Resumos
Estudou-se a relação entre estado nutricional e hábito de fumar maternos, peso do recém-nascido ao nascer e crescimento no primeiro ano de vida num grupo de 1.066 gestantes de baixo nível sócio-econômico. Os filhos de mulheres fumantes apresentaram pesos significativamente menores que os filhos de não-fumantes, quer fossem suas mães, normais ou obesas. Também foi possível verificar que filhos de mulheres desnutridas pesaram significativamente menos que filhos de mulheres normais e estes que os de obesas. O prejuízo no peso dos filhos de mulheres fumantes manteve-se apenas até os 3 meses de idade, ao passo que até os 9 meses os filhos de mulheres desnutridas pesaram significativamente menos que as demais crianças, mostrando que, mesmo em gestantes de baixa renda, o efeito do fumo sobre o crescimento se restringe ao ambiente intra-uterino. Já o efeito da desnutrição materna é mais duradouro nessa população. Verificou-se que houve uma associação negativa entre estado nutricional e hábito de fumar maternos, sugerindo que, ao menos em parte, o efeito do tabagismo materno sobre o concepto pode ser intermediado pelo estado nutricional.
Gravidez; Estado nutriconal; Tabagismo; Peso ao nascer; Peso por idade; Desenvolvimento fetal; Desenvolvimento infantil
The relationship between maternal nutritional state, maternal cigarette smoking habits, weight of infants at birth and their growth in the first year of life, in a group of 1,066 pregnant women (and their children) of low socio-economic status was studied. Babies born to smoking mothers weighed significantly less than those born to non-smoking mothers, whether these were normal or even obese women. It was also observed that children born to undernourished mothers weighed significantly less than those born to normal or obese women. Children born to smoking mothers weighed less than the others up to the 3rd month of life only; children born to undernourished women weighed significantly less than the others up to the 9th month of life. Thus, even among pregnant women of low socio-economic status, the effect of smoking on growth is restricted to the intra-uterine environment. The influence of maternal malnutrition is mantained for a longer period in this sample of the population. It was verified that there was a negative association between maternal nutritional status and maternal smoking habits, suggesting that, at least partially, the influence of maternal smoking on the fetus can be mediated by the nutritional status.
Pregnancy; Nutritional status; Smoking; Birth weight; Weight age; Fetal development; Child development
ARTIGO ORIGINAL
Relação entre estado nutricional da gestante, fumo durante a gravidez, crescimento fetal e no primeiro ano de vida
Relationship between maternal nutritional status, smoking during pregnancy and growth of fetus and of child during first year of life
Arnaldo Augusto Franco de SiqueiraI; Jair Licio Ferreira SantosII; Jane Ferreira da SilvaIII
IDo Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - Av. Dr. Arnaldo, 715 - 01255 - São Paulo, SP - Brasil
IIDo Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - Av. Dr. Arnaldo, 715 - 01255 - São Paulo, SP - Brasil
IIIDa Real Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficiência - Rua Maestro Cardim, 769 - 01323 - São Paulo, SP - Brasil
RESUMO
Estudou-se a relação entre estado nutricional e hábito de fumar maternos, peso do recém-nascido ao nascer e crescimento no primeiro ano de vida num grupo de 1.066 gestantes de baixo nível sócio-econômico. Os filhos de mulheres fumantes apresentaram pesos significativamente menores que os filhos de não-fumantes, quer fossem suas mães, normais ou obesas. Também foi possível verificar que filhos de mulheres desnutridas pesaram significativamente menos que filhos de mulheres normais e estes que os de obesas. O prejuízo no peso dos filhos de mulheres fumantes manteve-se apenas até os 3 meses de idade, ao passo que até os 9 meses os filhos de mulheres desnutridas pesaram significativamente menos que as demais crianças, mostrando que, mesmo em gestantes de baixa renda, o efeito do fumo sobre o crescimento se restringe ao ambiente intra-uterino. Já o efeito da desnutrição materna é mais duradouro nessa população. Verificou-se que houve uma associação negativa entre estado nutricional e hábito de fumar maternos, sugerindo que, ao menos em parte, o efeito do tabagismo materno sobre o concepto pode ser intermediado pelo estado nutricional.
Unitermos: Gravidez. Estado nutriconal. Tabagismo. Peso ao nascer. Peso por idade. Desenvolvimento fetal. Desenvolvimento infantil.
ABSTRACT
The relationship between maternal nutritional state, maternal cigarette smoking habits, weight of infants at birth and their growth in the first year of life, in a group of 1,066 pregnant women (and their children) of low socio-economic status was studied. Babies born to smoking mothers weighed significantly less than those born to non-smoking mothers, whether these were normal or even obese women. It was also observed that children born to undernourished mothers weighed significantly less than those born to normal or obese women. Children born to smoking mothers weighed less than the others up to the 3rd month of life only; children born to undernourished women weighed significantly less than the others up to the 9th month of life. Thus, even among pregnant women of low socio-economic status, the effect of smoking on growth is restricted to the intra-uterine environment. The influence of maternal malnutrition is mantained for a longer period in this sample of the population. It was verified that there was a negative association between maternal nutritional status and maternal smoking habits, suggesting that, at least partially, the influence of maternal smoking on the fetus can be mediated by the nutritional status.
Uniterms: Pregnancy. Nutritional status. Smoking. Birth weight. Weight age. Fetal development. Child development.
INTRODUÇÃO
É tido como certo que a desnutrição materna prejudica o crescimento fetal, em peso e altura, contribui para aumentar as taxas de morbidade e mortalidade perinatais e, se houver suplementação alimentar durante a gravidez, estes efeitos são minimizados8,27,28.
Alguns autores concluíram que fatores nutricionais imediatamente relacionados à gestação ou anteriores a ela têm grande importância na ocorrência de desnutrição intra-uterina5,26,27.
Outras variáveis tais como; idade gestacional, paridade, idade materna, patologias presentes na gravidez, alterações placentárias, anomalias congênitas, peso pré-gestacional, ganho de peso materno, condições sócio-econômico-culturais, hábito de fumar, alcoolismo e uso de drogas podem influenciar, direta ou indiretamente, o crescimento intra-uterino e pós-natal22.
Os efeitos prejudiciais do fumo sobre a gestação são conhecidos há bastante tempo.
Em 1935, Campbell4 observou que mulheres que fumavam excessivamente tinham bebês prejudicados pelo resultado do envenenamento crônico pela nicotina.
A primeira contribuição de grande valor a esse respeito ocorreu em 1957, quando Simpson39 na Califórnia, estudou a distribuição dos pesos de recém-nascidos filhos de mães fumantes e encontrou que estas crianças pesavam, em média, 200 g a menos do que crianças de mães não-fumantes.
Desde então, vários estudos foram realizados associando o fumo com problemas tais como: diminuição do peso ao nascer, aumento da mortalidade infantil, maiores taxas de aborto espontâneo, prematuridade, morbidade, retardo no crescimento fetal, pré-eclâmpsia, anomalias placentárias e congênitas3,11,17,18,20,24,46.
Embora diversos autores tenham relatado que mães fumantes são mais suscetíveis de terem gestações de menor duração18,45, a menor média de peso ao nascer de bebês de mães fumantes não pode ser explicada pela gestação mais curta.
Alguns estudos mostraram que os efeitos tóxicos do fumo apresentaram um impacto no crescimento fetal a partir do 4.° mês de gestação1,37.
Porém, Rosemberg33 afirmou que o peso do feto aumenta de maneira semelhante até as útlimas semanas de gestação mas, a partir da 34a semana, aproximadamente, começa a ocorrer redução no peso dos fetos de mães fumantes e, quanto mais longa a duração da gestação, maior a diferença ponderal em prejuízo desses fetos.
As investigações de Silverman38 e de Wainright44 mostraram que mulheres que continuam fumando têm uma redução no peso ao nascer dos filhos nascidos sucessivamente, enquanto que mulheres que não fumam mostram aumento no mesmo peso.
Vários estudos realizados referem que o retardo no crescimento intra-uterino aumenta com o número de cigarros fumados, independentemente da nutrição materna15,20,25,contrariando a sugestão de Garn e col.12 de que a obesidade materna neutraliza o efeito do fumo sobre o feto.
A prega cutânea é um indicador da gordura subcutânea e, certamente, as condições maternas durante a gravidez afetam a prega cutânea do bebê. D'Souza e col.10 realizaram um estudo para investigar os efeitos do fumo sobre a prega cutânea, ganho de peso materno e peso do recém-nascido ao nascer. Encontraram que gestantes que fumavam de 40 a 60 cigarros por dia ganhavam significativamente menos peso do que as não-fumantes, sendo que os bebês nascidos de mães fumantes apresentavam peso mais baixo ao nascer e circunferência cefálica menor do que os bebês de não-fumantes, mas a prega cutânea era semelhante. A presença de uma camada normal de gordura subcutânea nos bebês de mães fumantes sugere que o retardo no crescimento fetal não é causado por diferença nutricional.
Recentemente tem surgido interesse com relação aos mecanismos pelos quais o cigarro induz ao retardo no crescimento fetal e os efeitos subseqüentes sobre o crescimento e desenvolvimento de crianças6.
Segundo Naeye25, há especulações de que o prejuízo no crescimento fetal pode ser devido à: ingestão alimentar inadequada da gestante; concentração de carboxihemoglobina, provocando hipóxia e redução da difusão útero-placentária; diferenças genéticas entre fumantes e não-fumantes; baixo peso pré-gestacional; e alterações de pressão sangüínea de fumantes. Para Rosemberg33 a explicação mais plausível do efeito nocivo do cigarro sobre o feto é o nível de monóxido de carbono no sangue materno e, em conseqüência, na circulação da placenta e no feto, gerando certo grau de hipóxia. Assim, a diminuição de oxigênio e aumento de carboxihemoglobina, decorrente dos altos níveis de monóxido de carbono, prejudica o feto pela hipóxia, que justifica a redução no crescimento do feto, esclarecendo o menor peso ao nascer.
Outra hipótese é que o cigarro induz à perda do apetite nas mulheres que passam a comer menos, ganhando menos peso, podendo resultar em bebês menores.
Davies e col.17 mostraram que gestantes fumantes ganham menos peso durante a gestação, sugerindo que o fumo pode reduzir o apetite da mãe e, assim, resultar em uma desnutrição que poderá causar restrições ao crescimento do feto.
Entretanto, Papoz e col.30 notaram que a ingestão calórica e o ganho de peso foram maiores em mulheres que fumaram durante toda a gravidez e mais baixos nas que não fumaram. O peso ao nascer entre conceptos de fumantes e não-fumantes não apresentou diferenças significativas, apoiando a afirmação de Rush34, de que o aumento na ingestão alimentar de fumantes pode inverter ou minimizar os efeitos do fumo sobre o retardo no crescimento.
Diversos outros autores constataram que o retardo no crescimento fetal de filhos de mães fumantes não é devido a menor ingestão de alimentos10,15,19,43.
Contrariando muitos autores Yerushalmy45 afirmava que a relação entre tabagismo e baixo peso ao nascer era devida à fumante e não ao fumo, ou seja, era devida a diferenças constitucionais das fumantes, quando comparadas a não-fumantes. Poucos autores adotam esta linha, sendo que a maioria acredita em um efeito direto do fumo materno sobre o crescimento intra-uterino.
Seja por qual mecanismo for, o efeito do fumo materno sobre o crescimento fetal é observado através do menor peso ao nascer. Logo, é importante saber se este efeito é passageiro e desaparece logo depois do nascimento, ou se o fumo exerce um efeito a longo prazo sobre o desenvolvimento subseqüente na infância.
Russel e col.35 verificaram que o ganho de peso e o aumento no perímetro cefálico em bebês de fumantes era significativamente maior que em bebês de não-fumantes, mas este aumento de velocidade de crescimento cessou por volta de um ano embora os bebês de fumantes ainda fossem menores que os de não-fumantes.
Hardy e Mellits16 acreditam que o retardo no crescimento intra-uterino se estende até a vida pós-natal.
Em recente estudo Siqueira e col.41 verificaram, a partir de dados de um grupo de gestantes e crianças de nível sócio-econômico elevado, que recém-nascidos filhos de mães fumantes eram sempre menores que filhos de mães não-fumantes, quer fossem as mães desnutridas, normais ou obesas. No entanto, o crescimento de filhos de fumantes e de filhos de mulheres desnutridas foi maior que o das demais crianças ao longo do primeiro ano de vida de tal sorte que, ao final desse período, não havia diferenças significativas no peso e altura dessas crianças quando comparadas aos das demais.
Torna-se importante verificar se os resultados obtidos por Siqueira e col.41 poderão ou não repetir-se em uma população de nível sócio-econômico mais baixo.
Assim, o presente estudo pretendeu verificar a relação entre estado nutricional da gestante, fumo durante a gravidez e crescimento fetal e no primeiro ano de vida, num grupo de gestantes de baixo nível sócio-económico e seus filhos.
METODOLOGIA
População
O presente estudo foi realizado a partir de fichas familiares, contendo dados referentes ao pré-natal de gestantes e do acompanhamento pós-natal de seus filhos durante o primeiro ano de vida. Todas as fichas analisadas referiam-se ao controle de atendimento de 3 postos de saúde, pertencentes à Regional Norte do Departamento de Saúde da Comunidade, da Secretaria Municipal de Higiene e Saúde de São Paulo. Nestes 3 postos já havia sido implantado o controle programático das fichas familiares, motivo de sua escolha.
Levantaram-se todas as fichas familiares do período de 1/1/81 a 15/9/83, num total de 5.000, das quais apenas 1.066 puderam ser selecionadas para o estudo por satisfazerem os seguintes critérios de inclusão:
- cada criança deveria ter, pelo menos, 3 consultas entre O a 12 meses, e nestas deveriam constar peso e data em cada consulta;
- as fichas das gestantes deveriam conter dados sobre peso e estatura materna.
Não houve, na opinião dos autores, vício de seleção, uma vez que não se pretendeu, em nenhum momento, estender os achados da população efetivamente estudada para toda a população, seja de gestantes atendidas no serviço, seja das demais gestantes de São Paulo ou do Brasil.
Tratando-se, de um estudo tipo caso-controle, as relações entre fumo, nutrição e crescimento fetal ocorridas em uma gestante e seu concepto dificilmente teriam alguma relação com o que ocorre com outra gestante e seu concepto.
Procedimentos
Das fichas familiares, obtiveram-se os seguintes dados referentes a:
1. Gestante
- Estatura materna
- Peso na última consulta de pré-natal
- Hábito de fumar
- Idade gestacional.
Em relação ao hábito de fumar, considerou-se fumante a mãe que fumou na gravidez, independente da época e número de cigarros fumados.
2. Criança
- Sexo
- Data de nascimento
- Peso ao nascer
Data e peso em cada consulta até 12 meses de idade.
De posse dos dados do peso, altura e idade gestacional na última consulta de pré-natal, efetuou-se a avaliação do estado nutricional das gestantes, com o auxílio das curvas de ganho de peso de gestantes, de Siqueira e col.42.
Classificaram-se, então, as gestantes em desnutridas, normais e obesas.
Os dados referentes ao peso ao nascer e durante o primeiro ano de vida foram distribuídos segundo o estado nutricional e/ou hábito de fumar da mãe.
Observou-se a evolução do peso durante o primeiro ano de vida, segundo as variáveis idade, sexo da criança, estado nutricional e hábito de fumar maternos.
Para apreciar as diferenças entre as médias de peso do recém-nascido e da criança ao longo do primeiro ano de vida utilizou-se a estatística Z monocaudal com nível de significância de 5%9.
A associação entre variáveis qualitativas foi analisada estatisticamente pelo método do qui-quadrado (X2) ao nível de significância de 5%9.
Nos casos em que foi necessário testar a igualdade de mais de duas médias foi utilizada a análise de variância a um critério, modelo fixo, conforme especificação de Dixon e Massey9.
Para aquelas variáveis, nas quais a análise de variância detectou diferenças significativas entre as médias, foram aplicados contrastes de Scheffé36, com o objetivo de individualizar tais diferenças.
Para a associação da adequação do peso do recém-nascido com as demais variáveis adotou-se como adequado o peso igual ou superior a 3.000g.
RESULTADOS
No período em estudo, os 1.066 prontuários referiam-se a crianças, e respectivas mães, que satisfizeram os critérios de inclusão descritos na metodologia, sendo 555 do sexo masculino e 511 do sexo feminino.
A Tabela 1 mostrou que o peso médio dos recém-nascidos do sexo masculino foi significativamente maior que o peso médio dos recém-nascidos do sexo feminino. Este resultado está de acordo com a maioria dos trabalhos da literatura especializada2,40,41.
Ao subdividir os recém-nascidos quanto à adequação do peso ao nascer, conforme critério já utilizado em outra publicação41, verificou-se uma associação significativa ao nível de 5% com o sexo do recém-nascido. Assim, a Tabela 2 mostrou maior proporção de recém-nascidos de peso adequado entre os de sexo masculino (71%) do que entre os de sexo feminino (29%). Resultados semelhantes foram obtidos em outro trabalho (Siqueira e col.41).
A Tabela 3 mostrou que quase a metade dos filhos de mães fumantes nasceram com peso inadequado, ao passo que menos de um terço dos filhos de não-fumantes pesaram menos de 3.000g. Esta associação também se revelou significativa ao nível de 5%.
A Tabela 4 mostrou haver uma associação entre o hábito de fumar e o estado nutricional materno, de tal sorte que houve maior proporção de mulheres desnutridas entre as fumantes do que entre as não-fumantes e maior proporção de mulheres obesas entre as não-fumantes do que entre as fumantes.
A Tabela 5 mostrou que o peso médio dos recém-nascidos de mães fumantes foi significativamente menor do que o de não-fumantes. Esta diferença se manteve ainda aos 3 meses de idade; porém, aos 6,9 e 12 meses não houve diferença significativa entre os pesos de filhos de fumantes e não-fumantes. Siqueira e col.41 chegaram a resultados semelhantes em trabalho anterior, realizado com uma população de gestantes com características diversas do presente trabalho.
No que se refere à relação entre estado nutricional materno na última consulta e o peso médio do recém-nascido ao nascer, as Tabelas 6, 7 e 8 mostraram que o peso médio de filhos de mulheres desnutridas foi significativamente menor do que o de filhos de mulheres normais e o destes menor que o de filhos de obesas, conforme já foi descrito por Guimarães13 e por Siqueira e col.40, em outras casuísticas.
Quanto à relação entre estado nutricional materno e o peso médio dos recém-nascidos de mães fumantes, as Tabelas 9, 10 e 11 mostraram que o peso médio ao nascer de filhos de mulheres fumantes e obesas foi significativamente maior que o de filhos de mulheres fumantes normais e desnutridas; não houve, porém, diferença significativa entre os pesos de filhos de fumantes normais e desnutridas.
No que se refere à relação entre o estado nutricional e o peso médio dos recém-nascidos de mães não-fumantes, as Tabelas 12, 13 e 14 mostraram que o peso médio de filhos de não-fumantes e desnutridas foi significativamente menor que o de filhos de não-fumantes com estado nutricional adequado, e o destes menor que o de filhos de não-fumantes obesas.
A Tabela 15 mostrou que não houve diferença significativa entre os pesos médios de filhos de desnutridas fumantes e não-fumantes. Porém, as Tabelas 16 e 17 mostraram que os pesos de filhos de mães fumantes eram significativamente menores que os de filhos de não-fumantes, tanto para filhos de mulheres de estado nutricional normal quanto para filhos de obesas.
As Tabelas 18, 19 e 20 mostraram que o peso médio das crianças de 3 meses de idade, filhos de mães obesas, foi significativamente maior que o de filhos de mães desnutridas. Porém, não houve diferença significativa entre os pesos médios das crianças de mães obesas e normais e entre os de filhos de mães normais e desnutridas.
Já aos 6 meses de idade, as Tabelas 21, 22 e 23 mostraram que o peso médio de filhos de mulheres obesas foi significativamente maior que o de filhos de normais e desnutridas. Porém, não houve diferenças significativas entre os pesos médios de filhos de normais e de desnutridas.
As Tabelas 24, 25 e 26 mostraram que o peso médio das crianças de 9 meses de idade filhos de mães desnutridas foi significativamente menor que o de filhos de normais e obesas; porém, não houve diferença significativa entre os pesos médios de filhos de obesas e normais.
Para as crianças de 12 meses de idade, como as Tabelas 27 e 28 mostraram, não houve diferença significativa entre os pesos de filhos de desnutridas, normais e obesas.
DISCUSSÃO
Apesar de algumas opiniões encontradas como a de Yerushalmy46, que acredita que o menor peso ao nascer de crianças de mães fumantes seja devido a características constitucionais da fumante e não propriamente ao fumo, o presente estudo concorda com as de diversos outros autores que afirmam que o hábito de fumar prejudica diretamente o crescimento fetal 1,10,25,33,37,39.
No presente trabalho, realizado com dados de uma amostra populacional de gestantes e crianças de nível sócio-econômico baixo, verificou-se que o hábito de fumar materno prejudicou o peso ao nascer, tanto de filhos de normais quanto de obesas.
Porém, notou-se que o estado nutricional materno também interferiu no crescimento fetal, apoiando os resultados de Siqueira40 e Guimarães13, em trabalhos anteriores. Assim, o peso ao nascer de filhos de desnutridas era menor que o de normais e, destes, por sua vez, menor que o de obesas, sendo que em cada grupo de filhos de fumantes eram menores que os de não-fumantes. Não houve diferenças significativas entre os pesos de filhos de desnutridas fumantes e não-fumantes. Longe de significar que a desnutrição materna protege contra o efeito do hábito de fumar, o fato pode ser devido a que a desnutrição materna já tenha provocado tal prejuízo ao tamanho do concepto, que a superposição do efeito do fumo toma-se pouco perceptível.
Assim, provavelmente, a obesidade favorece o crescimento fetal, porém não anula os efeitos prejudiciais do hábito de fumar sobre o crescimento intra-uterino.
A desnutrição e o hábito de fumar prejudicam o crescimento fetal, sendo que provavelmente haja um sinergismo entre estas duas variáveis, o que talvez explique o fato de os filhos de desnutridas fumantes terem apresentado o maior prejuízo no peso.
No entanto, constatou-se uma associação entre o estado nutricional materno e o hábito de fumar uma vez que houve maior proporção de mulheres desnutridas entre as fumantes do que entre as não-fumantes e maior proporção de obesas entre as não-fumantes do que entre as fumantes. Tal fato vai ao encontro dos resultados de Garn e col.12 que sugerem que parte do efeito prejudicial do fumo seja devido ao estado nutricional materno apesar das opiniões contrárias de Rantakallio32, Naeye23 e Haworth14, que encontraram retardo no crescimento fetal de filhos de fumantes independente do peso pré-gestacional e do ganho de peso, não confirmando a hipótese de que o hábito de fumar interfere no estado nutricional materno através da diminuição da ingestão alimentar.
Não apenas o peso médio ao nascer foi prejudicado como também a adequação do peso ao nascer, onde quase a metade de filhos de mães fumantes nasceram com peso inadequado (menor que 3.000g), concordando com os resultados obtidos por Ounsted e col.29.
Embora não tenham sido estudadas no trabalho em questão a morbidade e a mortalidade infantis, os autores sugerem que, como conseqüência direta da maior proporção dos recém-nascidos de peso inadequado entre filhos de fumantes, os riscos de mortalidade e morbidade estejam aumentados.
No Estudo de Mortalidade Perinatal em Ontário21 foi encontrado aumento de 22 para 28%o na taxa de mortalidade perinatal de crianças filhas de mães fumantes.
Porém, Rantakallio31, estudando o efeito do fumo materno durante a gestação sobre a morbidade e mortalidade de crianças recém-nascidas até os 5 anos de idade, verificou que a mortalidade perinatal não foi maior entre filhos de fumantes, mas a mortalidade pós-neonatal, de 28 dias a 5 anos, foi significativamente maior. Assim como também as crianças filhas de fumantes eram com maior freqüência hospitalizadas e permaneciam no hospital por um tempo mais longo do que as crianças filhas de não-fumantes.
Os resultados obtidos quanto ao crescimento no primeiro ano de vida foram semelhantes aos de trabalhos anteriores40,41. A diferença no peso médio de filhos de desnutridas manteve-se por mais tempo e as diferenças nos pesos médios entre filhos de fumantes e não-fumantes logo deixaram de ser observadas.
Não se pode deixar de mencionar o fato de que o pequeno número de casos nas idades mais próximas de um ano pode ter influenciado os resultados da análise de variância; porém, como o número de casos diminuiu em todos os grupos, para a mesma casuística, o efeito do fumo não se manteve para os filhos de mães de nível sócio-econômico baixo, não acontecendo o mesmo para o estado nutricional materno.
Assim, tais resultados sugerem que o efeito do estado nutricional materno sobre o crescimento intra-uterino e pós-natal, até 12 meses de idade, seja mais duradouro do que o efeito do hábito de fumar durante a gestação.
Porém, mais estudos em nosso meio são necessários para se averiguar a relação entre hábito de fumar e estado nutricional maternos, crescimento e desenvolvimento das crianças acima de 12 meses de idade.
CONCLUSÕES
1. Houve associação positiva entre o peso ao nascer e o sexo do recém-nascido, havendo maior proporção de recém-nascidos de peso adequado entre os de sexo masculino e de recém-nascidos de peso inadequado entre os de sexo feminino.
2. Houve maior proporção de recém-nascidos de peso inadequado entre os filhos de mulheres fumantes.
3. Os resultados permitem supor que parte do efeito do hábito de fumar sobre o crescimento fetal seja intermediada pelo estado nutricional materno, uma vez que houve associação entre o hábito de fumar e o estado nutriconal materno.
4. A desnutrição materna interferiu no peso ao nascer tanto de filhos de mães fumantes quanto de não-fumantes.
5. A partir da idade de 6 meses deixou de haver diferença significativa entre os pesos de filhos de fumantes e de não-fumantes.
6. O peso ao nascer de filhos de mulheres fumantes foi menor que o de não-fumantes, tanto no caso de mulheres normais quanto obesas.
7. Os recém-nascidos filhos de mulheres desnutridas tiveram peso ao nascer significativamente menor que os filhos de mulheres normais, e os destas, que os filhos de obesas.
8. Essas diferenças perduraram ao longo do primeiro ano de vida.
Recebido para publicação em 05/02/1986
Reapresentado em 30/09/86
Aprovado para publicação em 08/10/1986
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Jun 2005 -
Data do Fascículo
Dez 1986
Histórico
-
Aceito
08 Out 1986 -
Revisado
30 Set 1986 -
Recebido
05 Fev 1986