Resumos
Objetivou-se atualizar os conhecimentos sobre a área colonizada pela Biomphalaria straminea e de alguns dos determinantes envolvidos na dispersão dessa espécie hospedeira intermediária de Schistosoma mansoni. Foram examinados 10.616 exemplares de caramujos procedentes de 76 localidades do Estado de São Paulo (Brasil), e realizado levantamento dos registros de ocorrência da espécie disponíveis na literatura especializada. Ficou demonstrada a expansão dos domínios territoriais de B. straminea na região, ressaltando que na parte superior da bacia hidrográfica do rio Paraná, a disseminação dos caramujos mostra estreita relação com o aproveitamento de longos trechos de rios para a navegação fluvial. Dados os riscos epidemiológicos associados à propagação desses transmissores da esquistossomose, ressalta-se a necessidade da manutenção do controle e vigilância da endemia na região.
Biomphalaria; Ecologia de vetores; Esquistossomose; Distribuição espacial
A careful anatomical revision of 10,616 preserved specimens of snails from 76 localities of the State of S. Paulo, Brazil, was made with a view better to determining the geographical distribution of Biomphalaria straminea in the Neotropical Region of Southern Brazil. The analysis has shown that previous determinations were correct. The study was then complemented with a survey of information from the literature about distribution of the species. The distribution pattern of the species has expanded greatly over the last few years, perhaps an account of the construction of new dams, and the navigation system in the upper Paraná Basin. Epidemiological data have shown that B. straminea is a good host to S. mansoni. Continuous schistosomiasis control must be exercised so as to prevent the further expansion of the disease.
Biomphalaria; Ecology, vector; Schistosomiasis; Geographical distribution
Distribuição de Biomphalaria straminea ao Sul da Região Neotropical, Brasil
Distribution of Biomphalaria straminea in the Southern Neotropical Region of Brazil
Horacio Manuel Santana Teles
Superintendência de Controle de Endemias. São Paulo, SP - Brasil
RESUMO
Objetivou-se atualizar os conhecimentos sobre a área colonizada pela Biomphalaria straminea e de alguns dos determinantes envolvidos na dispersão dessa espécie hospedeira intermediária de Schistosoma mansoni. Foram examinados 10.616 exemplares de caramujos procedentes de 76 localidades do Estado de São Paulo (Brasil), e realizado levantamento dos registros de ocorrência da espécie disponíveis na literatura especializada. Ficou demonstrada a expansão dos domínios territoriais de B. straminea na região, ressaltando que na parte superior da bacia hidrográfica do rio Paraná, a disseminação dos caramujos mostra estreita relação com o aproveitamento de longos trechos de rios para a navegação fluvial. Dados os riscos epidemiológicos associados à propagação desses transmissores da esquistossomose, ressalta-se a necessidade da manutenção do controle e vigilância da endemia na região.
Biomphalaria . Ecologia de vetores. Esquistossomose, prevenção & controle. Distribuição espacial.
ABSTRACT
A careful anatomical revision of 10,616 preserved specimens of snails from 76 localities of the State of S. Paulo, Brazil, was made with a view better to determining the geographical distribution of Biomphalaria straminea in the Neotropical Region of Southern Brazil. The analysis has shown that previous determinations were correct. The study was then complemented with a survey of information from the literature about distribution of the species. The distribution pattern of the species has expanded greatly over the last few years, perhaps an account of the construction of new dams, and the navigation system in the upper Paraná Basin. Epidemiological data have shown that B. straminea is a good host to S. mansoni. Continuous schistosomiasis control must be exercised so as to prevent the further expansion of the disease.
Biomphalaria. Ecology, vector. Schistosomiasis, prevention & control. Geographical distribution.
INTRODUÇÃO
Os conhecimentos sobre a distribuição dos caramujos de água doce, e de outros detalhes inerentes à sua biogeografia, são importantes na medida em que esse grupo zoológico inclui espécies hospedeiras de parasitas do homem, como Schistosoma mansoni. Juntamente com Biomphalaria glabrata (Say, 1818) e B. tenagophila (d'Orbigny, 1835), B. straminea (Dunker, 1848) transmite naturalmente a esquistossomose, uma endemia cujos casos ainda são muito freqüentes em vários pontos da Região Neotropical, principalmente do Nordeste e Sudeste brasileiros. O dimensionamento das áreas colonizadas por essas espécies é bastante útil ao controle e vigilância epidemiológica, na medida em que permite o planejamento adequado das diversas atividades previstas nos programas de controle da esquistossomose.
Embora B. straminea constitua hospedeiro intermediário experimentalmente tido como menos apto à transmissão de S. mansoni, é responsável pela manutenção das elevadas prevalências da endemia nas zonas do agreste e costeiras da região Nordeste do Brasil. Portanto, trata-se de uma espécie da qual os estudos experimentais com a suscetibilidade deixam de refletir o verdadeiro potencial de transmissibilidade na natureza.
Nos limites geográficos estabelecidos para o presente estudo, os registros de ocorrência de B. straminea intensificaram-se a partir do início da década de 70, sobretudo após a publicação de Corrêa e col.3, que vinculou a propagação de B. straminea à piscicultura. Evento semelhante também foi abordado por Piza e col.24, despertando a atenção de outros estudiosos do assunto, resultando na publicação de várias ocorrências em pontos isolados2, 7, 9, 11, 12, 35. Pouco antes do início da década, Cunha Neto4 já observara um foco de esquistossomose transmitida por B. straminea, em Goiânia (GO), e com a descoberta de criadouros em Porto Alegre (RS)5, estabeleceu o ponto mais meridional da distribuição geográfica de B. straminea da época.
Todavia a divulgação de estudos mais abrangentes, como os de Paraense14, 17, 20, Paraense e col.18 e Teles e Vaz29, apontando a existência de numerosos criadouros na região sem vínculo aparente com a piscicultura ou outras culturas de organismos de água doce, ofereceram indícios para a presente investigação, pois as invasões acidentais de B. straminea não subsidiavam a explicação de muitas das novas ocorrências, nem a crescente compactação de criadouros verificada nos últimos anos. Apesar da importância das culturas de peixes, rãs, plantas ornamentais, entre outras, na disseminação de B. straminea, as descobertas mais recentes solicitavam a revisão do assunto e a atualização dos conhecimentos sobre a distribuição geográfica da espécie. Assim, o presente estudo faz uma reavaliação do papel das invasões acidentais na expansão dos domínios de B. straminea e a identificação de outros fatores que contribuem significativamente para ampliação dos territórios ocupados pelos caramujos.
A descrição pormenorizada de B. kuhniana (Clessin, 1838) por Paraense22 foi decisiva para a realização do presente trabalho, pois o autor demonstrou que a distinção de B. straminea e B. kuhniana é tão sutil, que poderia ter permitido erro nos diagnósticos realizados até então. Como a Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN) preserva os lotes de caramujos coletados por suas equipes de campo e classificados como B. straminea, como parte de uma coleção mantida no Laboratório de Malacologia, tornou-se possível o reexame dos exemplares identificados e a subseqüente análise dos riscos vinculados à ocorrência de uma ou outra espécie dos planorbídeos.
METODOLOGIA
Foram examinados 10.616 exemplares incorporados em 79 lotes de caramujos. Desses, 37 foram coletados de setembro de 1981 a março de 1986, para o levantamento planorbídico promovido pela SUCEN, no Estado de São Paulo, enquanto os 42 restantes procederam de localidades visitadas daí em diante, até julho de 1995, para o desenvolvimento de trabalhos previstos no Programa de Controle da Esquistossomose, gerenciado pela citada instituição. Do total examinado, 3 lotes correspondem a coletas refeitas em localidades visitadas no primeiro período, e outros 2 possuem exemplares originários de Mineiros (GO) e Porto Alegre (RS). Na determinação específica, observaram-se a morfologia das conchas e dos órgãos do sistema reprodutor, onde residem as principais diferenças para diagnóstico de B. kuhniana e B. straminea.
Ao fim da revisão, os lotes foram novamente depositados na coleção, recuperando-se as informaçães sobre as peculiaridades de cada uma das coleçães hídricas investigadas.
RESULTADOS E COMENTÁRIOS
A pesquisa confirmou a precisão dos diagnósticos indicando que atualmente B. straminea está estabelecida em 76 localidades de 48 municípios paulistas, além de Mineiros (GO) e Porto Alegre (RS) referidas por Teles e col.33, 34. Considerando a ausência de B. kuhniana em São Paulo (SP), portanto acatando a validade dos registros anteriores de B. straminea 2, 3, 11, 20, 24, 26, 29, 30, 35, sobe para 52 o total de municípios comportando criadouros do planorbídeo.
Com a realização de coletas recentes em algumas localidades de municípios onde a ocorrência da espécie já fora detectada no passado (Cruzeiro, Salto Grande e Serrana), e a descoberta de novos criadouros nos municípios de Campinas, Castilho, Ilha Solteira, Nova Granada, Paulo de Faria, Pereira Barreto, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, do conjunto dos listados por Teles e Vaz29, fica caracterizada a perfeita adaptação de B. straminea em território paulista, e o espraiamento para localidades vizinhas. Confirmada a invasão de novos municípios, principalmente na bacia do rio Tietê, mostra-se a ampliação das áreas colonizadas pelos caramujos (Fig. 1). A Figura construída a partir das informaçães constantes do Anexo I, também evidencia que a dispersão e proliferação dos caramujos parece bem mais eficaz sob influência dos rios de maior porte. É notável a concentração de biótopos nas proximidades da confluência do rio Tietê com o Paraná. O panorama atual apresenta o planorbídeo em coleções hídricas espalhadas pelas principais bacias hidrográficas paulistas, porém em menor proporção do que na do Tietê.
Os caramujos foram encontrados nos mais variados tipos de coleções hídricas, e, inclusive em um foco ativo de S. mansoni localizado no Município de Pindamonhangaba. Aí B. straminea vive em sintopia com B. tenagophila. Esse município integra a depressão do vale formado pelo rio Paraíba do Sul, área endêmica de S. mansoni, onde a espécie responsável pela transmissão é B. tenagophila (SUCEN28). Afora esse caso, salienta-se que B. straminea foi simpátrica com B. tenagophila em outros municípios do Vale do Paraíba (Aparecida, Bananal, Cruzeiro e Taubaté), em Americana e Campinas, e na porção intermediária do rio Paranapanema (Ourinhos e Salto Grande). Todos os municípios citados compõem áreas definidas pela SUCEN28 como endêmicas, destacando que no vale do Paranapanema a população de B. straminea, além da sobreposição com B. tenagophila, também estabeleceu-se em simpatria com a população de B. glabrata, a espécie a que se atribui a transmissão local de S. mansoni. A área endêmica de esquistossomose do médio Paranapanema abrange vários municípios de São Paulo(SP) e do Paraná(PR).
As publicações que retratam inquéritos malacológicos, consultadas para a composição da área colonizada por B. straminea na região (Fig. 2), mostram que a simpatria entre as populaçães de B. glabrata, B. tenagophila e B. straminea é um fenômeno de amplas proporções territoriais.
Em virtude da importância epidemiológica, registra-se que a descoberta de B. straminea nos municípios de Panorama e Presidente Prudente, também proporcionou o encontro de B. tenagophila. Até então desconhecia-se a presença das duas espécies na área.
Em respeito às coletas, merece destaque a abundância dos caramujos colhidos em meios classificáveis como lóticos (valas, córregos, ribeirões e rios). Desses ambientes vieram mais que 3/4 do total de caramujos examinados, enquanto os ambientes lênticos (açudes, represas, lagoas, aquários domésticos e tanques de culturas) forneceram o restante (Tabelas 1 e 2). Apesar da razoável dominância de exemplares procedentes dos meios lóticos, nesses as coletas foram sempre mais profícuas quando conduzidas em trechos remansosos, como brejos, praias e outras reentrâncias, abrigadas e sombreadas por vegetação emergente, portanto, dos entornos das margens, com fortes indícios de poluição orgânica, da freqüência do homem, com instalações de moradia ou lazer, ou da proximidade de núcleos urbanos.
A Figura 2 mostra que na atualidade a zona ocupada mais homogeneamente por B. straminea incorpora diversas áreas dispostas no quadrante estabelecido pelas latitudes 15 e 25°S e longitudes 40 e 53°W. Os limites da distribuição geográfica alastram-se até a altura do meridiano 58°W e paralelo 35°S, considerando as ocorrências isoladas. Dessa forma, a espécie incorre em criadouros localizados no País, ao Sul de Mato Grosso (MT), a Sudoeste e Leste do Mato Grosso do Sul (MS), Sul de Goiás (GO), incluindo o Distrito Federal (DF), e em grande parte de Minas Gerais (MG), Espírito Santo (ES) e São Paulo (SP). Nos Estados do Paraná (PR), Santa Catarina (SC), Rio Grande do Sul (RS), depois no Uruguai, Argentina e Paraguai, a distribuição geográfica de B. straminea ao Sul da Região Neotropical é complementada por colônias mais restritas e afastadas, portanto de colonização menos intensa . No Anexo II é apresentada uma relação de municípios e províncias, condensando os relatos de ocorrência disponíveis na literatura.
A confirmação dos resultados divulgados por Teles e Vaz29, e a continuidade dos encontros de criadouros em São Paulo (SP), retratam a dispersão permanente de B. straminea no Estado, bem como sugerem a possibilidade da propagação dessa espécie dos caramujos hospedeiros de S. mansoni pela bacia hidrográfica do Paraná. No momento, a disseminação abrange principalmente os trechos superiores da bacia, destacando-se na área drenada pelo Tietê. Como a invasão de coleções hídricas foi significativamente acentuada pelo oeste, a ampliação dos domínios da espécie nesse setor é um forte indicativo que a causa seja o deslocamento de caramujos e desovas procedentes dos entornos do rio Paranaíba. Em favor desse pressuposto, os dados acumulados apontam a dominância dos registros de ocorrência desvinculados da piscicultura ou similares, sobre aqueles onde a introdução dos caramujos foi associável ao desenvolvimento dessas atividades.
Fato que parece decisivo para o vigoroso avanço de B. straminea, foi a ampliação do sistema de navegação designado Hidrovia Paraná/Tietê em 1991. O sistema interligou fluvialmente o Sul de GO ao meio-oeste paulista, operando com eclusas instaladas em parte das barragens hidrelétricas do Tietê (Barra Bonita, Bariri, Ibitinga, Promissão e Nova Avanhandava), e com um canal de acesso ao Paraná, construído na altura dos reservatórios de Três Irmãos e Ilha Solteira e, abrindo caminho para que os limites da distribuição natural de B. straminea superassem o paralelo 20°S. Se o sistema de navegação fluvial não eliminou, reduziu drasticamente as possíveis restrições dos barramentos na migração dos caramujos a montante do Tietê.
No âmbito do território paulista, as diferentes situações encontradas ao longo das principais bacias hidrográficas permitem comparação sobre a capacidade de ampliação dos domínios envolvendo a migração natural e decorrente de introduções eventuais dos caramujos ou desovas. A par do potencial invasivo já sobejamente conhecido, a ampliação dos domínios territoriais de B. straminea desenvolve-se muito mais ativamente ao longo do Tietê, e sobretudo nos terços navegáveis (médio e inferior), sujeitos à migração natural. Embora haja registros de ocorrência da espécie relacionados com a piscicultura nesses setores do Rio Tietê, ao contrário das demais bacias, os mesmos não prevalecem sobre aqueles identificados com o fenômeno da migração natural. Sendo assim, pelo número, como pela seqüência ocupada, e total de exemplares coletados em áreas passíveis do recebimento de contigentes migratórios de caramujos e desovas, a dispersão natural é colocada em relevo na ampliação de domínios. As áreas compreendidas nos vales do Paraíba e Ribeira são isoladas hidrograficamente da zona de distribuição natural mais antiga de B. straminea, portanto isentas da pressão migratória verificada no Tietê. Os rios Grande e Paranapanema, apesar de tributários do Paraná, ou seja, em contato com a zona de ocorrência natural, possuem um conjunto de barragens indisponíveis à navegação, em princípio dificultando a disseminação desencadeada nas terras do escudo cristalino. Conclui-se que o progresso de B. straminea, nas bacias paulistas, parece limitado quando induzido por invasões fortuitas associadas à piscicultura e afins, e bem mais eficaz, se rompidos ou minimizados os obstáculos de comunicação hídrica com áreas de colonização mais antiga e natural, capacitadas ao fornecimento de caramujos em quantidade e permanentemente.
No contexto geral, a distribuição de B. straminea, ao Sul da Região Neotropical, apresenta ocupação de pontos isolados em grandes amplitudes geográficas, abrangendo as bacias dos rios Paraguai, Uruguai, na do próprio Paraná e em áreas litorâneas, e áreas de maior compactação de biótopos nas cabeceiras dos rios São Francisco, Jequitinhonha, Doce e Paraná, que podem atuar como núcleos de estocagem e provimento da dispersão. Em comum, estas últimas áreas situam-se nas redondezas do Escudo Brasileiro, o que justifica, juntamente com os notáveis níveis de adaptação ecológica e da capacidade migratória, a ampla distribuição meridional e setentrional alcançada pela espécie dos planorbídeos. Parece importante para a ubiqüidade de B. straminea a aptidão para a sobrevivência em meios hídricos lênticos ou lóticos que, no segundo caso, é um recurso extremamente favorável à disseminação. É possível que o encontro mais amiúde de caramujos em criadouros do segundo tipo seja um bom indicador do andamento da propagação desses caramujos.
Do ponto de vista epidemiológico, a intensificação dos registros de B. straminea, nos últimos anos, ainda que a maioria dos autores julgue a importância secundária da espécie na transmissão de S. mansoni nos limites estudados, mostra que na medida em que os caramujos avançam pela bacia hidrográfica do Paraná, aumentam as chances do contato entre a espécie e o parasita. Nesse sentido, as invasões vêm se dando mais amiúde na periferia de aglomerados urbanos e domicílios do homem, quase sempre muito poluída por matérias fecais. Em tais condições, os caramujos parecem tirar proveito, manisfestando maiores densidades populacionais. Essa tendência, já observada por Teles31, 32 nos estudos sobre a distribuição de B. glabrata e B. tenagophila, também se repetiu com B. straminea, beneficiando a instalação e manutenção de focos do parasita, uma vez que promove o contágio dos caramujos pelo verme.
Uma conseqüência do aumento de contatos entre hospedeiros intermediários e definitivos, é a possibilidade do aprimoramento das relaçães interespecíficas solicitadas no ciclo de S. mansoni, como demonstram experimentalmente Santana e col.25 e Magalhães e col.10. Esses autores concluíram pelo melhoramento da suscetibilidade dos caramujos, inclusive com reflexos na infecciosidade e patogenicidade do verme, mediante a infestação de gerações sucessivas de B. glabrata e B. tenagophila. A dinamização das interações deve assemelhar-se em B. straminea, pois constituindo espécie naturalmente transmissora de Schistosoma, está permanentemente sujeita às pressões co-evolutivas, na medida em que os contatos vão acontecendo. Obviamente, na natureza o desequilíbrio das relaçães hospedeiro/parasita, para um impacto mais acentuado na transmissão e prevalência da endemia, deve solicitar períodos mais longos que irão variar em função do nível de contaminação ambiental, e da disponibilidade e suscetibilidade da espécie transmissora dos caramujos.
Diante do exposto, a situação solicita a atenção e vigilância epidemiológica permanente da esquistossomose, dada a invasão de áreas indenes e endêmicas por B. straminea. A difusão da espécie também é indicadora da possibilidade de alteração no perfil da distribuição geográfica de outras espécies dos moluscos de água doce, principalmente B. tenagophila, muito abundante na porção superior da bacia do Tietê. Esse quadro favorece a ampliação dos níveis de ocupações das duas espécies, com novas oportunidades de espalhamento das diversas raças de S. mansoni circulantes na região, ou, originárias de outras regiões endêmicas brasileiras. A sobreposição populacional de B. tenagophila e B. straminea já se dá por longas extensões, não raro tendo ocasionado o compartilhamento de focos de S. mansoni, impondo a necessidade de um trabalho acurado, determinando a espécie envolvida na transmissão.
Apesar da mediação mais freqüente de B. tenagophila e B. glabrata na transmissão da esquistossomose, o potencial epidemiológico de B. straminea na região não é descartável sem a realização de novos estudos da suscetibilidade, e do acompanhamento periódico dos caramujos nas localidades com suspeita de contaminação. As razões dessa preocupação são explicitadas pelo comportamento epidemiológico da espécie no Nordeste brasileiro, pela continuidade do diagnóstico de um grande número de casos humanos procedentes dessa região e autóctones da região estudada, conforme mostram os trabalhos da SUCEN28, Doumenge e col.6 e Carvalho e col.1, e pelas condições insatisfatórias de saneamento básico dominantes. A situação é preocupante, posto que a instalação e manutenção da atividade de inúmeros focos da endemia em Minas Gerais (MG), Espírito Santo (ES), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Paraná (PR), e mais recentemente no litoral de Santa Catarina (SC), mostra a receptividade para expansão da endemia na região estudada.
A possibilidade da expansão da endemia ao Sul da Região Neotropical foi objeto de discussão de Paraense e Corrêa21, 23, que não somente julgam provável, como admitem a participação de B. straminea após a avaliação da suscetibilidade da espécie com raças de S. mansoni regionais. Em condições naturais, a descoberta de exemplares de B. straminea, naturalmente infestados em Goiânia (GO) (Cunha Neto4), Lagoa Santa (MG) (Paraense14, 20) e em Taubaté (SP) (Santos e col.26), fala em favor de pré-adaptação do parasita com essa espécie transmissora, e, conseqüentemente do razoável potencial epidemiológico de B. straminea na região.
A distribuição geográfica de B. straminea presume a possibilidade da existência de outros criadouros ao longo da bacia paranaense em épocas mais remotas que as registradas na literatura, confirmando Paraense18, quando do encontro de caramujos em Três Lagoas (MS). O autor refere-se à descoberta como "um prolongamento da área ocupada pela espécie ao Sul de Goiás (GO)". Esta idéia é confirmada pelo presente estudo, mostrando que as ocorrências se tornaram mais comuns e espalhadas em virtude das intervenções do homem nos cursos d'água naturais, favorecendo a migração e permanência dos caramujos. Também fica caracterizada a necessidade da realização de levantamentos malacológicos abrangentes e periódicos nas bacias hidrográficas secundárias, pretendendo a manutenção de informações sempre atualizadas para a vigilância epidemiológica da esquistossomose.
AGRADECIMENTOS
Aos pesquisadores Jorge Faria Vaz e Maria Esther de Carvalho, pela discussão e revisão do texto.
Correspondência para/Correspondence to:
Horacio Manuel Santana Teles
Superintendência de Controle de Endemias/SUCEN
Rua Paula Souza, 166 - 01027-000 São Paulo, SP - Brasil.
Fax: (011) 229-8292
Edição subvencionada pela FAPESP. Processo 95/2290-6.
Recebido em 27.11.1995. Reapresentado em 8.2.1996. Aprovado em 27.2.1996.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Nov 2002 -
Data do Fascículo
Ago 1996
Histórico
-
Aceito
27 Fev 1996 -
Recebido
27 Nov 1995 -
Revisado
08 Fev 1996