Open-access Assessing communication in the autistic spectrum: interference of familiarity in language performance

rsbf Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia Rev. soc. bras. fonoaudiol. 1516-8034 1982-0232 Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia São Paulo, SP, Brazil PURPOSE: To identify the best technique to assess the communication of autistic spectrum individuals, analyzing the interference of the familiarity of the situation in communication's functionality. METHODS: Subjects were 18 children and adolescents with diagnosis included within the autistic spectrum, and ages between three years and 11 months and 17 years and 11 months, with an average of eight years and nine months (SD=3,6 years). Initially, an interaction situation between each participant and a familiar speech-language pathologist was filmed during 15 minutes, during a routine evaluation setting that reproduced weekly therapy sessions (Familiar Situation). On the following session, an interaction situation between each subject and a non-familiar speech-language pathologist using pre-determined material (Non-Familiar Situation) was also filmed during 15 minutes. Data were transcribed and analyzed according to the Functional Communicative Profile protocol. RESULTS: The comparison between situations showed differences in only four variables (23%), from the 17 analyzed; three of them presented better results in the Familiar Situation: communicative acts per minute, number of responses, and proportion of use of the Non-Focused communicative function. Only one of the variables had better results in the Non-Familiar Situation: proportion of use of the Play communicative function. CONCLUSION: The interference of the familiarity of the communicative situation in the communicative performance of autistic subjects is very small, and the evaluation procedure along the lines of the Familiar Situation was slightly better for the assessment of this population. ARTIGO ORIGINAL Avaliação da comunicação no espectro autístico: interferência da familiaridade no desempenho de linguagem Assessing communication in the autistic spectrum: interference of familiarity in language performance Camila Ramos MoreiraI; Fernanda Dreux Miranda FernandesII IMestre em Ciências da Reabilitação/Comunicação Humana pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil IILivre-docente, Professora Associada do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil Endereço para correspondência RESUMO OBJETIVO: Analisar a interferência da familiaridade da situação de avaliação na funcionalidade da comunicação de sujeitos com diagnóstico incluído no Espectro Autístico, buscando o melhor procedimento para avaliação da comunicação desta população. MÉTODOS: Participaram da presente pesquisa 18 sujeitos com diagnóstico incluído nos Distúrbios do Espectro Autístico, com idades entre três anos e 11 meses e 17 anos e 11 meses, com média etária de oito anos e nove meses (DP: 3,6 anos). Inicialmente foi realizada a filmagem da interação de cada participante com sua terapeuta em situação rotineira de avaliação (Situação Familiar), semelhante às sessões semanais de atendimento, e nas sessões seguintes foi realizada outra filmagem de cada sujeito em interação com uma fonoaudióloga não-familiar, com materiais lúdicos pré-determinados (Situação Não-Familiar). Os dados de interação foram transcritos e analisados e as variáveis foram selecionadas a partir do protocolo do Perfil Funcional da Comunicação (PFC). RESULTADOS: A comparação entre as situações demonstrou diferença apenas para quatro variáveis (23%), dentre as dezessete analisadas; três dessas mostraram resultado superior na Situação Familiar: atos comunicativos expressados por minuto, número de respostas e porcentagem de utilização da função comunicativa Não-Focalizada, e uma delas se mostrou superior na Situação Não-Familiar: porcentagem de utilização da função comunicativa Jogo. CONCLUSÃO: A interferência da familiaridade da situação comunicativa no desempenho comunicativo de sujeitos autistas é mínima, sendo que o procedimento de avaliação nos mesmos moldes da Situação Familiar mostrou-se ligeiramente melhor para a avaliação da comunicação dessa população. Descritores: Transtorno autístico; Transtornos da linguagem; Avaliação; Comunicação; Testes de linguagem; Linguagem; Recognição (Psicologia) ABSTRACT PURPOSE: To identify the best technique to assess the communication of autistic spectrum individuals, analyzing the interference of the familiarity of the situation in communication's functionality. METHODS: Subjects were 18 children and adolescents with diagnosis included within the autistic spectrum, and ages between three years and 11 months and 17 years and 11 months, with an average of eight years and nine months (SD=3,6 years). Initially, an interaction situation between each participant and a familiar speech-language pathologist was filmed during 15 minutes, during a routine evaluation setting that reproduced weekly therapy sessions (Familiar Situation). On the following session, an interaction situation between each subject and a non-familiar speech-language pathologist using pre-determined material (Non-Familiar Situation) was also filmed during 15 minutes. Data were transcribed and analyzed according to the Functional Communicative Profile protocol. RESULTS: The comparison between situations showed differences in only four variables (23%), from the 17 analyzed; three of them presented better results in the Familiar Situation: communicative acts per minute, number of responses, and proportion of use of the Non-Focused communicative function. Only one of the variables had better results in the Non-Familiar Situation: proportion of use of the Play communicative function. CONCLUSION: The interference of the familiarity of the communicative situation in the communicative performance of autistic subjects is very small, and the evaluation procedure along the lines of the Familiar Situation was slightly better for the assessment of this population. Keywords: Autistic disorder; Language disorders; Evaluation; Communication; Language tests; Language; Recognition (Psychology) INTRODUÇÃO As alterações características do espectro autístico invariavelmente estão relacionadas à cognição, linguagem e socialização, variando consideravelmente em relação à intensidade e expressão dos sintomas(1). A funcionalidade da comunicação também tende a variar de acordo com o grau de severidade do quadro clínico apresentado(2,3). Tem sido sugerido que o déficit linguístico central no autismo refere-se ao uso inapropriado da linguagem em contextos sociais, ou seja, a uma alteração na habilidade pragmática(4,5). Verifica-se que crianças autistas expressam um perfil mais homogêneo de funções comunicativas, qualitativamente e quantitativamente diferente do perfil de crianças normais, demonstrando um repertório mais limitado de funções comunicativas, o que evidencia um desvio em relação ao desenvolvimento normal das habilidades pragmáticas(6). Outro estudo sugere que os déficits de linguagem específicos dos indivíduos autistas teriam sua origem em falhas nos mecanismos de atenção compartilhada desde o início do desenvolvimento(7). O ponto central nas alterações de linguagem associadas aos distúrbios do espectro autístico está relacionado com o uso funcional da linguagem, nos diversos contextos sociais, sendo que as características individuais nas habilidades de linguagem promovem diferenças importantes para o prognóstico dos indivíduos autistas(8-10). Embora os estudos dos aspectos formais forneçam dados descritivos a respeito da linguagem de crianças autistas, tais elementos fornecem poucos subsídios para a atuação clinica em terapia de linguagem com essas crianças(11). O autismo evidencia prejuízos qualitativos e quantitativos na iniciativa de comunicação verbal e não-verbal, independentemente do nível comunicativo dos sujeitos(12). O contexto em que a comunicação ocorre é complexo e inclui aspectos multidimensionais, exigindo sua análise na investigação do uso funcional da comunicação(12,13). Em um dos primeiros estudos sobre o tema, observou-se diferenças na habilidade pragmática de oito sujeitos autistas em relação ao estímulo social. Foi observado que a consistência da comunicação está mais relacionada ao interlocutor do que às diferentes situações de interação(5). Autores sugerem que crianças autistas que se encontram em situação não-familiar podem reagir chorando, afastando-se, ou recusando-se a compartilhar a situação comunicativa com o interlocutor, sugerindo que autistas mostram mais problemas sociais na interação com estranhos, podendo diferenciar parceiros sociais familiares e não-familiares(14-17). Alguns estudos observaram que uma situação dirigida de interação pode produzir um repertório de funções comunicativas diferentes, porém não melhor do que a situação espontânea de interação, sendo necessárias pesquisas que visem identificar diferenças comunicativas em diferentes contextos comunicativos(11,18). A determinação de procedimentos cada vez mais adequados e clinicamente apropriados de avaliação de linguagem é fundamental para a investigação diagnóstica eficiente e que forneça subsídios para a pratica baseada em evidencias, quer no sentido de fundamentar as propostas de intervenção quer no acompanhamento de seus resultados(10,19). A proposta de análise do Perfil Funcional da Comunicação (PFC) tem sido utilizada em diversos estudos envolvendo crianças e adolescentes com diagnósticos incluídos no espectro autístico(10,20,21). O número de respostas, uma variável não verificada pelo protocolo do PFC, tem sido incluída na análise da comunicação dessas crianças(10,20), mostrando-se uma variável importante e fornecendo dados que permitiram verificar o aumento na responsividade dos sujeitos autistas ao interlocutor(22). O protocolo do PFC(21,22) utilizado nesta presente pesquisa permite a determinação de 52 variáveis de desempenho e tem sido amplamente utilizado em pesquisas com sujeitos autistas(10,11,18,19,21,23-26), síndrome de Down(23,27), Alterações no Desenvolvimento de Linguagem(28,29) e normais(19,24,28). Análises em que cada indivíduo é seu próprio controle têm permitido evitar a interferência de fatores como a grande variação individual, que tendem a gerar critérios artificiais de pareamento(30). O diagnóstico detalhado e fidedigno é fundamental na construção de um perfil individualizado de habilidades e dificuldades útil para a construção de um programa de intervenção especificamente direcionado e para o acompanhamento sistemático dos resultados dos processos terapêuticos. Desta forma, a determinação da maneira mais eficaz e fidedigna de avaliar a comunicação e a linguagem de indivíduos autistas em processos de terapia de linguagem representa um desafio atual para os investigadores da área. A presente pesquisa buscou investigar diferentes alternativas para a coleta de dados para a avaliação fonoaudiológica, comparando o desempenho comunicativo dos sujeitos em duas situações comunicativas distintas pela familiaridade do sujeito ao procedimento de coleta da amostra de interação, pela análise do protocolo do PFC e do número de respostas expressados pelos sujeitos. A questão levantada foi: elementos como a familiaridade do interlocutor e a seleção do material produzirão resultados significativamente diferentes no desempenho comunicativo de sujeitos autistas? Assim, o objetivo deste estudo foi analisar a interferência da familiaridade da situação de avaliação na funcionalidade da comunicação de sujeitos com diagnóstico incluído no Espectro Autístico, buscando o melhor procedimento para avaliação da comunicação desta população. MÉTODOS Participantes Foram participantes desta pesquisa 18 sujeitos com diagnóstico psiquiátrico incluído nos Transtornos do Espectro Autístico, em atendimento fonoaudiológico especializado semanal. Suas idades variaram de três anos e 11 meses a 17 anos e 11 meses, com média de idade de oito anos e nove meses (DP: 3,6). Material Foram utilizados: filmadora, DVDs, DVD player, protocolos de registro do Perfil Funcional da Comunicação - PFC(20) e brinquedos. Procedimentos A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) sob número 1155/06, e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos responsáveis. Posteriormente foi realizada a filmagem de 15 minutos de interação de cada participante com sua terapeuta em situação rotineira de avaliação semestral, chamada Situação Familiar (SF), semelhante às sessões semanais de atendimento, na qual a dupla escolhe junto o material a ser utilizado na atividade, dentre todos os brinquedos disponíveis no acervo do laboratório, que conta com uma grande variedade de jogos, miniaturas, quebra-cabeças e outros materiais. Nas sessões seguintes, com intervalo máximo de duas semanas, foi realizada outra filmagem de 30 minutos da situação de interação de cada sujeito com a pesquisadora não-familiar, chamada Situação Não-Familiar (SN), desta vez com materiais lúdicos pré-determinados (bola, massa de modelar, bolinhas de sabão, canetinhas, papel, brinquedos de encaixe, jogos, bonecas, carrinhos e miniaturas), apresentados dentro de uma caixa. Análise dos dados Após a filmagem todos os dados foram transcritos em protocolos específicos e analisados segundo critérios propostos por Fernandes(20), adicionando também o número de respostas dos sujeitos. Optou-se pela análise dos dados realizada unicamente pela pesquisadora, pressupondo-se que as terapeutas apresentariam alguma familiaridade com os comportamentos comunicativos de seus pacientes, que poderia gerar um viés na análise. Foram selecionadas dezessete variáveis, relacionadas ao desempenho de linguagem dos sujeitos, divididas em três conjuntos: índices de desempenho de linguagem [atos comunicativos por minuto (am), número de funções comunicativas utilizadas (nf), número de funções comunicativas mais interpessoais (fi), proporção de ocupação do espaço comunicativo (oe), proporção de interpessoalidade (int) e número de respostas (re)]; meios comunicativos [proporção de uso do meio comunicativo verbal (VE), proporção de uso do meio comunicativo vocal (VO) e proporção de uso do meio comunicativo gestual (GE)]; e funções comunicativas mais interpessoais: Comentário (C), Expressão de Protesto (EP), Reconhecimento do Outro (RO), Protesto (PR); e menos interpessoais: Exploratória (XP), Performativa (PE), Jogo (J), Não-Focalizada (NF)(21). A seleção das funções comunicativas mais utilizadas obedeceu, neste estudo, ao critério de proporção média na amostra superior a 5% nas duas situações (SF+SN). Para a comparação das variáveis entre as situações, foi realizada aplicação do Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon, adotando o nível de significância de 5% (0,05), com intuito de verificar possíveis diferenças entre a Situação Familiar (SF) e a Situação Não-Familiar (SN). RESULTADOS Índices de desempenho de linguagem A comparação dos índices de desempenho de linguagem entre as situações Familiar e Não-Familiar evidenciou diferenças significativas para as variáveis: atos comunicativos por minuto (am) e número de respostas (re), com resultados superiores na Situação Familiar, como observado na Tabela 1. Os índices de linguagem: funções comunicativas mais interpessoais (fi), número de funções comunicativas utilizadas (nf), proporção de interpessoalidade (p_int) e proporção de ocupação do espaço comunicativo (p_oe) mostraram-se semelhantes em ambas as situações, e seus resultados podem ser observados na Figura 1. Meios comunicativos Ao analisar os meios comunicativos utilizados pelos sujeitos, não se verifica diferença entre a Situação Familiar e a Situação Não-Familiar. Pode-se perceber, entretanto, que em ambas as situações há maior uso do meio comunicativo gestual, seguido pelos meios vocal e verbal, como demonstram as médias da proporção dos meios comunicativos dos sujeitos, apresentadas na Figura 2. Funções comunicativas As oito funções comunicativas mais utilizadas pelos sujeitos somaram 83,09% do total de atos comunicativos emitidos na Situação Familiar, enquanto na Situação Não-Familiar totalizaram 84,86% dos atos comunicativos expressados. Dentre as oito funções comunicativas selecionadas observou-se maior proporção de utilização das funções comunicativas menos interpessoais nas duas situações estudadas, apresentando semelhança na sua expressividade entre a Situação Familiar (56,13%) e a Situação Não-Familiar (58,64%). As proporções de utilização das funções comunicativas mais interpessoais também evidenciaram semelhanças entre as situações, representando 26,96% do total de atos comunicativos emitidos na Situação Familiar e 26,22% dos atos comunicativos utilizados na Situação Não-Familiar. As funções comunicativas menos interpessoaisJogo e Não-Focalizada foram as únicas que evidenciaram diferença entre as Situações Familiar e Não-Familiar. A maior proporção da função Jogo foi encontrada na Situação Não-Familiar enquanto a maior proporção da função Não-Focalizada foi encontrada na Situação Familiar, conforme demonstrado na Tabela 2. As outras funções comunicativas não demonstraram diferenças entre as situações (Familiar e Não-Familiar). Porém, cabe ressaltar que tanto para a Situação Familiar como para a Situação Não-Familiar as funções comunicativas Exploratória e Performativa são as mais utilizadas, sendo a soma delas responsável por 41,84% dos atos comunicativos realizados na Situação Familiar e 44,42% dos atos comunicativos realizados na Situação Não-Familiar. Contudo, na Situação Familiar a função comunicativa Performativa foi a mais utilizada, enquanto na Situação Não-Familiar a função comunicativa Exploratória foi a mais utilizada. Observa-se na Figura 3 as proporções médias das funções comunicativas obtidas, em ambas as situações, Familiar e Não-Familiar. DISCUSSÃO A comparação das variáveis evidenciou diferenças e semelhanças entre as Situações Familiar (SF) e Não-Familiar (SN). Tal comparação demonstrou diferença significativa para apenas quatro variáveis, das dezessete analisadas. Índices de desempenho de linguagem Quanto ao número de atos comunicativos por minuto observa-se que os sujeitos autistas apresentam maior iniciativa de comunicação em Situação Familiar. Pesquisas com sujeitos autistas, de diferentes idades em diferentes situações comunicativas, evidenciaram média de atos comunicativos inferior ao encontrado neste estudo, tanto em SF como em SN(11,19,23,25,26). A média de atos comunicativos em SF encontrada está mais próxima do esperado para adultos(20), enquanto a média apresentada em SN é equivalente ao esperado para crianças normais com idades entre cinco anos e sete anos e seis meses de idade(20). O número médio de funções comunicativas utilizadas, semelhante entre as situações, evidencia que os sujeitos autistas utilizam-se da mesma quantidade de funções comunicativas, independente da familiaridade da situação comunicativa. Os resultados encontram-se dentro do observado em crianças autistas em atividades de grupo e pouco superior ao observado nessas mesmas crianças em atividades de vida diária com suas mães(26). Contudo, mostram-se inferiores à média encontrada em crianças autistas com média etária de sete anos(23) e em crianças normais de quatro anos(24), e superior ao observado em crianças normais com idades entre um e três anos(23) e crianças de cinco anos(24). O número de funções comunicativas mais interpessoais observado, semelhante em ambas as situações, mostrou-se inferior ao observado em crianças normais com média etária de 18 meses, dois, três e quatro anos(23,28) e em crianças com alteração no desenvolvimento de linguagem de dois, três e quatro anos(28) e superior ao observado por crianças autistas com média etária de sete anos(23). O resultado obtido em relação à proporção de interpessoalidade em ambas as situações comunicativas (SF e SN) foi inferior ao observado em um estudo com 50 sujeitos autistas que detectou aproximadamente 50% de atos comunicativos com função de interação(10) e ao observado em sujeitos autistas com média etária de sete anos e crianças normais pequenas(23). Entretanto, mostra-se superior à média da proporção de interpessoalidade observado em outro estudo com 36 sujeitos autistas(25). A proporção de ocupação do espaço comunicativo também foi uma variável do PFC que evidenciou semelhança entre as situações comunicativas estudadas (SF e SN), o que demonstra uma simetria na comunicação dos parceiros comunicativos, em ambas as situações, semelhante ao observado em uma pesquisa com 50 sujeitos com diagnóstico incluído no espectro autístico(10), e superior ao observado em outros estudos com sujeitos autistas(7,23) e com crianças normais(23). O número de respostas mostrou-se a variável com maior significância estatística na comparação das situações, sugerindo ser aquela que sofre maior interferência em relação à familiaridade da situação, sugerindo maior responsividade ao interlocutor familiar, devendo-se ressaltar que o desvio-padrão encontrado em Situação Familiar evidencia grandes variações individuais nessa situação. Tal medida mostra-se importante pois verifica-se aumento na responsividade ao interlocutor e na qualidade das respostas no decorrer do processo terapêutico de sujeitos autistas(22). Meios comunicativos Os resultados obtidos demonstraram semelhança entre as situações para cada um dos três meios comunicativos. A ordem de frequência de utilização dos meios foi igual para SF e SN, com o meio Gestual preferencialmente utilizado, seguido pelo meio Vocal e o Verbal como meio comunicativo menos utilizado pelos sujeitos (GE>VO>VE), independente da situação comunicativa, como observado em outros estudos com crianças autistas(19,23), crianças normais pequenas(23) e em crianças com Alteração no Desenvolvimento de Linguagem (ADL) com idades de dois, três e quatro anos(28). Enquanto outros estudos obtiveram ordens diferentes na frequência de utilização dos meios comunicativos(6,9,26). Funções comunicativas Os dados obtidos permitem identificar que em ambas as situações comunicativas (SF e SN) as funções comunicativas menos interpessoais apresentam maior proporção de utilização do que as funções comunicativas mais interpessoais, como observado em outras pesquisas com sujeitos autistas(19,25,26) em crianças com desenvolvimento típico de dois, três e quatro anos(28) e em crianças com ADL de dois, três e quatro anos(28). Enquanto outros estudos obtiveram maior número de atos comunicativos com função mais interpessoal(6,21). Percebeu-se diferenças significativas entre as situações (SF e SN) apenas no que diz respeito às funções menos interpessoais Jogo e Não-Focalizada que, embora pouco frequentes na amostra (entre 4,82% e 9,47%), se comparadas com XP e PE (entre 19,19% e 23,74%), são opostas nas situações: a função Jogo mostra-se superior na SN, enquanto a função comunicativa Não-Focalizada foi superior na Situação Familiar. A maior proporção de utilização da função comunicativa menos interpessoal Não-Focalizada na Situação Familiar foi semelhante do encontrado em outro estudo com 36 sujeitos autistas(25), sugerindo uma consistência no seu uso em situação de interação com terapeuta familiar, levantando questionamentos importantes: - seria esta função, apesar de menos interpessoal, relacionada diretamente ao interlocutor? - a situação comunicativa SF apresentaria maior demanda comunicativa causando maiores situações estressantes e, portanto maior uso de atos Não-Focalizados pelos sujeitos? A maior utilização da função comunicativa Jogo na situação comunicativa Não-Familiar pode sugerir que nesta situação os sujeitos mostram-se mais auto-centrados, sendo que esta função requer maior organização do sujeito autista(18). A ordem de frequência na utilização das funções comunicativas menos interpessoais foi diferente em cada situação. Um estudo com situação comunicativa semelhante à SF(25) obteve as mesmas quatro funções menos interpessoais como aquelas mais frequentes, porém a ordem de utilização encontrada foi diferente tanto da SF como da SN. As funções comunicativas mais interpessoais não evidenciaram diferenças significativas entre as situações e suas proporções evidenciaram a mesma ordem de utilização das funções (CO>RO>PR>EP) em ambas as situações (SF e SN). A função comunicativa Comentário também apareceu como aquela mais utilizada, dentre as mais interpessoais em outro estudo(25), enquanto em outra pesquisa essa posição foi ocupada pela função comunicativa Expressão de Protesto (EP)(19). Os dados sugerem que a grande heterogeneidade dos quadros autísticos tornam difíceis generalizações a respeito de variáveis específicas relacionadas ao seu desempenho comunicativo, sendo possível apenas suposições referentes a cada amostra em dado momento. CONCLUSÃO Conclui-se, desta forma, que a familiaridade da situação comunicativa apresenta pouca interferência na avaliação da comunicação de indivíduos com diagnóstico incluído no Espectro Autístico. Contudo, apesar das poucas diferenças significativas, a Situação Familiar, usualmente utilizada na avaliação de sujeitos do Espectro Autístico, mostrou-se efetiva ao proporcionar a ocorrência de mais iniciativas comunicativas, maior responsividade ao interlocutor, e maior variação nas diferenças individuais. Esse resultado sugere que esta situação propicia o desempenho mais próximo das habilidades reais de cada sujeito. Estudos futuros em ambientes mais diferenciados, como a escola e a casa, poderão identificar diferenças em relação ao PFC, bem como a possível generalização das habilidades aprendidas em contextos terapêuticos para outros contextos de interlocução. Assim como a interação, nos mesmos moldes da pesquisa, com outros interlocutores, como pais, irmãos, adultos desconhecidos e não-fonoaudiólogos, poderá identificar se a variável interlocutor determina diferenças no perfil comunicativo de sujeitos autistas. AGRADECIMENTOS À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo auxílio concedido em forma de bolsa de mestrado, processo número 06/53125-1. Endereço para correspondência: Fernanda Dreux Miranda Fernandes R. do Mangericão, 301, Granja Vianna 2 Cotia (SP), Brasil, CEP: 06706-240. E-mail: fernandadreux@usp.br Recebido em: 5/1/2010 Aceito em: 31/5/2010 Trabalho realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica nos Distúrbios do Espectro Autístico do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil. 1. Waterhouse L, Wing L, Fein D. Re-evaluating the syndrome of autism in the light of empirical research. In: Dawson G, editor. 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