Open-access Como selecionar casos a partir de diferentes alegações de causalidade

Selecting cases according to different causality claims

RESUMO

Introdução:  Estudos de caso são fundamentais em metodologia qualitativa. No Brasil, estudos de caso são predominantes em estudos histórico-sociais na área de Relações Internacionais. No entanto, não há preocupação com a rigidez metodológica. Dificilmente são apresentados os critérios de seleção dos casos, as inferências pretendidas com o estudo e a validade interna e/ou externa a partir da utilização deste método.

Materiais e Métodos:  Este ensaio bibliográfico analisa a literatura internacional dedicada a perscrutar critérios para seleção de casos para estudos qualitativos. A partir da análise da peculiaridade da produção científica do campo brasileiro comparada à internacional, realizamos uma revisão de literatura dos principais tópicos do debate metodológico qualitativo dentro da epistemologia positivista.

Resultados:  A revisão permitiu elencar os pressupostos para a aplicação adequada da metodologia qualitativa e as vantagens e desvantagens intrínsecas aos estudos de caso únicos e de amostras pequenas. Apresentamos os pressupostos básicos para seleção de casos a partir de três diferentes abordagens qualitativas, separadas por suas lógicas de causalidade: i) emulação quantitativa, probabilística; ii) pragmatismo eclético, mecanicista; e iii) teoria dos conjuntos, determinista. A partir da sistematização das diferentes estratégias para seleção de casos, e a depender do tipo de causalidade pretendida pelo/a pesquisador/a, apresentamos técnicas para essa seleção dentro de cada abordagem exemplificando sua aplicação com publicações recentes.

Discussão:  Este ensaio bibliográfico faz uma importante contribuição ao debate da metodologia qualitativa em Relações Internacionais no Brasil ao apresentar boas práticas para seleção de casos para auxiliar o desenvolvimento de desenhos de pesquisa mais adequados aos objetivos e métodos empregados. Avançar no debate metodológico é um importante desafio para aumentar o diálogo da produção científica brasileira em Relações Internacionais com a literatura internacional.

Palavras-chave estudos de caso; metodologia qualitativa; seleção de casos; relações internacionais; causalidade

ABSTRACT

Introduction:  Case studies are fundamental in qualitative methodology. In Brazil, case studies are predominant in social-historical studies in the field of International Relations. However, there is no concern with methodological rigour. The case selection criteria, the intended inferences with the study and the internal and/or external validity from the use of this method are hardly presented.

Materials and Methods:  This bibliographical essay analyzes the international literature dedicated to scrutinizing case selection criteria for qualitative studies. From the analysis of the peculiarity of the scientific production of the Brazilian field compared to the international one, we conducted a literature review of the main topics of the qualitative methodological debate within the positivist epistemology.

Results:  The review enabled us to list the assumptions for the proper application of qualitative methodology and the inherent advantages and disadvantages of studying single cases and small samples. We present the basic assumptions for case selection from three different qualitative approaches, separated by their logic of causality: i) quantitative emulation, probabilistic; ii) eclectic pragmatism, mechanistic; and iii) set theory, deterministic. Based on the systematization of the different strategies for case selection and depending on the type of causality intended by the researcher, we present techniques for this selection within each approach, exemplifying their application with recent publications.

Discussion:  This bibliographical essay provides an important contribution to the debate on qualitative methodology in International Relations in Brazil by presenting good practices for case selection to assist the development of research designs more appropriate to the objectives and methods employed. Advancing the methodological debate is an important challenge to increase the dialogue of Brazilian scientific production in International Relations with the international literature.

Keywords case studies; qualitative methodology; case selection; international relations; causality

I. Introdução1

Aproximar a produção acadêmica brasileira de Relações Internacionais (RI) dos avanços metodológicos recentemente observados em áreas das Ciências Sociais e Política é um desafio relevante aos estudiosos da área. Os principais periódicos científicos do campo exigem, cada vez mais, o domínio sobre técnicas de pesquisa, objetivando especialmente sofisticar as capacidades dos estudos em produzir inferências causais (Rezende, 2017). Nesse aspecto, o conhecimento metodológico passou a ser entendido, inclusive, como alegado gatekeeper do campo dada a atenção dos revisores sobre as escolhas epistemológicas, nem sempre neutra e potencialmente baseada em vieses derivados de disputas internas do campo2 (Acharya & Buzan, 2019; Alejandro 2017, 2020).

Aferir, porém, a existência de uma lacuna a ser preenchida nos estudos brasileiros de RI em termos metodológicos é problemático. Há incentivos para esse processo, porém a inclusão da academia brasileira no campo internacional de produção científica esbarra em divergências de ordem epistemológica. Sendo as diretrizes norteadoras do desenvolvimento científico de RI baseadas principalmente nas dinâmicas acadêmicas estadunidenses, tal debate existente na área não assume possíveis nuances das diferentes origens do campo em outros países (Acharya & Buzan, 2019; Mendes, 2019; Tickner & Wæver, 2009).

Entretanto, o aprendizado de técnicas metodológicas não deve ser encarado como algo reprovável. Existem diversos debates relevantes que partem de preocupações legítimas em aprimorar as capacidades dos pesquisadores em produzir inferências válidas e resultados replicáveis. Essa sofisticação metodológica pode ajudar os autores a não apenas produzir estudos mais precisos, mas também expor melhor seus resultados de forma a contribuir com o desenvolvimento de conhecimento sobre fenômenos internacionais.

Tal conhecimento ainda é incipiente nos debates metodológicos brasileiro e sul-americano. De uma amostra recolhida por Medeiros et al. (2016), de quase 8000 artigos de 30 revistas sul-americanas, apenas 12,9% deles menciona explicitamente alguma metodologia aplicada (a metodologia qualitativa representa quase metade deste grupo - 6,2% da amostra). Considerando que 52% das publicações nacionais de RI que mencionam alguma metodologia se referem à qualitativa3, avançar na utilização de técnicas e no debate metodológico na produção científica é uma contribuição para o desenvolvimento dessas áreas.

Nesse sentido, estudos recentes demonstram que há certo descompasso na publicação de artigos metodológicos e a predominância de métodos qualitativos na área (Barasuol & Silva, 2016; Carvalho et al., 2021). Por exemplo, notamos que uma barreira para a diversificação de técnicas de pesquisa no ambiente acadêmico brasileiro é a predominância da literatura internacional de língua inglesa no ensino de métodos no Brasil.

O objetivo deste ensaio bibliográfico é democratizar o acesso a tais ferramentas aos pesquisadores e contribuir para o debate sobre métodos de pesquisa na produção científica de RI brasileira. Tal esforço acadêmico se faz necessário para superar a persistente estratificação horizontal da educação superior brasileira. Isto é, visa-se ampliar o acesso de pesquisadores lusófonos aos debates metodológicos qualitativos, retirando empecilhos linguísticos (cf. Carvalhaes & Ribeiro, 2019). Esse interesse aborda um problema recentemente observado por Carvalho, Gabriel e Lopes (2021). Os autores analisaram publicações das principais revistas de RI do Brasil, tomando por base as melhores pontuações nos rankings de fator de impacto SCImago (SJR) e Web of Science/Clarivate Analytics (JCR), nos últimos 10 anos. Notaram que muitos artigos sequer reportaram o tipo de metodologia empregada e, dentre os que reportaram, muitos são estudos de caso baseados em perspectivas qualitativas. Assim, nosso estudo se justifica por trazer algo ainda ausente na literatura brasileira de RI: as diferentes formas de se conduzir estudos de caso visando aumentar a confiabilidade dos resultados.

Neste artigo, discutimos critérios e técnicas para seleção de casos para estudo qualitativo. A intenção, portanto, é elaborar um manual baseado numa revisão bibliográfica sobre métodos e técnicas de investigação e produção de inferência específicas para pesquisas qualitativas. Tais mecanismos visam diminuir as incertezas comuns das conclusões de estudos qualitativos e que ponderam as limitações e vantagens quando se opta pela utilização desta tradição metodológica. Para cumprir este objetivo, adotamos a proposta de Koivu e Damman (2015), que classificam as análises qualitativas em quatro abordagens4, variáveis conforme diferentes compreensões de causalidade e maneiras de se endereçar os objetos de pesquisa. Ainda que não sejam mutuamente excludentes e que as autoras transitem entre elas, cada abordagem pressupõe diferentes prescrições sobre desenhos de pesquisa. Nos propomos a debater os critérios de seleção de casos das três mais proximamente vinculadas à epistemologia positivista, segundo as autoras: emulação quantitativa (EQ), pragmatismo eclético (PE) e teoria dos conjuntos (TC).

Baseando-nos nessa tipologia fundada nas variações ontológicas das diferentes abordagens qualitativas, utilizamos uma estratégia dedutiva que parte de uma teoria proposta para chegar às suas aplicações empíricas. Dessa forma, desenvolvemos e aprofundamos estratégias e boas práticas para a seleção de casos e as ilustramos com aplicações empíricas em Relações Internacionais.

O ensaio está estruturado da seguinte forma. Na primeira seção, faremos uma discussão de ordem ontológica questionando a ideia de “atraso metodológico5” na área de RI no Brasil (cf. Carvalho et al., 2021). Nesse caso, demonstramos as diferentes origens acadêmicas deste campo no Brasil e nos Estados Unidos, país que exerce maior influência global. Contudo, argumentamos ser importante não rejeitar o conhecimento dos ferramentais advindos dos Estados Unidos. O acúmulo de técnicas de pesquisa serve para ampliar a capacidade explicativa dos estudos produzidos pelo campo. Igualmente, essa seção expõe os debates sobre escolha de casos na formulação de desenhos de pesquisa em RI. Resolvida essa questão dos pressupostos de partida, iniciamos uma análise epistemológica sobre os paradigmas norteadores da metodologia qualitativa, que baseiam os pressupostos da escolha de casos. Posteriormente, demonstramos as técnicas existentes para realização adequada do processo de seleção de casos, a partir das três diferentes abordagens qualitativas supramencionadas. Finalmente, apresentamos nossas considerações finais.

II. Revisando os avanços nos debates metodológicos do campo de RI no Brasil sobre estudos de caso

No Brasil, a produção científica em RI é de origem multidisciplinar, seguindo preceitos da geopolítica alemã e estudos histórico-sociais franceses (Vigevani et al., 2016). A área análoga nos Estados Unidos está mais próxima dos estudos de Ciência Política e da econometria (Kristensen, 2015; Mendes, 2019). Logo, a tradicional prevalência de estudos histórico-descritivos sobre questões diplomáticas nacionais ou regionais não deve ser entendida como falta de capacidade dos analistas locais em produzir estudos sofisticados (Alejandro, 2020). Como apontam Villa e Pimenta (2017), a academia brasileira incorporou os preceitos teóricos e metodológicos advindos dos Estados Unidos de forma híbrida. Exemplificando, o estudo recente de Codato et al. (2020) apresenta dados sobre a predominância atual de artigos acadêmicos voltados às abordagens quantitativas norte-americanas. Por isso, como podemos observar no Gráfico 1, a partir dos dados do survey Teaching, Research and International Policy, de 2017, a opção pela metodologia qualitativa no Brasil é predominante.

Gráfico 1
Quais são as metodologias mais utilizadas em RI?

Como Carvalho, Gabriel e Lopes (2021) também demonstraram, a área de RI no Brasil optou de forma mais contundente por epistemologias não-positivistas em relação à dos Estados Unidos. Esse achado destaca a diferenciação entre a produção acadêmica de RI norte-americana com os demais países. De acordo com o Gráfico 2, assim como outros países em desenvolvimento, o Brasil se distancia das escolhas epistemológicas observadas em pesquisas norte-americanas - tendo como dado importante a preferência maior por elementos não-positivistas pelos autores fora dos Estados Unidos.

Gráfico 2
Escolhas epistemológicas dos autores de RI por país

Neste artigo, defende-se que a sofisticação de técnicas metodológicas é de grande valor para os pesquisadores de RI independentemente de sua origem estrangeira. A academia norte-americana de RI, por exemplo, se dedica historicamente a resolver problemas epistemológicos de relativa similaridade com o que se observa nas academias de RI brasileiras.

Uma preocupação inicial do campo norte-americano de RI, por exemplo, foi o dilema sobre de onde os estudos deveriam partir, se da agência ou da estrutura (Mahoney & Snyder, 1999). Esse diálogo estabelecido entre pesquisadores mais behavioristas e suas contrapartes menos positivistas já se fazia presente desde meados do século XX. O próprio debate tradicional entre neorrealistas e neoliberais em RI incorporou modelagens da Sociologia e da Economia, tais como teoria dos jogos e abordagens estruturais e as disputas entre metodologias quantitativas e qualitativas também se fez presente nessa história. De um lado, analistas positivistas defendiam que as abordagens quantitativas eram capazes de produzir estudos mais próximos da realidade por conseguirem observar muitos casos e reduzir possíveis vieses. Por outro lado, os qualitativistas reivindicavam maior espaço no campo (por exemplo, Movimento Perestroika6) e diziam que seus estudos apresentavam capacidades analíticas idiossincráticas (Mearsheimer & Walt, 2013; Sprinz & Wolinsky-Nahmias, 2004). Por fim, vale destacar os recentes esforços de estudiosos não-positivistas em ampliar seus marcos metodológicos e estabelecer diálogos críticos com as escolas tradicionais, destacando-se as abordagens feministas e críticas (Acharya & Buzan, 2019; Aggestam et al., 2019; Sil & Katzenstein, 2010; Tickner, 2011).

Nesse contexto, um livro difundido em cursos de introdução à metodologia de programas de pós-graduação em RI no Brasil ainda é Designing Social Inquiry: Scientific Inferences in Qualitative Research”, de 1994, escrito Gary King, Robert Keohane e Sidney Verba - doravante, KKV. Como Keohane é um dos autores mais citados em RI no mundo, o livro traz diversos exemplos elucidativos sobre este campo: pesquisas sobre conflitos e cooperação entre países. Sua principal contribuição foi desencadear debates sobre as capacidades de estudos produzirem inferências causais válidas independentemente da metodologia aplicada, sendo ela qualitativa ou quantitativa (Rezende, 2017; Sátyro & D’Albuquerque, 2020).

Segundo o autor, convergência entre as duas metodologias deveria ser pautada pelo objetivo único de se produzir inferências válidas mediante desenhos de pesquisa apropriados para responder à pergunta de pesquisa. A tarefa do pesquisador adviria do entendimento popperiano de ciência: encontrar as ferramentas eficientes que lhe possibilitam produzir respostas às perguntas de pesquisas com (a) confiabilidade de mensuração e transparência no tratamento dos dados, (b) capacidades de sustentação e robustez do argumento (i.e., validade interna) e (c) possibilidade de generalização (i.e., validade externa) (De Vaus, 2001).

Embora sejam debatidas sugestões de que KKV estabelecem uma hierarquização velada das lógicas epistemológicas de tal sorte que os estudos qualitativos deveriam se basear em preceitos oriundos dos estudos quantitativos (Elman et al., 2016), outras formas de debates epistemológicos mais compatíveis com os métodos utilizados na academia brasileira de RI continuam minoritários.

Como resultado, autores ainda sugerem que os casos deveriam ser escolhidos de maneira randômica e preferencialmente baseados numa lógica comparativa em que a variável dependente pudesse atingir extremos, o que permitiria mensurar a influência de uma variável independente (Geddes, 1990; Plümper et al., 2019). Tal filosofia buscaria evitar as dificuldades para estabelecer inferências generalizáveis e eventuais incapacidades de controlar variáveis capazes de criar problemas de endogenia, isto é, quando um fator não considerado é o real promotor da cadeia causal averiguada.

Nota-se que os debates metodológicos em RI no Brasil ainda privilegiam desenhos de pesquisa com número de casos igual a 1 (n = 1). Se seguida a tradicional resposta quantitativa, “aumente o n”, os desafios seriam potencialmente imensos.

Atualmente, o campo de RI nos EUA apresenta novos debates promovidos principalmente por autores qualitativistas e não-positivistas. Tais debates partem da lógica de que a pesquisa qualitativa não deveria se adequar a outros contextos, porque sua essência permitiria abordagens mais aprofundadas capazes de promover refinamentos do conhecimento ou formulação de teorias (Bennett & Elman, 2007; Brady et al., 2004; Goertz & Mahoney, 2012), vide os casos de Robert Dahl, em 1961, com o livro Who Governs? e Theda Skocpol, em 1979, com States and Social Revolution: A Comparative Analysis of France, Russia and China. Logo, esses autores defendem que existem circunstâncias em que casos já conhecidos serviriam bem aos propósitos científicos de entender determinados fenômenos. Tais autores se pautam na correlação desses desenhos de pesquisa com ambições de se construir teorias de médio-alcance ou explicações sobre resultados particulares (Beach & Pedersen, 2016; Collier & Mahoney, 1996; George & Bennett, 2005).

Tais avanços levaram ao desenvolvimento de técnicas para alavancar as condições para produzir inferências válidas a partir da análise de um (ou poucos) caso(s). Porém, como demonstram estudos recentes, existe uma falta de rigor metodológico no uso de estudos de caso em publicações no Brasil. No levantamento de Carvalho, Gabriel e Lopes (2021), todos os artigos que não explicitaram suas escolhas de desenho de pesquisa eram estudos de caso. Logo, seguiremos com uma proposta de sistematizar as formas existentes de conduzir tais pesquisas visando preencher tal lacuna. Igualmente, para definir se a metodologia qualitativa é ideal para responder sua pergunta de partida, é essencial compreender pressupostos para sua aplicação. Na próxima seção, iremos avançar neste ponto.

III. Lógicas ontológicas na metodologia qualitativa e seus impactos no processo de seleção de casos

III.1. As bases da metodologia qualitativa e a justificativa para analisar poucos casos

As condições para responder uma pergunta de pesquisa ou investigar um tema são determinantes no desenvolvimento de um desenho de pesquisa e, portanto, na vinculação da opção metodológica com preceitos teóricos.

O uso do estudo de caso como metodologia de pesquisa se tornou crescentemente sofisticado nas últimas décadas (George & Bennett, 2005). Apesar de o termo caso ser usado de variadas formas e, em muitas ocasiões de modo a provocar confusões e imprecisões terminológicas (Gerring, 2007, 2011; Ragin & Becker, 2009; Sátyro & D’Albuquerque, 2020), a operacionalização do estudo de caso representa uma opção relevante para a construção de conhecimento, não apenas no desenvolvimento de novas teorias como também na produção de conhecimento (Rezende, 2011, p. 329).

O debate sobre a seleção de casos e a justificativa para o estudo aprofundado de poucos casos reside no fato de que na realidade social são raras as ocorrências dos fenômenos de interesse (como a guerras, revoluções), ao passo que é potencialmente infinita sua não ocorrência (não-guerra, não-revolução). Isto, por si só, justifica a análise detalhada (e, portanto, qualitativa) desses processos através de estudos de caso (Mahoney & Goertz, 2006, p. 240).

Uma consequência desse tipo de análise aprofundada é a restrição do tamanho da amostra, um dos pontos criticados pelos adeptos da metodologia quantitativa, ou daqueles que defendem que os pressupostos entre os métodos devem ser comuns, com base na argumentação de que estes seriam inerentes ao método científico (e não a uma ontologia específica). De acordo com tal lógica, a análise de poucos casos com muitas variáveis geraria problemas de graus de liberdade, dificultando a observação de casos que assumem valores que representem a variação completa das variáveis de interesse.

A depender do fenômeno em análise, pode não existir indicadores que representem uma semântica completamente acurada de um conceito ou que permita a mensuração de sua variação. Também é possível questionar a premissa de que o mesmo indicador sirva para medir um fenômeno em diferentes condições sociais e/ou momentos históricos, já que a ocorrência de um fenômeno pode ser resultado de diferentes conjunturas e ter sua frequência de ocorrência variada (como as guerras, por exemplo, que atualmente são mais raras e assumem novos formatos). Tais fatores podem limitar as condições de aplicação da metodologia quantitativa e justificar a opção pela qualitativa (Mahoney & Goertz, 2006, p. 245).

Assim, a metodologia qualitativa se adequa ao objetivo de explicar um resultado positivo, ou seja, a ocorrência de um fenômeno (“causas dos efeitos”) (Mahoney & Goertz, 2006, p. 230). Por isto, o pesquisador só deve preocupar-se com o polo positivo do conceito (ocorrência do fenômeno) e com os atributos incluídos em sua definição. A metodologia se adequaria a proposição de alegações de causalidade assimétrica, ou seja, um aumento em uma variável independente não leva a um aumento proporcional na variável dependente, mas a presença de uma condição pode ser necessária e/ou suficiente para a ocorrência de um resultado (Beach & Pedersen, 2016, p. 98-101). Consequentemente, as observações têm pesos diferentes na metodologia qualitativa, sendo de interesse especial do pesquisador casos substantivamente importantes (teórica ou historicamente) (Mahoney & Goertz, 2006, p. 241-242).

Ao estudar um ou poucos casos, o pesquisador consegue compreender de forma mais completa um processo ao documentá-lo com maior riqueza de informação, o que permite avançar no desenvolvimento de conceitos, hipóteses, tipologias, construção de explicações alternativas e desenvolvimento/refinamento de teorias. Informações mais ricas sobre os processos e contextos permitem compreender eventos-chave com impactos transformadores na história (Odell, 2001, p. 169-171).

A análise aprofundada também permite ao investigador: a) alcançar altos graus de validade conceitual, já que fatores contextuais são levados em consideração na conceituação, evitando o alargamento conceitual7; b) identificar novas variáveis e hipóteses pelo estudo de casos desviantes e pelo estudo/coleta de campo (arquivos históricos, entrevistas); c) estudar mecanismos causais em detalhe a partir da análise de variáveis intervenientes, assim como aspectos inesperados na operação desses mecanismos, potencialmente reveladores de como tais mecanismos são “ativados” (George & Bennett, 2005, p. 20-22).

Outra virtude correspondente à metodologia qualitativa é a validade interna dos resultados, já que a análise aprofundada permite diminuir as incertezas referentes à relação causal identificada nos casos analisados (Gerring, 2011, p. 1145). A validade interna vem às custas da validade externa, que se trata da generalização dos resultados da pesquisa a outros casos, uma das virtudes das pesquisas quantitativas. Para diminuir essa desvantagem, o pesquisador deve identificar o que o caso selecionado representa dentro de um universo causal homogêneo do qual faz parte, que é um grupo de casos que têm em comum um resultado de interesse, uma relação entre variáveis, uma explicação teórica ou, principalmente, uma relação causal. Dentro desse grupo homogêneo é possível generalizar a relação causal identificada, tendo uma lógica determinista8 dentro do grupo restrito de casos (Beach & Pedersen, 2016, p. 50-53).

Essa abordagem se adequa com a lógica de relação de causalidade proposta a partir dos termos da metodologia qualitativa, baseada em condições necessárias e/ou suficientes. Enquanto uma condição necessária é um supra grupo do resultado, uma condição suficiente é um subgrupo. Complementarmente, para uma condição ser necessária, ela não pode estar ausente quando o resultado está presente, enquanto para uma causa ser suficiente, ela não deve estar presente quando o resultado é ausente (Koivu & Damman, 2015, p. 2622).

Outra abordagem para identificar relações causais consiste no isolamento ou controle de possíveis variáveis intervenientes como uma forma de observar a relação entre duas variáveis, seguindo uma lógica de causalidade probabilística. Nesta ontologia, as interações humanas são padrões (e não leis) observáveis na covariação entre fenômenos. Os padrões estão relacionados a uma expectativa de ocorrência, mas se aceita a possibilidade de exceções, sem invalidar uma teoria, o componente de incerteza intrínseco aos fenômenos sociais (Kellstedt & Whitten, 2018, p. 45-47).

Enquanto Beach e Pedersen (2016) tratam as diferenças ontológicas - causalidade determinísticas vs. probabilística - entre as metodologias como insuperáveis, Kellstedt e Whitten (2018) usam uma lógica mais comum a metodologia quantitativa e consideram que não há uma incompatibilidade ontológica em aplicá-la em estudos qualitativos.

Também existem propostas para compatibilizar essas lógicas, como a ideia de que múltiplos fatores causais combinados produzem resultados particulares. De outra forma, individualmente fatores causais não são necessários nem suficientes para que um resultado ocorra. Pelo contrário, eles são parte de um conjunto de fatores que é suficiente para explicar um determinado resultado (Mahoney et al., 2009, p. 124).

Considere o estudo de uma seguradora a respeito de um incêndio parcial de uma casa. Várias podem ser as hipóteses levantadas a respeito das causas do incêndio: a chama de um fósforo em contato com folhas secas e a presença de oxigênio podem ter iniciado o fogo; um raio atingindo um determinado material inflamável no telhado da casa; um curto-circuito na fiação elétrica do imóvel; e assim por diante. No primeiro caso, a chama do fósforo é parte de um conjunto de fatores que explica a causa do incêndio. Sendo assim, a chama do fósforo é insuficiente, mas não redundante parte de uma não necessária, mas suficiente condição. Esse é um exemplo de uma condição INUS (insufficient but necessary part of an unnecessary but sufficient condition) (Mackie, 1965).

Mais precisamente, é insuficiente, pois a chama de um fósforo não pode iniciar um incêndio sem outros fatores como folhas secas (material inflamável) e oxigênio estarem presentes. Além disso, é não redundante porque a chama do fósforo adiciona algo tão importante e singularmente diferente daquilo que outros fatores acrescentam (por exemplo, as folhas secas são o material inflamável). Finalmente, é parte de uma não necessária, mas suficiente condição, pois consiste num conjunto de fatores mínimos para que um incêndio ocorra. Mas, essa mesma condição não é necessária para que o incêndio da casa ocorra. Isso porque existem outros conjuntos de fatores que podem causar o incêndio do imóvel (por exemplo, a ocorrência de curto-circuito próximo de material inflamável).

Outro exemplo pode ser observado no argumento sugerido por Artioli (2019) a respeito do fim do modelo de reserva de mercado da política brasileira de informática no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990. Para o autor, a fragilização do “bloco nacional de informática” e o redirecionamento do modelo de reserva de mercado durante a Nova República se associaram a cinco fatores: as condicionantes estruturais de origem norte-americana; o fortalecimento da oposição à política de informática; o progressivo insulamento burocrático e o desgaste das lideranças nacionalistas dentro do núcleo executivo do Estado; a instabilidade econômica e política causada pelo fracasso do Plano Cruzado; a prevalência da posição “nacionalista pragmática” do empresariado financeiro que levou ao distanciamento das estratégias do setor privado nacional perante os objetivos de desenvolvimento tecnológico autônomo do modelo de reserva de mercado.

Enquanto a prevalência da posição “nacionalista pragmática” dos banqueiros brasileiros por si só é uma causa necessária, a causa “oposição forte à política de informática” e a causa “desgaste das lideranças nacionalistas dentro do Estado brasileiro” não são individualmente necessárias. Quando associadas com a pressão dos Estados Unidos contra o modelo de reserva de mercado num contexto de instabilidade política e econômica causada pelo fracasso do Plano Cruzado, no entanto, a combinação torna-se suficiente. Nesse caso, a posição “nacionalista pragmática” do empresariado financeiro é uma condição insuficiente, mas parte necessária de uma condição suficiente; logo, uma condição INUS.

De todo modo, a inovação de INUS é a possibilidade de equifinalidade nos estudos qualitativos, algo intrinsecamente existente na metodologia quantitativa, permitindo um diálogo entre as causalidades de ambas (Mahoney, 2008).

Além da crítica dos entusiastas da metodologia quantitativa à restrição no tamanho das amostras na análise qualitativa por sua limitação para a generalização dos achados (King et al., 1994), diversos autores utilizaram a premissa da necessidade de variação completa no espectro das variáveis de interesse para criticarem um suposto viés de seleção dos pesquisadores qualitativos (Geddes, 1990).

Brady, Collier e Seawright (2004) discordam dessas críticas e argumentam que a análise qualitativa permite múltiplas observações a partir de um mesmo caso, e que não existe uma correlação entre número de casos e produção de inferências causais. Para contrabalancear o pequeno número de casos, o investigador deve buscar múltiplas fontes de evidências e observar grande número de variáveis/condições possivelmente determinantes sobre o resultado, seguindo pressupostos teóricos e conhecimento prévio dos casos, para orientar a coleta/análise de dados. Assim, o processo de seleção de casos de forma deliberada ou a partir da variável dependente ou de casos com valores extremos nas variáveis de interesse passaram a ser considerados pela literatura qualitativa como uma forma de superar essa limitação intrínseca à metodologia (Collier & Mahoney, 1996).

III.2. Abordagens para seleção de casos a partir de diferentes compreensões de causalidade

A falta de consenso em relação aos critérios para seleção de casos ocorre devido às divergências de natureza filosófica. Tais diferenças se manifestam de forma não articulada, o que gera prescrições contraditórias para solucionar problemas de desenho de pesquisa. As diretivas, por sua vez, apresentam-se de forma correspondente a cada abordagem.

Conforme apresentado na introdução, nos propomos a discutir técnicas para seleção de casos dentro de três abordagens qualitativas que, conforme suas autoras originais, Koivu e Damman (2015), estão inseridas na epistemologia positivista. A principal diferença entre as três está em suas compreensões de causalidade: enquanto EQ usa uma lógica probabilística, o PE propõe a causalidade mecanicista, o TC se baseia na causalidade determinística.

Ontologicamente, as abordagens são racionalistas/realistas9, por considerarem que a realidade é composta por entidades individuais que interagem de forma regular e padronizada e que nossa percepção sensorial permite identificar tais interações através da observação.

Os pressupostos ontológicos geram implicações aos desenhos de pesquisa. Dentro do objetivo de generalização da EQ, seus pesquisadores defendem a busca por extensões preditivas através de lógica de hierarquia em que são ideais os desenhos experimentais, seguidos por amostras grandes, amostras pequenas e estudos de caso individuais. Por outro lado, o PE considera que existe um trade-off entre generalização e parcimônia na opção por uma metodologia, podendo a qualitativa contribuir para a formação de conceitos e para a explicação mais acurada dos processos causais, em detrimento da generalização. Nesse sentido, o PE visa a elucidação da pergunta da pesquisa. Por fim, o TC, por focar na explicação (em detrimento da predição), considera que a abordagem deve estar orientada ao caso, por isso, a escolha metodológica deve refletir o tipo de pergunta de pesquisa.

A abordagem da EQ reconhece a importância dos trabalhos qualitativos e defende a complementaridade entre as culturas qualitativas e quantitativas. No entanto, devido ao caráter epistemológico positivista, ao enraizamento da lógica de causalidade nos termos da probabilidade, no raciocínio contrafactual e no falseamento e generalizações (de hipóteses), a escolha metodológica da EQ suscita a preponderância de certos critérios compatíveis com o que KKV reivindicaram enquanto um dos objetivos fundamentais da inferência: distinguir o componente sistemático do componente não sistemático dos fenômenos (King et al., 1994, op. 79).

Partindo de uma perspectiva probabilística, a preocupação da abordagem EQ se concentra na variação fundamental da variável dependente (ou resultado) em relação às variáveis independentes (por exemplo, tratamento e controle) para construir inferências válidas de causalidade. Isso porque na análise dos fenômenos sociais, segundo KKV, a variação aleatória é uma característica estrutural da natureza e da vida social e política. Em suma, não é possível eliminar o componente imponderável das análises empíricas. Complementarmente, os axiomas propostos por KKV resultaram em uma crítica a respeito dos estudos de caso de n = 1 (em que n refere-se ao número de observações, definição tradicionalmente estabelecida pelos estudos estatísticos), uma vez que, para os autores, os estudos de caso de observação única não preenchem os pré-requisitos de inferência causal e, portanto, de generalização. Uma estratégia para superar essa limitação seria aumentar o número de n.

A abordagem de PE, que engloba uma visão favorável à colaboração entre múltiplos métodos, aceita o argumento de que os estudos de caso, por exemplo, compartilham lógicas epistemológicas com a tradição estatística, especialmente a questão de modelagem formal intrínseca à pesquisa empírica. Mais precisamente, os representantes da PE partilham com os epígonos da EQ a ideia de que os procedimentos de seleção de casos dependem do objetivo da pesquisa (isto é., com base no objetivo do pesquisador, o estudo pode ser confirmatório ou exploratório) (Koivu & Damman, 2015, p. 2627). Por outro lado, as diferenças entre as abordagens (comparada, estatística e de estudos de caso) manifestam-se, em grande medida: (i) na proposta de seleção de casos, (ii) operacionalização das variáveis e (iii) no uso de lógicas indutiva e dedutiva. São essas diferenças que conferem vantagens complementares às tradições metodológicas, potencialmente combinadas com intuito de compensar as limitações de cada uma (George & Bennett, 2005).

Na perspectiva de PE, um caso pode ser entendido como “uma instância de uma classe de eventos”, sendo que “classe de eventos” se refere a um fenômeno de interesse científico (por exemplo, tipos de regimes de governo e tipos de sistemas econômicos) (George & Bennett, 2005). Um estudo de caso é mais um aspecto bem definido de um episódio histórico que o investigador seleciona para análise do que um evento histórico em si. Por exemplo, a Crise dos Mísseis é uma instância histórica de diferentes classes de eventos: dissuasão, diplomacia coercitiva, manejo de crise etc. Assim, a seleção de casos é uma parte integral de uma boa estratégia de pesquisa que visa atingir objetivos bem definidos de um estudo.

Para os autores, em primeiro lugar, o critério principal para a seleção de caso deve ser a relevância para o objetivo da pesquisa do estudo, que inclua o desenvolvimento da teoria, teste da teoria ou propósitos heurísticos (como explicar um episódio histórico ou mecanismo causal). Em segundo lugar, os casos também devem ser selecionados para fornecer o tipo de controle e variação exigidos pelo problema de pesquisa. Isso requer que o universo ou subclasse de eventos seja claramente definido para que os casos apropriados possam ser selecionados. Em um tipo de estudo comparativo, por exemplo, todos os casos devem ser instâncias da mesma subclasse (por exemplo, se o pesquisador está investigando o fenômeno guerra, ele pode escolher casos representativos do fenômeno que correspondam aos atributos de certa tipologia sobre a guerra). Em uma modalidade alternativa de estudo comparativo que tem um objetivo de pesquisa diferente (como quando o pesquisador quer estudar o fenômeno das guerras civis), são necessários casos de subclasses diferentes (isto é, o pesquisador provavelmente escolherá casos para estudar os conflitos internos em um país, não o fenômeno guerra entre países).

Do ponto de vista dos teóricos dos conjuntos (TC), a cultura qualitativa guarda um enfoque majoritário em eventos e processos específicos que ocorrem dentro de um caso individual (within-case), ainda que as análises entre casos (cross-cases) possam oferecer suporte para a pesquisa qualitativa de n pequeno (Goertz & Mahoney, 2012). Em regra, os teóricos desse campo empregam a lógica determinística de relação causal (Koivu & Damman, 2015), vale insistir, aquela que presume causas que, em certas condições, se manifestam na forma de relações invariáveis entre os elementos sob análise, ou seja, quando X varia necessariamente varia Y, considerando esta a variável dependente (Sátyro & D’Albuquerque, 2020).

A seleção de casos ocorre em função dos modelos causais correspondentes. Um bom caso para testar uma hipótese de efeito de tratamento médio (isto é, a partir de um modelo que pensa a causalidade como correlativa e aditiva) pode não ser um bom caso para testar uma hipótese sobre uma condição necessária ou uma condição INUS (Goertz & Mahoney, 2012). Além disso, antes de selecionar os casos baseados na variável dependente, o pesquisador ou pesquisadora deve se perguntar qual o tipo de modelo causal sob investigação. Enquanto na abordagem EQ, principalmente para Seawright e Gerring (2008), o processo de seleção de casos se estabelece totalmente dependente do modelo estatístico, Goertz e Mahoney (2012) argumentam que a pesquisa qualitativa seleciona casos com os quais têm excelente conhecimento anterior10 ou podem prontamente obter tal conhecimento. Mais importante, a visão da TC defende que os estudos de caso embasados pela lógica de causalidade (determinística) devem, portanto, selecionar casos com conhecimento sobre os efeitos da causa no resultado.

Para fins de testes de teorias, esses desenhos de pesquisa podem ser arrebatadores. Por exemplo, se as premissas teóricas sugerem que o caso tem alta probabilidade de confirmar a teoria, e se as evidências vão contra essas expectativas, o resultado pode ser muito prejudicial para a teoria. Por outro lado, se as premissas teóricas sugerem que um caso particular é improvável de ser consistente com uma teoria e se as evidências sustentam a teoria, então a evidência do caso fornece uma grande vantagem para aumentar nossa confiança na validade de tal teoria.

Um contraste digno de nota entre as abordagens EQ e TC é a diferença destacada entre observações de processos causais (causal-process observations) e as observações de conjuntos de dados (data-set observations). Brady, Collier e Seawright (2004, 2006) concedem às primeiras um papel elementar em pesquisa qualitativa, pois se configura como um insight ou parte de dados que fornece informações sobre contexto, processo ou mecanismo e que contribui com uma vantagem distinta para inferências causais. Já as observações de conjuntos de dados consistem na base de dados retangular padrão do pesquisador quantitativo (isto é, é a base para a análise de correlação e regressão) com linhas correspondentes a casos e colunas correspondentes a variáveis. Apesar de as últimas serem valiosas, sobretudo para os desenhos de pesquisa transversais, as observações de processos causais, enquanto pedaços específicos da análise intra-caso, permitem que o pesquisador avalie se um dado fator causal exerce um papel causal correspondente ao que levanta a hipótese ou a teoria (Goertz & Mahoney, 2012, p. 184).

Na Tabela 1, apresentamos um sumário das características das abordagens qualitativas. Enquanto a EQ detém uma abordagem causal probabilística, cuja lógica de hierarquia (em prol de critérios quantitativos) busca a predição, a TC, por meio de uma visão determinística e de uma lógica de adequação (ao objeto de estudo), tem como objetivo principal a explicação. Já o PE se caracteriza pela abordagem causal mecanicista, que objetiva a elucidação do fenômeno de interesse através da percepção sobre os trade-offs.

Tabela 1
Sumário das características das abordagens qualitativas

IV. Estudos de caso: técnicas para seleção de amostras e suas aplicações

Nesta seção, apresentamos as recomendações de critérios para seleção de casos dentro de cada lógica explicada na seção anterior e ilustramos com trabalhos que aplicaram essas estratégias, ainda que não tenham apresentado explicitamente as ontologias subjacentes das relações de causalidade utilizadas.

IV.1. Emulação quantitativa

A proposta de Seawright e Gerring (2008, p. 296) para a seleção de casos se insere na lógica da EQ. Para os autores, um estudo de caso se define, minimamente, pela análise intensiva (qualitativa ou quantitativa) de uma única unidade ou um pequeno número de unidades (de casos). A seleção de casos inserida nessa estratégia, por sua vez, se orienta pela generalização das proposições de tal sorte que o pesquisador busca compreender uma classe maior de unidades semelhantes (uma população de casos). Nesse sentido, essa análise intensiva guarda os mesmos objetivos da seleção de casos de amostragem randômica, a saber, criar uma (i) amostra representativa (do objeto em estudo); e, (ii) estabelecer uma variação útil sobre as dimensões de interesse teórico (Seawright & Gerring, 2008). Embora reconheçam que problemas sérios possam emergir da escolha de uma amostra muito pequena de forma aleatória, a seleção de casos deve priorizar aqueles representativos em sua relação à linha de regressão (isto é, a estimativa dos efeitos causais) e não a escolha com base no eixo Y (Koivu & Damman, 2015).

De outro modo, a seleção de casos deve estar em conformidade ao modelo aditivo de causalidade, no qual busca-se determinar o grau de variação de cada causa de forma isolada na produção do efeito que se quer explicar. A predominância dos critérios estatísticos (a representatividade e variação) considera, portanto, estudos de corte transversal como guia estratégico prioritário, e suas respectivas técnicas (baseadas em n grandes), como a mais adequada para escolha dos casos (inclusive de n pequeno). Vale insistir, então, que o foco da seleção de casos depende de como o caso se encaixa teoricamente a uma população específica (de casos).

Com efeito, Seawright e Gerring (2008) classificam os casos em sete tipos: típico (typical), diverso (diverse), extremo (extreme), desviante (deviant), influente (influential), mais semelhante (most similar) e mais diferente (most different). A primeira, a dos casos típicos, refere-se aqueles que apresentam uma relação estável (com baixos resíduos) no relacionamento entre casos. Nesses termos, um caso é considerado típico quando é representativo no sentido de ser capaz de generalizar suas percepções para casos semelhantes vis-à-vis a população de casos (Rohlfing, 2012, p. 66). Em geral, porque o modelo causal explica bem o caso, o enigma de interesse para o pesquisador ou pesquisadora recai dentro do caso. Quando se investiga um caso típico, portanto, examinam-se alguns fenômenos que melhor exploram os mecanismos causais em ação, os quais podem confirmar ou não confirmar uma dada teoria ou podem direcionar as descobertas para várias diferentes conclusões (Seawright & Gerring, 2008, p. 299).

Como alternativa para se atingir a maior representatividade, a técnica de casos diversos se caracteriza pela tentativa de se atingir a variedade máxima em todas as dimensões relevantes (isto é, causa e/ou o resultado, os quais dependem tanto do objetivo da pesquisa quanto do nível de análise). Sendo assim, essa estratégia demanda a seleção de um conjunto de casos (no mínimo dois) que representaria todo um conjunto de valores que representam X, Y ou uma relação específica entre X e Y. Importante destacar que essa técnica é uma alternativa ligada à generalização de inferências causais, em que a seleção dos dois casos extremos, por exemplo, é baseada na premissa de que os insights derivados de diversos casos podem ser generalizados para todos os casos localizados entre eles (Rohlfing, 2012, p. 70).

Trazemos alguns exemplos dos tipos propostos por Seawright e Gerring (2008). Feldmann, Merke e Stuenkel (2019) selecionam casos típicos para analisar a reação de Argentina, Brasil e Chile a crises democráticas na América Latina. Com a justificativa de generalizar seus achados para outras crises, selecionam três casos que tipificam as ocorridas na região: a remoção de Zelaya em 2009 - um golpe de Estado - o impeachment de Lugo em 2012 - uma crise presidencial - e o fechamento da Assembleia Nacional na Venezuela (2017) - um retrocesso democrático. Os autores também se mostram preocupados com a variação em dimensões de interesse teórico entre os casos, potenciais variáveis intervenientes na estratégia de reação adotada pelos países, como a localização geográfica (país em que a crise ocorreu), a diferença nos graus de poder (entre aquele que reage e aquele que passa pela crise) e da influência dos primeiros sobre os segundos.

Guimarães (2021) usa um desenho mais semelhante (most similar) para testar sua teoria sobre transição da função de líder. Para analisar o resultado de crises entre líderes regionais e países pequenos, ele seleciona cinco casos similares na América Latina, África Austral e Ásia Meridional11para verificar se quatro condições estão presentes na ocorrência do resultado de interesse. O desenho permitiu identificar que a ausência de condições é suficiente para o resultado não ocorrer, já que, dos cinco casos, as condições interagiram confirmando o resultado em três deles, enquanto ao menos uma esteve ausente nos dois casos não confirmatórios.

Long (2015) seleciona casos diversos para analisar sua teoria das relações assimétricas nas relações entre os Estados Unidos e a América Latina. A lógica por trás é mostrar que estes processos de interação assimétrica, em que a influência dos países latino-americanos sobre a potência é considerada improvável pela literatura (“hard cases”), ocorreram nas mais diferentes condições. Assim, seus quatro casos cobrem países pequenos e médios (de Panamá a Brasil), que se distribuem em diferentes fases da ordem bipolar e unipolar, além de variar quanto ao tema, desenvolvimento das burocracias envolvidas e regime político dos países. O argumento central neste desenho é que, se os casos (improváveis e variados quanto a diversas condições) provam a teoria, então servem como evidência altamente favorável a ela.

IV.2. Pragmatismo eclético

Dentro da abordagem do PE, os pesquisadores se deparam com três trocas (trade-offs) no momento de conduzir a pesquisa de estudo de caso. O primeiro se refere à opção entre a parcimônia e generalização contra a riqueza explicativa e profundidade/densidade da análise empreendida. Ou seja, quanto maior o número de casos, menor a profundidade e a densidade do tratamento do fenômeno estudado (George & Bennett, 2005).

O segundo remete a outro elemento central dos desenhos de pesquisa: a validade. Os estudos de caso tendem a priorizar a validade interna do estudo - em detrimento de generalizações priorizadas pela EQ - uma vez que essa depende da estrutura do desenho de pesquisa. Em geral, as estratégias de pesquisa de estudos de casos - de n pequeno ou de caso único - buscam eliminar explicações alternativas e obter conclusões não ambíguas dos resultados encontrados, obviamente de modo correspondente às perguntas de pesquisa (Sátyro & D’Albuquerque, 2020). Isso porque um estudo de caso de n pequeno prioriza os mecanismos internos ao caso, que potencialmente vinculam causa e efeito. Logo, o contraste em relação às análises cross-case de n grande envolve a representatividade da amostra de estudo. Partindo da convenção estatística, busca-se tornar os casos o mais representativo possível vis-à-vis a população de casos. Esses esforços revelam a tendência em priorizar a validade externa e promover generalizações, estimando o “efeito causal” médio das variáveis para uma amostra (modelo linear aditivo). No entanto, embora relevantes e necessárias aos estudos estatísticos, essas práticas são inadequadas e às vezes contraproducentes quando estendidas a métodos de estudo de caso (George & Bennett, 2005).

O terceiro trade-off perpassa o viés na seleção de casos. Convencionalmente, segundo a tradição probabilística, o viés de seleção ocorre quando casos são auto selecionados ou quando o pesquisador inadvertidamente seleciona casos que representam uma amostra incompleta ao longo da variável dependente da população de casos relevantes. Essas escolhas resultam em inferências sistematicamente sujeitas a erros (George & Bennett, 2005). Ainda que os representantes da PE concedam razão a algumas críticas aos estudos de casos (isto é, o fato de que nem sempre a seleção pelo resultado corresponde à escolha mais adequada), a seleção dos casos com base na variável dependente não deve ser sumariamente rejeitada, pois pode auxiliar a identificar quais variáveis não são condições necessárias ou suficientes para o resultado selecionado, sobretudo em estudos de n único em que o interesse estende-se comumente aos processos internos ao caso.

Para analisar os processos mais extremos de mudança de política externa na América Latina, Sposito (2018) selecionou casos em que este fenômeno ocorria - casos com resultado positivo - a partir das maiores variações nas votações anuais na Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU). Esta estratégia levou em consideração os três trade-off elencados acima. A partir da primeira, definiu uma amostra entre pequena e média (nove casos), de modo a possibilitar uma análise aprofundada dos casos, mas que permitisse a generalização para o fenômeno em análise. Por abarcar os casos mais representativos desse fenômeno, conseguiu alcançar alta validade interna e identificar as diferentes combinações de condições conjunturais que desencadearam o processo de mudança política. Isto também significou, por outro lado, limitar a validade externa dos achados, já que não pretendia fazer alegações sobre política externa em geral ou ajustes brandos/graduais. Por fim, a definição de um critério replicável para 33 países, entre 1945 e 2008, evitou a escolha deliberada de casos (ou viés de seleção) que poderiam ser usados pontualmente para embasar uma hipótese defendida pelo autor.

IV.3. Teoria dos Conjuntos

Algumas estratégias prontamente aplicáveis destacam-se para os teóricos da TC, sobretudo em relação aos tipos de casos. Os estudos de caso cruciais são aqueles que requerem a identificação de casos para os quais é quase certa uma hipótese ser confirmada ou não confirmada (Levy, 2008). Rohlfing (2012, p. 84) argumenta que um resultado de teste positivo ou negativo fornece evidência além de qualquer dúvida razoável, porque permite que explicações alternativas para o resultado, como efeitos aleatórios ou erro de medição, possam ser rejeitadas. Assim, é possível realizar um estudo de caso crucial se uma hipótese faz previsões precisas e invariáveis que podem ser medidas com causas e resultados que implicam em erros de medição desprezíveis.

Como os pré-requisitos de um caso crucial são muito rigorosos, uma estratégia alternativa são as variantes mais flexíveis: desenhos de tipo mais provável (most-likely design) e menos provável (least-likely design) (Rohlfing, 2012). Na mesma proporção que o primeiro é aquele que tem alta probabilidade de confirmar a proposição sob exame, o segundo é representado por aquele cuja chance de validação é baixa. Goertz e Mahoney (2012) argumentam que os casos mais prováveis são aqueles que exibem uma condição suficiente para a proposição e, os menos prováveis, os casos não apresentam uma condição necessária.

Dentre as técnicas usadas para se estabelecerem relações causais na tradição de TC, duas merecem algumas considerações: a comparação e o rastreamento (de processo). Em grande medida, o método comparado busca analisar as regularidades nas relações entre os fatores explicativos ao lidar com a descoberta e/ou eliminação de condições necessárias e/ou suficientes que produzem determinado resultado (Goertz & Mahoney, 2012; Lijhpart, 1971; Ragin, 2008, 2014). Do ponto de vista teórico, a lógica comparativa guarda raízes nos métodos da diferença e concordância de John Stuart Mill. O primeiro implica comparar casos os mais similares possíveis em todas menos uma variável independente e que diferem quanto ao resultado; a diferença na variável independente explicaria a diferença no resultado. O segundo consiste em comparar casos mais diferentes possíveis em todas menos uma variável independente, mas com o resultado igual, que seria explicado por esta variável independente com comportamento comum (Mill, 1981, p. 388). A lógica comparada aplicada implica dizer que a descoberta de uma pesquisa (ou eliminação) pode estabelecer, por um lado, uma configuração de causas (isto é, duas ou três causas que levam a um determinado resultado) e, por outro lado, a equifinalidade (ou seja, vários caminhos que levam ao mesmo resultado) (Goertz & Mahoney, 2012).

Ainda que de forma implícita, Neto e Malamud (2015) utilizam ambos os métodos de Mill ao contrastar Brasil, México e Argentina. Por um lado, se baseiam na lógica da concordância para relacionar o peso das variáveis sistêmicas de Brasil e México com o grau de convergência com os Estados Unidos nas votações da AGNU. Por outro lado, usando a lógica da diferença, contrastam estes dois com a Argentina, para relacionar o maior peso dos fatores domésticos com sua política externa mais errática. De maneira mais explícita, Sposito (2013) aplicou o método da concordância para comparar dois governos: Castelo Branco (1964-1967) e Collor de Mello (1990-1992). O autor argumentou que os governos eram diferentes quanto às variáveis independentes - regime político e sistema internacional - mas promoveram processos semelhantes de mudança na política externa. As semelhanças identificadas em ambos os processos - como o governo haver atrelado sua legitimidade e sua política econômica à política externa - foram relacionadas ao resultado positivo em ambos os casos.

Outro método comumente utilizado na TC, é a Análise Qualitativa Comparada (QCA, da sigla em inglês). Cada vez mais aplicado nas RI, este método é a maneira mais formalizada de comparar uma amostra média de casos de maneira sistemática, e compara combinações de fatores (estímulos, variáveis, determinantes) com a ocorrência/ausência de um resultado de interesse (Rihoux & Ragin, 2009). Esta técnica não requer seleção aleatória de casos, já que é necessário que eles compartilhem características gerais e que o pesquisador tenha conhecimento aprofundado sobre eles; desde que sempre sejam apresentados os critérios de seleção (Ragin, 2008).

Schenoni (2017) analisa a reação dos vizinhos à ascensão regional brasileira - ou falta dela - entre 1980 e 2016. O autor opta pelo método considerando seu tema (intrinsecamente relacionado a região e, portanto, a um número limitado de casos) e a natureza das variáveis investigadas (nem todas quantificáveis). Ao colocar a sub-região do Cone Sul como sua amostra, o autor delimita seu escopo e garante certas semelhanças entre os casos. Schenoni também separa seus casos (para definir quais estratégias esperar deles), entre segundas potências regionais e países pequenos - os primeiros, têm recursos suficientes para afetar o subsistema mediante a formalização de alianças, enquanto para os segundos, dado seu baixo poder, adotam a estratégia de bandwagon. A partir das expectativas teóricas para esses dois grupos, elencou variáveis relacionadas a hipóteses levantadas pelas diferentes correntes teóricas em disputa e identificou que a coesão da elite doméstica e a competição doméstica pelo poder com base em instituições sólidas são condições que garantiram políticas exteriores estáveis e respostas consistentes de Chile, Colômbia (integraram economia com potências extrarregionais e mantiveram orçamentos militares altos) e Uruguai (postura pouco problemática em relação ao Brasil).

A Tabela 2 retoma o debate da seção anterior e sumariza as características da seleção de casos segundo as diferentes abordagens qualitativas, apresentando exemplos de formato ideal de amostra, técnica utilizada e obras que as aplicaram.

Tabela 2
Seleção de casos nas abordagens qualitativas positivistas

V. Considerações Finais

O debate sobre metodologia no campo de RI no Brasil passou por diversos avanços recentes assimilando novas técnicas e instrumentos de análise. Este estudo apresentou uma revisão das estratégias para seleção de casos na metodologia qualitativa de raízes epistemológicas positivistas e algumas ferramentas metodológicas correspondentes disponíveis a pesquisadores e pesquisadoras da área de Relações Internacionais.

À medida que as diferentes tradições qualitativas avançam, crescem também os desafios de interação e integração entre campos em debate. Isto se manifesta principalmente devido ao caráter multidisciplinar fundacional da produção científica em RI no Brasil, que se distingue fundamentalmente da estadunidense, que guarda relação mais próxima aos preceitos da Economia. Além disso, como vimos, ainda é incipiente o debate metodológico brasileiro e sul-americano. No entanto, ainda que exista uma tradicional prevalência de estudos histórico-descritivos sobre questões diplomáticas nacionais ou regionais e uma opção predominante pela metodologia qualitativa no Brasil, não é possível concluir que exista um atraso metodológico na produção científica nacional, uma vez que a pluralidade da academia brasileira também prevê a incorporação de novos preceitos teóricos e metodológicos, inclusive daqueles advindos dos Estados Unidos.

Nesse sentido, defendemos a assertiva de que o avanço metodológico é algo benéfico para a produção científica na área de relações internacionais do Brasil. Contudo, a manutenção de um debate focado nas discussões de origem frequentistas deve dar espaço para maior pluralidade de perspectivas inferenciais - inclusive dentro do campo epistemológico positivista. Este artigo, portanto, sistematizou os avanços no campo de estudos de casos, método recorrente dentro da academia brasileira.

Buscando contribuir com esse avanço, discutimos três abordagens qualitativas que compartilham premissas epistemológicas e ontológicas, a saber, a emulação quantitativa (EQ), pragmatismo eclético (PE) e teoria dos conjuntos (TC); e seus critérios e técnicas correspondentes para seleção de casos em estudos qualitativos.

Em grande medida, pode-se afirmar que uma boa pesquisa se caracteriza pela adequação entre o objetivo do estudo e a pergunta de pesquisa vis-à-vis metodologia. Em outras palavras, conforme argumentamos, a boa escolha dentre as variações da tradição qualitativa está diretamente relacionada em como o pesquisador pretende fazer uma pergunta de pesquisa, pois essa opção deve situar o estudo sob o guarda-chuva de certos pressupostos epistemológicos e ontológicos que melhor respondem aos propósitos do estudo.

Com efeito, a estratégia de pesquisa de estudo de caso é amplamente utilizada pela tradição quantitativa. Discutimos como as variações qualitativas (EQ, PE, TC) se distinguem em termos ontológicos e como tais diferenças engendram implicações nos desenhos de pesquisa, sobretudo no entendimento sobre o que é um caso, bem como nas técnicas de seleção de casos e suas respectivas aplicações

Em primeiro lugar, dentro do objetivo de generalização da EQ, existe uma hierarquia em que prevalecem os desenhos experimentais, seguidos por amostras grandes, amostras pequenas e estudos de caso individuais. Em segundo lugar, o PE considera que existe um trade-off entre parcimônia e generalização contra a riqueza explicativa e profundidade/densidade da análise empreendida, dado que a metodologia qualitativa pode contribuir para a formação de conceitos e para a explicação mais acurada dos processos causais, em detrimento da generalização. Finalmente, a variação da TC por focar na explicação (em detrimento da predição), considera que a abordagem deve estar orientada ao caso, por isto, a escolha metodológica deve refletir o tipo de pergunta de pesquisa.

Enfim, a tentativa de circunscrever métodos qualitativos a um único conjunto de premissas homogêneas inviabiliza discussões frutíferas entre essas diferentes tradições. Compreender os potenciais de aplicação de técnicas metodológicas é algo fundamental e não deve ser encarado como algo reprovável, pois a sofisticação metodológica pode ajudar pesquisadores e pesquisadoras a não apenas produzir estudos mais precisos, mas também expor melhor seus resultados de forma a contribuir com o desenvolvimento de conhecimento sobre fenômenos internacionais.

Na produção científica de RI no Brasil, essa agenda é ainda incipiente, e o material disponível em língua portuguesa, com acesso gratuito, é limitado. Nesse sentido, há uma ampla agenda de pesquisa a ser explorada. Consideramos ser importante avançarmos especialmente no mapeamento e na organização sistemática das estratégias mobilizadas, tanto em textos seminais, quanto na produção mais relevante e de maior impacto internacional, para debater o quanto a aplicação de técnicas metodológicas é determinante na repercussão científica da pesquisa brasileira em RI.

  • 1
    Agradecemos aos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política e colegas do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais pelos comentários e sugestões no desenvolvimento do artigo.
  • 2
    As literaturas crítica e pós-colonial apontam que certas formas de pensamento e pesquisa não são consideradas relevantes por usarem raízes epistemológicas diferentes do predominante (Noda, 2020; Zondi, 2018).
  • 3
    Geralmente, empregada a partir de análises históricas (57% deste universo) e análise de discurso (29%).
  • 4
    Além das relacionadas à epistemologia positivista, as autoras incluem o interpretativismo em sua análise.
  • 5
    Carvalho, Gabriel e Lopes (2021) demonstram que a área de RI norte-americana, ligada à Ciência Política, tende a incorporar mais os debates metodológicos desenvolvidos recentemente. No Brasil, a pouca ênfase em questões metodológicas e o afastamento epistemológico da Ciência Política fizeram com que alguns autores atribuíssem um atraso metodológico à área de RI.
  • 6
    O movimento Perestroika foi uma iniciativa, nos anos 2000, de acadêmicos de ciências humanas cujo objetivo era promover o pluralismo epistemológico. Criticava-se principalmente a prevalência de poucas teorias e métodos quantitativos.
  • 7
    O alargamento conceitual é a sobre extensão de um conceito por sua aplicação inadequada a casos, contrariando sua própria definição. O início do debate é atribuído a Sartori (1970), mas foi amplamente desenvolvido após sua contribuição.
  • 8
    Seguimos a proposta dos autores, que consideram a lógica de causalidade mecanicista como um subgrupo de causalidade determinista (junto com a regularidade e a contrafactual).
  • 9
    O racionalismo extremo parte do pressuposto que existe critério único, atemporal e universal, para avaliar e comparar teorias rivais partindo de uma postura objetiva da realidade social, independente das crenças dos pesquisadores. No outro extremo, há o relativismo, que nega a existência de um padrão de racionalidade universal e independente do período histórico (Silva, 2015).
  • 10
    George e Bennett (2005, p. 24) consideram os projetos de pesquisa mais fortes aqueles que contam com conhecimento preliminar do caso.
  • 11
    Guimarães (2021) analisa a crise do gás Bolívia-Brasil de 2006-2007, a crise da Usina de Itaipu de 2008-2009 entre Paraguai e Brasil Barragem de Itaipu, a crise da Odebrecht 2008-2009 entre Equador e Brasil, a crise de intervenção militar entre África do Sul e Lesoto de 1998 e a crise hídrica do Ganges entre Índia e Bangladesh, de 1996.

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Outras fontes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2022
  • Aceito
    02 Jun 2022
  • Revisado
    04 Jul 2022
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