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O hábito de beber e dirigir no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013 e 2019

RESUMO

OBJETIVO

Investigar os fatores associados ao hábito de beber e dirigir, bem como estimar as variações nas prevalências desse comportamento entre os anos de 2013 e 2019, por meio das informações das duas edições da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS).

MÉTODOS

A PNS é um estudo transversal, de âmbito nacional e base domiciliar. Nos anos de 2013 e 2019, foram entrevistados, respectivamente, 60.202 e 85.854 indivíduos. Para investigar a associação entre o indicador “beber e dirigir” e as variáveis do estudo, as razões de chances (RC) brutas e ajustadas foram estimadas por meio de modelos de regressão logística. Para a comparação das prevalências entre os anos estudados, foi utilizado o teste Qui-Quadrado de Pearson ajustado pela correção de Rao-Scott (que leva em consideração o efeito do plano de amostragem) e convertido em uma estatística F, testada no nível de significância de 5%.

RESULTADOS

A prevalência do hábito de beber e dirigir foi maior entre os homens no ano de 2013 (27,4%; IC95% 25,6–29,3%) e no ano de 2019 (20,5%; IC95% 19,4–21,7%) do que entre as mulheres (11,9%; IC95% 9,9–14,2% e 7,2%; IC95% 6,7–9,0%, respectivamente). Estimativas significativamente mais altas foram apresentadas por pessoas de 30 anos a 39 anos, que vivem sem companheiro(a), residentes em áreas rurais e condutores de motocicleta. Maiores prevalências de beber e dirigir foram encontradas entre homens que possuem maior rendimento. Entre os anos de 2013 e 2019, foi observado um decréscimo significativo no ato de beber e dirigir. Quanto ao envolvimento em acidentes de trânsito, as RC foram significativas (p < 0,01) nos anos estudados em ambos os sexos.

DISCUSSÃO

Os resultados mostram a necessidade de dar continuidade às políticas de fiscalização de alcoolemia e educação no trânsito, com ações específicas dirigidas às áreas rurais e aos condutores de motocicletas.

Acidentes de Trânsito, prevenção & controle; Dirigir sob a Influência; Consumo Excessivo de Bebidas Alcoólicas; Fatores de Risco; Inquéritos Epidemiológicos

ABSTRACT

OBJECTIVE

To assess factors associated with the habit of drinking and driving and estimating the variations in the prevalence of this behavior in 2013 and 2019, considering information from the two editions of the Pesquisa Nacional de Saúde (PNS – National Survey of Health).

METHODS

PNS is a nationwide cross-sectional home-based study. In 2013 and 2019, 60,202 and 85,854 individuals were interviewed, respectively. To assess the association between the indicator “drinking and driving” and the study variables, crude and adjusted odds ratios (ORs) were estimated using logistic regression models. To compare the prevalence between the studied years, a Pearson’s chi-squared test adjusted by the Rao-Scott correction (which considers the effect of the sampling plan) and converted into an F statistic, tested at a 5% significance level, was used.

RESULTS

The prevalence of drinking and driving was higher among men in 2013 (27.4%; 95%CI 25.6–29.3%) and 2019 (20.5%; 95%CI 19.4–21.7%) than among women (11.9%; 95%CI 9.9–14.2% and 7.2%; 95%CI 6.7–9.0%, respectively). Inidviduals aged 30 to 39, who lived without a partner, in rural areas, and were motorcycle drivers had significantly higher estimates. Men with higher income had higher prevalence of drinking and driving. From 2013 to 2019, the act of drinking and driving significantly decreased. Regarding traffic accidents, ORs were significant (p < 0.01) in the studied years for both men and women.

DISCUSSION

Results show the need to continue policies to monitor blood alcohol level and traffic education, with specific actions directed to rural areas and motorcycle drivers.

Accidents, Traffic, prevention & control; Driving Under the Influence; Binge Drinking; Risk Factors; Health Surveys

INTRODUÇÃO

O álcool é uma droga lícita amplamente difundida que vem sendo utilizada em diferentes culturas há muitos séculos, associado às festividades, cerimônias religiosas e celebrações11. Malta DC, Bernal RTI, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Szwarcwald CL, Morais Neto OL. Consumo de bebidas alcoólicas e direção de veículos nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, segundo dois inquéritos nacionais de saúde. Rev Bras Epidemiol. 2015;18 Supl 2:214-23. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060019
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. Em função de suas características psicotrópicas, seu uso favorece a sociabilidade e a integração entre os indivíduos e é, atualmente, um hábito social comum e frequente. Entretanto, apesar do álcool ser uma droga lícita, determinados padrões de consumo podem gerar consequências prejudiciais para a saúde do indivíduo e para a sociedade22. Damacena GN, Malta DC, Boccolini CS, Souza Júnior PRB, Almeida WS, Ribeiro LS, et al. Consumo abusivo de álcool e envolvimento em acidentes de trânsito na população brasileira, 2013. Cien Saude Colet. 2016;21(12):3777-86. https://doi.org/10.1590/1413-812320152112.25692015
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.

Entre os problemas associados ao uso abusivo de álcool, estão os distúrbios mentais e comportamentais, incluindo a dependência, doenças crônicas não transmissíveis, como a cirrose hepática, alguns tipos de câncer e doenças cardiovasculares, bem como lesões resultantes de violência e acidentes de trânsito33. Melo APS, França EB, Malta DC, Garcia LP, Mooney M, Naghavi M. Mortalidade por cirrose, câncer hepático e transtornos devidos ao uso de álcool: Carga Global de Doenças no Brasil, 1990 e 2015. Rev Bras Epidemiol. 2017;20 Supl 1:61-74. https://doi.org/10.1590/1980-5497201700050006
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. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo nocivo de álcool está associado a mais de três milhões de mortes por ano no mundo44. World Health Organization. Global status report on alcohol and health 2018. Geneva (CH): WHO; 2018 [cited 2021 Aug 20]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241565639
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. No Brasil, dados do Global Burden of Diseases (GBD) mostram que o consumo de álcool ocupou a 5ª posição, em 2017, entre os fatores de risco que mais contribuem para o número total de Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade55. Malta DC, Bernal RTI, Silva AG, Lima CM, Machado IE, Silva MMA. Tendência temporal da prevalência de indicadores relacionados à condução de veículos motorizados após o consumo de bebida alcoólica, entre os anos de 2007 e 2018. Rev Bras Epidemiol. 2020;23 Supl 1:e200012. https://doi.org/10.1590/1980-549720200012.supl.1
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,66. GBD 2016 Alcohol Collaborators. Alcohol use and burden for 195 countries and territories, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet. 2018;392(10152):1015-35. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)31310-2
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.

Tendo em vista os efeitos dessa substância no organismo, dirigir após consumi-la é considerado uma das principais causas de envolvimento em acidentes de trânsito55. Malta DC, Bernal RTI, Silva AG, Lima CM, Machado IE, Silva MMA. Tendência temporal da prevalência de indicadores relacionados à condução de veículos motorizados após o consumo de bebida alcoólica, entre os anos de 2007 e 2018. Rev Bras Epidemiol. 2020;23 Supl 1:e200012. https://doi.org/10.1590/1980-549720200012.supl.1
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. As modificações sensoriais provocadas pela intoxicação alcoólica comprometem as habilidades psicomotoras do indivíduo, provocando riscos ao condutor, aos passageiros e aos pedestres11. Malta DC, Bernal RTI, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Szwarcwald CL, Morais Neto OL. Consumo de bebidas alcoólicas e direção de veículos nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, segundo dois inquéritos nacionais de saúde. Rev Bras Epidemiol. 2015;18 Supl 2:214-23. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060019
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,77. Cardoso FM, Barbosa HA, Costa FM, Vieira MA, Caldeira AP. Fatores associados à prática do binge drinking entre estudantes da área da saúde. Rev CEFAC. 2015;17(2):475-84. https://doi.org/10.1590/1982-021620158914
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.

Segundo dados do Observatório de Saúde Global da OMS, no ano de 2019, o Brasil possuía uma taxa estimada de mortalidade no trânsito de 16,0 (por 100.000 habitantes), bem superior à encontrada em países desenvolvidos, como a Austrália (4,9 por 100.000 habitantes) e o Canadá (5,3 por 100.000 habitantes), contudo próxima a de outros países emergentes, como a China (17,4 por 100.000 habitantes)88. World Health Organization. Global Health Observatory data repository. Road traffic deaths data by WHO region. Geneva (CH): WHO; 2019 [cited 2021 Sep 16]. Available from: https://apps.who.int/gho/data/view.main.RoadTrafficDeathREG?lang=en
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. Nesse contexto, o monitoramento da alcoolemia tem um papel fundamental no que diz respeito à prevenção dos acidentes de trânsito no país55. Malta DC, Bernal RTI, Silva AG, Lima CM, Machado IE, Silva MMA. Tendência temporal da prevalência de indicadores relacionados à condução de veículos motorizados após o consumo de bebida alcoólica, entre os anos de 2007 e 2018. Rev Bras Epidemiol. 2020;23 Supl 1:e200012. https://doi.org/10.1590/1980-549720200012.supl.1
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,22. Damacena GN, Malta DC, Boccolini CS, Souza Júnior PRB, Almeida WS, Ribeiro LS, et al. Consumo abusivo de álcool e envolvimento em acidentes de trânsito na população brasileira, 2013. Cien Saude Colet. 2016;21(12):3777-86. https://doi.org/10.1590/1413-812320152112.25692015
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.

Nos Estados Unidos, dados do Centro de Administração Nacional de Segurança no Trânsito Rodoviário mostraram que, em 2016, 10.497 pessoas morreram em acidentes de trânsito causados pelo álcool, representando 28% de todas as mortes relacionadas ao trânsito99. National Center for Statistics and Analysis. Alcohol-impaired driving: 2016 data Washington, DC: National Highway Traffic Safety Administration; 2017. (Traffic Safety Facts. Report Nº DOT HS 812 450).. No Brasil, informações do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) mostraram que a Polícia Rodoviária Federal, no ano de 2017, flagrou 19.083 motoristas que dirigiram após consumir bebida alcoólica e que, no mesmo ano, 6.450 mil (33,8%) acidentes nas rodovias federais foram causados por motoristas alcoolizados, gerando 13 mil vítimas e cerca de mil mortes1010. Ministério da Infraestrutura (BR), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. Álcool e direção: uma mistura que não acaba bem. Brasília, DF: DNIT; 2019 [cited 2022 Jan 20]. Available from: https://www.gov.br/dnit/pt-br/assuntos/noticias/alcool-e-direcao-uma-mistura-que-nao-acaba-bem
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.

Em estudo baseado em dados da Pesquisa Nacional de Saúde - 2013, verificou-se que 24,4% dos brasileiros tinham o hábito de beber e dirigir, que esse comportamento estava associado ao maior risco de envolvimento em acidentes de trânsito e que os condutores do sexo masculino, da faixa de idade de 18 a 39 anos, tinham o maior risco de dirigir sob efeito do álcool22. Damacena GN, Malta DC, Boccolini CS, Souza Júnior PRB, Almeida WS, Ribeiro LS, et al. Consumo abusivo de álcool e envolvimento em acidentes de trânsito na população brasileira, 2013. Cien Saude Colet. 2016;21(12):3777-86. https://doi.org/10.1590/1413-812320152112.25692015
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Dados do inquérito de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) do mesmo ano mostraram que 29,3% dos homens e 16,5% das mulheres residentes em municípios de capitais tinham o hábito de beber e dirigir11. Malta DC, Bernal RTI, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Szwarcwald CL, Morais Neto OL. Consumo de bebidas alcoólicas e direção de veículos nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, segundo dois inquéritos nacionais de saúde. Rev Bras Epidemiol. 2015;18 Supl 2:214-23. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060019
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. Estudo recente com dados do Vigitel evidenciou redução no indicador de beber e dirigir entre os anos de 2007 e 201855. Malta DC, Bernal RTI, Silva AG, Lima CM, Machado IE, Silva MMA. Tendência temporal da prevalência de indicadores relacionados à condução de veículos motorizados após o consumo de bebida alcoólica, entre os anos de 2007 e 2018. Rev Bras Epidemiol. 2020;23 Supl 1:e200012. https://doi.org/10.1590/1980-549720200012.supl.1
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.

Na segunda edição da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2019, as questões referentes ao hábito de beber e dirigir foram repetidas, possibilitando estimar a variação temporal desse comportamento na população brasileira.

O objetivo desse estudo é investigar os fatores associados ao beber e dirigir, além de estimar as variações nas prevalências desse comportamento entre os anos de 2013 e 2019, por meio de informações das duas edições da PNS.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal que utilizou como fonte os dados das edições de 2013 e 2019 da PNS.

A PNS é um inquérito de âmbito nacional e base domiciliar realizado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos anos de 2013 e 2019. A PNS teve aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), em julho de 2013, sob o número nº 328.159, para a edição de 2013, e em agosto de 2019, sob o número nº 3.529.376, para a edição de 2019.

Amostragem

A população pesquisada corresponde aos moradores de domicílios particulares permanentes no Brasil, exceto os localizados nos setores censitários especiais.

A amostra da PNS constitui uma subamostra da Amostra Mestra do Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares (SIPD) do IBGE. O plano amostral foi realizado por meio de conglomerados em três estágios de seleção (setores censitários ou composição de setores, domicílios, indivíduos) com estratificação das unidades primárias de amostragem (UPA). O detalhamento do processo amostral e do cálculo dos fatores de expansão encontra-se na publicação de Souza Jr1111. Souza-Junior PRB, Freitas MPS, Antonaci GA, Szwarcwald CL. Desenho da amostra da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saude. 2015;24(2):207-16. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200003
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.

Na edição de 2013, foram selecionados 60.202 indivíduos de 18 anos ou mais para a entrevista individual; na edição de 2019, o número foi de 85.854 indivíduos.

Variáveis do Estudo

Foram utilizadas as informações do questionário individual, respondido por um morador de 18 anos ou mais selecionado no domicílio.

Para a construção do indicador “beber e dirigir”, utilizou-se a seguinte pergunta nas duas edições da PNS: “Em algum destes dias em que consumiu bebida alcoólica, o(a) sr(a) dirigiu logo depois de beber?”. Com as seguintes opções de respostas: 1) Sim; 2) Não. Essa pergunta foi feita apenas aos indivíduos que informaram consumir bebida alcoólica e que dirigem automóvel ou motocicleta. Os condutores foram identificados na pesquisa a partir das seguintes perguntas: “Atualmente, o(a) Sr(a) dirige automóvel (inclusive táxi, aplicativos de transportes e similares)?” e “Atualmente, o(a) Sr(a) dirige motocicleta?” (Figura). O referido indicador foi analisado segundo características sociodemográficas: sexo (masculino; feminino); faixa etária (18–29 anos; 30–39 anos; 40 anos ou mais); cor da pele/raça (branca; não branca); casado(a) ou vive com companheiro(a) (sim; não), renda per capita (< 1 salário-mínimo (SM); ≥ 1 SM); situação urbano/rural do domicílio de residência; e tipo de veículo conduzido (apenas carro e motocicleta).

Figura
Fluxo de perguntas para captar os indivíduos que têm o hábito de beber e dirigir. PNS, Brasil, 2013 e 2019.

Análise de Dados

Para cada uma das categorias das variáveis consideradas no estudo, estimou-se a prevalência do indicador “beber e dirigir” e seus respectivos intervalos de 95% de confiança em 2013 e em 2019. Para investigar a associação entre esse indicador e as variáveis de estudo, as razões de chances (RC) brutas e ajustadas por todas as demais variáveis foram estimadas por meio de modelos de regressão logística.

Para a comparação das prevalências entre os anos de 2013 e 2019, foi utilizado o teste qui-quadrado de Pearson ajustado pela correção de segunda ordem de Rao-Scott (que leva em consideração o efeito do plano de amostragem) e convertido em uma estatística F, testada no nível de significância de 5%.

Ademais, foi investigado, consoante o sexo, o envolvimento em acidente de trânsito como condutor(a) de carro, van ou motocicleta com lesões corporais nos últimos 12 meses a partir da pergunta: “Nos últimos 12 meses, o(a) sr(a) se envolveu em algum acidente de trânsito no qual tenha sofrido lesões corporais (ferimentos)?”. Para investigar a associação entre o indicador “beber e dirigir” e o envolvimento em acidente de trânsito nos últimos 12 meses, utilizou-se modelos de regressão logística por sexo. Foram estimadas as RC brutas e ajustadas por faixa de idade, casado(a) ou vive com companheiro(a) e renda per capita, sendo testadas no nível de significância de 5%.

A análise estatística levou em consideração o desenho amostral das duas pesquisas, incluindo os fatores de expansão e os efeitos de conglomeração. Os dados foram analisados utilizando o Software for Statistics and Data Science1212. Stata Statistical Software [computer program]. Version 14.0. CollegeStation, TX: StataCorp LP; 2015., versão 14.0, módulo “survey”.

RESULTADOS

Foram analisados 2.651 indivíduos em 2013 e 4.114 em 2019, os quais dirigiram depois de beber. A prevalência do hábito de beber e dirigir foi maior entre os homens nos dois anos pesquisados (27,4%, IC95% 25,6–29,3%, em 2013; 20,5%, IC95% 19,4–21,7%, em 2019) do que entre as mulheres (11,9%, IC95% 9,9–14,2%, em 2013; 7,2%, IC95% 6,7–9,0%, em 2019) (Tabelas 1 e 2). Esse comportamento foi mais prevalente na faixa de 30 a 39 anos tanto para o sexo masculino quanto para o feminino, nas duas edições da PNS.

Tabela 1
Prevalências do hábito de beber e dirigir e razões de chances (brutas e ajustadas) segundo variáveis sociodemográficas, situação de residência e tipo de veículo conduzido entre indivíduos do sexo masculino com 18 anos ou mais de idade. PNS, Brasil, 2013 e 2019.
Tabela 2
Prevalências do hábito de beber e dirigir e razões de chances (brutas e ajustadas) segundo variáveis sociodemográficas, situação de residência e tipo de veículo conduzido entre indivíduos do sexo feminino com 18 anos ou mais de idade. PNS, Brasil, 2013 e 2019.

Em 2013, homens entre 18 e 29 anos e entre 30 e 39 anos apresentaram razões de chance (RC) de 1,3 e 1,5 quando comparados aos de 40 anos ou mais. Em 2019, as RC foram, respectivamente, de 1,5 e 1,6, sendo significativas mesmo após os ajustes pelas demais variáveis (Tabela 1).

O hábito de beber e dirigir apresentou maiores prevalências entre os homens de raça/cor de pele não branca. Tanto em 2013 como em 2019, homens não brancos possuíam chance significativamente maior de beber e dirigir em comparação com os brancos. Entretanto, após o controle das demais variáveis, a RC foi significativa apenas para o ano de 2013 (Tabela 1).

Nos dois anos pesquisados, o beber e dirigir foi mais frequente entre os que não são casados ou que não vivem com companheira(o). A chance disso acontecer foi 20% maior entre os homens que vivem sem companheiro(a), porém as RC não foram significativas, após os ajustes pelas demais variáveis (Tabela 1).

No que diz respeito à renda per capita, o hábito aqui analisado foi maior entre os homens cujo rendimento é ≥ 1 SM. Comparados aos que têm renda < 1 SM, em 2013, as RC bruta e ajustada foram estatisticamente significativas, de 1,4 e 1,5, respectivamente. Em 2019, apenas a RC ajustada foi significativa, indicando que, após o controle por faixa de idade, esse comportamento foi mais prevalente entre os de maior renda per capita (Tabela 1).

Quanto à situação do domicílio (urbano/rural), os homens que viviam na área rural tiveram maiores prevalências do hábito de beber e dirigir. Comparando com os residentes em área urbana, tanto as RC brutas como as ajustadas foram significativas nos dois anos pesquisados (Tabela 1).

Em relação ao tipo de veículo conduzido, foi possível observar que os homens que dirigiam motocicleta tiveram RC brutas significativamente > 1 em comparação aos que dirigiam apenas carro nos dois anos considerados no estudo. Após o controle das demais variáveis, a RC foi significativa apenas em 2019 (Tabela 1).

Na Tabela 2 são apresentados os resultados para as mulheres. O hábito de beber e dirigir foi mais prevalente entre aquelas que tinham entre 30 a 39 anos, em 2013 e 2019. Em comparação às mulheres com 40 anos ou mais, as RC brutas e ajustadas foram significativas, variando de 1,7 a 1,9. Comparadas às que têm de 30 a 39 anos, os resultados relativos às mulheres de 18 a 29 anos não foram estatisticamente significativos.

De forma semelhante aos homens, mulheres que não eram casadas ou viviam sem companheiro(a) tiveram as maiores prevalências em relação ao ato de beber e dirigir. Nos anos de 2013 e 2019, quando comparadas às que viviam com companheiro(a), as RC brutas foram 1,8, e as ajustadas, 2,2 e 1,9, respectivamente, significativas no nível de 5% (Tabela 2).

Em relação ao tipo de veículo conduzido, mulheres que dirigiam motocicleta apresentaram maiores prevalências do comportamento analisado apenas em 2013. Nesse ano, comparadas às mulheres que dirigiam apenas carro, as RC bruta e ajustada foram significativas, de 1,6 e 1,7 (Tabela 2). Não foram encontradas diferenças evidentes no hábito de beber e dirigir segundo a cor da pele nem segundo rendimento per capita (Tabela 2).

Na tabela 3, são comparadas as prevalências desse hábito entre 2013 e 2019. Houve uma diminuição significativa da prevalência de 27,4% para 20,5% entre os homens e de 11,9% para 7,8% entre as mulheres. Quanto às variações por grupo de idade, entre os homens, reduções significativas ocorreram em todas as faixas; entre as mulheres, nas faixas de 30 a 39 anos e de 40 anos ou mais (Tabela 3). No que diz respeito à cor da pele, foi possível verificar decréscimos significativos tanto entre os brancos como entre os não brancos para ambos os sexos. Diminuições significativas no beber e dirigir foram encontradas também entre aqueles que não são casados(as) ou não vivem com companheiros(as). Entre os indivíduos casados ou que vivem com companheiros(as), essa redução foi significativa somente entre os homens (Tabela 3). A análise por renda per capita mostrou diminuições significativas do beber e dirigir para as duas categorias entre ambos os sexos.

Tabela 3
Comparação das prevalências do hábito de beber e dirigir entre 2013 e 2019 segundo as características sociodemográficas e tipo de veículo conduzido. PNS, Brasil, 2013 e 2019.

Quanto à situação urbano/rural e ao tipo de veículo conduzido, houve redução significativa para aqueles que residiam na área urbana e que eram condutores de motocicleta para os dois sexos; para os residentes da área rural e condutores somente de carro, a diminuição nas prevalências foi significativa apenas para os homens. No que se refere ao tipo de veículo conduzido, o decréscimo entre aqueles que eram condutores de motocicleta foi significativo, para ambos os sexos. Para os que eram condutores somente de carro, houve redução significativa entre os homens (Tabela 3).

Na Tabela 4, apresenta-se a análise da associação entre o hábito de beber e dirigir e o envolvimento em acidente de trânsito como condutor(a) de carro, van ou motocicleta com lesões corporais nos últimos 12 meses. Foi possível observar que as RC de envolvimento em acidentes de trânsito foram significativamente maiores entre homens e mulheres que tinham o hábito de beber e dirigir. Em 2013 e 2019, as RC brutas e ajustadas para o sexo masculino se aproximaram de 2. Para o sexo feminino, em 2013, as RC foram superiores a 4; em 2019, 2,7.

Tabela 4
Associação entre o hábito de beber e dirigir e o envolvimento em acidente de trânsito como condutor(a) de carro, van ou motocicleta com lesões corporais nos últimos 12 meses e o hábito de beber e dirigir. PNS, Brasil, 2013 e 2019.

DISCUSSÃO

Nesse artigo, por meio de informações coletadas na PNS-2013 e na PNS-2019, foi evidenciada uma redução da prevalência do beber e dirigir na população brasileira. Nas duas edições da PNS, as maiores prevalências do hábito de beber e dirigir foram observadas entre os homens, quando comparados às mulheres. Estimativas significativamente mais altas foram apresentadas por pessoas da faixa de idade de 30 a 39 anos, indivíduos que vivem sem companheiro(a) e condutores de motocicleta.

Maiores prevalências de beber e dirigir foram encontradas entre indivíduos do sexo masculino que possuem maior renda per capita, corroborando resultados de outros estudos1313. Sandoval GA, Monteiro MG, Campos KP, Shield K, Marinho F. Sociodemographics, lifestyle factors and health status indicators associated with alcohol consumption and related behaviours: a Brazilian population-based analysis. Public Health. 2020;178:49-61. https://doi.org/10.1016/j.puhe.2019.08.011
https://doi.org/10.1016/j.puhe.2019.08.0...
,1414. Fan AZ, Grant BF, Ruan WJ, Huang B, Chou SP. Drinking and driving among adults in the United States: results from the 2012-2013 national epidemiologic survey on alcohol and related conditions-III. Accid Anal Prev. 2019;125:49-55. https://doi.org/10.1016/j.aap.2019.01.016
https://doi.org/10.1016/j.aap.2019.01.01...
. O maior poder aquisitivo para adquirir um veículo automotor e consumir, habitualmente, bebidas alcoólicas é uma possível hipótese explicativa22. Damacena GN, Malta DC, Boccolini CS, Souza Júnior PRB, Almeida WS, Ribeiro LS, et al. Consumo abusivo de álcool e envolvimento em acidentes de trânsito na população brasileira, 2013. Cien Saude Colet. 2016;21(12):3777-86. https://doi.org/10.1590/1413-812320152112.25692015
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. De fato, estudo brasileiro com pessoas que tinham saído de festas e casas noturnas mostrou que a renda familiar entre aqueles que beberam e dirigiram era superior a oito salários-mínimos1515. Campos VR, Salgado R, Rocha MC, Duailibi S, Laranjeira R. Prevalência do beber e dirigir em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica. 2008;24(4):829-34. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000400013
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200800...
.

Os resultados deste artigo revelaram maiores prevalências do beber e dirigir nas áreas rurais. Na Austrália, um estudo mostrou, igualmente, que esse hábito era mais frequente entre aqueles que moravam em áreas rurais, e que a maior parte dos motoristas que dirigiam embriagados nesses locais eram do sexo masculino. Os autores do estudo ressaltam que as motivações para essa prática em áreas rurais são diferentes das de áreas urbanas, por isso são necessárias mais pesquisas, intervenções e fiscalizações1616. Armstrong KA, Watling H, Watson A, Davey J. Profile of urban vs rural drivers detected drink driving via Roadside Breath Testing (RBT) in Queensland, Australia, between 2000 and 2011. Transp Res Part F Traffic Psychol Behav. 2017;47:114-21. https://doi.org/10.1016/j.trf.2017.03.003
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. Outro estudo, realizado em Montana, área rural dos Estados Unidos, mostrou que estradas longas e vazias, poucas alternativas de transporte e a falta de fiscalização poderiam explicar as altas prevalências do beber e dirigir nessas regiões1717. Greene KM, Murphy ST, Rossheim ME. Context and culture: reasons young adults drink and drive in rural America. Accid Anal Prev. 2018;121:194-201. https://doi.org/10.1016/j.aap.2018.09.008
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. Na comparação entre os países, entretanto, é preciso considerar as características culturais e socioeconômicas e os distintos contextos em que esse comportamento é mais frequente1818. Bloomfield K, Stockwell T, Gmel G, Rehn N. International comparisons of alcohol consumption. Alcohol Res Health. 2003;27(1):95-109..

No que se refere ao tipo de veículo conduzido, segundo as informações das duas edições da PNS, as prevalências do hábito de beber e dirigir foram significativamente maiores entre os condutores de motocicleta. Trabalho realizado com pacientes atendidos em um serviço de emergência com lesões traumáticas em São Paulo mostrou que metade das lesões resultantes de acidentes de trânsito ocorreram entre motociclistas1919. Bombana HS, Bogstrand ST, Gjerde H, Jamt REG, Carvalho HB, Andreuccetti G, et al. Use of alcohol and illicit drugs by trauma patients in Sao Paulo, Brazil. Injury. 2022;53(1):30-6. https://10.1016/j.injury.2021.10.032
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. Já estudo realizado com motociclistas envolvidos em acidentes e internados no setor de traumatologia de um hospital de Recife, Pernambuco, revelou que o consumo de álcool antes do acidente foi relatado por 32,9% dos motociclistas e que o comportamento de dirigir após beber foi associado com o excesso de velocidade, o não uso do capacete e o fato de não possuir habilitação para motocicleta2020. Santos WJ, Coêlho VMS, Bonfim CV, Ceballos AGC. Alcohol and risky behavior in traffic among motorcyclists involved in accidents in a city in northeastern Brazil. Traffic Inj Prev. 2019;20(3):233-7. https://doi.org/10.1080/15389588.2019.1579318
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, mostrando a necessidade de maiores intervenções educativas voltadas para esse tipo de condutor.

Os achados desse estudo mostraram redução significativa do hábito de beber e dirigir entre os anos de 2013 e 2019. Pesquisa realizada nos Estados Unidos revelou, igualmente, que a prevalência desse hábito diminuiu significativamente em função de esforços nacionais e da implementação de programa de prevenção a esse comportamento2121. Park JY, Wu LT. Trends and correlates of driving under the influence of alcohol among different types of adult substance users in the United States: a national survey study. BMC Public Health. 2019;19:509. https://doi.org/10.1186/s12889-019-6889-8
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.

Conforme já discutido anteriormente22. Damacena GN, Malta DC, Boccolini CS, Souza Júnior PRB, Almeida WS, Ribeiro LS, et al. Consumo abusivo de álcool e envolvimento em acidentes de trânsito na população brasileira, 2013. Cien Saude Colet. 2016;21(12):3777-86. https://doi.org/10.1590/1413-812320152112.25692015
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, evidências referentes à associação entre o envolvimento de acidente de trânsito e o hábito de beber e dirigir foram encontradas nesse trabalho, entre homens e mulheres, apontando para a importância de reconhecer o uso de álcool antes de dirigir como um fator acidentogênico.

Como estratégia para a diminuição dos acidentes de trânsito, a Organização das Nações Unidas (ONU) determinou que os anos entre 2021 e 2030 formariam a nova década de ação pela segurança no trânsito, a fim de diminuir em 50% as mortes e lesões no trânsito nesse período2222. Organização Mundial da Saúde; Comissões Regionais das Nações. Unidas. Plano Global Década pela Segurança no Trânsito 2021-2030. Genebra; 2021 [cited 2022 Jan 27]. Available from: https://www.who.int/publications/m/item/global-plan-for-the-decade-of-action-for-road-safety-2021-2030
https://www.who.int/publications/m/item/...
. A prevenção de acidentes de trânsito causados em função do consumo de bebidas alcóolicas também está presente na Agenda 2030 da ONU, com o objetivo de realizar um desenvolvimento sustentável relacionado à saúde e ao bem-estar, com metas para a redução do uso nocivo de álcool e das mortes e ferimentos em estradas2323. Organização das Nações Unidas. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília, DF: Nações Unidas Brasil; 2015 [cited 2022 Jan 27]. Available from: https://nacoesunidas.org/pos2015/
https://nacoesunidas.org/pos2015/...
.

No Brasil, na última década, o projeto “Vida no Trânsito”, uma iniciativa coordenada pelo Ministério da Saúde em articulação com a Organização Pan Americana da Saúde (Opas), teve o objetivo de intervir em dois principais fatores: a velocidade excessiva e o beber e dirigir2424. Silva MMA, Morais Neto OL, Lima CM, Malta DC, Silva Júnior JB; Grupo Técnico de Parceiros do Projeto Vida no Trânsito. Projeto Vida no Trânsito - 2010 a 2012: uma contribuição para a Década de Ações para a Segurança no Trânsito 2011-2020 no Brasil. Epidemiol Serv Saude. 2013;22(3):531-6. https://doi.org/10.5123/S1679-49742013000300019
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. Reconhecidamente, as fiscalizações por checkpoints de sobriedade são estratégias fundamentais para reduzir a mortalidade no trânsito associada a esse hábito2525. Morrison CN, Ferris J, Wiebe DJ, Peek-Asa C, Branas CC. Sobriety checkpoints and alcohol-involved motor vehicle crashes at different temporal scales. Am J Prev Med. 2019;56(6):795-802. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2019.01.015
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. Evidências científicas baseadas em estudos realizados em diversos países reforçam que medidas legais que regulamentam a alcoolemia são essenciais para uma redução efetiva dos danos causados pelos acidentes de trânsito2626. World Health Organization: Drinking and driving: an international good practice manual. Geneva (CH): WHO; 2019 [cited 2021 Jul 12]. Available from: http://who.int/roadsafety/projects/manuals/alcohol/en/index.html#sthash.wSEMlXJg.dpuf
http://who.int/roadsafety/projects/manua...
.

É preciso ressaltar alguns aspectos sobre as atitudes dos motoristas perante esse comportamento nocivo. Dados de uma pesquisa realizada pela internet, na Austrália, mostrou que indivíduos que tinham esse comportamento eram menos propensos a concordar que o hábito de beber e dirigir levava a um maior risco de acidentes de trânsito, além da percepção de que poderiam escapar impunemente pela fiscalização. Em contraposição, motoristas que não tinham esse costume acreditavam que as estratégias de fiscalização eram muito brandas. A partir dessa pesquisa, pode-se inferir que os condutores que mostram descaso pelas leis de fiscalização se configuram como um grupo vulnerável e preocupante em relação ao problema do beber e dirigir2727. Stephens AN, Bishop CA, Liu S, Fitzharris M. Alcohol consumption patterns and attitudes toward drink-drive behaviours and road safety enforcement strategies. Accid Anal Prev. 2017;98:241-51. https://doi.org/10.1016/j.aap.2016.10.011
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.

No Brasil, a implantação da “Lei Seca”, no ano de 2008, e sua atualização, em 2012, representaram um importante avanço nas questões regulatórias relacionadas ao hábito de beber e dirigir. Pessoas que infringem a lei dirigindo sob efeito do álcool, além de serem multadas, terem o veículo retido e a Carteira Nacional de Habilitação suspensa, precisam passar por um curso de reciclagem de 30 horas com módulos que incluem aulas sobre direção defensiva.

Além das campanhas de conscientização, é fundamental a aplicação rigorosa e contínua da lei como um fator determinante para criar modelos de comportamento seguro nas vias. A implementação de políticas intersetoriais e de operações efetivas são, de fato, os principais elementos para uma mudança real nos comportamentos no trânsito a partir de uma percepção de vulnerabilidade e conhecimento do risco baseada nas normas que regulam e controlam esse tipo de comportamento social2828. Köchling J, Geis B, Chao CM, Dieks JK, Wirth S, Hensel KO. The hazardous (mis)perception of Self-estimated Alcohol intoxication and Fitness to drivE--an avoidable health risk: the SAFE randomised trial. Harm Reduct J. 2021;18(1):122. https://doi.org/10.1186/s12954-021-00567-4
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,2929. Guimarães AG, Silva AR. Impact of regulations to control alcohol consumption by drivers: an assessment of reduction in fatal traffic accident numbers in the Federal District, Brazil. Accid Anal Prev. 2019;127:110-7. https://doi.org/10.1016/j.aap.2019.01.017
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.

Medeiros3030. Medeiros MS. Apontamentos sobre as modalidades de intervenção social no enfrentamento das lesões e mortes causadas por acidentes de trânsito relacionados ao consumo de bebida alcoólica. Saude Soc. 2017;26(2):556-70. https://doi.org/10.1590/S0104-12902017157721
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ressalta ainda que a responsabilidade com os comportamentos de riscos é transferida para os indivíduos, em detrimento de uma lógica coletiva de produção e consumo baseada em interesses de agentes econômicos que utilizam a mídia como seu meio de difusão visando ao lucro. Segundo este autor3030. Medeiros MS. Apontamentos sobre as modalidades de intervenção social no enfrentamento das lesões e mortes causadas por acidentes de trânsito relacionados ao consumo de bebida alcoólica. Saude Soc. 2017;26(2):556-70. https://doi.org/10.1590/S0104-12902017157721
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, essa lógica hipervaloriza a liberdade de escolha do cidadão-consumidor e isenta a indústria do álcool de sua responsabilidade frente aos custos e prejuízos gerados com os acidentes de trânsito.

Entre as limitações desse estudo, é importante ressaltar que, apesar da amostra grande em ambas as edições da PNS, o número de mulheres que são motoristas e responderam ter bebido antes de dirigir é pequeno, então níveis de significância dos testes podem ter sido não significativos devido ao tamanho da amostra. Além disso, devido à natureza transversal desse estudo, deve-se considerar que a temporalidade e a causalidade podem ficar comprometidas.

Ademais, na análise da associação entre o hábito de beber e dirigir e o envolvimento em acidentes de trânsito, não foi possível saber se o indivíduo que se envolveu em acidente de trânsito estava em estado de alcoolemia, portanto esses achados devem ser examinados à luz desta limitação. A PNS apenas considera acidentes de trânsito com lesões corporais, o que pode estar subestimando a ocorrência de tal evento.

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  • Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes – Código de Financiamento 001).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    8 Dez 2021
  • Aceito
    18 Fev 2022
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