Open-access Comparação das categorias espaciais por meio de sistemas lingüístico e pictórico em pré-escolares de diferentes grupos sócio-econômico-culturais

Comparison of spacial categories in preschool children by means of linguistic and pictorial methods in three different socio-economic-cultural groups

Resumos

Foi investigado um sistema discriminativo relacionado à psicolingüística a ser aplicado no Programa Centro de Educação e Alimentação de Pré-Escolar (CEAPE). Optou-se por explorar a representação espacial por meio de sistemas lingüístico e pictórico. A amostra estudada foi constituída de 105 crianças de 3 a 6 anos e meio pertencentes a três grupos: do Programa CEAPE, de um grupo controle "Não-Ceapense" e de um outro de nível sócio-econômico alto da cidade de São Paulo. Estudou-se o poder discriminativo das perguntas nos três grupos de pré-escolares. Em relação às variáveis, nível sócio-econômico-cultural e estimulação, houve diferenças significativas para testes de compreensão lingüística em favor do grupo de alto nível sócio-econômico-cultural. As percentagens de categorias dominadas por 100% dos componentes dos três grupos foram, respectivamente: 41,7% (São Paulo), 30,6% (CEAPE) e, 25,0% (não CEAPE); 95% dos componentes dos três grupos dominaram, respectivamente, 50,0% (São Paulo), 47,2% (CEAPE) e 36,1% (não CEAPE) das categorias.

Pré-escolares; Criança; CEAPE


A research into a system, related to psycholinguistics, which is to be applied to a CEAPE program for preschool-age children is described. The choice fell upon spacial representation through linguistic and pictorial systems. A cross-section of ages was studied (from 3 to 6). Sample children came from 3 groups: those from a CEAPE program, a control group of children not covered by CEAPE and a high level socio-economic group from the city of S. Paulo, Brazil. The differentiating power of the items was studied in the 3 groups. With regard to socio-economic-cultural level and stimulation, significant differences in linguistic understanding to the advantage of the high level socio-economic-cultural group were observed Percentages of categories in which all subjects, answered correcty were respectively: 41.7% (S. Paulo), 30.6% (CEAPE) and 25.0% (non-CEAPE). Ninety-five percent of the members of the 3 groups gave correct answers to 50.0% (S. Paulo), 47.2% (CEAPE) and 36.1% (non-CEAPE) of the items, respectively.

Preschool, child; Child development; CEAPE


Comparação das categorias espaciais por meio de sistemas lingüístico e pictórico em pré-escolares de diferentes grupos sócio-econômico-culturais

Comparison of spacial categories in preschool children by means of linguistic and pictorial methods in three different socio-economic-cultural groups

Leonor Sclair CabralI; Ana Maria de G. e Albuquerque RoncadaII

IDa Pontifícia Universidade de Campinas – 13100 – Campinas, SP e da Escola Paulista de Medicina – Rua Botucatu, 720 – 04023 – São Paulo, SP – Brasil

IIDa Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Av. Ipiranga, 6.681 – Caixa Postal 1429 – 90000 – Porto Alegre, RS – Brasil

RESUMO

Foi investigado um sistema discriminativo relacionado à psicolingüística a ser aplicado no Programa Centro de Educação e Alimentação de Pré-Escolar (CEAPE). Optou-se por explorar a representação espacial por meio de sistemas lingüístico e pictórico. A amostra estudada foi constituída de 105 crianças de 3 a 6 anos e meio pertencentes a três grupos: do Programa CEAPE, de um grupo controle "Não-Ceapense" e de um outro de nível sócio-econômico alto da cidade de São Paulo. Estudou-se o poder discriminativo das perguntas nos três grupos de pré-escolares. Em relação às variáveis, nível sócio-econômico-cultural e estimulação, houve diferenças significativas para testes de compreensão lingüística em favor do grupo de alto nível sócio-econômico-cultural. As percentagens de categorias dominadas por 100% dos componentes dos três grupos foram, respectivamente: 41,7% (São Paulo), 30,6% (CEAPE) e, 25,0% (não CEAPE); 95% dos componentes dos três grupos dominaram, respectivamente, 50,0% (São Paulo), 47,2% (CEAPE) e 36,1% (não CEAPE) das categorias.

Unitermos: Pré-escolares, avaliação. Criança, desenvolvimento. CEAPE.

ABSTRACT

A research into a system, related to psycholinguistics, which is to be applied to a CEAPE program for preschool-age children is described. The choice fell upon spacial representation through linguistic and pictorial systems. A cross-section of ages was studied (from 3 to 6). Sample children came from 3 groups: those from a CEAPE program, a control group of children not covered by CEAPE and a high level socio-economic group from the city of S. Paulo, Brazil. The differentiating power of the items was studied in the 3 groups. With regard to socio-economic-cultural level and stimulation, significant differences in linguistic understanding to the advantage of the high level socio-economic-cultural group were observed Percentages of categories in which all subjects, answered correcty were respectively: 41.7% (S. Paulo), 30.6% (CEAPE) and 25.0% (non-CEAPE). Ninety-five percent of the members of the 3 groups gave correct answers to 50.0% (S. Paulo), 47.2% (CEAPE) and 36.1% (non-CEAPE) of the items, respectively.

Uniterms: Preschool, child, evaluation. Child development. CEAPE.

INTRODUÇÃO

Num programa (CEAPE) que se propõe, dentro das possibilidades existentes, diminuir a lacuna do currículo escondido em população pré-escolar desde os dois anos, bem como suplementar a dieta alimentar, a contribuição dos especialistas em psicolingüística, no presente experimento, consiste, numa primeira etapa em buscar uma medida discriminativa que possa ser facilmente aplicável como diagnóstico e, em decorrência, como fonte para exercícios adequados dentro do programa CEAPE.

Por isto, optou-se por explorar uma secção, a da representação do espaço através do sistema lingüístico e pictório.

Um modelo lingüístico foi utilizado para testar as categorias lingüísticas espaciais.

Na presente pesquisa foram observadas crianças pertencentes ao período pré-operacional, uma vez que os sujeitos estavam na faixa etária dos três aos seis anos e seis meses de idade.

Em acréscimo à teoria de Piaget e Inhelder20 (1948), levam-se em consideração, o fator histórico e, no mesmo contexto histórico, as diferenças encontradas entre os que estão expostos a diferentes subsistemas (Pinxten22, 1976). A presente hipótese de trabalho investiga a dependência da rapidez com que emergem as categorias espaciais ao fator estimulação e, igualmente, que, quanto mais complexas tais categorias e sua estruturação, tanto mais dependentes estarão de uma estimulação adequada.

Um outro ponto que merece consideração diz respeito às diferenças entre os diversos sistemas semiológicos, tais como as que há entre o lingüístico e o pictórico.

A hipótese (confirmada na presente pesquisa) é a de que existem limites e especificidades características a cada sistema, sendo a mais importante a de que no ato da fala, o emissor e o receptor estão presentes no ato da comunicação; as categorias espaciais estão referidas pelo sistema dêitico de pessoa que será analisado na secção seguinte.

A formalização das categorias de espaço e de localização por meio dos vários sistemas lingüísticos conforme Vernay26 (1974), é um conjunto extraído das categorias universais potenciais da matriz cognitiva humana que é ativado e progressivamente aumenta de complexidade, através da acumulação cultural *

Resumindo, toda vez que alguém procura localizar um objeto em relação a um interlocutor, poderá valer-se de duas maneiras (os chamados campos), o "Zeigfeld", definido pela expressão latina demonstratio ad oculos, na estrutura eu-aqui-agora e cuja significação é totalmente dependente da situação. A segunda maneira é denominada de "Symbolfeld", isto é, de campo simbólico : neste sistema, as palavras se situam e se determinam em relação ao contexto lingüístico e situacional: elas não são utilizadas para apontar para as coisas e eventos, mas sim para representá-los.

No processo de aquisição de linguagem, as crianças desenvolvem este segundo sistema paralelamente, o que é uma condição para a depreensão da situação e relacionamento entre objetos e dos objetos e eventos que estão espacial e temporalmente ausentes. É, igualmente, uma condição para comunicar o ponto de vista do interlocutor e/ou de pessoas ausentes.

O ponto de partida na presente pesquisa é, pois, a dêixis de localização e de pessoa.

A oposição básica na dêixis de localização ocorre entre o aqui e não aqui. O aqui é definido como o campo espacial compartilhado por ambos participantes do ato da fala, de modo contíguo.

Da intersecção desta oposição básica com a dêixis de pessoa, obtém-se uma outra oposição: aqui+eu / não aqui+eu. Postulate que esta é a primeira oposição espacial na criança.

A seguir, a dêixis de localização e a dêixis de pessoa são enfeixadas com a de quantificação descontínua. Sendo assim, o espaço passa a ser dividido em: coincidente, próximo e distante, em relação ao eu-aqui. A mesma divisão do espaço é atribuída às segunda e terceira pessoas do discurso, proporcionalmente ao desenvolvimento da descentração nas crianças.

Finalmente, uma outra noção, a de movimento, oposta à estática, completa o quadro referencial.

MATERIAL E MÉTODO

Categorias mensuradas

As seguintes categorias foram mensuradas :

eu/você/ele; aqui, ali, lá; este, esse, aquele; perto, longe; em cima de, embaixo de; em frente de, atrás de; à direita de, à esquerda de; em pé, deitado, sentado; para cima, para baixo; subir, descer; para frente, para trás; para a direita, para a esquerda; de, para, por, entre; dentro, fora.

As categorias topológicas foram estudadas apenas através do sistema pictórico e foram as seguintes: vizinhança, separação, relações de ordem, envolvimento e descontinuidade.

A amostra estudada foi constituída de 105 crianças cujas idades variaram de 3 a 6,6 anos, divididas em 7 grupos etários, com 15 crianças por grupo etário, sendo 5 crianças para cada uma das amostras SÃO PAULO, CEAPE e NÃO-CEAPE.

Os sujeitos pertenciam a dois diferentes grupos sócio-econômico-culturais: um alto (SÃO PAULO) e um baixo, subdividido, por seu turno em dois sub-grupos: um pertencente ao CEAPE (Centros de Educação e Alimentação do Pré-Escolar) (Gandra8, 1973) e que constituem um modelo alternativo de atendimento aos pré-escolares de 2 a 6 anos, a fim de lhes oferecer atividades psico-pedagógicas na forma de recreação orientada e suplementação alimentar, e o outro subgrupo pertencendo também ao nível sócio-econômico-cultural baixo, sem estimulação NÃO-CEAPE.

Duas pesquisadoras bem treinadas tomaram parte no experimento, uma delas dando instruções e a outra tomando notas cuidadosas.

O teste somente foi aplicado após o estabelecimento de um bom relacionamento com as crianças e a certeza de que haviam entendido as instruções.

Os testes de compreensão lingüística foram baseados em comandos verbais que eliciassem respostas motoras.

O teste de compreensão no sistema pictórico utilizou estímulos verbais e pictóricos e uma resposta motora (apontar).

No teste de produção lingüística, o principal objetivo foi testar o distanciamento (Brown1, 1973), de modo que as duas examinadoras estavam em salas diferentes. A primeira examinadora mostrava à criança a mesma situação do teste de recepção. Depois de mostrar cada uma das categorias, a criança deveria contar à examinadora que estava na outra sala o que tinha visto. Esta parte da pesquisa não será analisada aqui.

A produção pictórica foi levada a efeito em duas etapas: a primeira consistia em o examinador mostrar uma gravura e depois solicitar à criança que completasse o desenho.

A outra parte da produção pictórica consistia de um desenho livre onde as categorias topológicas foram examinadas. Um outro modelo (Olivier 17, 1974) também foi utilizado para analisar estes desenhos que foram comentados em profundidade em Roncada 24 (1979).

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Em relação à primeira das indagações da presente pesquisa, a ordem de complexidade das categorias, os resultados mostraram que, no teste de compreensão lingüística, 100% das crianças dominaram as seguintes categorias, independentemente do nível sócio-econômico-cultural e da estimulação: eu-você-ele; em pé, deitado, em cima de, para; portanto, estas categorias não constituem medidas discriminativas nestas faixas etárias.

Há uma pequena diferença em favor das crianças estimuladas ("CEAPE" e "SÃO PAULO"), em relação ao domínio 100% de categorias.

As percentagens de categorias dominadas por 100% dos componentes dos três grupos foram, respectivamente: 41,7% (SÃO PAULO), 30,6% (CEAPE) e 25,0% NÃO-CEAPE).

Dos componentes dos três grupos dominaram 95% das categorias: 50,0% SÃO PAULO, 47,2% CEAPE e 36,1% NÃO-CEAPE.

A noção de dentro no teste de compreensão lingüística mostrou-se discriminativa no que diz respeito à estimulação. Estes resultados confirmam os de Hunt e col12 (1975), no que diz respeito ao déficit para as informações atinentes à posição, resultantes de condições insatisfatórias durante o período pré-escolar. A ordem de domínio das categorias foi a mesma, principalmente para: dentro, em cima de, em frente de, entre, atrás de. Houve discrepância no conceito de em baixo de, uma vez que o grupo de nível sócio-econômico-cultural baixo NÃO-CEAPE saiu-se melhor que o CEAPE (este último com 90% de acertos).

A Tabela 1 mostra que a noção de por apresentou apenas 5% de respostas corretas por parte das crianças pertencentes ao nível sócio-econômico-cultural baixo, independentemente de terem ou não treino especial. O grupo de nível alto mostrou 45% de respostas corretas nesta categoria. Este conceito envolve os traços de origem, destino, retenção do âmbito espacial e movimento. Pesquisas subseqüentes que observem a imagem e a representação lingüística do movimento deverão ser levadas a cabo para clarificar resultados conflitantes (Marmor 16, 1975).

As outras categorias que se mostraram mais difíceis para as crianças foram, conforme era esperado, as noções de direita e esquerda. Maior número de acertos foi obtido nas camadas de mais alto nível sócio-econômico (São Paulo). Hardy e col.10 (1974) chegaram às mesmas conclusões ao examinarem 50 crianças do Jardim de Infância.

É sobremaneira difícil para as crianças e mesmo para os adultos espelhar no referente as noções retiradas do esquema corporal (Dubois6, 1975), já que, conforme tem sido bastante assinalado na literatura, o corpo humano apresenta simetria externa, embora funcionalmente ocorra dominância lateral esquerda para as funções de linguagem articulada, na maior parte dos indivíduos (Kershner14, 1971; Goyvaerts 9, 1975). Apesar dos referentes utilizados no experimento serem orientados quanto à frente e atrás (uma casa, um avião, um pássaro), estas categorias demonstraram ser muito difíceis. Harris e Strommen 11 (1972) evidenciaram, contudo, que crianças entre quatro-oito anos apresentaram respostas concordantes sobre as partes fronteira e traseira dos objetos, tivessem eles pistas ou não, sendo as respostas respectivamente de 80% e 67%. Mas Windmiller 27 (1976), ao estudar os pré-requisitos cognitivos para o entendimento do locativos espaciais, chegou a conclusões opostas.

Comentários adicionais devem ser feitos sobre o domínio das noções de aqui, ali e lá; este, esse, aquele; perto e longe. Pelo exame da Tabela 2, os sujeitos não demonstraram um domínio mais precoce nestas categorias conforme era esperado. Deve-se, porém, ter em mente que estas eram as categorias nas quais as noções de egocentrismo/ponto de vista do interlocutor estavam sendo testadas. Existe uma clara relação entre idade e dificuldade em colocar-se no ponto de vista de outrem para localizar objetos no espaço, ainda que alguns pesquisadores estejam em desacordo com as posturas de Piaget sobre o relacionamento existente entre egocentrismo espacial e comunicativo (Rubin25, 1974).

Com relação às conclusões de De Villiers e De Villiers5 (1974), investigou-se no presente experimento o desempenho dos sujeitos em duas situações contrastivas: uma na qual a examinadora estava ao lado da criança e outra quando estava frente a frente e longe dela. A posição vis-a-vis pode envolver espelhamento, um conceito cognitivo muito complexo que desempenha um papel na passagem de egocentrismo para o estádio não egocêntrico. Para explicar este fenômeno, considera-se a existência de uma reanálise feita pelas crianças em virtude da passagem do "Zeigfeld" para o "Symbolfeld", isto é, o que era utilizado como mera partícula de denominação agora passa a pertencer a um paradigma mais complexo, onde os traços de localização, pessoas do discurso e quantificação se interseccionam. Esta interpretação reforça a sugestão de Jackendoff13 (1976) sobre o desenvolvimento gradual nas crianças para domínios mais abstratos e abrangentes. Ao se analisar os dados de forma mais cuidadosa, pode-se verificar que todas as crianças mostraram um melhor desempenho quando eram o centro da referência (Tabela 2).

A ordem de aquisição dos conceitos espaciais que dizem respeito à verticalidade, perspectividade e lateralidade mostra que a noção de sobre foi a primeira a ser adquirida pelos três grupos. O experimento não demonstra que as noções de polaridade sejam dominadas primeiro, já que há um desbordamento nos três grupos. Algumas pesquisas (veja-se Butterworth 2, 1976) confirmam esta assimetria ontogeneticamente. Em cima parece ser a noção não marcada e mais simples. Embora Friedman e Seely7 (1976) ao discutir a hipótese de Clark3,4 (1973) de que as crianças entendam o membro positivo num par de antônimos, num teste de compreensão, desconfirmam assim a hipótese dos defensores da assimetria. Certamente a transposição do esquema corporal é compreendida mais facilmente no eixo vertical, começando com a noção da posição da cabeça.

A diferença crucial entre os dois sistemas semiológicos diz respeito à situação do discurso. Na comunicação oral, o emissor fala para um receptor presente sobre algo (presente ou ausente). Aí reside a origem da dêixis de lugar, pessoa (e tempo); a quantificação descontínua é também relacionada à dêixis.

Nas gravuras, a quantificação descontínua apenas pode ser dividida em proximidade e distância (a coincidência é impossível) entre objetos e eventos representados no espaço pictórico, através dos traços de projeção e perspectividade.

A noção de aqui foi dominada com algum desbordamento. O grupo mais baixo sem treinamento especial começou a dominá-la no grupo de 4,6 a 5 anos com um pequeno decréscimo no grupo de 6 a 6,6 anos. O grupo CEAPE começou a dominar a categoria no grupo de 3,6 a 4 anos, com pequeno decréscimo nos grupos de 4 a 4,6 anos e de 5,6 a 6 anos. O grupo pertencente ao nível sócio-econômico-cultural mais alto mostrou o pior desempenho: apenas os grupos de 5 a 5,6 e 5,6 a 6 anos mostraram o domínio completo desta categoria.

Ao se comparar, contudo, o domínio da noção de aqui com a de ali e lá, conclui-se que o paradigma não está completamente organizado nas crianças que pertencem ao grupo sem treinamento intensivo, enquanto que alguns grupos do CEAPE mostraram a distinção entre aqui e ali e alguns dos mais altos mostraram desempenho mais homogêneo.

A noção de aqui mostra resultados inconsistentes e foi testada deliberadamente para confirmar a hipótese de ausência da dêixis de pessoa no sistema pictórico (excluídas as estórias em quadrinhos).

Outras categorias dominadas primeiramente pelas crianças no teste de recepção foram: em baixo de, em cima de, de pé, deitado, sentado, dentro, seguidas por fora. Existem categorias que correspondem a referentes de uma natureza mais concreta: são mais fáceis de serem percebidos. Estas categorias também foram dominadas mais cedo no teste lingüístico.

A noção de de (procedência), uma das primeiras a ser dominada no teste lingüstico, mostrou-se difícil no teste pictórico. A explicação para este caso específico é a dificuldade para representar pictoricamente conceitos de atravessar, que contêm origem, movimento e alvo.

A análise dos desenhos a fim de testar as categorias topológicas confirma a hipótese de que vizinhança é a primeira categoria a ser adquirida pelas crianças. A noção de separação mostrou algum desbordamento: as crianças pertencentes ao grupo CEAPE apenas dominaram completamente esta categoria aos 5,6 a 6 anos, diferentemente dos dois outros grupos que dominaram antes (4 a 4,6 anos). As categorias de ordem e entre, conforme o esperado, estão muito relacionadas, mostrando um desenvolvimento similar.

A noção de envolvimento foi a última a ser dominada pelos três grupos. Os resultados estão concordes com a hipótese de Piaget e col.21 (1964), sobre a ordem de emergência das categorias topológicas, exceto quanto à de envolvimento; também estão concordes com a asserção daqueles autores de que os sistemas de referência bidimensionais se desenvolvem durante o período do pensamento operacional concreto (veja-se igualmente Pufall e Shaw 23, 1973).

Comparando os três grupos em seu desempenho como um todo, pode-se perceber claramente que o nível sócio-econômico-cultural mais baixo, sem treinamento intensivo (NÃO-CEAPE), mostrou desempenho mais pobre se comparado com os outros dois grupos. Comparando os resultados com os obtidos dos testes lingüísticos, pode-se concluir que a estimulação desempenhou um papel mais importante nas capacidades pictóricas que lingüísticas, confirmando a hipótese inicial. Outros autores como Omari18 (1975) assinalam a influência dos fatores ambientais sobre a aquisição dos conceitos espaciais entre escolares na Tanzânia, e Page19 (1973), que conduziu um experimento entre jovens zulus, demonstrou as dificuldades que as populações rurais apresentaram ao passar das categorias topológicas para as euclidianas. Kershner15 (1972) conclui que as crianças américo-hispânicas apresentam comportamento analítico-espacial, enquanto as anglo-saxônias mostraram um comportamento verbal global, quando testadas sobre suas capacidades para reproduzir direção e orientação.

CONCLUSÕES

Para os propósitos do presente experimento, as seguintes conclusões são relevantes:

a) Nos testes de compreensão lingüística, nas faixas etárias dos 3 aos 6,6 anos, não são discriminativas as categorias espaciais relativas a por, à esquerda de, à direita de, para a esquerda e para a direita, no nível sócio-econômico-cultural mais baixo, independentemente da estimulação.

b) As categorias eu-você-ele, em pé, deitado, em cima de, para não são discriminativas para todos os grupos examinados, por serem dominadas independentemente das faixas etárias examinadas, do nível sócio-econômico-cultural e da estimulação.

c) Os pronomes e advérbios de lugar relacionados às pessoas do discurso, quando se mede a criança já se coloca na posição do interlocutor, são discriminativos.

d) A ordem de aquisição das noções topológicas sugeridas por Piaget foi confirmada no experimento, exceto a noção de envolvimento, que se mostrou a mais difícil.

e) Em relação às variáveis nível sócio-econômico-cultural e estimulação, as diferenças mais significativas nos testes de compreensão lingüística foram as registradas entre os grupos NÃO-CEAPE/CEAPE versus SÃO PAULO, já que as categorias menos dominadas pelos primeiros grupos apresentaram 5% de acertos (a noção por) contra 35% de acertos no último grupo na noção menos dominada: para a esquerda. Ao se compararem os dois grupos de nível sócio-econômico mais baixo entre si, o NÃO-CEAPE mostrou o número mais reduzido de categorias dominadas cem por cento: 25,0% contra 30,6% do CEAPE.

f) A estimulação sistemática e intensiva desempenhou um papel mais importante no desenvolvimento das capacidades pictóricas do que nas lingüísticas.

Recebido para publicação em 10/07/1981

Aprovado para publicação em 17/11/1981

Convênio 10/77 – INAN/DN/FSP/USP

Referências bibliográficas

  • 1. BROWN, R. A first language, the early stages. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1973.
  • 2. BUTTERWORTH, G. Assymetrical search errors in infancy. Child Develop., 47:864-7, 1976.
  • 3. CLARK, E.V. What's in a word? On the child's acquisition of semantics in his firs language. In: More, T.E., ed. Cognitive development and the acquisition of language. New York, Academic Press, 1973. p. 65-110.
  • 4. CLARK, H.H. Space, time, semantics and the child. In: More, T.E., ed. Cognitive development and the acquisition of language. New York, Academic Press, 1973. p. 27-63.
  • 5. DE VILLIERS, P.A. & DE VILLIERS, J.G. On this, that and the other: nonegocentrism in very young children. J. exper. Child. Psychol. 18:438-47, 1974.
  • 6. DUBOIS, G. Orientation spatiale et temporalle: utilization d'epreuves Borel-Maisonny questionnaires espace et temps. Rev. Laring. Otol. Rhin., 96:375-472, 1975.
  • 7. FRIEDMAN, W.S. & SEELY, P.B. The child's acquisition of spatial and temporal word meanings. Child Develop., 47:1103-8, 1967.
  • 8. GANDRA, Y. R. Asistencia alimentaria por medio de centros de educación y alimentación del pre-escolar. Bol. Ofic. sanit. panamer., 74:302-14, 1973.
  • 9. GOYVAERTS, M. Recent advances in language acquisition. Commun. & Cogn., 8(1):45-87, 1975.
  • 10. HARDY, M. et al. Development of auditory and visual language concepts and relationship to instructional strategies in kindergarten. Elem. Engl., 51:525-32, 1974.
  • 11. HARRIS, L.J. & STROMMEN, E.A. The role of front-back features in children's front, back and beside placements of objects. Merril-Palmer Quart., 18:259-71, 1972.
  • 12. HUNT, J.M. et al. Social class and preschool language skill. III Semantic mastery of position information. Gen. Psychol. Monogr., 91:317-37, 1975.
  • 13. JAKENDOFF, R. Toward a cognitive viable semantics; Georgetown Round Table on Language and Linquistics. Washington, D.C., Georgetown University Press, 1975.
  • 14. KERSHNER, J.R. Children acquisition of visuo-spatial dimensionality: a conservation study. Develop. Psychol., 5:454-62, 1971.
  • 15. KERSHNER, J.R. Ethnic group differences in children's ability to produce direction and orientation. J. soc. Psychol., 88:3-13, 1972.
  • 16. MARMOR, G.S. Development of kinetic images: when does the child first represent movement in mental images. Cogn. Psychol., 7:548-59, 1975.
  • 17. OLIVIER, F. Le dessin enfantin est-il une écriture? Paris, PUF, 1974. p. 183-216.
  • 18. OMARI, I.M. Development order of spatial concepts among schoolchildren in Tanzania. J. Cross-Cult. Psychol., 6:444-56, 1975.
  • 19. PAGE, H.W. Concepts of length and distance in a study of Zulu youngs. J. soc. Psychol., 90:9-16, 1973.
  • 20. PIAGET, J. & INHELDER, N. La représentation de l' espace chez l' enfant. Paris, PUF, 1948.
  • 21. PIAGET, J. et al. L'epistémologie de l' espace. Paris, PUF, 1964.
  • 22. PINXTEN, R. Epistemic universais. A contribution to cognitive anthropology. In: Pinxten, R. ed. Universalism versus relativism in language and thought. The Hague, Mouton, 1976. p. 117-75.
  • 23. PUFALL, P.B. & SHAW, R.E. Analysis of the development of children's spatial reference systems. Cogn.Psychol., 5:151--75, 1973.
  • 24. RONCADA, A.M.G.A. Aquisição dos sistemas semiológicos lingüístico e pictório da espacialidade: possibilidade de transcodificação. Porto Alegre, 1979. [Dissertação de Mestrado Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul]
  • 25. RUBIN, K.H. The relationship between spatial and communicative egocentrism in children and young and old adults. J. genet. Psychol., 125:295-301, 1974.
  • 26. VERNAY, H. Essay sur l'organization de l'espace par divers systèmes linguistiques. Munchen, Wilhelm Eink Verlag. 1974.
  • 27. WINDMILLER, M. A child's conception of space as a prerequisite to his understanding of spatial locatives. Genet. Psychol. Monogr., 94:227-48, 1976.
  • *
    Para tornar esta secção de leitura mais compreensível, não será utilizada a notação formal empregada por Vernay 26.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 1981

    Histórico

    • Recebido
      10 Jul 1981
    • Aceito
      17 Nov 1981
    location_on
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br
    rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
    Acessibilidade / Reportar erro