Resumos
Realizou-se o estudo da soroprevalência da leptospirose em bovinos e humanos especificamente em propriedades familiares na região de fronteira agrícola da rodovia Transamazônica, na Amazônia Oriental. A prevalência da leptospirose bovina foi 97% [90,9 - 99,5%] de propriedades com pelo menos um animal positivo na soroaglutinação microscópica para o diagnóstico da leptospirose. Em 61,2% dos rebanhos o sorotipo hardjo foi apontado como o mais provável, em 9% deles o sorotipo bratislava e em 4,5% o shermani. A prevalência sorológica da leptospirose humana foi 32,8% [23,4 - 43,5%] de núcleos familiares com pelo menos um indivíduo positivo na soroaglutinação microscópica para o diagnóstico da leptospirose. Em 9% dos núcleos familiares o sorotipo bratislava foi apontado como o mais provável, em 6% deles o sorotipo hardjo e em 4,5% o grippotyphosa. Foi discutido o impacto desses achados sobre a produção animal e saúde pública na região e feitas sugestões para minorar o problema.
Bovino; Humano; Leptospirose; Rodovia Transamazônica
The seroprevalence study for leptospirosis in bovines and humans was realized in family holder farms along the Transamazon Highway. The prevalence of bovine leptospirosis was 97% [90.9 - 99.5%] of farms with at least one positive animal according to microscopic agglutination test for the leptospirosis diagnostic. In 61.2% of the tested herds, the serovar hardjo was the most common, followed by the serovar bratislava (9%) and the serovar shermani (4.5%). The serologic prevalence of leptospirosis in humans was 32.8% [23.4 - 43.5%] in family groups with at least one positive individual according to microscopic agglutination test for the leptospirosis diagnostic. In 9% of family groups, the serovar bratislava was the most common, while serovar hardjo and grippotyphosa accounted for 6% and 4.5%, respectively. The impact of these results is discussed in relation to animal production and public health. Suggestions have been proposed in order to improve the situation in the region.
Bovine; Human; Leptospirosis; Transamazon Highway
ARTIGO
Estudo epidemiológico da leptospirose bovina e humana na Amazônia oriental brasileira
Epidemiologic study of bovine and human leptospirosis in eastern Brazilian Amazon
Valéria Stacchini Ferreira Homem1 1 . Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal (VPS) da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP. Estudo financiado pela FAPESP/SP e FUNTEC/PA, 1998. Endereço para correspondência: Dra. Valéria Stacchini Ferreira Homem. Depto. Med. Veterinária Preventiva e Saúde Animal/FMVZ/USP. Av. Prof. Dr. Orlando de Marques Paiva 87, Cidade Universitária, 05508-000 São Paulo, SP, Brasil. Tel: 55 11 3818-7931/7653; Fax: 55 11 3818-7928. e-mail: vhomem@usp.br Recebido para publicação em 3/4/2000. *, Marcos Bryan Heinemann1 1 . Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal (VPS) da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP. Estudo financiado pela FAPESP/SP e FUNTEC/PA, 1998. Endereço para correspondência: Dra. Valéria Stacchini Ferreira Homem. Depto. Med. Veterinária Preventiva e Saúde Animal/FMVZ/USP. Av. Prof. Dr. Orlando de Marques Paiva 87, Cidade Universitária, 05508-000 São Paulo, SP, Brasil. Tel: 55 11 3818-7931/7653; Fax: 55 11 3818-7928. e-mail: vhomem@usp.br Recebido para publicação em 3/4/2000. , Zenaide Maria Moraes1 1 . Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal (VPS) da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP. Estudo financiado pela FAPESP/SP e FUNTEC/PA, 1998. Endereço para correspondência: Dra. Valéria Stacchini Ferreira Homem. Depto. Med. Veterinária Preventiva e Saúde Animal/FMVZ/USP. Av. Prof. Dr. Orlando de Marques Paiva 87, Cidade Universitária, 05508-000 São Paulo, SP, Brasil. Tel: 55 11 3818-7931/7653; Fax: 55 11 3818-7928. e-mail: vhomem@usp.br Recebido para publicação em 3/4/2000. , Silvio Arruda Vasconcellos1 1 . Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal (VPS) da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP. Estudo financiado pela FAPESP/SP e FUNTEC/PA, 1998. Endereço para correspondência: Dra. Valéria Stacchini Ferreira Homem. Depto. Med. Veterinária Preventiva e Saúde Animal/FMVZ/USP. Av. Prof. Dr. Orlando de Marques Paiva 87, Cidade Universitária, 05508-000 São Paulo, SP, Brasil. Tel: 55 11 3818-7931/7653; Fax: 55 11 3818-7928. e-mail: vhomem@usp.br Recebido para publicação em 3/4/2000. , Fernando Ferreira1 1 . Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal (VPS) da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP. Estudo financiado pela FAPESP/SP e FUNTEC/PA, 1998. Endereço para correspondência: Dra. Valéria Stacchini Ferreira Homem. Depto. Med. Veterinária Preventiva e Saúde Animal/FMVZ/USP. Av. Prof. Dr. Orlando de Marques Paiva 87, Cidade Universitária, 05508-000 São Paulo, SP, Brasil. Tel: 55 11 3818-7931/7653; Fax: 55 11 3818-7928. e-mail: vhomem@usp.br Recebido para publicação em 3/4/2000. e José Soares Ferreira Neto1 1 . Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal (VPS) da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP. Estudo financiado pela FAPESP/SP e FUNTEC/PA, 1998. Endereço para correspondência: Dra. Valéria Stacchini Ferreira Homem. Depto. Med. Veterinária Preventiva e Saúde Animal/FMVZ/USP. Av. Prof. Dr. Orlando de Marques Paiva 87, Cidade Universitária, 05508-000 São Paulo, SP, Brasil. Tel: 55 11 3818-7931/7653; Fax: 55 11 3818-7928. e-mail: vhomem@usp.br Recebido para publicação em 3/4/2000.
Resumo Realizou-se o estudo da soroprevalência da leptospirose em bovinos e humanos especificamente em propriedades familiares na região de fronteira agrícola da rodovia Transamazônica, na Amazônia Oriental. A prevalência da leptospirose bovina foi 97% [90,9 99,5%] de propriedades com pelo menos um animal positivo na soroaglutinação microscópica para o diagnóstico da leptospirose. Em 61,2% dos rebanhos o sorotipo hardjo foi apontado como o mais provável, em 9% deles o sorotipo bratislava e em 4,5%o shermani. A prevalência sorológica da leptospirose humana foi 32,8% [23,4 43,5%] de núcleos familiares com pelo menos um indivíduo positivo na soroaglutinação microscópica para o diagnóstico da leptospirose. Em 9% dos núcleos familiares o sorotipo bratislava foi apontado como o mais provável, em 6% deles o sorotipo hardjo e em 4,5% o grippotyphosa. Foi discutido o impacto desses achados sobre a produção animal e saúde pública na região e feitas sugestões para minorar o problema.
Palavras-chaves: Bovino. Humano. Leptospirose. Rodovia Transamazônica.
Abstract The seroprevalence study for leptospirosis in bovines and humans was realized in family holder farms along the Transamazon Highway. The prevalence of bovine leptospirosis was 97% [90.9 99.5%] of farms with at least one positive animal according to microscopic agglutination test for the leptospirosis diagnostic. In 61.2% of the tested herds, the serovar hardjo was the most common, followed by the serovar bratislava (9%) and the serovar shermani (4.5%). The serologic prevalence of leptospirosis in humans was 32.8% [23.4 43.5%] in family groups with at least one positive individual according to microscopic agglutination test for the leptospirosis diagnostic. In 9% of family groups, the serovar bratislava was the most common, while serovar hardjo and grippotyphosa accounted for 6% and 4.5%, respectively. The impact of these results is discussed in relation to animal production and public health. Suggestions have been proposed in order to improve the situation in the region.
Key-words: Bovine. Human. Leptospirosis. Transamazon Highway.
A Amazônia é caracterizada pela grande diversidade ambiental, resultado da combinação de fatores edafoclimáticos, ecológicos, e mais recentemente agrários, econômicos, políticos e socioculturais. A região amazônica vem apresentando a maior taxa de crescimento do rebanho bovino nos últimos 10 anos, em torno de 5 a 8% ao ano47. A pecuária vem se desenvolvendo nos últimos 15 anos na região da rodovia Transamazônica (BR 230) entre os pequenos produtores, sendo Uruará um dos municípios localizados ao longo dessa rodovia (Figura 1). Em função das características do sistema de produção familiar característico da região, o contato homem-animal é relativamente estreito e as famílias invariavelmente consomem os produtos de origem animal produzidos na propriedade.
Poucas são as informações a respeito da patologia animal nos sistemas de produção familiar na Amazônia50, importantes tanto do ponto de vista de produção animal quanto do ponto de vista de saúde pública. Mesmo que determinadas afecções de origem infecciosa, parasitária ou viral, sejam bem conhecidas em outros ecossistemas, é bem provável que o ambiente amazônico contenha certas especificidades etiológicas e epidemiológicas de destaque. Imagina-se que as doenças tendem a adquirir características próprias no ambiente amazônico, especialmente em áreas de fronteira agrícola, e que o diagnóstico das mesmas seria elemento básico para o estabelecimento das alternativas de profilaxia e controle.
Em função do risco de transmissão de zoonoses nas propriedades familiares entre animais domésticos, animais silvestres e o homem e da ocorrência de aborto relatada por 33% dos pequenos produtores50, este estudo teve por objetivo estimar a prevalência sorológica da leptospirose bovina e humana, por propriedade rural do tipo familiar, no município de Uruará, PA.
MATERIAL E MÉTODOS
Cálculo da amostra. O cálculo foi feito utilizando-se os seguintes parâmetros: N = 4200 (número de propriedades do tipo familiar existentes em Uruará, PA); prevalência estimada = 0,50; erro = 0,10; nível de confiança = 0,90. Obteve-se um namostral de 67. A seguir, procedeu-se o sorteio probabilístico aleatório de 67 propriedades familiares, utilizando-se o programa SPSS versão 9.0 (SPSS for Windows TM, SPSS Inc, IL). Como a amostragem foi delineada para a obtenção dos valores de prevalência da leptospirose por propriedade, exigiu, portanto, a coleta de material de todos os bovinos existentes em cada um dos 67 rebanhos selecionados e de amostras de sangue de cada integrante dos 67 núcleos familiares. O critério de positividade da propriedade, tanto para bovinos quanto para humanos, foi o encontro de pelo menos um indivíduo positivo ao teste diagnóstico utilizado. Nas propriedades foi aplicado um questionário contendo questões sobre aspectos gerais e perfil da propriedade, do produtor e do rebanho, manejo zootécnico e sanitário do rebanho, hábitos alimentares da família e questões relacionadas à leptospirose. A localização geográfica de cada propriedade visitada foi obtida através de medida tomada com GPS (Global Positioning System).
Colheita e processamento das amostras. Bovinos. De cada animal foi colhida uma amostra de 10ml de sangue com seringa do tipo vacumtainer. Empregou-se a soroaglutinação microscópica13, empregando-se uma coleção de antígenos composta por 24 sorotipos australis; bratislava; autumnalis; butembo; castellonis; batavie; canicola; whitcombi; cynopteri; grippotyphosa; hebdomadis; copenhageni; icterohaemorrhagiae IV; javanica; panama; pomona; pyrogenes; hardjo; wolffi; shermani; tarassovi; andamana; patoc e sentot. Os resultados do diagnóstico sorológico da leptospirose foram analisados de acordo com o critério de verificação do sorotipo dito mais provável para cada rebanho bovino ou núcleo familiar, em função dos resultados das reações sorológicas obtidos no laboratório de diagnóstico49.
Humanos. De cada um dos integrantes das 67 propriedades visitadas, foi colhida uma amostra de 10 ml de sangue. O procedimento foi o mesmo que o descrito para os bovinos.
Análise dos resultados. As informações referentes a cada propriedade familiar e os resultados laboratoriais foram registrados em um banco de dados elaborado no programa Epi Info versão 6.02. A distribuição espacial das doenças foi feita cruzando-se os dados obtidos nas provas laboratoriais com os valores de latitude e longitude registrados pelo GPS. Para a confecção dos mapas foram utilizados os CD-Rom do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Malha Municipal do Brasil - Situação em 1997 e Brasil Geográfico. As imagens foram tratadas através do programa Arc View versão 3.1.
RESULTADOS
A prevalência sorológica da leptospirose bovina por propriedades foi de 97% [90,9-99,5%] quando consideradas reações para qualquer dos sorotipos empregados como antígenos (Figura 2). Reações contra os sorotipos hardjo e bratislava foram as mais freqüentemente encontradas como predominantes nas propriedades (61,2% [50,4-71,2%] e 9% [4,0-16,9%], respectivamente). As Figuras 3 e 4 mostram as localizações das propriedades onde as reações a esses sorotipos predominaram.
A prevalência sorológica da leptospirose humana por núcleos familiares foi de 32,8% [23,4-43,5%] quando consideradas reações para qualquer dos sorotipos empregados como antígenos (Figura 5). Reações contra os sorotipos bratislava, hardjo e grippotyphosa foram as mais freqüentemente encontradas como predominantes nestas famílias (9% - [4,0-16,9%]; 6% [2,0-13,1%] e 4,5% [1,2-11,2%], respectivamente). As Figuras 6 e 7 mostram as localizações das propriedades onde as reações a esses sorotipos predominaram.
DISCUSSÃO
São referidos casos de aborto e problemas de fertilidade das vacas respectivamente em 65,7% e 71,6% dos rebanhos, o que indica a capacidade dos criadores em reconhecer sintomas relacionados à esfera reprodutiva e a provável existência de doenças com impacto negativo sobre o desempenho reprodutivo. Foi verificado que 41,8% dos produtores já ouviram falar de leptospirose. Relativamente aos sintomas dessa doença no bovino, entretanto, os criadores disseram saber reconhecê-los caso algum indivíduo se apresente doente no rebanho em 1,5% dos casos. Só um pequeno grupo de 13,4% dos entrevistados relataram saber dos riscos de transmissão da leptospirose do animal para o homem. Nenhum criador entrevistado chegou a vacinar o seu rebanho contra a leptospirose. Por outro lado, constatou-se que só um dos produtores (1,5%) sabia da existência de vacinas contra a leptospirose bovina. Esses dados indicam que os produtores de Uruará são certamente carentes de informações acerca dessa doença. Qualquer programa sanitário a ser desenvolvido no município terá que necessariamente contemplar um trabalho continuado de educação em saúde, considerando o baixo nível de instrução da população alvo.
A leptospirose bovina é endêmica no Brasil e muito freqüente no rebanho bovino17 29. Os resultados obtidos no presente estudo são inéditos, pois representa o primeiro estudo da leptospirose no município de Uruará. A prevalência dessa doença nos rebanhos bovinos do município foi estimada em 97%. Praticamente, todos os rebanhos pesquisados possuíam ao menos um integrante soropositivo, indicando que já tiveram contato com a Leptospira sp. Importante lembrar que a colheita das amostras sanguíneas foi feita no segundo semestre do ano, correspondente ao período seco do ano, representando um alerta em relação à potencialidade de transmissão do agente na região, uma vez que condições mais favoráveis para a transmissão são alcançadas nos períodos mais úmidos do ano11 26. Isso também significa que a propalada acidez das águas da região Amazônica19 não é um fator limitador importante da difusão da doença na região.
Nos bovinos, a leptospirose provoca abortamentos, infertilidade, anorexia, pirexia, apatia, icterícia, anemia hemolítica, hemoglobinúria, mastite e até morte, na dependência do sorotipo envolvido e da idade do indivíduo acometido23 28. A sobrevivência do agente no ambiente é favorecida sobretudo pela presença de umidade e pH neutro22 37. O leite e a carne não têm importância como vias de transmissão do agente ao homem. Portanto, enquanto se mantiverem propícias as condições externas, as leptospiras permanecerão viáveis para infectarem novos hospedeiros, seja animal silvestre, doméstico, ou o homem. Sendo assim, a prevalência da leptospirose depende de um indivíduo portador que é o disseminador de leptospiras pela urina, da contaminação do ambiente com leptospiras vivas, da sobrevivência do agente nesse ambiente e do contato dos indivíduos suscetíveis com o agente31. A Amazônia apresenta uma estrutura ecológica favorável à disseminação e à endemicidade das leptospiroses por suas condições de temperatura e umidade, próprias da zona equatorial, associadas à baixa qualidade dos hábitos de higiene da população e à presença de abundante fauna silvestre, potenciais reservatórios de leptospiras. Por outro lado, pelo fato das águas da Amazônia serem ácidas, o que não é tolerado pelas leptospiras, também existe uma pressão contrária à disseminação da doença19.
Numerosos animais são hospedeiros da leptospira, sendo que cada sorotipo tem um ou mais hospedeiros, com graus diferentes de adaptação. Em decorrência dessa epidemiologia bastante dinâmica e complexa, envolvendo diferentes sorotipos, diferentes espécies de suscetíveis e ainda a presença de fatores ambientais predisponentes, a doença deve ser estudada obedecendo as diferenças regionais quanto a esses fatores12.
Os resultados da sorologia revelaram que os sorotipos hardjo, bratislava, a associação desses dois e o sorotipo shermani foram os predominantes nos rebanhos bovinos do município.
Títulos positivos para o sorotipo hardjo já foram encontrados em bovinos de diversos países, e relacionados com a leptospirose bovina clínica44. Este sorotipo tem sido o causador mais freqüente de infecções entre os rebanhos de bovinos do mundo todo11 25, inclusive no Brasil18 31 49. O seu isolamento já foi feito em bovinos brasileiros29. Na década de 80 foram analisados soros de bovinos do Estado do Pará, tendo sido encontrados títulos para hardjo em primeiro lugar, seguido pela wolffi, pomona, bataviae, grippotyphosa, tarassovi e sejroe30.
O sorotipo bratislava já foi relatado em diversas espécies, como causador de leptospirose clínica. Já foram verificados títulos em bovinos18, e vem sendo amplamente descrito em outras espécies, como eqüinos1 2 52, suínos42, caninos4, guaxinins24, bisões45, ratos silvestres51 e pequenos mamíferos silvestres35. Outros autores41, examinando soros de bovinos do sul do país, com histórico de repetição de cio, encontraram como sorotipo mais provável o bratislava, seguido pelo hardjo, wolffi e tarassovi.
Em relação ao sorotipo shermani, foi pela primeira vez isolado do roedor Proechimys semispinosus no Panamá em 1982. Têm-se relatos de títulos positivos em suínos, roedores32, caprinos, ovelhas e cães5. Foram detectadas21 reações sorológicas em roedores capturados no Estado de Mato Grosso. Não há relato associando esse sorotipo com sintomas clínicos em bovinos.
A sorologia realizada nos humanos revelou uma prevalência de 32,8% de núcleos familiares com pelo menos um membro soropositivo, com uma freqüência do sorotipo bratislava como o mais provável, seguido pelo hardjo e grippotyphosa. Tendo sido os sorotipos hardjo e bratislava também os mais freqüentes nos bovinos, pode-se sugerir que talvez os bovinos tenham alguma importância na transmissão desses sorotipos para a população humana.
O sorotipo bratislava já foi relacionado com casos clínicos humanos43 46 e encontrado em várias investigações sorológicas16 35, além de já ter sido implicado em casos de infecções ocupacionais6 22. O sorotipo hardjo foi pela primeira vez isolado em humano por Wolff em 1938, de um paciente que apresentava sinais de doença. Demonstrou-se53 a soroprevalência do sorotipo hardjo em funcionários de matadouro e em empregados de fazendas, sugerindo que o risco de exposição está relacionado a caráter ocupacional, como conseqüência do contato direto e indireto com os bovinos infectados.
O sorotipo grippotyphosa já foi isolado em humano no Brasil8 e pode determinar a leptospirose clínica43. No Brasil, tal sorotipo já foi isolado dos silvestres Dasypus novemcinctus20, Nectomys squamipes39 40, Didelphis marsupialis, Oryzomys eliurus, Thaptomes nigrita, Oryzomys ratticeps, Akodon arviculoides e Oxymtcterus quaestor39. Há relatos do encontro de reações sorológicas positivas em diversos hospedeiros silvestres20 35 40, inclusive roedores e marsupiais da Transamazônica33, cães3 4, suínos27 e eqüinos2 52. Existem diversas descrições do encontro de reações sorológicas também no homem9 22 43 48, com relato de indivíduos soropositivos na região da Amazônia8 38 e mesmo da Transamazônica33. Sorologia positiva para o sorotipo grippotyphosa é freqüentemente descrita em humanos de localidades rurais da Amazônia33, e é sempre relacionada ao contato com os reservatórios silvestres da região. Esses fatos sugerem que o(s) reservatório(s) desse sorotipo para a população rural de Uruará provavelmente esteja(m) no ambiente silvestre.
Houve também casos isolados de reações sorológicas nos humanos para os sorotipos autumnalis, castellonis, hebdomadis, pyrogenes e patoc.
Alguns estudos brasileiros também descreveram o encontro de títulos em humanos para o sorotipo autumnalis7 9 10, em habitantes da região da Transamazônica, no Pará34, e do Estado do Amazonas38. O sorotipo castellonis já foi isolado de um paciente36, e existem relatos de evidências sorológicas em humanos do sul do país10 40, inclusive de integrantes de tribos indígenas do Pará19 e habitantes da área de influência da Transamazônica34. Já foram também detectados títulos positivos em animais silvestres20 mesmo da Transamazônica34. O sorotipo hebdomadis foi pela primeira vez isolado do Dasypus. novemcintus no Brasil20 e reações sorológicas para ele já foram observadas em bovinos31, e em humanos, tanto do Estado de São Paulo10 quanto da região Norte do Brasil8. O sorotipo pyrogenes já foi isolado do silvestre Nectomys squamipes no Brasil40, com resultados sorológicos positivos em roedores, bovinos31 e humanos9 48 também da região Norte do Brasil8 34 38. O sorotipo patoc já foi verificado em inquéritos sorológicos conduzidos na população humana do Rio de Janeiro9, de São Paulo10 e do Piauí22. É bem provável que animais silvestres sejam reservatórios dos sorotipos autumnalis, castellonis, hebdomadis, pyrogenes e patoc para a população rural de Uruará.
Foi interessante a total ausência de reatores para o sorotipo icterohaemorrhagiae, fato também verificado na área de influência da Transamazônica e em outras áreas rurais dos Estados do Pará e Amazonas8 19 38. Interessante ressaltar que, contrariamente ao que já se tinha observado em estudos anteriores que utilizaram soros humanos provenientes de habitantes de localidades do interior da Amazônia e da Transamazônica7 19 21 33 34, no presente trabalho não foram verificadas reações sorológicas para o sorotipo panama.
É grande a importância dos animais silvestres na manutenção das leptospiroses em seu habitat natural. As trocas que ocorrem na ecologia humana e animal quando da colonização de determinada área podem favorecer a transmissão dessa zoonose ao homem, pois propiciam um contato deste e dos animais domésticos com os focos originais de infecção. O desmatamento e a ocupação pelo homem de novas áreas tendem a originar um ecossistema constituído de diferentes biocenoses que podem influenciar a difusão das zoonoses21. Nas regiões de colonização recente, o contato dos humanos com animais silvestres é mais comum e freqüente do que se pensa, face ao hábito das caçadas, da adoção de animais silvestres como de estimação e a presença freqüente do D. marsupialis nos arredores das casas próximas a areas de mata na Amazônia20.
A epidemiologia da leptospirose no município de Uruará poderia ser melhor entendida através de estudos subseqüentes que utilizassem a sorologia como triagem e métodos diretos para a confirmação dos sorotipos envolvidos, aplicados à população de animais domésticos, silvestres e sinantrópicos e também à humana. A colaboração entre os serviços humanos e veterinários de saúde deve ser estreitada para que os casos humanos de leptospirose sejam adequadamente diagnosticados e tratados.
AGRADECIMENTOS
Aos funcionários da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) - Amazônia Oriental pelo trabalho a campo e todo apoio estrutural; aos produtores, à equipe da Secretaria Municipal de Saúde de Uruará e à toda equipe do Departamento Medicina Veterinária e Saúde Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
31 Maio 2001 -
Data do Fascículo
Abr 2001
Histórico
-
Recebido
03 Abr 2000