envolvida no processo festivo; distinções entre tempos e modos de festejar femininos e masculinos; significados contidos na encenação das cavalhadas.

Tradição; Ritual; Cavalhadas; Sociabilidade; Pirenópolis


This article approaches aspects of Pirenópolis's culture through one party annually carried out: the cavalhadas, a religious rite that integrates the traditional Holy Spirit festival. The stage of the party, Pirenópolis, is a small town in the state of Goiás, mid-west of Brazil. It is characterized by a close relation between the urban universe and the rural one. For the local population, the party represents an important socialization moment, when collective values are shared. Through the religious celebration a notion of collective belonging to a community of believers is created; moreover, some local culture elements are reinforced. Based in an ethnographic perspective, we'll analyze: the familiar dimension of the festivity process; differences about gender's way of significating the party experience; meanings involved in the cavalhada's representation.

Tradition; Ritual; Cavalhadas; Sociability; Pirenópolis


Cavalhadas em Pirenópolis: tradições e sociabilidade no interior de Goiás1 1 Este artigo apresenta ideias desenvolvidas em minha dissertação de mestrado (Spinelli 2009), apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA – UFRJ). A pesquisa foi realizada entre os anos 2007 e 2008, sob orientação da Profª. Drª Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti e com financiamento do CNPq.

Céline Spinelli

RESUMO

Este artigo aborda aspectos da cultura de Pirenópolis através de um festejo anualmente realizado na cidade: as cavalhadas, rito de fundo religioso que integra a tradicional festa do Divino Espírito Santo. Seu palco, a pequena Pirenópolis, se localiza no interior do estado de Goiás e se caracteriza por uma marcante interface entre o universo urbano e o rural. Para a população local, os dias festivos representam importantes momentos de socialização e também de compartilhamento de valores. A festa religiosa permite que se constitua uma noção de pertencimento coletivo a uma comunidade de fiéis, além de reforçar anualmente elementos da cultura local. A partir de perspectiva etnográfica, analisaremos: a dimensão familiar envolvida no processo festivo; distinções entre tempos e modos de festejar femininos e masculinos; significados contidos na encenação das cavalhadas.

Palavras-chave: Tradição, Ritual, Cavalhadas, Sociabilidade, Pirenópolis.

ABSTRACT

This article approaches aspects of Pirenópolis's culture through one party annually carried out: the cavalhadas, a religious rite that integrates the traditional Holy Spirit festival. The stage of the party, Pirenópolis, is a small town in the state of Goiás, mid-west of Brazil. It is characterized by a close relation between the urban universe and the rural one. For the local population, the party represents an important socialization moment, when collective values are shared. Through the religious celebration a notion of collective belonging to a community of believers is created; moreover, some local culture elements are reinforced. Based in an ethnographic perspective, we'll analyze: the familiar dimension of the festivity process; differences about gender's way of significating the party experience; meanings involved in the cavalhada's representation.

Keywords: Tradition, Ritual, Cavalhadas, Sociability, Pirenópolis.

No centro-oeste brasileiro, Pirenópolis é uma pequena cidade do interior do estado de Goiás, situada a cerca de cento e cinquenta quilômetros de Brasília. Povoada por aproximadamente 20.0002 2 Conforme o IBGE, a população de Pirenópolis foi estimada, em 2007, num total de 20.460 habitantes. No recenseamento de 2000, a população havia sido estimada em 21.245, sendo 58,7% dos habitantes moradores da área urbana, 41,3% moradores da zona rural. habitantes, a cidade preserva traços do seu passado de mineração aurífera, hoje materializados na arquitetura oitocentista. A história, a estética arquitetônica e as tradições culturais são suas marcas mais significativas, hoje difundidas pelo turismo como ícones locais.

Pelo processo histórico e pela atual ocupação geográfica, Pirenópolis se caracteriza por uma marcante interface entre o ambiente urbano e o rural. Uma parcela significativa da população local vive na área rural da cidade e pouco frequenta o centro urbano. Neste contexto, as relações interpessoais permanecem fortemente ancoradas nos laços de parentesco: a família é a referência e a principal rede de relações sociais; ela representa igualmente o elemento identificador do indivíduo frente ao coletivo3 3 A categoria "nome de família " (Abreu 1982) é a principal referência pessoal na cidade. Sua centralidade no universo local já rendeu cinco volumes intitulados Famílias Pirenopolinas, importante obra do principal historiador e memorialista da cidade, Jarbas Jayme (1973). O pertencimento a um grupo de parentesco tradicional da cidade carrega valores e significados diversos: de algum modo, os nomes ainda são indicativos da posição hierárquica que cada indivíduo assume frente à sociedade (Pereira de Queiroz 1976). Nesse sentido, estar integrado a um determinado universo relacional é o que personifica os indivíduos, garantindo a cada um o seu lugar social (DaMatta 1991). .

Diante dessa realidade, alguns momentos rituais precisos se preservam como importantes ocasiões de agrupamento social. É o caso das festas tradicionais, dentre as quais tem particular destaque a que é anualmente realizada em homenagem ao Divino Espírito Santo4 4 Festas realizadas em homenagem ao Divino Espírito Santo são recorrentes no Brasil e têm sido foco de numerosas pesquisas, especialmente nas áreas de antropologia e de história (Brandão 1978; Abreu 1999; Silva 2001; Veiga 2002; Contins & Gonçalves 2008). Para maior aprofundamento sobre a festa em Pirenópolis, consultar: Brandão 1978; Silva 2001. . Os dias de festa são momentos privilegiados de socialização, de trocas, de exposição pública. Neles também se materializam ideias de tradição e categorias de pertencimento, que operam em diferentes planos. Deste modo, através do rito emergem elementos estruturantes do grupo social que o produz e executa (Cavalcanti 2006; DaMatta 1979; Turner 2005).

Neste artigo observaremos a cidade por via das cavalhadas, rito que integra as atividades da festa do Divino Espírito Santo. Elas consistem em uma encenação de luta entre mouros e cristãos, de marcado fundo católico. Ao acompanhar o ritual, abordamos sentidos sociais e simbólicos implicados na sua prática, tais como: a dimensão familiar envolvida no processo festivo; distinções entre tempos e modos de festejar femininos e masculinos; significados contidos na encenação das cavalhadas.

Pirenópolis: uma cidade festiva

A cidade dos Pireneus hoje compõe a rota concebida como "região do ouro", polo turístico composto por outros oito municípios. Todos passaram por um processo semelhante: uma revalorização que os transformou em destino turístico, enfocando o aspecto histórico. Essa projeção acompanhou a criação, em território goiano, da capital estadual e nacional, que urbanizou a região e ocasionou um vertiginoso aumento populacional.

O processo em curso redefiniu a realidade espacial e socioeconômica do estado, englobandoou de diferentes modos as cidades históricas goianas. A própria concepção das cidades enquanto "históricas" acompanhou esse conjunto de mudanças, dado que o qualificativo se formulou em oposição às "modernas" cidades recém planejadas e batidas em solo goiano. No âmbito econômico, o fomento ao turismo na região foi um dos principais reflexos imediatos à expansão urbana.

A construção de Pirenópolis enquanto destinação turística implicou um processo multifacetado em que se conjugaram dois projetos, concomitantes e complementares: políticas direcionadas para o implemento do turismo na região e políticas de patrimonialização. Conforme se relata na cidade, até os anos 1960 o passado materializado nos antigos e deteriorados casarios de arquitetura colonial era representativo de um estigma, baseado no isolamento vivenciado após o declínio da extração aurífera. Essa visão pejorativa teria sido transformada por via de uma conscientização do valor histórico, impulsionada a fim de positivar o passado, atribuindo-lhe um caráter de autenticidade local.

Inicialmente focalizando a história e a arquitetura locais, o turismo logo privilegiou a cultura tradicional e as belezas naturais. Para a interconexão entre turismo e cultura local, foi de particular relevância a atuação da empresa de turismo de Goiás, a Goiastur, criada na década de 19705 5 De acordo com informativos da Secretaria de Estado do Planejamento e Desenvolvimento (Seplan), a Empresa de Turismo do Estado de Goiás (Goiastur) foi criada conforme a lei nº 7.540 no dia 12 de setembro de 1972, mesma data da implantação do Conselho Estadual de Turismo (Comtur), com o objetivo de definir as políticas estaduais de turismo. Em 1999 criou-se a Agência Goiana de Turismo (Agetur), atual substituta da antiga Goiastur. . Conforme se relata entre os pirenopolinos, a Goiastur foi o principal agente de divulgação da cidade ao longo dos anos setenta e oitenta: ela o fez enfocando as festas tradicionais, sobretudo a realizada em homenagem ao Espírito Santo e suas cavalhadas, ambas importantes elos da articulação então forjada entre turismo e cultura popular.

Atualmente, a festa do Divino é considerada a mais tradicional manifestação cultural da cidade. Trata-se de um complexo festivo que se realiza cinquenta dias após a Páscoa, na época de Pentecostes, e cuja produção implica um extenso processo ritual (Turner 1974). Embora se desenrole nos dias que antecedem o domingo de Pentecostes, neste dia preciso e nos dois que o seguem, o império é pensado ao longo de todo o ano. Um dos motivos da sua dimensão duradoura repousa no fato de que são sorteados, no domingo de Pentecostes, o imperador e os mordomos, responsáveis pela realização da festa do ano subsequente6 6 A presença ininterrupta da figura de um imperador, também conhecido como festeiro, é um dos fatores que asseguram a continuidade da festa, realizada ininterruptamente na cidade desde 1819. Sua longa duração histórica é destacada a nível local: todos os anos, prospectos são distribuídos com a listagem dos imperadores, desde 1819 ao ano em curso; a continuidade da festa é comentada com orgulho nas falas nativas. No ano de 2008 realizava-se a 190ª festa do Divino, sob o encargo do imperador Adão Rosa Pires. .

O caráter processual da festa, que se faz aos poucos e cuja produção se intensifica a partir do mês de janeiro de cada ano, é uma das suas principais marcas. Além do tempo, também o espaço abarcado é amplo, uma vez que se faz presente no meio rural como no urbano. Na zona rural, realiza-se a folia do Divino, enquanto que no âmbito urbano se passam as demais atividades: as novenas e missas; as procissões; o auto das Pastorinhas; a saída dos mascarados; as cavalhadas; o reinado de Nossa Senhora do Rosário e o juizado de São Benedito; a participação da banda de couro e da banda Phoênix.

Esses rituais ocorrem em paralelo e constituem um momento de interação social movido tanto pela relação com o Divino como pelo ato de compartilhá-la. Assim, é possível conceber que, tal como em outras localidades onde se realizam festas em homenagem ao Espírito Santo, em Pirenópolis, "enquanto o tempo cotidiano é marcado pela horizontalidade e pela relativa dispersão" entre as pessoas, "o tempo das festas desloca-se progressivamente para a verticalidade, na medida em que a ênfase então está na concentração" social e nas relações de troca entre os seres humanos e deles para com o Divino, "entre o mundano e o supramundano" (Contins & Gonçalves 2008:77).

Essa energia social concentrada no universo religioso transforma a relação cotidiana com a esfera do sagrado. Na época da festa, o poder de intermediação do imperador é equivalente ao do padre, dado seu contato com as insígnias do Divino (coroa e cetro) e porque foi ele, afinal, o escolhido para personificar o império. A dupla mediação gera embates entre a população local e a estrutura eclesiástica. É um dos motivos pelos quais o festeiro é anualmente sorteado pelo padre, no interior da igreja, o que permite à instituição religiosa manifestar publicamente sua predominância como legítima representante do Divino.

A vivência de uma festa tradicional como a de Pirenópolis implica o contato com práticas do catolicismo popular, atualizadas diante do processo de romanização7 7 Em abordagem histórica da trajetória da festa do Divino em Pirenópolis, Mônica Martins da Silva (2001) analisa uma série de acontecimentos que envolveram a igreja católica, as famílias locais e o poder público. Sua leitura, que focaliza o processo de romanização e seus desdobramentos, é elucidativa para a compreensão de embates entre a instituição eclesiástica e expressões do catolicismo popular na cidade. e, mais recentemente, com a implementação do turismo. Tal como em outros contextos de experiência religiosa contemporânea (Steil 2003), diferentes discursos e percepções sobre a festa são articulados em Pirenópolis, conforme o lugar social e a participação do interlocutor nas atividades. A complexidade aumenta à medida que a festa é efetivamente popular, ou seja, abrange todos os estratos da sociedade local, ocasionando trocas harmoniosas e alegres, mas também momentos de tensão ou conflito (Cavalcanti 2006).

Teatro religioso a céu aberto

A cavalhada pirenopolina pode ser definida como um teatro equestre a céu aberto, livre e gratuito. Ela se realiza na ainda incompleta "arena das cavalhadas", uma estrutura de concreto quadrangular construída no centro da cidade, popularmente conhecida como "cavalhódromo". Todos os anos, a encenação da cavalhada em Pirenópolis se inicia no domingo de Pentecostes e se estende até a terça-feira, totalizando três tardes. Sua abertura coincide com o cerne ritual do império do Divino e costuma ser considerada um dos momentos mais esperados da festa.

A cavalhada corresponde a uma sequência ritual prescrita, anualmente repetida. Ao longo de três tardes, os cavaleiros põem em cena a representação de uma luta que remete às históricas batalhas medievais entre mouros e cristãos, seguida de provas de habilidades. A dramatização da luta ocorre nos dois primeiros dias, que são considerados "de guerra" e convergem para a invariável vitória cristã, com o batismo dos mouros. No terceiro dia, realiza-se um conjunto de provas de destreza, momento de "confraternização" entre os cavaleiros.

O enredo da cavalhada se inicia com a morte de um espião mouro travestido de onça, que se dissimula em terras cristãs. Em seguida realizam-se as "embaixadas", nas quais cada hoste propõe a conversão religiosa do oposto, por via da oratória. Não obtendo consenso, os reis declaram guerra, sob alegação de que a fé do vitorioso deverá ser reconhecida como verdadeira e aceita pelos perdedores. O conjunto de movimentos que sucede a fala das embaixadas costuma ser qualificado como "de guerra": são as carreiras que antecedem a prisão e o batismo dos cavaleiros mouros.

As carreiras de guerra se estendem ao longo dos dois primeiros dias. Elas se encerram ao fim do segundo dia, com a vitória dos cristãos e com a consequente conversão dos mouros, que são "batizados". Por diversas razões, o simulacro do batismo cristão posto em cena representa o momento da performance dos cavaleiros mais carregado de simbolismos. Por um lado, essa é a única ocasião em que eles apeiam em campo, dispondo-se os mouros de joelhos, à frente dos cristãos. Por outro lado, é o próprio padre ou algum representante da igreja local que entra em cena para realizar o batismo, trazendo consigo habitualmente algum objeto litúrgico.

O caráter religioso se destaca, no momento do batismo, com a evocação do Divino Espírito Santo. O santo volta a entrar em cena na última carreira do segundo dia, de nome "ouvidor". Nesse momento, em círculo no centro do campo, os cavaleiros dão tiros de festim para o alto, enquanto pronunciam "vivas" ao Divino. Agora atuando engrazados, ou seja, intercalados em pares de opostos (cristãos e mouros), os cavaleiros deixam o campo no horário do entardecer, passando todos pelo castelo cristão, para só retornarem no próximo dia, também juntos e pelo mesmo portal.

No terceiro e último dia realizam-se as carreiras habitualmente chamadas de "confraternização". Elas são consideradas pelo senso comum como comemorativas da amizade entre os cavaleiros, alcançada por via da conversão e do compartilhamento da fé. As duas últimas carreiras são provas de destreza: o "tira cabeça" e a "tirada da argolinha". Essas provas de habilidade antecedem a despedida; elas são competitivas e evidenciam a presença do elemento "jogo" (Lévi-Strauss 2008)8 8 Em sua obra O pensamento selvagem (2008), Lévi-Strauss distingue as categorias "jogo" e "rito". A primeira implica uma estrutura que na base equilibra os atores, mas cujo desenrolar da ação é aleatório e o desfecho, disjuntivo. Já o rito teria uma estrutura que se desencadeia através de uma sequência previamente conhecida e que leva a um fim invariável, geralmente de caráter integrador. no ritual das cavalhadas.

O rito tece diferentes planos de significação, que se sobrepõem ao longo dos três dias de encenação, constituindo um complexo e polifônico sistema comunicativo. No universo simbólico evocado destaca-se o reforço ao catolicismo. Trata-se de um rito integrador: no plano das relações interpessoais, reencontra-se na arena amigos e conhecidos de longa data; no plano ideológico, encena-se a supressão da alteridade e a harmonia entre iguais, que se supõe resultante do teatro e cuja obtenção legitima a própria "guerra". Através do batismo, a dominação belicosa é ressignificada sob o viés de uma vitória coletiva, capaz de positivar a derrota dos mouros: ao fim, entende-se que todos são vitoriosos porque todos são cristãos.

A interpretação do mote mouros e cristãos enquanto forma de dominação ideológica travestida de brincadeira é corrente na literatura sobre o tema (Araújo 2004; Meyer 2001). Esse é o "teatro catequético" de que falava o folclorista Alceu Maynard Araújo (2004): lúdico e sutil instrumento de evangelização. Numa perspectiva abrangente, o mote pode inclusive ser compreendido como uma metáfora que permite pensar o processo de formação histórico-social brasileiro.

Conforme Marlyse Meyer, a encenação do mote 'mouros e cristãos' representa "a comemoração ritual" do acontecimento "que marcou os primeiros tempos da colônia: aquele que se pode chamar a Guerra Santa da Conversão" (2001:157). A autora explicita elementos que costumam ser velados; a dominação que subjaz ao ato de catequizar é intrinsecamente violenta, diz ela, revisitando a visão predominante sobre o tema. Em Pirenópolis esses elementos não são manifestos: existem mecanismos na ritualização da luta que direcionam o observador para que assimile a mensagem catequizante de forma lúdica.

Nos bastidores: tempos masculinos e femininos da festa

A participação dos homens na festa implica bastante trabalho feminino. A confecção das vestimentas para cavaleiros, por exemplo, é tarefa feminina que se costumava transmitir ao longo das gerações. A tradição gradativamente perdeu força e hoje poucas pessoas são referências como bordadeiras locais. É o caso de Angélica Oliveira da Veiga Brandão, terceira geração de uma família de bordadeiras e filha da conhecida dona Zefinha, por nome Josefa de Oliveira e Veiga, uma das bordadeiras mais antigas da cidade. Dona Josefa aprendeu com a mãe; Angélica, primeiro ajudando a avó, na idade de sete anos, depois, seguiu os passos da própria mãe.

Dona Josefa, Angélica, Simoneide, dona Maria, Juceli e Neuza são as bordadeiras pertencentes ao circuito das famílias dos cavaleiros mais mencionadas. Além delas, há outras na cidade: Lair, que borda sobretudo peças para a indumentária dos cavalos; Elizete, que mora no Alto da Lapa; outras mais. São mulheres que participam ativamente na produção da festa do Divino, sobretudo das cavalhadas. Todas compõem o contingente que "trabalha demais para a festa", como se costuma dizer em rodas de conversas femininas.

Na cidade que se prepara para os festejos, passam pelas mãos das mulheres: as agulhas e tecidos para confeccionar diferentes tipos de roupas; os papéis que virarão bandeirolas e aqueles que se tornarão flor, enfeite de mascarado e de cavaleiro; os panos que embelezarão a arena das cavalhadas; o açúcar que virará verônica; todo alimento que se transformará em suculentas refeições ofertadas aos cavaleiros, aos foliões, à população. Além disso, cada mulher tem família, filhos e afazeres domésticos. Em suma, tudo o que se circunscreve a quatro paredes é encargo feminino: é nesse domínio que a maior parte da festa se produz.

A dicotomia entre espaço público e privado é marcante nos bastidores. Felipe Veiga observou, em trabalho sobre a culinária do Divino: "as mulheres desempenham papéis ligados à esfera doméstico-familiar", enquanto os homens se apresentam como os "protagonistas" (2008:135). De fato, os homens que participam como personagens da festa ocupam livremente as ruas e a praça da cidade, onde podem festar; as mulheres, por sua vez, se preservam nas casas, onde têm trabalho a realizar.

A divisão de tempos (de trabalhar ou de festejar) e de espaços (públicos ou privados) propõe que a festa é eminentemente usufruída pelos homens. O mesmo pode ser pensado pelo fato de a festa do Divino ser feita a cavalo, já que seus principais personagens, exceto o imperador, atuam montados (foliões, cavaleiros, mascarados). O raciocínio permite inferir que as relações da sociedade local assentam no poder masculino, mas a dedução é parcialmente verdadeira. Como a própria estruturação da festa também demonstra, há dois domínios: o público e o privado. Há, portanto, dois dominadores e conflitos ou negociações, como indica a fala de uma senhora da cidade:

É uma festa masculina e a sociedade é uma sociedade muito feminina; eu acho que é. Pirenópolis é uma sociedade muito feminina, as mulheres mandam dentro de casa, é matriarcal (...) esse período é o direito que eles têm de ficarem livres e elas bordam tudo e fazem tudo pra eles fazerem isso. É o ócio, agora, vai ver a negociação que tá por de trás disso (...) é uma linguagem assim: dentro de casa, eu mando, agora, lá na rua, você vai mostrar que é você quem manda.

Essa fala, de senhora de família pirenopolina tradicional, não é isolada na cidade. Ao contrário, diversos relatos se assemelhavam ao seu, sobretudo partindo de mulheres pertencentes às famílias de renome. Aqui aflora uma faceta do universo da tradição local, que nos remete ao sistema de mandonismo antigamente em vigor na cidade. Numa análise sociológica desse sistema, Maria Isaura Pereira de Queiroz destacou o lugar da mulher:

dentro da família e da parentela, a mulher teve participação ativa, que lhe deu muitas vezes caracteres marcados de iniciativa e de mando. Muitas vezes inferior a ela pelo nascimento e pelas posses, o homem era levado a respeitar-lhe as vontades e a tomá-la como conselheira (...) seu papel era importante, não sendo possível conservar uma imagem de total passividade e subserviência, que realmente não houve (Pereira de Queiroz 1976:194).

O jogo de poder e as tensões nas relações de gênero contemporâneas, expressas ao longo da festa, podem ser compreendidos como um desdobramento da história recente da cidade. Se não é possível afirmar que nas relações sociais de fato predomina algum tipo de matriarcado, podem-se observar na cidade visões de mundo que podem ser entendidas como "matriarcais". Afinal, no depoimento acima citado, a liberdade dos homens de usufruir o tempo de festa, ou de "ócio", é apresentada como uma permissividade feminina: elas trabalham para que eles possam festar9 9 A noção de festa aqui apresentada comporta a ruptura com a rotina do trabalho e da vida doméstica, lapso que é preenchido pela liberdade de inverter ou transgredir valores cotidianos (DaMatta 1979). Daí decorre a comum associação na cidade da festa do Divino com o carnaval: "a festa do Divino é o nosso carnaval", dizem as pessoas, ou então, que ela "é o carnaval sertanejo". .

Vale destacar que o trabalho nos bastidores não impede as mulheres de usufruírem da festa. Algumas apreciam a encenação das pastorinhas, outras se divertem com a atuação dos mascarados, outras ainda gostam de frequentar as novenas, os cortejos do imperador, os reinados. Até mesmo o trabalho pode ser agradável, como indica a produção de toda uma farta gastronomia, a ser prazerosamente compartilhada e consumida nos dias de festa.

A presença e o apoio feminino e familiar é uma constante entre os cavaleiros também nos três dias de festa na arena. Em dia de encenação, os cavaleiros são pela manhã ajudados e frequentemente até mesmo substituídos na preparação dos cavalos, que precisam ser vestidos e enfeitados. Também é importante o auxílio feminino na hora de vestir os próprios cavaleiros, para se estar seguro de que todos os alfinetes fiquem no seu devido lugar, de modo que nenhuma peça se solte em campo. Essa presença de amigos e de parentes no momento de preparar a entrada em campo representa uma forma de compartilhar o próprio ato de fazer cavalhada, tornando-o familiar. Como relata o cavaleiro José Maurício Tries Júnior:

Envolve minha mãe (...) minhas roupas, tudo minha mãe quem arruma, tem que trocar alguma coisa, tem que costurar, tem que arrumar isso, tudo é ela quem arruma. E meu pai gosta demais da festa, então a festa não é só ali (no campo) (...) tem a festa do camarote, tem a festa da rua: você vai sair pra rua. Tudo envolve, então, meus irmão (sic), todo mundo gosta, a minha filha gosta demais, esse ano até cavalo pra mim no último dia foi ela quem escolheu, então isso aí, se você não tiver o apoio da família é difícil. Se você for sozinho, aquilo ali é difícil, não é fácil não. Eu, se não fosse meu povo ajudar, eu acho que eu não corria mais não, negócio que meu pai gosta, minha mãe gosta, porque assim você acaba envolvendo. A cidade para, o povo envolve mesmo, então você acaba indo (José Maurício Tries Júnior, cavaleiro mouro, em entrevista realizada no ano de 2008).

Tal como Júnior, todos os demais cavaleiros foram unânimes ao afirmar que, sem o apoio das esposas e das famílias, participar da cavalhada não só se tornaria penoso, mas a brincadeira esvaeceria de sentido. Significa que o ser cavaleiro presume um contexto relacional, fundamentalmente familiar. Nesse sentido, a cavalhada da cidade pode ser ela mesma pensada como uma prática familiar: cada cavaleiro representa uma família que entra em cena, e, em boa medida, é para seus respectivos parentes que cada um atua.

Cavaleiros em campo, famílias na plateia

A arena das cavalhadas é uma estrutura de concreto quadrangular com área equivalente a um campo de futebol. Ela é composta por lados com dois níveis horizontais, as "passarelas" norte e sul, que interligam duas arquibancadas. No centro de cada passarela estão localizadas as torres moura e cristã, que ostentam os símbolos de cada hoste. O cenário nos dias de cavalhadas é complementado pelos camarotes, estruturas de madeira montadas anualmente por famílias da cidade que ali detêm uma vaga, previamente distribuída pela prefeitura.

Iniciada a festa, a arquibancada principal costuma ficar cheia no primeiro e no terceiro dia, sendo um pouco menor o movimento no segundo. Os camarotes, por sua vez, estão sempre ocupados, variando entre dez e quinze o número de pessoas que se encontra em cada um deles, entre parentes, amigos e a própria família nuclear a que o espaço corresponde. O espectador que não está nas arquibancadas ou em algum camarote está numa das vias de acesso ou circulando pela arena.

A percepção da tarde de cavalhada como um momento de socialização é generalizada na cidade. Os relatos na arena comprovam que, no senso comum local, a cavalhada é vista como um importante momento para estar entre parentes e reencontrar amigos, pessoas que por vezes só na arena se pode ver, especialmente quando moradores da zona rural ou de outro município. Vários interlocutores indicavam o propósito de socialização como o principal motivo para frequentar a arena anualmente. Era sobretudo o caso dos jovens, daqueles que apreciavam circular e, no passeio, rever pessoas e presenciar a festa que então se criava pelas passarelas.

Ao falar da sua experiência, o jovem Fabrício narrou a condição de quem é vinculado a uma família tradicional: "eu venho mais pra socializar mesmo; venho pra ver o pessoal que está nos camarotes". Ele ainda comentou a necessidade de se ter algum resguardo com a imagem no espaço público e sobre a importância de ser atencioso para com os parentes, dois aspectos que sinalizam um tipo de vivência da festa. Como diz o jovem: "a família tá ali esperando no camarote (...) a gente começou a tomar uma cervejinha, mas tem que passar, conversar, falar que veio".

Na prática local, o apreço e a deferência para com os amigos e os parentes se apresentam na arena por via de "visitas" aos camarotes. Nesse sentido, há dois tipos de espectadores: aqueles que têm o seu próprio camarote e que saem com o propósito de ir a outro, encontrar alguém; pessoas da cidade que não têm camarote e que, ao longo de toda tarde de cavalhada, se revezam entre diferentes visitas. Já a plateia que se aloja na arquibancada parece se deslocar com outra dinâmica. Isso indica que, através dos trajetos realizados, é possível observar marcas distintivas postas na multifacetada apropriação social do espaço, nas tardes de cavalhada.

A maior parte dos espectadores da arquibancada se desloca com o objetivo de se dirigir à área de consumo e comprar na própria arena algo para comer ou beber. Já nos camarotes, ao contrário, os alimentos são trazidos de casa. O fato de ter um espaço privado para poder depositar o que se traz à arena é certamente um dos motivos da prática para uns, sendo o oposto o que possivelmente desencoraja os outros. Inclusive, nos camarotes o alimento é um bem importante, sendo próprio da etiqueta local servir ao visitante algo para beber ou comer. Essa ação de receber todo visitante com cortesia, com um tipo de serventia, é um dentre os vários indícios da transposição das noções e das práticas do espaço privado da casa para o espaço público da arena.

Além dos alimentos, constam nos camarotes pertences cotidianos: mesas, cadeiras e bancos, filtros de água, copos, bacias, caixas de isopor, guardanapos de papel são levados para a arena, dentre outros objetos domiciliares. A presença de crianças, jovens e adultos de diferentes faixas etárias é outro indicativo do ambiente familiar desses espaços, capaz de delimitar seu caráter particular. Desse modo, o ingresso nos camarotes é restrito: para um desconhecido, a entrada precisa ser mediada por um pedido de licença aos seus ocupantes, caso contrário provavelmente será considerada invasiva e tenderá a ser mal recepcionada.

Enquanto os camarotes constituem espaços privados e reclusos, a arquibancada é pública. É evidente que, nessas circunstâncias, a experiência da festa é bastante diferenciada para as pessoas que participam observando a arena a partir de um ou outro lugar. Característica comum a todo espectador é o movimento circular pela arena: a plateia é viva e constitui uma festa paralela à cena. Nesse sentido, os espectadores assumem uma dimensão de agentes e podem interagir de diferentes modos com os protagonistas.

A torcida pelos cavaleiros: prova das argolinhas

Um dos momentos mais esperados da festa é a prova das argolinhas. Ela consiste em retirar a galope uma argola suspensa numa trave horizontal disposta sobre outras duas, em formato de dólmen. Quando o cavaleiro é bem-sucedido, ele comemora a retirada vibrando o braço com a lança utilizada na prova. A banda toca, a plateia aplaude, assovia e grita, os parentes e amigos repetem em coro o nome do cavaleiro, que é também anunciado pelo locutor. Quando o cavaleiro não acerta, ele tem que girar a lança para baixo, indicativo do malogro, e passa-se a vez ao próximo.

As argolas retiradas com sucesso são entregues pelo cavaleiro a uma pessoa de sua escolha. No senso comum da cidade, essa entrega contém vários significados, sendo frequente nos relatos a menção ao par orgulho —honra no ato de oferecer e receber uma argolinha. Por um lado, os depoimentos indicam que é um "orgulho" para o cavaleiro retirar uma argolinha: o ato representa uma comprovação pública de destreza, que será comemorada na arena e, ao término da cavalhada, comentada pela cidade. Por outro lado, oferecer uma argolinha equivale ao reconhecimento também público da afeição ou respeito do cavaleiro para com o destinatário. Em consequência, ganhá-la é "uma honra", e é próprio da etiqueta de quem recebe imediatamente retribuir.

As argolinhas recebidas são guardadas com cuidado, atenção que é devida ao objeto por seu forte valor simbólico. Isso indica o relato de dona Josefa, que iniciou falando-me das argolinhas assim: "quando eles tiram uma argolinha oferecem pra uma pessoa amiga ali da plateia, dos camarotes, e recebem também um presente". Então ela sorriu e seu tom de voz mudou: "esse ano eu ganhei uma argolinha, eu já tenho três!" A exclamação foi reforçada na sequência da fala, quando reiterou, "eu tenho três argolinhas, guardadas com muito carinho (...) é uma prova de consideração, de amizade, não é? E a gente dá também um presentinho, um agrado, com muito prazer".

Há algumas décadas, os cavaleiros costumavam receber como "agrado" um corte de tecido, para dele fazerem alguma roupa; o tecido era amarrado na ponta da lança e assim exibido ao público (Brandão 1974). Hoje é comum pessoas amarrarem notas de dinheiro numa fita, que é então presa à ponta da lança do cavaleiro. Também ocorre de algumas pessoas oferecerem rês, mas é indispensável amarrar algo na lança para que todos possam vê-lo. Nessa situação, o cavaleiro depois provavelmente devolverá o que recebeu em campo.

A fita de dinheiro, em razão do seu evidente caráter financeiro, parece ter de algum modo deturpado o sentido originalmente atribuído à entrega da argolinha. Dentre os próprios cavaleiros, comenta-se com certo tom de crítica que alguns deles têm hoje tendência a oferecer a argolinha a pessoas que costumam dar em troca uma boa retribuição. Desse modo, empresários e políticos atualmente compõem o seleto circuito daqueles que recebem argolinhas, o que não é uma constante na tradição da festa.

A obrigação de retribuir é por vezes mitigada na fala dos cavaleiros, de modo a destacar o ato de oferecer a argolinha, ou seja, a ação deles próprios, que se quer gratuita. A fórmula do senso comum entre os cavaleiros sintetiza a troca e a tríade dar – receber – retribuir (Mauss 2003) sob a ideia de que "não precisa retribuir, mas retribui". Na prática, mesmo os cavaleiros que negam a necessidade de retribuição esperam que a etiqueta seja respeitada: não só aguardam o "agrado", como o exibem ao público. Romper com a lógica simbólica da troca é motivo de comentários na cidade, não é coisa que se faça.

O sucesso de cada cavaleiro é festejado por seus parentes e amigos, que vibram e fazem grande torcida. Esse é o único momento da cavalhada em que o aspecto individual se sobrepõe ao coletivo: o cavaleiro deixa de ser reconhecido pelo grupo que integra para ser identificado por seu nome próprio. Afora a importante subjetivação do cavaleiro, esse momento é o único em que se manifesta uma competição e, consequentemente, cisão e um tipo de rivalidade entre as duas hostes. Ao término da prova, as argolinhas retiradas são contadas e a cada ano são anunciados os vencedores: mouros ou cristãos.

Considerações finais

A cavalhada é essencialmente um ritual de caráter integrador, embora contenha elementos estruturantes muito violentos: por via da encenação, comunica-se a negação de formas de alteridade. O mouro na realidade histórica e sociocultural brasileira faz referência a categorias tão distintas quanto o índio, o negro ou, no contexto religioso contemporâneo, o crente (cristão não-católico). Na encenação, o elemento constitutivo de alteridade do mouro é confrontado e anulado: ao princípio, sua crença é questionada; ao término, ele é dominado e batizado. Assim, supostamente cria-se igualdade entre as hostes, pelo fato de, ao fim, todos compartilharem uma crença comum.

Ao longo da encenação, mecanismos de ritualização são acionados para que a recepção da plateia ao teatro se restrinja a uma ideia de harmonia e de comunhão entre iguais. Conforme o senso comum local, o último dia de cavalhadas é destinado à comemoração da "paz" alcançada com o batismo: os cavaleiros de cores opostas trocam flores entre si; as provas de destreza representam uma maneira de festejar a irmandade e são com frequência chamadas "provas de amizade". Por paradoxo, na primeira delas, de nome "tira cabeça", a paz cristã é comemorada com o abate de máscaras em papel que representam feições humanas. A última prova, por sua vez, é uma competição entre as duas hostes, único momento em que os mouros podem ser vencedores.

No plano das relações interpessoais, constitui-se na arena uma festa paralela, também ela complexa. Embora toda interação social pressuponha a possível iminência de conflitos e de tensões, na percepção local a festa tende a representar um momento de supressão dos mesmos. Conforme se diz, nos dias de festa espera-se compartilhar alegria e bem estar, sobretudo em se tratando de festejo realizado em homenagem ao Divino. Na cidade, nesses dias fala-se em "paz" e em "união", sendo comum a noção de que a festa deve "proporcionar a presença do Divino Espírito Santo entre os homens".

Diferentes relatos indicavam que o ambiente da festa gera nos pirenopolinos momentos de vivência de caráter transcendental. Trata-se efetivamente de uma festa religiosa, através da qual se constitui uma noção de pertencimento coletivo a uma comunidade de fiéis, traço que identifica os participantes da festa entre si, de modo a que possam se sentir "em harmonia". Os valores encenados e vividos através da festa também estão relacionados com a dimensão familiar, marcante na produção e experiência do momento festivo. O ato de compartilhar os dias de festa entre parentes e amigos é um dos principais sentidos atribuídos à tradição festiva; é um dos motivos para sua longa duração na cidade.

Notas

Recebido em abril de 2010

Aprovado em junho de 2010

Céline Spinelli celinespinelli@gmail.com

Mestre em Sociologia e Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA – IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

  • ABREU, Martha. (1999), O Império do Divino: Festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900 Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fapesp.
  • ABREU FILHO, Ovídio de. (1982), "Parentesco e identidade social". Anuário Antropológico, v.1: 95-118.
  • ARAÚJO, Alceu Maynard. (2004), Folclore nacional I: festas, bailados, mitos e lendas São Paulo: Martins Fontes.
  • BRANDÃO, Carlos Rodrigues. (1974), Cavalhadas de Pirenópolis: um estudo sobre representações de mouros e cristãos em Goiás São Paulo: Oriente.
  • _______. (1978), O Divino, o Santo e a Senhora Rio de Janeiro: Funarte.
  • CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. (2006). Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile Rio de Janeiro: Funarte/UFRJ.
  • CONTINS, Marcia & GONÇALVES, José Reginaldo Santos. (2008), "Entre o Divino e os homens: a arte nas festas do Divino Espírito Santo". Horizontes Antropológicos, nş 29: 67-94.
  • DAMATTA, Roberto. (1979), Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • _______. (1991), A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
  • JAYME, Jarbas. (1973), Famílias pirenopolinas: ensaios genealógicos Goiânia: Departamento estadual de cultura Governo do Estado de Goiás.
  • LÉVI-STRAUSS, Claude. (2008), O pensamento selvagem Campinas: Papirus.
  • MAUSS, Marcel. (2003), Sociologia e antropologia São Paulo: Cosac Naify.
  • MEYER, Marlyse. (2001), Caminhos do Imaginário no Brasil São Paulo: EDUSP.
  • QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. (1976), O mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios São Paulo: Alfa-Ômega.
  • SILVA, Mônica Martins da. (2001), A Festa do Divino: Romanização, Patrimônio & Tradição em Pirenópolis (1890-1988) Goiânia: Instituto Goiano do Livro/Agepel.
  • SPINELLI, Céline. (2009), Cavaleiros de Pirenópolis: etnografia de um rito equestre Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado em Sociologia e Antropologia, PPGSA/UFRJ.
  • STEIL, Carlos Alberto. (2003), "Romeiros e turistas no santuário de Bom Jesus da Lapa". Horizontes Antropológicos, nş 20:249-261.
  • TURNER, Victor. (1974), O processo ritual: estrutura e antiestrutura Petrópolis: Ed. Vozes.
  • _______. (2005), Floresta dos símbolos: aspectos do ritual Ndembu Niterói: Ed.UFF.
  • VEIGA, Felipe Berocan. (2002), A Festa do Divino Espírito Santo em Pirenópolis, Goiás: Polaridades simbólicas em torno de um rito. Niterói: Dissertação de Mestrado em Antropologia e Ciência Política, UFF.
  • _______. (2005), "A folia continua: vida, morte e revelação na Festa do Divino de Pirenópolis, Goiás". In: L. Carvalho (org.) Divino Toque do Maranhão Rio de Janeiro: IPHAN, CNFCP.
  • 1
    Este artigo apresenta ideias desenvolvidas em minha dissertação de mestrado (Spinelli 2009), apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA – UFRJ). A pesquisa foi realizada entre os anos 2007 e 2008, sob orientação da Profª. Drª Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti e com financiamento do CNPq.
  • 2
    Conforme o IBGE, a população de Pirenópolis foi estimada, em 2007, num total de 20.460 habitantes. No recenseamento de 2000, a população havia sido estimada em 21.245, sendo 58,7% dos habitantes moradores da área urbana, 41,3% moradores da zona rural.
  • 3
    A categoria "nome de família
    " (Abreu 1982) é a principal referência pessoal na cidade. Sua centralidade no universo local já rendeu cinco volumes intitulados Famílias Pirenopolinas, importante obra do principal historiador e memorialista da cidade, Jarbas Jayme (1973). O pertencimento a um grupo de parentesco tradicional da cidade carrega valores e significados diversos: de algum modo, os nomes ainda são indicativos da posição hierárquica que cada indivíduo assume frente à sociedade (Pereira de Queiroz 1976). Nesse sentido, estar integrado a um determinado universo relacional é o que personifica os indivíduos, garantindo a cada um o seu lugar social (DaMatta 1991).
  • 4
    Festas realizadas em homenagem ao Divino Espírito Santo são recorrentes no Brasil e têm sido foco de numerosas pesquisas, especialmente nas áreas de antropologia e de história (Brandão 1978; Abreu 1999; Silva 2001; Veiga 2002; Contins & Gonçalves 2008). Para maior aprofundamento sobre a festa em Pirenópolis, consultar: Brandão 1978; Silva 2001.
  • 5
    De acordo com informativos da Secretaria de Estado do Planejamento e Desenvolvimento (Seplan), a Empresa de Turismo do Estado de Goiás (Goiastur) foi criada conforme a lei nº 7.540 no dia 12 de setembro de 1972, mesma data da implantação do Conselho Estadual de Turismo (Comtur), com o objetivo de definir as políticas estaduais de turismo. Em 1999 criou-se a Agência Goiana de Turismo (Agetur), atual substituta da antiga Goiastur.
  • 6
    A presença ininterrupta da figura de um imperador, também conhecido como festeiro, é um dos fatores que asseguram a continuidade da festa, realizada ininterruptamente na cidade desde 1819. Sua longa duração histórica é destacada a nível local: todos os anos, prospectos são distribuídos com a listagem dos imperadores, desde 1819 ao ano em curso; a continuidade da festa é comentada com orgulho nas falas nativas. No ano de 2008 realizava-se a 190ª festa do Divino, sob o encargo do imperador Adão Rosa Pires.
  • 7
    Em abordagem histórica da trajetória da festa do Divino em Pirenópolis, Mônica Martins da Silva (2001) analisa uma série de acontecimentos que envolveram a igreja católica, as famílias locais e o poder público. Sua leitura, que focaliza o processo de romanização e seus desdobramentos, é elucidativa para a compreensão de embates entre a instituição eclesiástica e expressões do catolicismo popular na cidade.
  • 8
    Em sua obra
    O pensamento selvagem (2008), Lévi-Strauss distingue as categorias "jogo" e "rito". A primeira implica uma estrutura que na base equilibra os atores, mas cujo desenrolar da ação é aleatório e o desfecho, disjuntivo. Já o rito teria uma estrutura que se desencadeia através de uma sequência previamente conhecida e que leva a um fim invariável, geralmente de caráter integrador.
  • 9
    A noção de festa aqui apresentada comporta a ruptura com a rotina do trabalho e da vida doméstica, lapso que é preenchido pela liberdade de inverter ou transgredir valores cotidianos (DaMatta 1979). Daí decorre a comum associação na cidade da festa do Divino com o carnaval: "a festa do Divino é o nosso carnaval", dizem as pessoas, ou então, que ela "é o carnaval sertanejo".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Aceito
      Jun 2010
    • Recebido
      Abr 2010
    Instituto de Estudos da Religião ISER - Av. Presidente Vargas, 502 / 16º andar, Centro , CEP 20071-000, Tel: (21) 2558-3764 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: religiaoesociedade@iser.org.br