RESUMO
Introdução: Estudos mostram que prefeitos impactam a votação de seus partidos nas eleições para deputado federal. Mas o que aumenta a capacidade dos prefeitos em influenciar esses resultados? E como essa influência difere quando prefeitos apoiam candidatos de outro partido? Argumentamos que a popularidade do prefeito condiciona sua capacidade de influência, o que incentiva deputados a dedicarem atenção às demandas dos prefeitos, pois necessitam o apoio dos prefeitos na busca por reeleição.
Materiais e Métodos: Com pesquisas de survey, mostramos que deputados reconhecem a importância dos prefeitos em seu trabalho como representante e eleitores estão mais propensos a aceitar a indicação dos prefeitos para os deputados quando a gestão municipal é bem avaliada.
Resultados: Usando dados originais sobre indicações, também mostramos que candidatos apoiados por prefeitos melhoram seu desempenho eleitoral, especialmente quando prefeitos são bem avaliados, o que leva ao aumento de votos do partido. Entretanto, quando o prefeito apoia um candidato de outro partido, a aprovação deixa de ter relação com o desempenho de seu partido na eleição de deputados federais.
Discussão: O artigo permite problematizar dois pontos, a importância de deputados serem apoiados por prefeitos bem avaliados e a disposição de prefeitos para apoiarem candidatos de outros partidos.
Palavras-chave coattail reverso ; deputados federais; prefeitos; brokers políticos; survey
ABSTRACT
Introduction: Recent studies show that mayors impact their parties’ vote share in federal deputy elections. But what shapes the ability of mayors to influence these results? And how does this impact differ when mayors support candidates from a different party? We argue that mayors’ popularity conditions their ability to impact deputy election results, which incentivizes incumbent deputies to pay special attention to mayors’.
Materials e Methods: With survey data, we show that deputies recognize the importance of mayors in their work as representatives and voters are more likely to accept the advocacy of mayors for deputy candidates when the local administration is popular.
Results: Using original data on nominations by mayors, we also show that candidates supported by mayors improve their electoral performance, especially when mayors have high levels of approval, which in turn leads to an increase vote share for their party. However, when the mayor supports a candidate from another party, mayoral approval is no longer associated with party’s performance in federal deputy elections.
Discussion: The article allows us to problematize two points, the importance of deputies being supported by well-regarded mayors and the willingness of mayors to support candidates from other parties.
Keywords reverse coattail; federal deputies; mayors; political brokers; survey
I. Introdução
Estudos recentes têm colocado luz sobre a importância de prefeitos para as eleições de deputados1. Avelino, Biderman & Barone (2012) demonstram que a eleição de um prefeito produz uma melhora significativa no desempenho eleitoral dos candidatos a deputado federal do mesmo partido. Esse impacto da eleição de prefeitos na votação para deputados, originalmente denominado por Ames (1994) como reverse coattail, é produto, ao menos em parte, da atuação de prefeitos como agentes que buscam apoio local para candidatos a deputado (Novaes, 2017). Isto é, prefeitos agem como brokers políticos que intermediam a conexão entre eleitores e deputados federais. Em contrapartida, essa relação permite aos prefeitos que encaminhem demandas aos deputados e recebam auxílio na busca de recursos junto ao governo federal, como projetos e emendas orçamentárias para seus municípios (Ventura, 2021).
Nesse trabalho, contribuímos para essa literatura ao argumentar que essas relações entre prefeito e deputado tendem a ir além de simples intermediações pontuais no período eleitoral ou demandas burocráticas, pois se desenvolve uma interdependência na qual a troca de apoios é vital para o desempenho eleitoral de cada um. Deputados se dedicam às demandas locais no período não-eleitoral para que sejam os candidatos indicados pelos prefeitos na eleição legislativa e porque a avaliação positiva da gestão local é importante para que ocorra a transferência de apoio ao seu nome. Ou seja, o sucesso eleitoral do deputado enquanto candidato depende da capacidade dos prefeitos em influenciar os resultados locais, que é condicional à forma como sua gestão é vista pelo eleitorado.
Corroboramos essas hipóteses ao apresentar evidências de que grande parte dos deputados dedicam um volume importante de esforços às demandas municipais e reconhecem que o sucesso eleitoral depende de boas relações com prefeitos. Especificamente, dados de pesquisas de opinião com deputados federais indicam que o apoio de prefeitos é visto como um fator importante para à reeleição, ainda que não suprima a necessidade de atender as bases diretamente. Segundo, usamos dados de opinião pública e modelos hierárquicos para mostrar que a aprovação do prefeito é central para que que a indicação do prefeito seja aceita por uma grande parte do eleitorado. Mais além, usamos dados originais com assessores legislativos que nos permitem avaliar a significância da popularidade do prefeito sobre o resultado eleitoral do candidato a deputado, e como o apoio do prefeito a um candidato de outro partido prejudica o desempenho de seu partido. Isto é, encontramos que uma alta aprovação do prefeito melhora o desempenho do candidato indicado, mas não necessariamente do partido.
Esses achados nos ajudam a entender que essas relações são construídas baseadas em uma série de decisões estratégicas e, portanto, são condicionais à capacidade de ambas as partes de entregarem resultados. Logo, essas relações são mantidas mediante não só por trocas pontuais, mas também pelo apoio e monitoramento constante de ambas as partes. Por outro lado, essa conexão pode se tornar enfraquecida e vulnerável sob certas condições, como a popularidade baixa do prefeito ou promessas mais valiosas de outros candidatos a deputado. Essas condições podem levar à “deslealdade” de prefeitos como brokers e, consequentemente, ao enfraquecimento dos partidos no âmbito local (Novaes, 2017).
Com esta Introdução (seção I), o artigo está divido em mais seis partes. Na seção II, discutimos como o desenho institucional brasileiro fortalece a proximidade entre deputados federais e prefeitos. Na seção III, mostramos com dados de surveys parlamentares a relevância das demandas de prefeitos no trabalho dos deputados e para o sucesso eleitoral deles. Na seção IV, elaboramos sobre como a popularidade do prefeito serve como importante condicionante do efeito de coattail reverso, e mostramos com dados de survey com eleitores como a popularidade do prefeito aumenta as chances de voto para o candidato a deputado federal. Na seção V, aplicamos esse achado da importância da popularidade ao testar até que ponto o desempenho eleitoral do candidato apoiado pelo prefeito é condicional à popularidade do mandatário local. Os resultados indicam que uma maior aprovação do prefeito aumenta o percentual de votos e as chances de o candidato a deputado ser o mais votado no município. Por fim, mostramos que o aumento nos votos para o partido do prefeito descrito pela literatura de coattail reverso é condicional tanto à aprovação quanto a se o partido do candidato indicado é o mesmo que o do prefeito. Isto é, o melhor desempenho do partido do prefeito na eleição a deputado federal depende de sua aprovação e da indicação de um colega de partido. Nas considerações finais (seção VI), sugerimos que pesquisas futuras se dediquem às condições e mecanismos que fortalecem a conexão entre os diferentes níveis de poder, com atenção especial sobre como os partidos podem ser facilitadores e mantenedores dessas relações (Avelino, Biderman e Barone 2012). Sugerimos ao final que pesquisas futuras se dediquem às condições e mecanismos que fortalecem a conexão entre os diferentes níveis de poder, com atenção especial sobre como os partidos podem ser facilitadores e mantenedores dessas relações (Avelino, Biderman & Barone 2012).
II. A relação entre prefeitos e deputados
O desenho federalista brasileiro, as regras eleitorais e o calendário das eleições fazem com que prefeitos e deputados tenham uma atuação de grande proximidade. Por um lado, o sistema proporcional de lista aberta, divido em distritos grandes promove um grande número de candidatos e competição interna nos partidos, o que personaliza as campanhas políticas (Carey & Shugart, 1995; Mainwaring, 1999) e evita que deputados incumbentes consigam restringir parte da oferta de candidatos como em sistemas majoritários (Cox, 1997). Logo, a maioria dos deputados não só busca manter o apoio daqueles que já o apoiaram, mas também expandir sua atuação para outros municípios (Avelino, Biderman & Silva, 2016; Silva, 2017), o que requer a ajuda de líderes locais.
Do outro lado, a descentralização brasileira atribui aos municípios grande importância na provisão de serviços e, consequentemente, responsabilidade sobre importante recursos públicos aos prefeitos. Assim, mesmo sob um contexto de constrangimento institucional, prefeitos possuem capacidade de definir suas estratégias de atuação, tanto no âmbito administrativo como político (Almeida, 2006), o que lhes confere capacidade de influenciar o eleitorado local. prefeitos também buscam recursos públicos para seus municípios junto aos governos estaduais e federal, inclusive via emendas parlamentares à lei orçamentária, o que demanda uma relação positiva com deputados para que estes lhe destinem emendas, assim como atuem como intermediários nas relações com os ministérios e governo estadual. Ou seja, prefeitos necessitam que deputados atuem como seus representantes nas relações com as esferas de poder e busquem verbas para seus municípios. Deputados precisam de prefeitos como representantes locais na busca por votos, dada à dispersão de votos entre múltiplos candidatos nos municípios e o baixo conhecimento dos deputados por parte dos eleitores (Nicolau, 2007). O conjunto de incentivos promove, assim, o desenvolvimento de parcerias entre os atores políticos de diferentes níveis. Mais além, essa conexão deputado-prefeito tende a desenvolver um valor simbólico para além do pragmatismo de recursos e apoios nos períodos eleitorais, uma vez que se cria um vínculo de representação, no qual os deputados “correm atrás” das demandas locais, e ambos embarcam em uma “luta” conjunta em busca de objetivos eleitorais e de poder (Bezerra, 1999).
Essas relações se tornam ainda mais forte devido ao calendário e à competição eleitoral. Eleições de prefeitos ocorrem no meio do mandato de deputados e vice-versa, ambos políticos podem se envolver nas campanhas e contribuir com tempo, recursos e capital político antes e durante o período eleitoral para o sucesso de seu candidato favorito, já que quem apoia está em uma posição confortável de não estar com seu cargo em risco. Isto é, durante as eleições gerais, prefeitos não estão ameaçados em perder seu cargo e vice-versa. Assim, deputados podem dedicar esforços nos meses anteriores à eleição em ajudar prefeitos com projetos e demandas, especialmente aquelas ligadas à burocracia federal, além de participar de eventos de campanha (Brollo & Nannicini, 2012, Firpo, Ponczek, & Sanfelice, 2015; Bueno, 2017)2. Dois anos depois, prefeitos podem chamar a atenção da população sobre toda ajuda do “seu” deputado para as questões do município, atribuir crédito por obras e serviços e, assim, agir como importantes intermediários (i.e., brokers) entre o eleitorado da sua cidade e representantes a nível estadual e federal3. Nessa atuação como brokers, os prefeitos encurtam as distâncias entre eleitores e governantes, aumentando o accountability representativo (Kitschelt, 2000).
De fato, a literatura aponta para a importância dos prefeitos nas eleições para deputado federal (Ames, 1994) ao mostrar que a eleição de prefeito leva a um aumento significativo nos votos dos candidatos dos seus partidos (Avelino, Biderman & Barone, 2012), pelo menos depois da lei de fidelidade partidária de 2007 (Novaes, 2017) em que as emendas parlamentares servem como mecanismo por trás do efeito de coattail reverso (Ventura, 2021). Entretanto, não sabemos o quanto essas relações entre deputado e prefeito são importantes no trabalho e eleições de deputados vis-à-vis outras atividades e apoios, nem como a popularidade dos prefeitos influencia o desempenho do candidato indicado e do seu partido.
III. O reconhecimento dos deputados
Uma primeira evidência de que a construção das relações com os prefeitos vai além do apoio durante as eleições é a palavra dos próprios deputados. Dados de entrevistas com deputados federais coletados pelo projeto “Representação política e qualidade da democracia: um estudo das elites parlamentares da América Latina”, realizadas em 2014, pelo Centro de Estudos Legislativos (CEL-UFMG) e Latin American Elites Project (PELA-USAL) mostram a dedicação de grande parte dos parlamentares às demandas levadas pelos prefeitos4. Quando perguntados em 2014, “Com que frequência o(a) sr.(a) tem participado das seguintes atividades no último ano: muitas vezes, algumas vezes, poucas vezes ou nunca?”, 60% dos deputados indicam que “tratar das demandas de prefeitos” é uma atividade que realizaram muitas vezes no último ano. Como apontado na Figura 1, esse percentual se equivale ao número de deputados que indicou “atender pleitos de seus eleitores” muitas vezes, mas é bastante superior ao percentual que diz “apresentar um projeto de lei” (46%), “fazer o uso da palavra” (41%) ou “apresentar emendas em projetos de outros deputados” (28%) muitas vezes no último ano5.
A similaridade entre a frequência com que os deputados atenderam demandas dos prefeitos e dos eleitores indica que o contato com os prefeitos não elimina a necessidade de um atendimento mais direto a demandas individuais dos eleitores. Na verdade, os dados mostram que as duas atividades convivem simultaneamente: 49% dos deputados trataram das demandas de prefeitos e eleitores muitas vezes no último ano. Os deputados, portanto, atuam não só como representantes dos eleitores, mas também como “advogados” dos municípios via demandas dos prefeitos junto ao Legislativo e os ministérios do governo federal. Neste sentido, a boa atuação de um deputado é importante para o encaminhamento de projetos e verbas para os municípios6.
Em contrapartida, o apoio dos prefeitos é importante para o sucesso das campanhas dos deputados, fato reconhecido pelos parlamentares. Dados da rodada de 2013 do projeto Brazilian Legislative Surveys (BLS) indicam a importância de encaminhar as demandas dos prefeitos para o sucesso eleitoral de deputados no futuro. Isto é, a pesquisa perguntou: “Na sua opinião, que importância têm as seguintes atividades para o futuro eleitoral de um congressista?”, sendo que 10 atividades foram listadas e as respostas foram medidas em uma escala de 1 a 5, onde 1 significava “Nenhuma importância para o futuro eleitoral” e 5 significava “Essencial para o futuro eleitoral”. A Figura 2 mostra o percentual de deputados que considerou importante ou essencial (i.e., respostas 4 ou 5) para cada uma das atividades perguntadas.
“Encaminhar demandas dos prefeitos ou lideranças locais” foi apontada por 79% dos deputados entrevistados como de alta importância para eleição futura. Essa atividade só foi vista como menos importante que “visitar as bases de eleitores” (96%) e “apresentar emendas ao orçamento” (81%). Vale ressaltar que apresentar emendas também é uma forma de manter e fortalecer relações com prefeitos. Por outro lado, atividades ligadas ao trabalho dentro do Congresso e mesmo liderança partidária são percebidas como menos importantes: “participar de votações em plenário” (66%), “ocupar posições de destaque no Congresso” (60%), “ocupar posições de destaque na estrutura partidária” (44%) e “proferir discursos em plenário” (43%). Apenas 49% dos deputados também apontam que “atender aos pedidos dos eleitores” é importante para o futuro eleitoral de um congressista.
Esses resultados indicam que grande parte dos deputados reconhecem que dedicam parte considerável do seu tempo a demandas de prefeitos e grupos específicos de eleitores, e que esse trabalho é importante para alcançarem um bom desempenho nas urnas. Em contraste, percentuais menores dos entrevistados reporta se dedicar tanto ao trabalho legislativo (i.e., apresentar projeto de lei e fazer o uso da palavra no plenário), mesmo porque essas atividades são menos relevantes para o sucesso eleitoral. Essa diferença evidencia “a tensão entre a atividade tida como ideal e aquela efetivamente desempenhada” (Bezerra, 1999, p. 42), pois deputados mostram que tem mais incentivos para atender os interesses mais particulares de suas bases eleitorais e prefeitos aliados do que focar em projetos de leis, no trabalho das comissões e outras questões congressuais.
Parte considerável dos deputados também qualifica o “apoio dos prefeitos” como o fator mais importante para o sucesso de suas campanhas eleitorais recentes. Quando perguntados, na pesquisa conduzida pela mesma pesquisa realizada CEL (UFMG) e PELA (USAL) na rodada de 2010: “Além dos recursos financeiros utilizados nas campanhas eleitorais, o apoio de pessoas, grupos ou organizações são fatores que também influenciam o resultado das urnas. Na opinião do(a) sr.(a), qual dos seguintes fatores foi o mais importante para a sua vitória na última eleição?”, 20,9% dos deputados indicaram que “o apoio de prefeitos” foi o fator mais importante. Essa taxa só foi menos comum do que “o apoio de líderes comunitários ou sindicais” (27,1%), mas mais relevante que outros tipos como “o apoio do partido” (15,5%), “as dobradinhas com candidatos a deputados estadual” (9,3%), “o apoio da Igreja” (6,2%), “o apoio de líderes empresariais” (1,6%) e “o apoio de vereadores da região” (0,8%). Portanto, mesmo quando forçados a avaliar qual foi o apoio mais importante, aproximadamente um a cada cinco deputados indica o respaldo dos prefeitos. Essa combinação de resultados evidencia a importância dos prefeitos nas eleições para deputado, como demonstrado pela literatura, e corrobora o argumento de que essas relações são, ao menos em parte, sustentadas pela representação dos interesses dos prefeitos (Bezerra, 1999).
IV. A importância da popularidade
A estratégia de deputados de construir e manter boa relação com prefeitos pressupõe que terão bom desempenho nos municípios desses prefeitos. Mas até que ponto um deputado colherá frutos nestes municípios depende de dois fatores: (1) a indicação do prefeito e uso do seu capital político e (2) a eficácia desse capital político sobre a decisão de voto dos eleitores. O primeiro fator é resultado da interação entre elites políticas que calculam os custos e benefícios da troca de apoios. Já o segundo fator diz respeito ao comportamento eleitoral, no sentido que eleitores de um município podem ou não concentrar seus votos em um ou alguns candidatos, como aqueles apoiados pelos prefeitos. Isto é, a concentração de votos demanda um raciocínio comum, que geralmente é produto do trabalho de coordenação de lideranças locais.
Mundo a fora, essa coordenação é feita por diferentes atores, desde lideranças sindicais, religiosas, comunitárias e até tribais, como no contexto africano. Isto é, lideranças locais, conhecidas como brokers ou punteros quando atuam a nível micro nas comunidades (Auyero, 2000), são intermediários que trabalham para partidos ou candidatos e não necessariamente possuem um cargo oficial. Nos estudos de clientelismo, brokers são vistos como peças fundamentais, pois exercem a função de distribuir bens, resolver demandas individuais e monitorar eleitores para que participem de eventos eleitorais, como comícios, carreatas e discursos e, no fim, votem para os “patrões”.
Em uma perspectiva mais positiva, brokers são vistos como funcionários altamente competentes que ficam à disposição dos eleitores- às vezes vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana- com a função primordial de encontrar soluções para os problemas individuais daqueles ao seu entorno (Zarazaga, 2014). Assim, esses intermediários não apenas ajudam políticos a ganhar eleições, mas também apoiam na hora de governar, pois conhecem as demandas individuais dos eleitores de sua área de atuação e os obstáculos para que políticas públicas possam funcionar. Desta forma, para além de serem funcionários dos partidos e candidatos, brokers atuam em favor dos eleitores (Zarazaga, 2014). Entretanto, a eficácia e ascensão profissional dos brokers dependem do respeito e da confiança neles depositada pelos eleitores (Zarazaga, 2014), que é somente é conquistada com a entrega de resultados positivos para a comunidade.
Um exemplo da importância dessa confiança nas lideranças é o comportamento político dos líderes tribais e de eleitores em muitos países africanos. Líderes tradicionais (não eleitos, nem sujeitos à competição) exercem forte influência nos resultados eleitorais, já que eleitores dentro das comunidades sempre os consultam antes de depositar o voto. Ou seja, a confiança, neste caso, originária de uma cultura tradicional, é fundamental para que exista a influência dos líderes. E a capacidade de influenciar os eleitores permite que esses líderes tenham acesso e prestígio perante as lideranças políticas nacionais, e até influenciem diretamente a alocação de recursos públicos discricionários (Baldwin, 2016)7.
Já no contexto brasileiro, o alto número de municípios, em sua grande maioria de baixa população, e distritos eleitorais grandes que permitem que deputados recebam votos em muitos municípios leva prefeitos a atuarem como esses intermediários. Entretanto, a influência dos prefeitos sobre os eleitores não deriva de crenças tradicionais, como em contextos tribais, mas da confiança decorrente de entregas e trocas. Isto é, a eficácia de prefeitos como broker para deputados é resultado da percepção dos eleitores sobre os prefeitos, que por sua vez é produto do desempenho no cargo. Por isso, a aprovação do prefeito é essencial para que sua influência tenha um impacto sobre a votação do deputado que recebe o apoio entre os eleitores da cidade.
Como primeira evidência de que a aprovação do prefeito tem impacto na disputa para deputado federal, utilizamos um conjunto de 40 surveys municipais conduzidos em 2010 e 2014 em 38 municípios mineiros, totalizando 7,898 entrevistas com eleitores, para avaliar a relação entre aprovação ao prefeito e voto em um candidato indicado por ele. A pergunta usada para mensurar até que ponto o eleitor aceitaria a indicação do prefeito (variável dependente) dizia: “O apoio do prefeito (nome do prefeito) aumenta muito, aumenta um pouco, diminui um pouco ou diminui muito as chances de você votar no candidato que ele apoia para deputado federal?”. Para facilitar a análise, codificamos a variável em uma variável binária na qual 1 significa “aumenta”.
A comparação no nível de aceite é feita entre quem aprova e quem não aprova a gestão do prefeito (variável independente) com base na pergunta “E o prefeito (nome do prefeito) está fazendo uma administração: ótima, boa, regular, ruim ou péssima?”, sendo que também categorizamos as respostas com uma variável binária, na qual 1 significa aprovação (“ótima” ou “boa”). A hipótese central é de que quem aprova o prefeito apresentará uma probabilidade maior de reportar que o apoio do prefeito aumenta as chances de votar no candidato indicado, ceteris paribus. Porém, esse impacto da avaliação positiva do prefeito sobre o aceite à indicação pode diferir entre um contexto em que o prefeito realmente faz um bom trabalho e é aprovado pela população e um contexto em que aqueles que aprovam o prefeito são uma minoria. Em outras palavras, em municípios onde o prefeito realmente faz um bom trabalho, mensurado pela aprovação geral do prefeito, a relação entre aprovação e indicação deve ser mais forte em comparação a municípios onde a aprovação é mais baixa. Assim, usamos o fato de que as pesquisas foram conduzidas nos diferentes municípios para avaliar até que ponto a relação entre aprovação do prefeito pelo indivíduo e impacto da indicação é maior em municípios onde os prefeitos são melhor avaliados por toda a população. A Figura 3 apresenta o nome, ano, número de entrevistados e percentual de entrevistados que avalia a gestão do prefeito como “ótima” em cada uma das pesquisas que compõem o banco8.
De forma geral, há uma relação negativa entre o tamanho da cidade e a aprovação do prefeito. Entretanto, parte importante da variação em aprovação também se dá entre municípios de tamanho similares. Por exemplo, enquanto na maior parte das cidades pequenas estudadas aqui o percentual que avalia a gestão do prefeito de forma positiva é acima de 50%, o percentual que aprovava o prefeito de Lambari em 2010 era bastante baixo. Talvez não surpreendentemente, o prefeito do PT à época perde a reeleição em 2012, mesmo no ano em que o PT aumentou substancialmente o número de prefeituras conquistadas. É essa variação entre municípios que nos possibilita comparar o nível de aceite da indicação do prefeito entre indivíduos que aprovam e não, entre municípios com diferentes níveis de aprovação, e a combinação desses fatores.
Para incorporar a variação nos dois níveis, fazemos uso de modelos lineares hierárquicos (HLM) nos quais indivíduos compõem o nível 1 e os municípios-ano compõem o nível 29. Isto é, estimamos diferenças no aceite à indicação do prefeito entre as cidades e entre respondentes da mesma cidade em uma única análise. Como forma de controle na comparação entre respondentes, incluímos nos modelos características sociodemográficas: sexo, idade, escolaridade, se o respondente é evangélico, e se a pesquisa foi realizada em 2014. A nível dos municípios, incluímos além do percentual que avalia a gestão do prefeito como positiva, o número de eleitores aptos em 2008, o percentual de votos para o partido do prefeito para o cargo de deputado federal em 2006 e para candidatos do PT para o mesmo cargo também em 2006. A inclusão desses controles busca evitar a confusão entre a aprovação do prefeito com o tamanho do município ou com a força dos partidos a nível local. Na Tabela 1 apresentamos os resultados de três modelos com essas variáveis. O primeiro trata a relação média entre aprovação e aceite à indicação como fixa para toda a amostra, enquanto o segundo permite que esse coeficiente varie entre as pesquisas e o terceiro modela essa variação no coeficiente da aprovação individual como função do tamanho do município e nível de aprovação do prefeito10.
O primeiro modelo indica que indivíduos que aprovam a gestão do prefeito têm probabilidade significativamente maior de expressar que a indicação do prefeito aumenta as chances de voto. Especificamente, aqueles que aprovam o prefeito expressam que a indicação do prefeito aumenta em 25,7 pontos percentuais as chances de votar nesse candidato, do que aqueles que não aprovam o prefeito. Os outros coeficientes significativos associados às variáveis a nível individual indicam que, na média, pessoas mais velhas aceitam mais a indicação que pessoas mais novas e que pessoas menos escolarizadas aceitam mais que as menos escolarizadas. Já a análise de médias entre municípios indica que o percentual de pessoas que aceita a indicação também é maior em municípios onde a aprovação do prefeito é mais alta, na média, mesmo controlando pela aprovação individual. Por outro lado, o tamanho do município e indicadores da força dos partidos não estão associados a diferenças por município.
O segundo modelo basicamente reproduz esses resultados, pois a única diferença é que em vez de assumirmos que a associação entre a aprovação e aceite da indicação é igual em todas as pesquisas, a estimação permite variação entre os grupos. Já o terceiro modelo inclui as interações entre a aprovação do prefeito e as variáveis a nível do município: número de eleitores e percentual que avalia positivamente a gestão do prefeito. O coeficiente da interação entre a aprovação individual e a taxa de aprovação entre o eleitorado é positivo e estatisticamente significativo, o que indica que quanto maior é a aprovação geral do prefeito, maior é a diferença entre aqueles que aprovam e aqueles que não aprovam11. Isto é, o aumento de um ponto percentual na taxa de aprovação do prefeito está associado a um aumento de 0,2 na diferença de aceite da indicação hipotética entre quem aprova e não12. Para uma melhor compreensão da magnitude desse coeficiente, a Figura 4 mostra a diferença esperada no aceite da indicação entre aqueles que aprovam e não aprovam em municípios com diferentes níveis de aprovação do prefeito.
A Figura 4 mostra que a diferença esperada é sempre positiva e estatisticamente significativa, mas é consideravelmente maior nos municípios onde a aprovação é alta. Por exemplo, em um município onde o percentual que avalia a gestão como “ótima” é de apenas 13,4%, a diferença é de aproximadamente 21 pontos percentuais, já em um município onde metade da população aprova o prefeito, essa diferença é de 27,5 pontos, e em um município com 80% de aprovação, essa diferença chega a 34 pontos percentuais. Ou seja, a maior eficácia de prefeitos bem avaliados como political broker se dá não só porque obviamente há mais pessoas que avaliam sua gestão de forma positiva, mas também porque aqueles que aprovam também apresentam maior chance de aceitar sua indicação em comparação àqueles que não aprovam.
Obviamente, é difícil inferir causalidade nessa relação dado que tanto a aprovação a nível individual como macro não são exógenas. Entretanto, a implicação desses resultados é importante, pois sugere que o apoio do prefeito é mais valioso quando há uma alta aprovação. Logo, deputados tem fortes incentivos para buscar apoio de prefeitos bem avaliados, enquanto deputados que já tem uma relação estabelecida tem incentivos para ajudar o prefeito a elevar sua popularidade, além de assegurar que o prefeito não deixe de apoiá-lo na próxima eleição. Esses resultados também justificam que deputados tenham interesse em monitorar a aprovação dos prefeitos. Em contrapartida, prefeitos têm incentivos de apenas publicar sua popularidade em caso de resultados positivos, já que seu “passe” estaria valorizado no mercado eleitoral.
V. O valor da indicação
Os dados de opinião pública apresentados são úteis para mostrar o mecanismo de transferência de apoio ao prefeito ao candidato a deputado, porém, são limitados em mostrar se o nível de aprovação dos prefeitos está realmente associado a um aumento no voto dos candidatos por eles apoiados. Para mostrar empiricamente o valor eleitoral desse apoio e como ele é condicionado pela aprovação, utilizamos dados inéditos coletados pelo Instituto Ver no qual um grupo de assessores legislativos que trabalhavam para deputados federais e estaduais de Minas Gerais indicaram quais candidatos a deputado federal os prefeitos de 67 cidades de Minas Gerais apoiavam para deputado federal em 201013. Mais além, o Instituto Ver também coletou junto à população o nível de aprovação dos prefeitos dessas cidades, o que nos permite avaliar se prefeitos mais bem avaliados realmente conseguem melhorar o desempenho de seu aliado e partido na eleição a deputado federal14. Especificamente, primeiro, avaliamos até que ponto a aprovação do prefeito está associada ao desempenho do candidato apoiado baseado em quatro medidas de desempenho: 1) o percentual de votos do candidato apoiado em 2010, 2) a diferença (em pontos percentuais) nos votos do candidato apoiado entre 2006 e 2010, 3) se o candidato apoiado foi o mais votado no município e 4) se o candidato se tornou o mais votado em 2010, caso não tenha sido em 200615. Essa associação entre aprovação do prefeito e as medidas de desempenho é estimada via regressões multivariadas nas quais o controle se dá pelo tamanho do município (i.e., número de eleitores aptos em 2008) e três variáveis de força partidária: percentual de votos a deputado federal do partido do prefeito e do PT em 2006 e o tamanho da coligação do prefeito em 2008, além de uma variável binária que indica se o candidato é do mesmo partido do prefeito16. A Figura 5 apresenta o coeficiente de regressão para cada variável dependente, além dos intervalos de confiança17.
A Figura 5 indica que a avaliação dos prefeitos está positivamente associada ao desempenho dos candidatos por eles apoiados. Especificamente, o aumento de um ponto percentual na avaliação do prefeito está associado a um aumento, na média, de 0,27 pontos percentuais nos votos do candidato indicado. Quando consideramos os votos do candidato indicado na eleição anterior, encontramos que o aumento de um ponto percentual na aprovação do prefeito também está associado a um aumento significativo de 0,32 pontos percentuais no voto do candidato em 2010 em comparação com 2006. A avaliação do prefeito também está associada a uma probabilidade maior do candidato de ser e de se tornar o candidato mais votado no município, caso não tenha sido em 2006, ainda que essa última associação não chegue a padrões convencionais de significância estatística. Essas evidências confirmam a hipótese de que a avaliação de um prefeito aliado afeta o desempenho do candidato indicado. Ressaltamos, no entanto, que é difícil aferir causalidade nessa estimação, especialmente porque esperamos que a aprovação pode ser condicional à boa relação e trocas com os deputados18. Além do mais, faz sentido que o prefeito apoie um candidato com boas chances de receber votos a priori.
Qual candidato o prefeito apoiou na eleição a deputado federal também tem importantes implicações para a votação do seu partido no município (Novaes, 2017). De forma geral, uma melhor avaliação do prefeito deve estar associada a um melhor desempenho do seu partido. Porém, nem sempre os prefeitos apoiam um candidato colega de partido, mesmo porque as eleições para deputado permitiam coligações para a formação das listas de candidatos. Assim, devemos esperar que a aprovação do prefeito melhora o desempenho do partido, particularmente quando o candidato indicado é do mesmo partido. Isto é, o aumento no número de votos do partido deve ser condicional à indicação do prefeito a um candidato do partido. Para testar esta hipótese, apresentamos resultados de cinco modelos de regressão no qual a variável dependente é a diferença, em pontos percentuais, do desempenho do partido do prefeito entre 2006 e 2010 no município. O primeiro modelo mostra a associação entre a aprovação do prefeito e diferença entre anos, controlando pelo desempenho na última eleição, o tamanho do município e as medidas de força partidária a nível municipal. O segundo modelo leva em consideração a diferença entre municípios onde o prefeito apoia um candidato do mesmo partido ou de partido diferente. Já o terceiro, permite que a relação entre aprovação e desempenho seja condicional à indicação do prefeito, isto é, incluímos uma interação entre a taxa de aprovação e se a indicação é do mesmo partido. Nos modelos quatro e cinco, retiramos a aprovação do prefeito e incluímos a diferença nos votos do candidato indicado entre anos como forma de avaliar a importância do candidato indicado para a votação do partido. No quinto modelo, estimamos uma relação diferente entre a mudança no desempenho do candidato apoiado e no desempenho do partido do prefeito para municípios onde o candidato indicado era filiado ao partido do prefeito e municípios onde o indicado era de outro partido. A Tabela 2 apresenta os resultados de cada um dos modelos.
O primeiro modelo corrobora a ideia de aprovação do prefeito e desempenho dos candidatos do seu partido: um aumento de um ponto percentual na aprovação está associado a uma melhora de 0,24 pontos do seu partido. Vale notar que o tamanho da coligação do prefeito dois anos antes também está associado a essa melhora, mesmo controlando pelo tamanho do município e desempenho do partido na eleição a deputado federal em 2006. O segundo modelo indica que a relação entre aprovação e votação também é positiva quando controlamos pela filiação do candidato indicado pelo prefeito, e que, independente da taxa de aprovação, o partido do prefeito tem melhor desempenho quando o indicado do prefeito é do mesmo partido.
O terceiro modelo, no entanto, mostra que essa associação entre aprovação e melhora no desempenho é apenas positiva quando o indicado do prefeito é do mesmo partido. Isto é, a relação entre aprovação e desempenho do partido não é significativa quando o indicado é de outro partido - indicado pelo coeficiente ligado a “% Aprovação do prefeito” sem a interação, enquanto essa mesma associação passa a ser positiva e significativa quando o indicado é do mesmo partido. A Figura 6 reitera essa diferença no efeito marginal do aumento de aprovação em casos quando o indicado é do mesmo partido que do prefeito e quando é de um partido diferente.
Já o modelo 4 mostra que um melhor desempenho do candidato indicado em relação a 2006 está associado à melhora do partido do prefeito, porém, o modelo 5 mostra que essa associação só é significativa quando prefeito e candidato apoiado são do mesmo partido. Ou seja, parte significativa do melhor desempenho do partido é atribuída especificamente à melhora do candidato apoiado pelo prefeito. Por outro lado, se o candidato indicado não tem melhora no desempenho, não há diferença significativa entre casos em que o prefeito apoiou um candidato do seu partido ou não, como indicado pelo coeficiente ligado à variável “Indicado do mesmo partido” sem a interação. Portanto, a aprovação do prefeito e a indicação de um candidato do mesmo partido são importantes para o aumento no percentual de votos do partido do prefeito na eleição para deputado federal. Esses resultados corroboram e agregam aos resultados sobre a importância das emendas parlamentares virem de deputado do mesmo partido do prefeito, e do efeito na concentração de votos dentro da lista de candidatos a deputado do partido do prefeito encontrados em Ventura (2021).
Apesar das limitações da análise, esses resultados sugerem avanços na literatura existente em quatro aspectos. Primeiro, os resultados reiteram a importância da popularidade do prefeito como mecanismo da transferência de votos do prefeito. Segundo, mostramos que candidatos especificamente indicados pelos prefeitos melhoram seu desempenho eleitoral no município comparado à eleição anterior. Terceiro, mostramos que a popularidade do prefeito está associada à melhora no desempenho do candidato apoiado pelo prefeito e no seu partido. Quarto, a análise final reforça a limitação da melhora no desempenho do partido quando o prefeito apoia um candidato de outro partido (Novaes, 2017). Como um todo, esses resultados indicam a importância da popularidade do prefeito e da indicação como condicionantes do efeito de coattail reverso.
VI. Considerações Finais
Ao trazer novas evidências sobre como os deputados avaliam a importância da relação com prefeitos e sobre como a popularidade dos prefeitos impacta o desempenho do seu partido e especificamente do candidato apoiado na eleição a deputado federal, este artigo contribui para a crescente literatura sobre efeitos de coattail reverso (Ames, 1994). Com dados de pesquisas legislativas, mostramos que deputados dedicam atenção às demandas dos prefeitos e reconhecem a importância dessa conexão para o sucesso eleitoral futuro. Com dados de opinião pública coletados em municípios mineiros e modelos hierárquicos, mostramos que a relação entre a aprovação do prefeito e propensão a votar no candidato indicado pelo prefeito a nível individual é significativamente mais robusta em municípios onde o prefeito é mais bem avaliado. Ou seja, a aprovação macro parece condicionar a decisão micro. Por fim, com dados originais sobre apoio específico de prefeitos, mostramos que a aprovação de prefeitos está, de fato, correlacionada com a magnitude da melhora no desempenho dos candidatos apoiados. Entretanto, o apoio dos prefeitos como intermediários dos candidatos a deputado federal nem sempre é traduzido em fortalecimento dos seus partidos a nível local, pois alguns prefeitos apoiam um candidato de outro partido (Novaes, 2017). Nesses casos de conexão fora do partido, encontramos que uma maior popularidade não está associada à melhora de desempenho nos votos do partido do prefeito.
Esses achados sugerem que a criação e manutenção dessas relações entre deputados e prefeitos exige uma constante avaliação das demandas e popularidade dos prefeitos por parte dos deputados. Isto é, enquanto deputados têm o incentivo de colaborarem com o maior número possível de prefeitos na busca por votos, limitações de recursos e da competição política os forçam a priorizar atenção e entregas aos prefeitos e municípios que deem retorno eleitoral no futuro. O fato de que a votação de deputados eleitos tende a ficar mais dispersas (Silva, 2017), e nem sempre em microrregiões contíguas àquelas onde receberam parcela grande de votos (Avelino, Biderman & Silva, 2016), sugere que deputados buscam criar essas conexões com prefeitos e, assim, receber mais votos nesses municípios na próxima eleição. Entretanto, apesar das vantagens associadas a estarem no cargo (Meirelles, 2019; Avelino, Desposato & Biderman, 2021), manter o bom desempenho nas localidades em um contexto de múltiplos candidatos e competição de grupos locais nem sempre é fácil (Silva, 2013).
A dificuldade de repetir um bom desempenho eleitoral parece ser resultado não necessariamente de uma falta de compromisso por parte de prefeitos, já que há elevada frequência na troca de prefeitos no Brasil (Klanja & Titiunik, 2017; Brambor & Ceneviva, 2012). Isto é, prefeitos também têm incentivos para colaborar com deputados na medida que maior representação e mais recursos podem ser fundamentais para a reeleição (Schiumerini, 2015). Logo, prefeitos também devem ser estratégicos em manter boas relações e direcionar seus apoios.
Um possível resultado desses incentivos é que deputados e prefeitos executem trocas constantes e criem uma relação de interdependência na qual o sucesso de um está atrelado ao outro. Assim, ambas partes devem ajudar a outra na governança e desempenho dos mandatos, pois uma boa avaliação e imagem perante a população é importante para o sucesso eleitoral futuro. Com isso, o comprometimento dos representantes parece ser uma estratégia lógica e eficiente.
Por outro lado, em um contexto de múltiplos incumbentes e candidatos, há espaço para competição e “traição” ou deserção (Bezerra, 1999; Novaes, 2017), particularmente depois de mudanças nas condições desse jogo. Por exemplo, mudanças quase-exógenas como a alteração nos cargos do Executivo federal e estadual podem diminuir a habilidade de alguns deputados em encaminhar demandas e enfraquecer a relação. Mais além, alterações endógenas à relação como a queda na popularidade do prefeito ou mesmo uma proposta melhor de deputados concorrentes também podem fragilizar essa conexão. Isto é, faz sentido que deputados e prefeitos optem por apoiar candidatos que realmente tenham chance de vitória, mesmo que isso implique em uma traição ou apoio por um candidato fora do seu partido, já que não ter nenhum deputado atuando em prol da cidade dificulta entregas e diminui as chances de derrota e prefeitos com baixa aprovação têm pior desempenho como brokers.
Obviamente, essa relação entre políticos de diferentes níveis também se dá em outros países. Porém, a incerteza atrelada a essas relações de apoio entre os políticos parece ser fruto da baixa institucionalização e fidelidade partidária no Brasil (Ames, 1994; Novaes, 2017; Ventura, 2021). Isto é, os partidos têm papel fundamental em criar coesão entre seus membros e assim proporcionar estabilidade nessas relações. Por isso, estudos sobre as condições que proporcionam o fortalecimento dos partidos são um caminho importante para entendermos quando as conexões se tornam estáveis e fortes. Futuras pesquisas que examinem as características de municípios e contextos políticos que levam prefeitos e deputados a buscar outras parcerias são especialmente promissoras.
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1
Em todo artigo, usamos os termos prefeito(s) e deputado(s) no masculino dado o padrão da linguagem e porque homens são maiorias nesses cargos. Entretanto, é importante notar que estamos nos referindo ao conjunto de prefeitas e prefeitos e deputadas e deputados.
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2
A inexistência de estudos sugere que impacto da avaliação e apoio da maioria dos deputados sobre o desempenho eleitoral do prefeito não seja grande- a não ser em casos especiais, como deputados ex-prefeitos ou que exerçam certa condição de dominância no município.
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3
Dados de pesquisas eleitorais indicam que a entrega de obras e serviços parece ser levada em consideração na decisão do voto a deputado federal, justamente por causa de interesses locais (Ames, Baker & Rennó 2008).
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4
Maiores informações sobre as amostras das pesquisas podem ser encontradas nos apêndices.
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5
No apêndice, mostramos que há pouca variação nas frequências dessas respostas entre as pesquisas de 2014 e 2010, o que indica que dedicar atenção às demandas de prefeitos é uma tarefa importante para mais a maioria mesmo quando há mudança no corpo de deputados.
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6
Vale notar que os deputados federais também podem facilitar relações com os legisladores e a burocracia de governos estaduais.
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7
No livro, Baldwin (2016) apresenta uma série de evidências quantitativas, como pesquisas de opinião, incluindo o AfroBarômetro e experimentos de survey, e qualitativas como pesquisa documental e entrevistas na Zâmbia.
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8
No apêndice, apresentamos um gráfico similar no qual os níveis de aprovação apresentados no eixo-y também incluem respostas que a gestão é “boa”.
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9
É importante notar que ao não usar modelos logísticos hierárquicos, deixamos de levar em conta que a variável não é continua, mas tomamos essa decisão porque 1) a significância dos coeficientes é similar, ou até mais significativa, ao usar a estimação com o modelo de regressão probit (ver Apêndice), 2) há um debate na literatura sobre qual estimação é melhor nesses casos (e.g. Angrist & Pischke, 2009) e 3) essa estimação apresentada facilita a interpretação dos coeficientes como mudança na probabilidade em pontos percentuais.
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10
As especificações desses modelos em formato de equações são apresentadas no apêndice.
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No apêndice, mostramos que esse resultado também é positivo e significativo se usamos a aprovação do prefeito codificada como respostas “boa” e “ótima”.
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12
Essa diferença é especialmente explicada pelo aumento na concordância da indicação entre aqueles que aprovam o prefeito, já que o nível de aceite entre aqueles que não aprovam não se altera tanto, como indicado pelo coeficiente da variável “% de Aprovação do prefeito” que indica a mudança de um aumento no percentual de aprovação entre aqueles que não aprovam o prefeito.
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O Instituto Ver teve acesso a esses assessores envolvidos nas campanhas eleitorais durante reuniões de apresentação de resultados de pesquisas. Ao final das reuniões, os pesquisadores realizavam uma dinâmica qualitativa de identificação dos apoios dos prefeitos.
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Dos 67 municípios, 29 também compunham os dados usados na análise anterior.
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15
É importante notar que o número de observações varia entre as análises, porque nem todos os candidatos apoiados concorreram ou foram os mais bem votados no município em 2006.
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Uma limitação importante dessa análise é que, apesar das eleições serem separadas dentro dos municípios, a independência das observações não é completa dado que todos os municípios fazem da parte região sul de Minas Gerais. Isso significa que a aprovação e indicação dos prefeitos podem ser correlacionadas. De fato, prefeitos de 26 municípios apoiavam o mesmo candidato, e prefeitos de 7 outros municípios também apoiavam o mesmo. Por outro lado, poucos candidatos apoiados eram do mesmo partido.
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As estatísticas descritivas e resultados completos das regressões são apresentados no apêndice. A média de votação do indicado em 2010 é 25% e a diferença média nesse percentual entre 2006 e 2010 é de 8 pontos percentuais.
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Vale notar também que prefeitos não necessariamente apoiam apenas um candidato, nem que a intensidade de apoio entre prefeitos é homogênea, isto é, alguns prefeitos podem dedicar mais esforços em seus apoios.
Referências
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Apêndice 1 Popularidade e Indicação: Condicionantes do Efeito de Coattail Reverso (Informações Suplementares)
Características dos municípios da amostra em comparação ao resto de municípios em Minas Gerais
Apêndice 2 Especificações dos modelos em formato de equações
Modelo 1: Interceptos Aleatórios, Variáveis de Nível 2 predizem Interceptos
onde β1j x1ij + β2j x2ij + ... representam os preditores de nível 1, γ01 w1j + γ02 w2j + ... representam os preditores de nível 2 dos interceptos, eij ~ N(0,σe2) e u0j ~N(0,τ00) representam a parte estocástica.
Modelo 2: Interceptos e 1 Efeito Aleatórios, Variáveis de Nível 2 predizem Interceptos
onde β1j x1ij + β2j x2ij + ... representam os preditores de nível 1, γ01 w1j + γ02 w2j + ... representam os preditores de nível 2 dos interceptos, eij ~ N(0,σe2) e u0j ~ N(0,τ00) e u1j ~ N(0,τ11) representam a parte estocástica, sendo que a τ10 (correlação entre u0j e u1j é 0).
Modelo 3: Interceptos e 1 Efeito Aleatórios, Variáveis de Nível 2 predizem Interceptos e Efeito Aleatório
onde β1j x1ij + β2j x2ij + ... representam os preditores de nível 1, γ01 w1j + γ02 w2j + ... representam os preditores de nível 2 dos interceptos, γ11 w1j + γ12 w2j + ... representam os preditores de nível 2 do efeito aleatório β1j, eij ~ N(0,σe2) e u0j ~N(0,τ00) e u1j ~ N(0,τ11) representam a parte estocástica, sendo que a τ10 (correlação entre u0j e u1j é 0).
Apêndice 3 Especificações alternativas dos modelos hierárquicos
Especificações Alternativas dos modelos hierárquicos usando modelos hierárquicos lineares probit (GLMM)
Especificações alternativas dos modelos hierárquicos codificando a variável dependente apenas com “aumenta muito”
Diferença em pontos percentuais de votos para o indicado entre 2010 e 2006 (variável dependente)
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Jun 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
11 Nov 2019 -
Aceito
28 Set 2020 -
Recebido
18 Jun 2021