Resumos
OBJETIVO: Determinar a confiabilidade da codificação e seleção da causa básica dos óbitos por violência; verificar a concordância entre causa registrada no Sistema de Informação sobre Mortalidade e causa selecionada após investigação no Instituto Médico Legal; avaliar o impacto de incorporar informações pós-investigação dos acidentes não especificados e eventos de intenção indeterminada nas estatísticas de mortalidade. MÉTODOS: Selecionou-se amostra aleatória de 411 declarações de óbito de residentes em Belo Horizonte, MG, de 1998 a 2000. Com base nas informações dessas declarações e do Instituto Médico Legal, procedeu-se à codificação da causa e à determinação da concordância entre esta codificação e aquela registrada no Sistema de Informação sobre Mortalidade. Ainda, para todas as declarações classificadas como "acidentes não especificados" e "eventos de intenção indeterminada", avaliou-se o impacto da agregação das informações do Instituto Médico Legal sobre a classificação dos diversos tipos de violência. RESULTADOS: A concordância da codificação foi substancial (Kappa=0,782; IC 95%: 0,744; 0,819) e, da causa básica entre moderada e substancial (Kappa=0,602; IC 95%: 0,563; 0,641). Identificou-se 12,9% mais suicídios e 5,7% mais homicídios entre os acidentes não especificados e eventos de intenção indeterminada, estes reduzidos em 47,3% e 59,8%, respectivamente. CONCLUSÕES: Verificou-se necessidade de aprimoramento da codificação e seleção da causa básica; de melhoria no preenchimento da declaração de óbito pelos legistas e das informações médicas e policiais nos documentos de encaminhamento de corpos para necropsia, em especial nos acidentes de transporte e quedas.
Mortalidade; Causas externas; Violência; Sistemas de informação
OBJECTIVE: To determine reliability of data encoding for death due to violence; to assess the agreement between cause of death in the Mortality Information System and cause selected from the Forensic Medicine Institute database; and to assess the impact of adding information of non-specified injuries and undetermined death events subsequently obtained from Forensic Medicine Institute in the mortality statistics due to violence. METHODS: A random sample of 411 death certificates due to violence was obtained in Belo Horizonte, Southeastern Brazil, between 1998 and 2000. Based on data from death certificates and Forensic Medicine Institute database, causes of death were coded and the agreement between this information and that from Mortality Information System was assessed. Also, in all certificates including "non-specified injury" and "undetermined death events," the impact of adding information from Forensic Medicine Institute was assessed in the classification of cause of death. RESULTS: Coding agreement was significant (Kappa=0.782; 95% CI: 0.744; 0.819) and of the underlying cause was moderate to significant (Kappa=0.602; 95% CI: 0.563; 0.641). There were 12.9% and 5.7% misclassification of suicides and murders, respectively, for those causes classified as "non-specified injury" and "undetermined death events," which were overall reduced to 47.3% and 59.8% respectively. CONCLUSIONS: There is a need for further improving the process of underlying cause coding and selection. Also medical examiners need to provide more complete death certificates and medical and police information provided with bodies for Forensic Medicine Institute autopsy should be more complete, especially in those cases of road traffic injuries and falls.
Mortality; External causes; Violence; Information systems
ARTIGOS ORIGINAIS
Confiabilidade da informação sobre mortalidade por violência em Belo Horizonte, MG
Sonia Gesteira e MatosI; Fernando A ProiettiII; Rita de Cássia Barradas BarataIII
ISecretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG, Brasil
IIDepartamento de Medicina Preventiva e Social. Faculdade de Medicina. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil
IIIDepartamento de Medicina Social. Faculdade de Ciências Médicas. Santa Casa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil
Correspondência Correspondência: Sônia Gesteira e Matos Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte Av. Afonso Pena, 2336 9º andar 30130-100 Belo Horizonte, MG, Brasil E-mail: soniagm@pbh.gov.br
RESUMO
OBJETIVO: Determinar a confiabilidade da codificação e seleção da causa básica dos óbitos por violência; verificar a concordância entre causa registrada no Sistema de Informação sobre Mortalidade e causa selecionada após investigação no Instituto Médico Legal; avaliar o impacto de incorporar informações pós-investigação dos acidentes não especificados e eventos de intenção indeterminada nas estatísticas de mortalidade.
MÉTODOS: Selecionou-se amostra aleatória de 411 declarações de óbito de residentes em Belo Horizonte, MG, de 1998 a 2000. Com base nas informações dessas declarações e do Instituto Médico Legal, procedeu-se à codificação da causa e à determinação da concordância entre esta codificação e aquela registrada no Sistema de Informação sobre Mortalidade. Ainda, para todas as declarações classificadas como "acidentes não especificados" e "eventos de intenção indeterminada", avaliou-se o impacto da agregação das informações do Instituto Médico Legal sobre a classificação dos diversos tipos de violência.
RESULTADOS: A concordância da codificação foi substancial (Kappa=0,782; IC 95%: 0,744; 0,819) e, da causa básica entre moderada e substancial (Kappa=0,602; IC 95%: 0,563; 0,641). Identificou-se 12,9% mais suicídios e 5,7% mais homicídios entre os acidentes não especificados e eventos de intenção indeterminada, estes reduzidos em 47,3% e 59,8%, respectivamente.
CONCLUSÕES: Verificou-se necessidade de aprimoramento da codificação e seleção da causa básica; de melhoria no preenchimento da declaração de óbito pelos legistas e das informações médicas e policiais nos documentos de encaminhamento de corpos para necropsia, em especial nos acidentes de transporte e quedas.
Descritores: Mortalidade. Causas externas. Violência. Sistemas de informação.
INTRODUÇÃO
As estatísticas de mortalidade são freqüentemente utilizadas para avaliação do estado de saúde das populações, planejamento de políticas públicas e para dimensionar o impacto de intervenções. A comparação entre diferentes padrões de mortalidade sugere hipóteses etiológicas a serem testadas.13
Entretanto, a qualidade dessa informação é preocupação permanente para os serviços de saúde.4,7 Avaliações da qualidade dos dados para patologias e grupos etários específicos freqüentemente apontam deficiências no preenchimento da declaração de óbito (DO), incluindo sua legibilidade.3,9,10 São também citadas inadequações nos processos de codificação e seleção da causa básica9 e a emissão da DO sem os resultados de exames e necropsia.3,10
Em relação à mortalidade por violência, o principal fator limitante é a ausência de informações sobre as circunstâncias em que foram produzidas as lesões que resultaram no óbito.1,2,5,8,11 No Brasil, a identificação correta da causa desses óbitos depende de fluxo específico de informações, que inicia-se nos hospitais e delegacias com o registro do tipo de violência ocorrido nos documentos de encaminhamento do corpo para necropsia. No Instituto de Medicina Legal (IML), essas informações e os resultados da perícia são transcritos na DO e o fluxo termina nas secretarias de saúde, com sua utilização para a codificação e seleção da causa básica.
A alegação de desconhecimento e temor de implicações legais são as justificativas mais comuns dos médicos legistas para a ausência do registro das circunstâncias do óbito nas DO. Este fato contribui para existência de número excessivo de óbitos classificados como acidentes não especificados ou lesões de intencionalidade ignorada.7,8,15 A investigação sistemática e uso das informações existentes nos IML são alternativas que têm sido adotadas por alguns municípios para melhorar a qualidade dos registros de óbito por violência.1,2,15
Em Minas Gerais, até 1999, a Fundação João Pinheiro era responsável pelas estatísticas de dados vitais. A implantação da terceira via da DO, em 1995, possibilitou à Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA) a construção de banco de dados próprio, seguindo rotinas padronizadas para codificação e processamento dos dados. Em 2000, a SMSA assumiu oficialmente a produção da estatística de mortalidade e iniciou busca sistemática de informações no IML.
Em Belo Horizonte, Ladeira & Guimarães5 (1998) encontraram baixa concordância (Kappa=0,124) entre a causa básica em acidentes de trânsito obtida a partir de investigações hospitalares e a selecionada pela Fundação João Pinheiro. Ainda, a proporção de óbitos por causas externas classificados como eventos de intenção indeterminada, entre 1998 e 2000, no município, permaneceu em torno de 15,0%,* * Ministério da Saúde. Sistema de Informação sobre Mortalidade. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/obtbr.def [acesso em 7 fev 2002] apontando a necessidade de melhora da qualidade dos dados.
O presente estudo objetivou: analisar a confiabilidade da codificação e seleção da causa básica dos óbitos por causas violentas realizada pela Secretaria Municipal de Saúde, antes e após investigação no IML, e mensurar o impacto de incorporar as informações existentes no IML para acidentes não especificados e eventos de intenção indeterminada.
MÉTODOS
Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais, tem população de 2.238.526 habitantes.** ** Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2000 - Brasil e Estados. Rio de Janeiro; 2003. [11. Recenseamento Geral do Brasil] A base de dados estudada foi o Sistema de Informações sobre Mortalidade da SMSA, para os anos de 1998 a 2000. No período, ocorreram 39.816 óbitos, sendo 4.255 (10,7%) por causas externas.
Foram selecionados óbitos de residentes do município cujas causas básicas foram identificadas no capítulo XX da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Considerou-se óbito por violência aquele causado por todos os tipos de acidentes, suicídios, homicídios, eventos de intenção indeterminada e intervenções legais, que corresponderam aos códigos V01 a Y36 da CID-10.
O tamanho da amostra foi definido utilizando o método de cálculo para proporções, estimando maior heterogeneidade dos dados (p=0,5), nível de confiança de 95% (a=0,05) e margem de erro de 10% (e=0,1). O tamanho mínimo estimado foi de 386 DO.16
Os óbitos foram agrupados conforme os seguintes códigos: homicídios (X85 a Y09 e Y35 a Y36), acidentes não especificados e eventos de intenção indeterminada (X59 e Y10 a Y34), e outras causas de morte violenta (V01 a X58 e X60 a X85). De cada um desses grupos foi retirada amostra sistemática de 10% em cada ano, totalizando 411 registros.
As DO foram novamente codificadas por codificador treinado, mascarado em relação à codificação oficial, seguindo regras internacionais de codificação e seleção da causa do óbito.
Para aferir a qualidade da codificação, as mesmas DO foram submetidas a um segundo codificador, não vinculado ao estudo, encontrando-se concordância de 90,1% entre os dois codificadores, e valor de Kappa=0,888; IC 95%: 0,850; 0,926.
A concordância entre as informações estudadas e as do SIM foi testada para 13 grupos de causa utilizando o percentual de concordância observada e a estatística Kappa. Para interpretação dos resultados foram utilizados os critérios de Landis & Kock.6
O estudo foi desenvolvido em três fases. Na Fase 1, a confiabilidade da codificação e seleção da causa básica foi estudada por meio da comparação entre aquela registrada no SIM e a selecionada por um dos autores (SGM) (Tabela 1). Utilizou-se a mesma informação acessível aos técnicos da SMSA para garantir que qualquer discordância encontrada decorresse dos critérios de codificação e seleção utilizados. Nesta fase foram localizadas 383 DO, representando 93,2% (383/411) da amostra selecionada (Tabela 2).
Não foram localizadas 23 DO (5,6%), sendo que em cinco delas (1,2%), as cópias estavam ilegíveis. A não-localização foi atribuída a erros no processo de arquivamento ou à transferência dos dados da Fundação João Pinheiro para a SMSA por meio eletrônico, sem envio dos documentos correspondentes.
Na Fase 2, a confiabilidade da causa básica registrada no SIM foi comparada com aquela definida após incorporação dos dados do IML (Tabela 3). A não concordância total representou a soma daquelas encontradas na fase de avaliação da codificação e as devidas à introdução de novas informações.
Foram investigadas as circunstâncias da morte dos 383 casos estudados na fase anterior. No IML foram consultados: o Laudo de Perícia Médica (LPM), a Solicitação de Perícia Médico Legal, relatórios médicos de encaminhamento do corpo e resultados de exames toxicológicos. As informações referentes às circunstâncias da violência e as conclusões dos LPM foram transcritas para formulário contendo nome, data do óbito e número do laudo. Para cada óbito, foram codificadas as causas mencionadas. Havendo discordância entre os documentos quanto ao tipo de morte violenta, por exemplo, suicídio ou queda, a DO foi codificada como "Fatos e eventos não especificados, intenção indeterminada". Após codificação foi feita seleção da causa básica.
Não havia registro de entrada do corpo no IML referente a 17 DO (4,4%), atestados pelo médico que assistiu ao paciente, pelo médico substituto ou pelo Serviço de Verificação de Óbito. Os laudos de 25 DO (6,5%) registradas no SIM como tendo sido atestadas pelo IML não foram localizados nos arquivos do próprio Instituto. A amostra final nesta fase foi de 341 casos, representando 82,9% da amostra selecionada (341/411) (Tabela 1). A metodologia para análise de confiabilidade foi semelhante à da fase anterior.
Na Fase 3, para avaliar o impacto da agregação das informações do IML sobre as estatísticas de mortalidade por violência, estudaram-se todos os óbitos de residentes em Belo Horizonte, cujas causas básicas foram classificadas como "exposição acidental a fatores não especificados" ou "eventos cuja intenção é indeterminada" (N=609). A busca de informações no IML foi feita como descrita na Fase 2.
Após pesquisa foram excluídas 134 (22,0%) DO sem registro de entrada do corpo no IML. De acordo com o SIM, 61 óbitos foram atestados pelo médico que assistiu ao paciente, 38 por outro que o substituiu, 15 por outro atestante e em 20 não havia informação sobre o óbito. Em 30 casos (4,9%) foi confirmada realização de necropsia no IML, mas não foi possível localizar os LPM correspondentes. Utilizou-se a mesma metodologia das fases anteriores para codificação e seleção da nova causa básica.
Assim, os 445 registros localizados e investigados (73,0%; 445/609), 70 acidentes não especificados e 375 eventos de intenção indeterminada, foram distribuídos em 13 grupos de causa (Tabela 4). Compararam-se o número e variação percentual antes e depois da busca de informações no IML, utilizando a base de dados de mortalidade da SMSA nos três anos.
Para processamento e análise dos dados utilizou-se planilha eletrônica e para cálculo do Kappa, o programa Stata 7.0. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (Parecer n. 37/2002).
RESULTADOS
Na Tabela 2 são apresentadas as distribuições de freqüência do total de óbitos por causas violentas e das amostras das Fases 1 e 2. A distribuição por idade, sexo e grupos de causa na amostra da Fase 1 foi semelhante a dos óbitos devidos à violência registrados no SIM. Observa-se menor proporção de óbitos femininos na amostra da Fase 2 do que no SIM.
As distribuições de causas, de acordo com o SIM e a obtida no presente estudo (Fase 1) são mostradas na Tabela 1. Poucas alterações podem ser observadas na distribuição proporcional dos óbitos. Apesar do número de discordâncias (n=72, localizadas fora da linha correspondente à diagonal da Tabela), houve uma compensação entre os grupos, mantendo o perfil de causas. Os atropelamentos são um exemplo: 50 casos foram identificados em cada fonte, sendo 42 concordantes. Entretanto, entre os 60 óbitos classificados no SIM como acidentes de transporte não especificados, em 11 DO correspondentes existiam informações que permitiram uma melhor especificação da causa (em negrito na Tabela 1). Assim, sete óbitos foram reclassificados como atropelamento e quatro, como acidentes de transporte especificados.
A maior parte das discordâncias referiu-se aos eventos de intenção indeterminada. A concordância geral observada foi de 80,9% (Kappa=0,782; IC 95%: 0,744; 0,819), indicando concordância substancial.
A distribuição dos grupos de causas de óbito do SIM e a obtida após a agregação das informações existentes no IML Fase 2 são mostradas na Tabela 3. A inclusão dessas informações permitiu melhor definição da causa básica, mas gerou novas discordâncias. Observou-se que o somatório das discordâncias identificadas nas Fases 1 e 2 alterou a relação entre os grupos, com o aumento do percentual dos acidentes de transporte especificados e dos homicídios por arma de fogo, resultando em 118 discordâncias, localizadas fora da linha correspondente à diagonal da Tabela 3.
A melhora da qualidade da informação concentrou a maior parte das discordâncias nos grupos dos eventos de intenção indeterminada, dos acidentes de transporte e dos homicídios. A principal alteração (negrito na Tabela 3) entre os acidentes de transporte foi a maior especificação dos veículos envolvidos (N=19), em sua maioria acidentes automobilísticos e atropelamentos (N=13).
A identificação do meio utilizado para as agressões explica parte do aumento dos homicídios por arma de fogo, assim como a reclassificação de cinco agressões utilizando objetos cortantes e quatro acidentes com armas de fogo.
Em resumo, os dados apresentados na Tabela 3 mostram, pela dispersão dos casos classificados como acidentes não especificados e como eventos de intenção indeterminada para os vários grupos pesquisados, a possibilidade de maior especificação dos casos de violência. A concordância geral observada é de 65,4% (Kappa=0,602; IC 95%: 0,563; 0,641), indicando concordância entre substancial e moderada.
Na Fase 3, as informações disponíveis no IML permitiram a identificação da causa de 58 (negrito) dos 70 óbitos classificados como acidentes não especificados (83%) (Tabela 4). A maior parte dos óbitos (46/58, 79%) foi confirmada como decorrente de acidentes, predominando aqueles relacionados aos meios de transporte e quedas. No entanto, nove óbitos referiam-se a suicídios ou homicídios, lesões intencionais que haviam sido inadequadamente classificadas como acidentes. Em oito casos não existiam informações que justificassem sua classificação como óbitos acidentais. Tratava-se de corpos que apresentavam sinais de violência ou casos de intencionalidade duvidosa, sendo mais adequada sua classificação como de intenção indeterminada. Foram identificados três casos de morte natural e não foi possível confirmar a causa como externa de dois casos classificados como de causa indeterminada.
Dos 375 casos classificados como eventos de intenção indeterminada, foi possível identificar a causa de 266 ou 70,9% (em negrito na Tabela 4). Foram considerados acidentais 145 casos (38,6%). Entre estes, as quedas e acidentes de transporte foram os mais freqüentes. No IML existiam informações suficientes para identificar como homicídio ou suicídio 113 casos (30,1%). Para 81 óbitos (21,6%), as informações foram insuficientes para esclarecer o tipo de causa externa ou a intencionalidade da agressão, permanecendo como óbitos de intencionalidade ignorada. Não foi identificada a causa de 22 casos (5,9%) porque as condições do corpo não permitiram ou porque os recursos existentes do IML não foram suficientes para o diagnóstico. Não foi possível nem mesmo classificá-los como resultante de causa natural ou externa.
A comparação entre os grupos de causas violentas do SIM, com os resultantes da correção dos dados pela agregação de informações do IML, é mostrada na Figura. Observa-se maior incremento para os acidentes automobilísticos e quedas, de 33,3% e 28,4%, respectivamente. Quanto às mortes intencionais, houve um incremento de suicídios e homicídios de 12,9% e 5,7%, respectivamente. Houve importante redução dos acidentes não especificados, de 131 para 69 (-47,3%) e dos eventos de intenção indeterminada, de 478 para 192 (-59,8%).
DISCUSSÃO
As estatísticas de morbidade e mortalidade são importantes para estimar o impacto da violência sobre a saúde da população e contribuem para a construção de políticas públicas que visam à sua redução. A identificação e correção das fontes de erro aumentam a qualidade desta informação.
Em Belo Horizonte, no período de 1998 a 2000, verificou-se que o percentual de concordância global entre os grupos de causa de óbito, quando comparados os dados do SIM com os obtidos após a investigação no IML foi relativamente baixo (65,4%). Assumindo maior confiabilidade e validade para as informações geradas no IML, é razoável concluir que em 34,6% das DO a causa básica selecionada estava incorreta.
A concordância encontrada na Fase 1 de codificação (Kappa 0,782), apesar de substancial, contribuiu para a redução da confiabilidade final. Barros et al1 (2001), em Recife, relatam maior concordância (Kappa 0,881). O processo de codificação e seleção da causa básica no caso de violências é relativamente simples, quando as informações na DO são suficientes para caracterizar as circunstâncias do óbito. As discordâncias observadas na fase de codificação da causa em Belo Horizonte decorreram da falta dessas informações.
Um quarto das discordâncias encontradas na Fase 1 resultou da inclusão no agrupamento dos eventos de intenção indeterminada pelos codificadores do município, de casos classificados posteriormente como acidentais. No presente estudo, foram identificados óbitos por quedas em diversos tipos de situação: de escadas, da própria altura, de andaimes, de prédios e viadutos entre outros. Para a maioria desses casos, a informação disponível não foi suficiente para esclarecimento das circunstâncias, entretanto foram classificados como acidentais porque não havia no LPM o registro sobre dúvidas na intencionalidade do evento.2,12 Verifica-se a necessidade de discussão da classificação neste agrupamento e a utilização de um padrão único, permitindo comparabilidade com outras localidades.
Observou-se que informações existentes na DO, em especial no campo "tipo de acidente", não foram utilizadas para definição da causa, o que afetou particularmente o grupo dos atropelamentos. A perda desta informação elevou em cerca de 18,0% os acidentes de transporte não especificados. Possivelmente, a falta ou desconhecimento de padronização existente para registro desta informação na DO gerou incertezas, levando os codificadores a adotar opção mais conservadora, isto é, de alocar esses óbitos em categorias menos específicas.
A municipalização do processamento do SIM ampliou o uso do sistema para fins de vigilância e, pela proximidade com as fontes de informação, facilitou contato com os médicos, possibilitando correção das DO e melhoria da qualidade dos dados.
Em Belo Horizonte, a equipe responsável pelo processamento dos dados é também responsável pelas ações de vigilância dos agravos de notificação compulsória, da mortalidade infantil e materna, entre outros, permitindo uso imediato das informações. Por outro lado, como o processamento do SIM é realizado em nove distritos sanitários, o número de codificadores é grande. Isso aumenta a chance do uso de diferentes critérios, dificultando repasse de novas orientações para codificação e, conseqüentemente, a identificação e correção de distorções.
A criação de mecanismos para controle da qualidade da codificação implantado nos diversos níveis do Sistema Único de Saúde, conforme sugerido por Santo,14 permitirá manter seu processamento descentralizado e a confiabilidade das informações.
A perda de informações dos casos não encaminhados ao IML, 4,4% na Fase 2 e 22,2% na Fase 3, bem como dos laudos de necropsia não localizados, 6,5% e 5,6% respectivamente (Fase 2 e 3), deve ser considerada na avaliação dos resultados.
A amostra estudada na Fase 2 tinha a mesma estrutura etária e de causa, mas numa proporção de mulheres (16,4%) inferior a do SIM (20,5%), o que reduziu a representatividade para este sexo. Situação semelhante foi verificada na Fase 3, com menor proporção de mulheres e de pessoas acima de 65 anos entre os casos investigados no IML do que o total de óbitos por violência. O não encaminhamento de corpos para necropsia, sobretudo de mulheres e idosos, pode introduzir importante viés na caracterização do perfil de mortalidade por causas violentas.
O nível de concordância entre os grupos de causa básica do óbito, do SIM e da pesquisa após a investigação no IML (Kappa 0,602) é resultante de perdas sucessivas de informação. Se toda informação existente fosse utilizada adequadamente, os acidentes de transporte não especificados seriam reduzidos em 46,0%, permitindo uma melhor avaliação da importância dos atropelamentos e dos acidentes automobilísticos. Ainda assim, um em cada quatro acidentes ficaria sem esclarecimento. A caracterização desses e a identificação do tipo de vítima dependem de informações passíveis de serem obtidas em hospitais e delegacias. Isto foi mostrado em pesquisa sobre acidentes de trânsito realizada em cinco hospitais de Belo Horizonte: em 96% dos óbitos foi possível caracterizar o acidente e a vítima.5
No decorrer da investigação dos casos no IML, constatou-se que apenas um hospital de atendimento a urgências de Belo Horizonte informa sistematicamente as circunstâncias do óbito. Para a maioria dos serviços predominam dados sobre a evolução clínica.
Da mesma forma, as informações policiais, em geral, limitam-se à descrição sumária do evento. Esta é suficiente para definição da causa na grande maioria dos homicídios e suicídios, mas é insuficiente para caracterizar quedas, queimaduras e outros eventos, supostamente acidentais. O envio de uma cópia do Boletim de Ocorrência Policial para o IML, como acontece em outros municípios,2 pode contribuir para a melhoria da qualidade das informações.
A introdução na DO, de um texto lembrando que a informação sobre as circunstâncias do óbito tem caráter epidemiológico, não alterou a prática dos legistas, que continuam informando apenas a natureza das lesões. O registro destas informações permanece como atribuição do setor administrativo do IML, em Belo Horizonte. A identificação de 12,9% a mais de casos de suicídio e cerca de 6,0% de homicídios nos três anos estudados, além da caracterização de diversos acidentes apenas entre os óbitos classificados como de intencionalidade ignorada e acidentes não especificados, mostram que o repasse desta responsabilidade reduz a qualidade da informação.
Sendo o médico o profissional mais qualificado e com maior acesso às informações prestadas pela polícia e serviços de saúde, cabe a ele a responsabilidade do preenchimento de toda a DO. É necessário que se resolva a questão da legalidade ou não do uso dessas informações em processos judiciais, evitando que este uso penalize indevidamente os médicos legistas. Dessa forma, permitiria que os órgãos responsáveis pelas estatísticas de mortalidade definam estratégias para garantir a qualidade da informação. Até que haja uma solução definitiva, recomenda-se a manutenção da busca de informações no IML, desde que padronizada, pois melhora sensivelmente a qualidade da informação da causa básica das mortes violentas, assegurando maior confiabilidade e validade para os estudos e análises da mortalidade, de inquestionável importância para a saúde pública.
Recebido: 11/8/2005
Revisado: 12/7/2006
Aprovado: 11/9/2006
Artigo baseado em dissertação de mestrado de SG Matos, apresentada à Faculdade de Medicina da UFMG, em 2002.
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Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Jul 2007 -
Data do Fascículo
Fev 2007
Histórico
-
Aceito
11 Set 2006 -
Revisado
12 Jul 2006 -
Recebido
08 Nov 2005