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Distribuição de Biomphalaria tenagophila e B. occidentalis no Estado de São Paulo (Brasil)

Distribution of Biomphalaria tenagophila and B. occidentali in S. Paulo State, Brazil

Resumos

São apresentadas as áreas colonizadas por Biomphalaria tenagophila (d'Orbigny, 1835) e B. occidentalis Paraense, 1981 no Estado de São Paulo (Brasil), destacando que a primeira espécie de planorbídeo é um importante hospedeiro intermediário de Schistosoma mansoni Sambon, 1907. Foi apresentada a distribuição geográfica de B. occidentalis pelo fato de esta espécie ter sido, até recentemente, confundida com B. tenagophila. Os dois planorbídeos habitam ambientes límnicos de extensas áreas do território paulista e foram identificados entre 3.160 lotes de bionfalárias coletados de setembro de 1981 a março de 1986, em todos os municípios do Estado. B. tenagophila foi diagnosticada em 1.602 lotes procedentes de 203 municípios e B. occidentalis em 255 de 97 municípios. São comentadas as circunstâncias biogeográficas relacionadas com a distribuição das espécies.

Biomphalaria; Esquistossomose mansônica; Ecologia de vetores


The geographical distribution of Biomphalaria tenagophila (d'Orbigny, 1835) and B. occidentalis Paraense, 1981 in S. Paulo State, Brazil, is described. The first species being the most important intermediate host of Schistosoma mansoni Sambon, 1907. The second species is unsusceptible to transmission. The two species inhabit the limnic environments of great areas of S. Paulo, occasionally in simpatria. The 3,160 samples of mollusks collected between September 1981 and March 1986 were examined. B. tenagophila were identified in 1,062 of these samples from 203 municipalities and B. occidentalis in 255 samples from 97 municipalities. Biogeographical circunstances related to the distribution of the planorbids species are commented on.

Biomphalaria tenagophila; Biomphalaria occidentalis; Schistosomiasis; Ecology, vectors


ARTIGO ORIGINAL

Distribuição de Biomphalaria tenagophila e B. occidentalis no Estado de São Paulo (Brasil)

Distribution of Biomphalaria tenagophila and B. occidentali in S. Paulo State, Brazil

Horacio Manuel Santana Teles

Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN) – Rua Paula Souza, 166 – 01027 – São Paulo, SP – Brasil

RESUMO

São apresentadas as áreas colonizadas por Biomphalaria tenagophila (d'Orbigny, 1835) e B. occidentalis Paraense, 1981 no Estado de São Paulo (Brasil), destacando que a primeira espécie de planorbídeo é um importante hospedeiro intermediário de Schistosoma mansoni Sambon, 1907. Foi apresentada a distribuição geográfica de B. occidentalis pelo fato de esta espécie ter sido, até recentemente, confundida com B. tenagophila. Os dois planorbídeos habitam ambientes límnicos de extensas áreas do território paulista e foram identificados entre 3.160 lotes de bionfalárias coletados de setembro de 1981 a março de 1986, em todos os municípios do Estado. B. tenagophila foi diagnosticada em 1.602 lotes procedentes de 203 municípios e B. occidentalis em 255 de 97 municípios. São comentadas as circunstâncias biogeográficas relacionadas com a distribuição das espécies.

Descritores:Biomphalaria, crescimento. Esquistossomose mansônica, incidência. Ecologia de vetores.

ABSTRACT

The geographical distribution of Biomphalaria tenagophila (d'Orbigny, 1835) and B. occidentalis Paraense, 1981 in S. Paulo State, Brazil, is described. The first species being the most important intermediate host of Schistosoma mansoni Sambon, 1907. The second species is unsusceptible to transmission. The two species inhabit the limnic environments of great areas of S. Paulo, occasionally in simpatria. The 3,160 samples of mollusks collected between September 1981 and March 1986 were examined. B. tenagophila were identified in 1,062 of these samples from 203 municipalities and B. occidentalis in 255 samples from 97 municipalities. Biogeographical circunstances related to the distribution of the planorbids species are commented on.

Keywords:Biomphalaria tenagophila, geographical distribution. Biomphalaria occidentalis, geographical distribution. Schistosomiasis, incidence. Ecology, vectors.

INTRODUÇÃO

Os primeiros relatos da ocorrência de Biomphalaria tenagophila (d'Orbigny, 1835) no Estado de São Paulo são imprecisos até a publicação dos estudos de Paraense e Deslances6. Também a participação deste planorbídeo na transmissão da esquistossomose foi um assunto inicialmente controverso, definido somente após o encontro de exemplares naturalmente infestados por Schistosoma mansoni Sambon, 1907, no Município de Santos.

Dirimidas as dúvidas sobre a taxonomia e o potencial epidemiológico de B. tenagophila, as descobertas de focos envolvendo a espécie foram sucessivas, permitindo a caracterização das áreas endêmicas da Baixada Santista, vales do Ribeira e Paraíba, além dos focos isolados em outros municípios situados fora destas. Tal situação solicitou maiores conhecimentos sobre a distribuição geográfica das espécies de planorbídeos, particularmente daquelas hospedeiras de S. mansoni, para o desenvolvimento de um programa de controle da doença. Estes conhecimentos foram alcançados com o trabalho de Piza e col.8. Os resultados da "Carta Planorbídica do Estado de São Paulo" tiveram grande utilidade até a descrição de B. occidentalis Paraense, 19814, espécie bastante assemelhada com B. tenagophila.

Constatada a ocorrência de B. occidentalis em São Paulo4, a Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), prontamente conduziu um novo inquérito na malacofauna límnica, cujos dados obtidos com as espécies em pauta são mostrados e analisados no presente trabalho.

MATERIAL E MÉTODOS

As coletas de caramujos realizadas de setembro de 1981 a março de 1986 abrangeram ambientes límnicos situados nos 572 municípios que compõem o Estado. Nesse período examinaram-se no Laboratório de Malacologia, da SUCEN, 3.160 lotes de bionfalárias, cada um deles formado por um a mais de uma centena de exemplares. Quando possível foram separados 10 exemplares por lote para preservação das conchas e partes moles, estas últimas imersas em líquido de Railliet e Henry. Todo o material estudado faz parte da coleção mantida pela citada instituição.

O diagnóstico específico foi conseguido principalmente com a observação da morfologia do sistema reprodutor das espécies, uma vez que a conquiliologia não acrescenta muito na diferenciação de B. tenagophila e B. occidentalis.

Para propiciar a padronização dos trabalhos de campo, as equipes da SUCEN visitaram ao menos duas coleções hídricas a cada 100 km2, dando preferência àquelas com residências nas proximidades. Somente a pesquisa em seis coleções hídricas sem coleta de caramujos possibilitou a consideração da "ausência de caramujos" na área.

RESULTADOS

Dentre os 3.160 lotes, B. tenagophila foi identificada em 1.062 (33,60%) e B. occidentalis em 255 (8,06%). Levando em conta os municípios que compõem o Estado (572), a primeira espécie aparece em 203 e a segunda em 97, respectivamente, 35,48% e 16,95%. Estes dados foram extraídos do Anexo Anexo , que mostra as espécies diagnosticadas por município e o número de exemplares e criadouros. Ainda no Anexo Anexo , estão assinalados os 25 municipios onde ocorrem populações simpátricas, bem como transparece que o número de indivíduos da espécie tenagophila é superior ao de occidentalis.

Quanto à distribuição geográfica de B. tenagophila(Fig. 1), percebe-se que a espécie exibe uma notável concentração de criadouros nas bacias formadas pelos rios Tietê (Alto e Médio), Paraíba do Sul, Ribeira de Iguape e litoral, que incorpora numerosas bacias pequenas e dentríticas entremeadas de manguezais. Os criadouros da espécie rareiam na direção do extremo oeste paulista, não sendo encontrados na área banhada pelo Rio São José dos Dourados, Grande e baixios do Paranapanema. Os limites distributivos extremos para B. tenagophila no território paulista estão situados nos criadouros dos municípios de Bebedouro (norte), Cananéia (sul), Bananal (leste) e Caiuá (oeste).


B. occcidentalis só não coloniza as áreas litorâneas e do Rio Ribeira de Iguape, distribuindo-se mais uniformemente na grande região delimitada Rio Paraná e baixios do Tietê e Paranapanema (Fig. 2). Ao contrário de B. tenagophila, os criadouros de B. occidentalis vão escasseando na direção leste.


Comparando as Figs. 1 e 2, é nítido o predomínio de B. tenagophila sobre B. occidentalis, em termos de extensão das áreas colonizadas no Estado. Esse predomínio também é corroborado pelo número de criadouros habitados pelas espécies e total de exemplares coletados.

COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES

Os resultados divulgados por Piza e col.8 apontaram a ocorrência de B. tenagophila em 208 municípios, contra os 203 observados no presente. B. occidentalis passou despercebida à época. Estes autores reconheceram B. tenagophila em 34 municípios onde no momento só se verificou a ocorrência de B. occidentalis (Alfredo Marcondes, Álvares Machado, Anhumas, Braúna, Estrela do Norte, Guararapes, Indiana, José Bonifácio, Junqueirópolis, Lucélia, Marabá Paulista, Mariápolis, Martinópolis, Mirante do Paranapanema, Monte Castelo, Narandiba, Nova Luzitânia, Ocauçu, Ouro Verde, Pirajuí, Pirapozinho, Pirassununga, Presidente Bernardes, Presidente Prudente, Presidente Venceslau, Quatá, Quintana, Santo Espedito, São José do Rio Preto, Taiúba, Tabaraí, Teodoro Sampaio e Valparaíso). Em outros dez municípios relacionados com B. tenagophila por Piza e col.8 (Araçatuba, Boracéia, Campinas, Gastão Vidigal, Mococa, Penápolis, Piracicaba, Rubiácea, Santa Isabel e São Carlos) configurou-se a ocorrência simultânea de B. occidentalis. O encontro de B. tenagophila, pela primeira vez em 75 municípios, consubstancia maior abrangência do presente inquérito, mesmo que não fosse possível a confirmação da existência de B. tenagophila e/ou B. occidentalis nos municípios de Adamantina, Aguaí, Agudos, Alto Alegre, Amparo, Anhembi, Araraquara, Barbosa, Birigui, Boituva, Bragança Paulista, Caiabu, Coroados, Corumbataí, Cunha, Dois Córregos, Guará, Herculândia, Iacanga, Ibitinga, Ilha Bela, Inúbia Paulista, Itajú, Itupeva, Ituverava, Jaú, João Ramalho, Lagoinha, Lusiânia, Lutécia, Macaubal, Oscar Bressane, Pacaembu, Pardinho, Piacatu, Pinhalzinho, Piracaia, Piratininga, Platina, Rinópolis, Sagres, Santana da Ponte Pensa, Santa Mercedes, Santo Antônio da Posse, Santópolis do Aguapeí, São João do Pau d'Alho, Tupi Paulista, Tariúba e Várzea Paulista (49 municípios) relacionados na "Carta Planorbídica do Estado de São Paulo"8.

Considerando o número de indivíduos, criadouros e área colonizada pelas duas espécies, é nítida a melhor adaptação de B. tenagophila às condições dos ambientes límnicos paulistas, visto que a espécie é mais abundante. Associando-se a disposição territorial dos criadouros de B. tenagophila com a situação epidemiológica apresentada para a esquistossomose10 e os dados demográficos disponíveis1,9, fica evidente que os criadouros da espécie aglomeram-se junto às áreas mais urbanizadas e/ou industrializadas do Estado, instaladas nas bacias do Tietê (Alto e Médio), Vale do Paraíba e litoral, que paralelamente são tidas como áreas endêmicas para Schistosoma mansoni. Afora estas áreas a esquistossomose está instalada no Vale do Ribeira, Município de Bebedouro e Paranapanema Médio. Nesta última área, a doença é veiculada por B. glabrata (Say, 1818). A CETESB2 e o DAEE3 atestam que as zonas citadas possuem os níveis de poluição hídrica mais elevados de São Paulo, de onde se pode aventar a hipótese que B. tenagophila seja bastante resistente às alterações ambientais promovidas pela ocupação humana. Assim facilitado o convívio nas proximidades do homem, sobrepujados os demais fatores limitantes, justificar-se-ia a importância assumida por esse transmissor da endemia entre nós, mesmo não sendo aquele mais suscetível experimentalmente. A abundância de B. tenagophila somada à capacidade de integração às condições ecológicas solicitadas no ciclo biológico de S. mansoni formam um elo fundamental na manutenção da endemia. Em oposição ao exposto para B. tenagophila, B. occidentalis manifestou preferência pelos ambientes localizados em regiões menos poluídas e com o desenvolvimento econômico voltado sobremaneira para a agropecuária (setor oeste do Estado). A respeito do significado epidemiológico de B. occidentalis, a inexistência de autoctonia nas áreas habitadas exclusivamente pela espécie, parece confirmar as observações de Paraense e Corrêa5, traduzindo a possível inadequação deste planorbídeo com as raças de S. mansoni circulantes em São Paulo. Contudo é imprescindível a realização de maiores estudos a respeito das interações parasito/B. occidentalis, de vez que na natureza a espécie não está submetida às condições de contaminação sofridas por B. tenagophila.

Da simpatria verificada entre B. tenagophila e B. occidentalis, sabe-se que este evento biogeográfico ocorre com outras espécies de interesse sanitário, tornando importante algumas considerações sobre o fenômeno. A distribuição apresentada por Teles e Vaz12,13, para os demais hospedeiros de S. mansoni, permite a identificação da simpatria entre S. glabrata (Say, 1818) e B. tenagophila (Cerquilho, Fartura, Ourinhos, Porto Feliz, Salto Grande, Santa Cruz do Rio Pardo e São Paulo) e entre B. tenagophila e B. straminea (Dunker, 1848) (Bananal, Barra Bonita, Botucatu, Campinas, Castilho, Cruzeiro, Igaratá, Registro, Ribeirão Preto, Salto Grande, Santa Isabel e Taubaté). Teles11 constatou que a simpatria ocasiona a coexistência interespecífica em várias localidades, sugerindo uma investigação apurada dos casos autóctones descobertos nos municípios assim colonizados, bem como recomenda a manutenção de um sistema de vigilância rigoroso, lembrando que certas áreas, com a sobreposição de populações de espécies hospedeiras, são endêmicas para a esquistossomose.

Do ponto de vista geral, a distribuição geográfica de B. tenagophila denota que a sobrevivência em condições propícias ao ciclo de S. mansoni compensa as dificuldades de interação hospedeiro/parasito, contribuindo para a permanência de regiões endêmicas de considerável extensão. Ainda no perfil epidemiológico da endemia, o convívio acentuado de B. tenagophila nas proximidades do homem, sem dúvida é um condicionante revelante para a instalação definitiva da parasitose nos ambientes periurbanos, sendo que esse contexto solicita mudanças nos programas de controle.

Recebido para publicação em 9/9/88

Reapresentado em 16/2/89

Aprovado para publicação em 21/2/89

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Anexo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Nov 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 1989

Histórico

  • Revisado
    16 Fev 1989
  • Recebido
    09 Set 1988
  • Aceito
    21 Fev 1989
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