CARTAS AO EDITOR
Reflexões sobre a Política Global de Controle de Hanseníase
Senhor Editor:
A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), como comunidade científica nacional, solidariza-se com a comunidade científica internacional, contra essa marcha da Organização Mundial de Saúde (OMS) pela eliminação da hanseníase. Deveríamos aprender com a malária que precisou de décadas para e voltar ao controle e abandonar a idéia da erradicação.
No Brasil, a Sociedade Brasileira de Dermatologia, já se posicionou oficialmente ao Ministério da Saúde, não concordando com alterações que vêm sendo feitas na política nacional de eliminação da hanseníase. A resposta do Ministério foi exatamente como a OMS agiu na Aliança Global para a Eliminação da Hanseníase, ou seja, a SBD foi sumariamente excluída das reuniões de formulação da política nacional por questionar as atuais mudanças técnicas, sem qualquer sustentação cientificamente aceitável.
A Coordenação Nacional de Dermatologia Sanitária foi extinta e foi criado um Programa Nacional de Eliminação de Hanseníase. A OMS é uma instituição séria e idônea que merece todo o nosso respeito, mas na hanseníase a sua legitimidade é questionável na comunidade científica internacional No nosso país, a história se repete, o Ministério da Saúde, é uma instituição séria e idônea que merece todo o nosso respeito; mas na hanseníase ele vem perdendo legitimidade na comunidade científica nacional.
A OMS afirma, em seu relatório Leprosy Elimination Project Status report World Heaalth Organization (WHO) - Dec - 2003, que os maiores problemas residem no fato de que no Brasil há um programa vertical. No mínimo isso reflete seu desconhecimento em relação da definição de vertical, uma vez que no país não há sequer UMA só unidade de saúde que trabalhe só com hanseníase. No Brasil, segundo a OMS, outro entrave seria o fato do programa estar entregue a dermatologistas, porém dos 27 estados brasileiros, apenas três tem dermatologista no programa, e no ministério, há mais de sete anos não há um dermatologista na equipe nacional. Note que o dever de casa foi feito quando estavam no Ministério da Saúde dois dermatologistas, quando a casa foi arrumada e a prevalência caiu de 19 para 4/10.000 habitantes.
O excesso de simplificação na assistência ao paciente de hanseníase fez com que os especialistas do todo o mundo, inclusive brasileiros fossem afastados das formulações técnicas de políticas internacional e nacional, de uma doença que é complexa. Retirou-se a baciloscopia da rotina com o argumento que nossa rede era incapaz de realizar tal exame, a mesma rede que faz até hoje o mesmo exame para tuberculose e a mesma rede que realiza, no país inteiro, contagem de CD4 & CD8 e avaliação da carga viral de HIV como exames orientadores da terapêutica.
A SBD congrega 5.080 sócios, e já vem tomando todas as medidas para que seus associados não cumpram as orientações que vem sendo dadas pelo MS, uma vez que a entidade reafirma que essas medidas não têm amparo científico. Aliás, o editorial do último número do International Journal of Leprosy, (Editorial - Scollard David - The 6th WHO TAG Report: Validation and "Non - existing patients" IJ Leprosy - Jan 2005) recomenda explicitamente aos os ministérios da saúde dos países endêmicos que não acatem as recomendações da OMS. O último número do Bulletin of the WHO,March 2005 Lockwood & Suneetha em Leprosy: too complex a disease for a simple elimination paradigm - expressa exatamente a trajetória equivocada da OMS em relação as atividades de controle da hanseníase.
Ao estipular a meta de eliminação, sem ouvir o Brasil, a OMS escolheu um indicador equivocado para monitorar a endemia. Agora, a OMS recomenda um tratamento auto-supervisionado onde o paciente, ao ser diagnosticado, recebe, de uma só vez medicação para 12 meses de tratamento dizendo a ele que não necessita mais das consultas mensais para monitoramento da evolução do tratamento, mesmo sabendo que a destruição do M. leprae aumenta sobremaneira a carga antigênica geradora do dano neural.
Na era da medicina baseada em evidências, é imperativo que as políticas de saúde sejam formuladas sobre esse alicerce.
"A hanseníase já é considerada doença negligenciada (conférence sur les maladies négligées, Berlin, dec 2003), no rítmo atual, em breve, será considerada doença esquecida" (P. Bobin, Bull ALLF, Janvier, 2005).
Desejamos, sinceramente, sucesso ao Dr. Pannikar em seu desafio como novo líder da equipe técnica de hanseníase da OMS, e confiamos que ele possa organizar uma reunião do Comitê de Expertos de Hanseníase, e assim colocar a Comunidade Científica Internacional de Hanseníase e a OMS, juntas outra vez.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Lockwood DN, Suneetha S. Leprosy: too complex a disease for a simple elimination paradigm. Bulletin of the World Health Organization 83: 230-235, 2005.
2. Meima A, Smith WC, van Oortmarssen GJ, Richardus JH, Habbema JD. The future incidence of Leprosy: a scenario analysis. Bulletin of World Health Organization 82:373-380, 2004.
3. Meima A, Smith W, Cairns S, van Oortmarssen GJ, Richardus JH, Habbema JD. The future Incidence of Leprosy: a scenario analysis Public Health. Rotterdam University - ILJ Volume 70: número 4, Dec, 2002.
4. Oliveira MLW, Talhari S, Penna GO, Gonçalves HS. Editorial - O Compromisso da SBD com a eliminação da hanseníase no Brasil: Somos também responsáveis pelo fracasso dessa meta? Sociedade Brasileira Dermatologia, volume 80, número 1, janeiro-fevereiro, 2005.
5. Scollard D. Editorial. The 6th World Health Organization. TAG Report: Validation and "Non - existing patients" IJ Leprosy Jan, 2005.
6. Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Relatório da Reunião de Trabalho para Avaliação da hanseníase no Estado de São Paulo, 2004.
7. Warwick JB, Lockwood D. Leprosy - Seminar. The Lancet, April 2, 2004.
8. World Health Organization. Leprosy Elimination Project - Status report - WHO December, 2003.
Sinésio Talhari; Gerson Penna
Sociedade Brasileira de Dermatologia. Rio de Janeiro, RJ
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Ago 2005 -
Data do Fascículo
Ago 2005