Open-access Aspectos clínicos e epidemiológicos da leishmaniose visceral em menores de 15 anos procedentes de Alagoas, Brasil

Clinical and epidemiological aspects of visceral leishmaniasis in children up to 15 years of age in Alagoas, Brasil

Resumos

Com o objetivo de investigar características epidemiológicas e clínicas da leishmaniose visceral, em menores de 15 anos, foi realizado um estudo prospectivo em Alagoas no período de 1981 a 1995. Dos 530 casos diagnosticados clinicamente, procedentes em sua maioria da zona rural do Estado de Alagoas, 58% eram do sexo masculino e 42% do sexo feminino, sendo 55,3% abaixo dos 5 anos de idade. As manifestações clínicas mais frequentes na admissão foram: hepatoesplenomegalia, febre e palidez. A média de tamanho do fígado e baço dos pacientes com menor tempo de duração da doença (<30 dias) era menor que naqueles doentes há mais tempo (> 360 dias). Independente da duração da doença, houve redução do fígado e do baço ao término do tratamento. No entanto, o percentual de redução do baço foi maior nos pacientes que adoeceram há menos tempo. Com relação ao fígado essa diferença não foi observada.

Leishmaniose visceral; Alagoas; Epidemiologia; Aspectos clínicos


In order to investigate epidemiological and clinical characteristics of visceral leishmaniasis in children up to 15 years old, a prospective study was carried out in Alagoas, Brasil from 1981 to 1995. Of the 530 diagnosed cases, predominantly from the rural area of Alagoas State, 58% were male and 42% female, being 55.3% children under 5 years old. The most frequently observed clinical manifestations were: hepatosplenomegaly, fever and parlor. The average size of the liver and the spleen of patients with shorter time of disease (<30 days) were smaller than those presenting sickness for a extended time (> 360 days). No matter the length of disease there was reduction of the liver and the spleen after treatment. However, the reduction of the spleen was higher in those patients with less time of sickness. With relation to liver that diference was not observed.

Visceral leishmaniasis; Alagoas; Epidemiology; Clinical aspects


ARTIGO ARTICLE

Aspectos clínicos e epidemiológicos da leishmaniose visceral em menores de 15 anos procedentes de Alagoas, Brasil

Clinical and epidemiological aspects of visceral leishmaniasis in children up to 15 years of age in Alagoas, Brasil

Célia Maria Silva PedrosaI, II; Eliana Maria Mauricio da RochaIII

IDepartamento de Clínica Médica do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL

IIHospital Escola Dr. Hélvio Auto da Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL

IIIDepartamento de Patologia do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Prof ª Célia M. Pedrosa R. Papa João Paulo I nº 49, Gruta de Lourdes 57052-130 Maceió, AL, Brasil e-mail: leishmania@ig.com.br

RESUMO

Com o objetivo de investigar características epidemiológicas e clínicas da leishmaniose visceral, em menores de 15 anos, foi realizado um estudo prospectivo em Alagoas no período de 1981 a 1995. Dos 530 casos diagnosticados clinicamente, procedentes em sua maioria da zona rural do Estado de Alagoas, 58% eram do sexo masculino e 42% do sexo feminino, sendo 55,3% abaixo dos 5 anos de idade. As manifestações clínicas mais frequentes na admissão foram: hepatoesplenomegalia, febre e palidez. A média de tamanho do fígado e baço dos pacientes com menor tempo de duração da doença (<30 dias) era menor que naqueles doentes há mais tempo (> 360 dias). Independente da duração da doença, houve redução do fígado e do baço ao término do tratamento. No entanto, o percentual de redução do baço foi maior nos pacientes que adoeceram há menos tempo. Com relação ao fígado essa diferença não foi observada.

Palavras-chaves: Leishmaniose visceral. Alagoas. Epidemiologia. Aspectos clínicos.

ABSTRACT

In order to investigate epidemiological and clinical characteristics of visceral leishmaniasis in children up to 15 years old, a prospective study was carried out in Alagoas, Brasil from 1981 to 1995. Of the 530 diagnosed cases, predominantly from the rural area of Alagoas State, 58% were male and 42% female, being 55.3% children under 5 years old. The most frequently observed clinical manifestations were: hepatosplenomegaly, fever and parlor. The average size of the liver and the spleen of patients with shorter time of disease (<30 days) were smaller than those presenting sickness for a extended time (> 360 days). No matter the length of disease there was reduction of the liver and the spleen after treatment. However, the reduction of the spleen was higher in those patients with less time of sickness. With relation to liver that diference was not observed.

Key-words: Visceral leishmaniasis. Alagoas. Epidemiology. Clinical aspects.

A leishmaniose visceral acomete milhares de pessoas no mundo a cada ano, sendo que 90% delas são oriundas de cinco países, inclusive do Brasil, onde são notificados cerca de 1.980 casos/ano9 20. É uma doença febril de curso prolongado, caracterizada por palidez, emagrecimento, aumento do volume abdominal, hepatoesplenomegalia e edema. Observam-se ainda outras manifestações clínicas como tosse, diarréia, icterícia e sangramentos que dificultam o diagnóstico diferencial com outras doenças, retardando sua identificação, e levando quase sempre o paciente à morte quando não tratada19.

Os indivíduos infectados podem apresentar desde a forma assintomática, até uma doença de evolução fatal12. Segundo diversos autores, o curso clínico da doença pode depender tanto de fatores relacionados à natureza da resposta imune do hospedeiro, à virulência do parasito, como à baixa idade e ao estado nutricional do paciente3.

Uma vez que Alagoas é uma região endêmica para a leishmaniose visceral resolveu-se estudar as características da doença nos menores de 15 anos, que correspondem a faixa etária mais freqüentemente acometida no estado.

MATERIAL E MÉTODOS

Realizou-se um estudo prospectivo no período de janeiro de 1981 a dezembro de 1995, em pacientes menores de 15 anos admitidos para tratamento de leishmaniose visceral (LV), no Hospital Escola Dr. Hélvio Auto (HEHA), em Maceió-AL (Brasil). O Estado de Alagoas está localizado na região centro-oriental do Nordeste brasileiro, e é composto por 101 municípios situados em 3 regiões fisiográficas: leste (litoral e zona da mata), agreste e sertão. O HEHA é o único hospital público no Estado responsável pela internação e tratamento de pacientes com doenças infectocontagiosas.

Com o objetivo de descrever pacientes com LV, desde a internação até a alta, foi instituído um protocolo para o seu acompanhamento. A avaliação dos pacientes, a evolução dos casos, a pesquisa do parasito e o preenchimento dos dados eram feitos pelo investigador ou por participantes treinados, sob a supervisão continuada do primeiro. Para minimizar viéses não intencionais, tivemos o cuidado de incluir todos os casos do período de tempo estudado, determinar antecipadamente o ponto final do estudo, e padronizar os métodos de observação7.

Foram incluídos no estudo, pacientes com história e exame físico compatíveis com LV. O diagnóstico baseou-se em dados clínicos, como febre prolongada, palidez e hepatomegalia quase sempre associada a esplenomegalia, e epidemiológicos, ou seja, procedência de áreas consideradas endêmicas. Sempre que possível, a confirmação era feita utilizando o exame parasitológico em material obtido através da punção aspirativa da medula óssea. A classificação dos pacientes conforme a duração da doença segue aquela descrita por Kager et al10. No momento da admissão foram anotadas em protocolo específico, as variáveis biológicas como o tamanho do fígado e do baço, ambos medidos na região anterior do abdome abaixo da reborda costal na linha hemiclavicular. O tratamento foi realizado segundo o protocolo do serviço, inclusive para as intercorrências e patologias associadas, conforme recomendado pela Organização Mundial da Saúde19. Aqueles pacientes com icterícia ou que a desenvolveram durante o tratamento, não foram tratados com antimonial pentavalente ou este foi suspenso, sendo substituído pela anfotericina B. Durante a evolução, foi observada a data em que a medicação específica teve início e término, e a data em que a febre desapareceu. As complicações e infecções desenvolvidas nesse período, também foram observadas. O fígado e o baço foram novamente medidos no momento da alta.

Os dados foram analisados com o auxílio dos pacotes estatísticos Epi-Info 6.026 e SPSS (SPSS for Windows Release 6.0, SPSS Inc. 1989-1993). Foram utilizados testes paramétricos e não paramétricos com intervalo de confiança de 95% e com nível de significância de 5% (p< 0,05).

RESULTADOS

Foram estudados 530 pacientes menores de 15 anos, que representavam 82% do total de pacientes admitidos no HEHA com leishmaniose visceral. Destes, 307 (57,9%) eram do sexo masculino e 223 (42,1%) do sexo feminino, sendo esta diferença estatisticamente significativa de acordo com a prova de significância de proporção binomial (c2 =13,0; g.l.=1)17.

A idade dos pacientes variou de seis meses a 14 anos, com média igual a 4,9 ± 3,5 anos. Entre os pacientes do sexo masculino a média de idade foi igual a 5,1 ± 3,5 anos (6 meses a 14 anos e 11 meses), e entre os pacientes do sexo feminino a média de idade foi igual a 4,7 ± 3,4 anos (10 meses a 14 anos e 11 meses), não sendo essa diferença estatisticamente significativa (p=0,11 g.l.=1). A Tabela 1 mostra a distribuição dos pacientes por sexo e faixa etária.

Ao longo dos anos verificou-se um maior número de internamentos nos anos de 1986 e 1995, e uma menor freqüência de internamentos em 1981 (Figura 1).


Considerando as regiões fisiográficas do estado, 231 (43,5%) dos pacientes procediam do leste alagoano (litoral e zona da mata), 118 (22,2%) do agreste e 165 (31,3%) do sertão. Não se conseguiu identificar a região do estado de que eram procedentes 16 (3 %) casos. Os pacientes eram oriundos em sua maioria (77,%) da zona rural do Estado de Alagoas.

Dos 530 pacientes admitidos no estudo, 60,5% deles chegaram ao hospital com até 3 meses de doença (Tabela 2). Em 403 pacientes nos quais foi possível realizar a punção medular, o parasito foi identificado em 81,2% deles.

Entre as manifestações clínicas mais freqüentemente encontradas na admissão destacaram-se a hepatomegalia, a esplenomegalia, a febre e a palidez (Tabela 3).

O fígado e o baço foram medidos na admissão hospitalar em 530 (100%) e 503 (95,5%) pacientes, respectivamente. As Tabelas 4 e 5 mostram a média do tamanho do fígado e do baço dos pacientes, agrupados de acordo com a duração da doença. Houve aparentemente um aumento gradual desses órgãos que acompanhou o tempo de duração da doença. Essas diferenças dos tamanhos médios do fígado e baço mostraram ser estatisticamente significativas (Análise de variância pfígado=0,000078 e pbaço=0,000000, g.l.=4). O teste de Diferença Honestamente Significante (DHS) de Tukey, aplicado para localizar esta diferença, revelou que os pacientes com menor tempo de duração da doença (<30 dias) apresentavam o tamanho das vísceras menor que aqueles doentes há mais tempo (>360 dias).

Após o início do tratamento, naqueles pacientes febris ao internamento, não foi observada diferença estatisticamente significativa entre o tempo necessário para a normalização da temperatura e a duração da doença (p=0,752 g.l.=4). Em 267 (72,1%) dos pacientes a temperatura se normalizou até o 7º dia.

Ao término do tratamento o fígado, medido em 420 e o baço em 419 pacientes, respectivamente. A média do tamanho do fígado foi igual a 3,5 ± 2,30cm e do baço 4,4 ± 3,4cm.

Independente do tempo de duração da doença houve redução do tamanho médio do fígado e do baço após o tratamento (Figuras 2A e 2B). A redução percentual desses órgãos ao término do tratamento foi maior naqueles pacientes com tempo de doença menor (Tabela 6). Considerando a duração da doença, a análise de variância seguido pelo teste de DHS, apontou que o percentual de redução do baço foi maior nos pacientes que adoeceram há menos tempo. Entretanto, com relação ao fígado essa diferença não foi observada. Foram diagnosticadas infecções associadas no momento da internação em 122 (23%) pacientes, sendo as infecções de vias aéreas em especial a pneumonia (12,1%) a mais freqüentemente encontrada. Sessenta e sete (12,6%) dos pacientes acompanhados faleceram em conseqüência da própria doença ou de alguma complicação.


DISCUSSÃO

Os primeiros casos que se tem notícia da leishmaniose visceral procedentes de Alagoas datam de 1934, sendo três deles procedentes do litoral e um da zona da mata15. Os pacientes incluídos no presente estudo vieram, em ordem crescente de número de casos do agreste, sertão e leste (litoral e zona da mata) do Estado. Portanto, existe uma maior prevalência de casos na região litorânea a exemplo do que ocorre no Nordeste1 13 sendo a procedência uma informação importante para o diagnóstico etiológico. Existe uma tendência da leishmaniose visceral de se expandir pelo litoral, como conseqüência da migração de pessoas e seus animais domésticos, possíveis reservatórios da doença, de áreas endêmicas para não endêmicas, causando por vezes surtos, pela presença de susceptíveis. Isso pode ser observado em Japaratinga, cidade situada no litoral Norte de Alagoas, que de 1988 a 1991 notificou dois casos em menores de cinco anos, para em seguida, de 1992 a 1995, notificar 38 casos, dos quais 85% em menores de cinco anos (CMS Pedrosa: dados não publicados).

A maioria dos pacientes estudados chegou ao hospital entre 30 e 90 dias de doença, achados comparáveis aos de outros autores10. É possível que a procura por serviços médicos pelos pacientes e o encaminhamento dos mesmos ocorra freqüentemente nesse período, pelo aparecimento de sinais e sintomas sugestivos da doença. A queixa de febre, palidez e de aumento abdominal esteve presente em quase todas as histórias clínicas.

Na admissão chamava à atenção o contraste entre os cabelos e os cílios. Enquanto os cabelos eram despigmentados, secos e sem brilho os cílios eram longos e sedosos, alterações semelhantes às referidas por Prata16. A esplenomegalia que na casuística de diversos autores4 10 18 esteve presente na totalidade dos pacientes, neste estudo estava ausente em 5% dos casos, sendo esta também a experiência de outros autores que não a encontram em 2 a 18% dos casos521. Mesmo sabendo-se que os doentes com LV podem não apresentar todas as manifestações clínicas da doença, a ausência da esplenomegalia sempre dificulta o diagnóstico.

De acordo com Marwaha et al11 a duração da doença está patogeneticamente relacionada a esplenomegalia. De fato, os tamanhos do fígado e do baço acompanharam a duração da doença, e quase sempre o tamanho do baço predominou sobre o do fígado. Apesar disso, a regressão do baço ocorreu mais rapidamente após a instituição do tratamento do que a regressão do fígado, dados estes concordantes com a literatura2 10 14.

Considerando a ampla distribuição geográfica da LV no Nordeste do Brasil, particularmente no Estado de Alagoas, principalmente em menores de 15 anos, chama-se a atenção dos médicos que clinicam nesta região para a história da doença atual. Se ao exame clínico observa-se palidez e hepatoesplenomegalia, lembrar da possibilidade de leishmaniose visceral. A Organização Mundial de Saúde19 adverte que o início tardio da terapêutica específica é um fator que piora o prognóstico. Assim, quanto mais precocemente for estabelecido o diagnóstico e instituído o tratamento, maior a chance de recuperação dos pacientes.

AGRADECIMENTOS

Ao corpo clínico e à direção do Hospital Escola Dr. Hélvio Auto.

Recebido para publicação 12/12/2002

Aceito em 19/5/2004

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  • Endereço para correspondência
    Prof
    ª Célia M. Pedrosa
    R. Papa João Paulo I nº 49, Gruta de Lourdes
    57052-130 Maceió, AL, Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Aceito
      19 Maio 2004
    • Recebido
      12 Dez 2002
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