RESUMO
OBJETIVO Identificar fatores associados ao aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida no Brasil.
MÉTODOS Revisão sistemática de estudos epidemiológicos conduzidos no Brasil com o aleitamento materno exclusivo como desfecho. Foram utilizadas as bases de dados Medline e Lilacs. Após a seleção de artigos, foi proposto um modelo teórico hierarquizado, segundo a proximidade da variável com o desfecho.
RESULTADOS Dos 67 artigos identificados, foram selecionados 20 estudos transversais e sete de coorte, conduzidos entre 1998 e 2010, compreendendo 77.866 crianças. Foram identificados 36 fatores associados ao aleitamento materno exclusivo, sendo mais frequentemente associados os fatores distais: local de residência, idade e escolaridade maternas, e os fatores proximais: trabalho materno, idade da criança, uso de chupeta e financiamento da atenção primária em saúde.
CONCLUSÕES O modelo teórico desenvolvido pode contribuir para a condução de futuras pesquisas e os fatores associados ao aleitamento materno exclusivo podem subsidiar políticas públicas em saúde e nutrição.
Aleitamento Materno; Comportamento Materno; Fatores de Risco; Fatores Socioeconômicos; Revisão
ABSTRACT
OBJECTIVE To identify factors associated with exclusive breastfeeding in the first six months of life in Brazil.
METHODS Systematic review of epidemiological studies conducted in Brazil with exclusive breastfeeding as outcome. Medline and LILACS databases were used. After the selection of articles, a hierarchical theoretical model was proposed according to the proximity of the variable to the outcome.
RESULTS Of the 67 articles identified, we selected 20 cross-sectional studies and seven cohort studies, conducted between 1998 and 2010, comprising 77,866 children. We identified 36 factors associated with exclusive breastfeeding, being more often associated the distal factors: place of residence, maternal age and education, and the proximal factors: maternal labor, age of the child, use of a pacifier, and financing of primary health care.
CONCLUSIONS The theoretical model developed may contribute to future research, and factors associated with exclusive breastfeeding may subsidize public policies on health and nutrition.
Breast Feeding; Maternal Behavior; Risk Factors; Socioeconomic Factors; Review
INTRODUÇÃO
O aleitamento materno é um tema crucial para a saúde pública, pois afeta diretamente os padrões de saúde e de mortalidade das populações.4,14,20,39,53 A prevalência e a duração do aleitamento materno parcial ou exclusivo aumentaram em todas as camadas sociais e regiões do Brasil entre as décadas de 1990 e 2010.35,45,a,b Parte dessa tendência pode ser atribuída às políticas nacionais de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno.35
Os diferentes contextos sociais e culturais podem influenciar a prática do aleitamento materno exclusivo e seus determinantes. Estudo conduzido em cidades de três países observou que maiores níveis de escolaridade materna estavam relacionados tanto com maiores prevalências de aleitamento materno exclusivo em Santos, SP, Brasil, quanto com menores prevalências na Cidade do México, México, e em Sula e Tegucigalpa, Honduras.32
Buscando maior homogeneidade populacional, esta revisão restringiu-se ao contexto brasileiro, já que os determinantes do aleitamento materno exclusivo podem se comportar diferentemente em culturas diversas.
O objetivo deste estudo foi identificar os fatores associados ao aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida no Brasil.
MÉTODOS
Foram analisadas publicações de estudos epidemiológicos conduzidos no Brasil sobre fatores associados ao aleitamento materno exclusivo. Foi realizada pesquisa bibliográfica nas bases Medline (via PubMed) e Lilacs. Não houve delimitação por período nem por idioma. Foi feita busca manual das referências incluídas na bibliografia de cada artigo.
As buscas foram conduzidas em julho de 2014, de forma independente, por dois revisores. Os termos de busca avançada para o PubMed foram: (exclusive[All Fields] AND ("breast feeding"[MeSH Terms] OR ("breast"[All Fields] AND "feeding"[All Fields]) OR "breast feeding"[All Fields] OR "breastfeeding"[All Fields]) AND ("Brazil"[MeSH Terms] OR "Brazil"[All Fields])) AND (determinants[All Fields] OR factors[All Fields] OR ("epidemiology"[Subheading] OR "epidemiology"[All Fields] OR "epidemiology"[MeSH Terms]))".
Na base de dados Lilacs, foram pesquisados, no modo "detalhes da pesquisa", os seguintes termos: "tw:(tw:(exclusive AND breastfeeding (epidemiology OR determinants OR factors)) AND (instance:"regional") AND (db:("LILACS"))) AND (instance:"regional") AND (mj:("Aleitamento Materno"))". Também foram utilizados os termos em português: "tw:(aleitamento AND materno AND exclusivo) AND (instance:"regional") AND (db:("LILACS") AND mj:("Aleitamento Materno")) OR fatores)) AND (instance:"regional") AND (db:("LILACS"))". O termo "Brasil" não foi empregado nessa base de dados, pois esta possui somente artigos publicados em periódicos da América Latina e Caribe.
Foram incluídos estudos epidemiológicos observacionais analíticos em que o aleitamento materno exclusivo era tratado como desfecho, com ajuste dos fatores estudados entre si e por possíveis fatores de confundimento, que adotaram a definição da World Health Organization (WHO)c para aleitamento materno exclusivo (a criança recebe somente leite humano, diretamente de sua mãe ou extraído, e não recebe mais nenhum outro líquido ou sólido, exceto gotas ou xaropes de vitaminas, suplementos vitamínicos ou medicamentos) e cujo processo de amostragem tenha gerado população representativa de lactentes de maternidades, cidades, estados, ou da nação brasileira.
Nos artigos em que mais de uma faixa etária foi avaliada (mais de um modelo estatístico para avaliar duas ou mais faixas etárias diferentes), foi escolhida a faixa etária de maior idade (com o limite de seis meses), uma vez que o objetivo foi avaliar o desfecho mais próximo à recomendação da WHOc de amamentação exclusiva até os seis meses de idade.
Foram excluídos estudos: com resultados sujeitos a viés de seleção (como perdas superiores a 20,0%) ou com possível viés de informação (como entrevistas realizadas com mães de crianças com mais de um ano de vida); que apresentaram somente o valor de p (sem apresentar as medidas de associação), que consideraram somente a população de nascidos com baixo peso; e revisões bibliográficas (sistemáticas ou não).
No caso de estudos que utilizaram a mesma base de dados e que foram publicados em mais de um artigo (periódicos e anos distintos), foram incluídos os que utilizaram faixas etárias diferentes ou variáveis e métodos analíticos distintos.
Os artigos selecionados foram armazenados sob o Portable Document Format (pdf) em diretório compartilhado em nuvem, discriminados pelas bases de dados de obtenção (Medline e Lilacs), e classificados em pastas distintas entre incluídos e excluídos.
A avaliação da qualidade metodológica dos estudos selecionados foi obtida pela adaptação da escala "Effective Public Health Practice Project: Quality Assessment Tool for Quantitative Studies – QATQS" (http://www.ephpp.ca/tools.html). Desta escala foram avaliados cinco quesitos (classificados em "fortes", "moderados" ou "fracos"): 1) viés de seleção; 2) desenho de estudo; 3) fatores de confundimento; 4) métodos de coleta de dados; e 5) tipo de análise empregada para o desfecho. As questões de cegamento (blinding) do QATQS não foram utilizadas em nenhum estudo (uma vez que nenhum ensaio clínico foi incluído), e as questões de perda de seguimento não foram aplicadas nos estudos seccionais. No quesito "desenho de estudo", os estudos seccionais tiveram pontuação inferior aos estudos de coorte, pois nos estudos seccionais a temporalidade entre as variáveis de exposição e o desfecho nem sempre pode ser estabelecida.
Considerando a pontuação final da escala QATQS de cada artigo selecionado, os artigos foram considerados fortes no caso de nenhum dos quesitos ter sido avaliado como fraco; moderado, no caso dos estudos que apresentaram um dos quesitos classificado como fraco; e, fracos, os estudos com um ou mais quesitos assim avaliados.
A extração dos dados foi realizada de forma independente por dois revisores por meio de formulário estruturado, onde foram registrados: último nome do primeiro autor; ano e revista de publicação; local(is) de realização; ano e período de realização; desenho de estudo; população do estudo; plano amostral utilizado; estratégia de seleção dos sujeitos da pesquisa; critérios de inclusão e exclusão; número amostral total; número amostral avaliado; total de perdas e motivo das perdas; faixa etária das crianças estudadas; tipo de desfecho; tipo de análise estatística; fatores de controle ou ajuste do modelo estatístico; resultados do modelo com a medida de associação e significância estatística; prevalência ou mediana de aleitamento materno exclusivo; limitações do estudo; e observações. Em caso de não concordância entre os pares, um terceiro revisor foi consultado.
A tabulação dos dados incluiu: referência do artigo (com o último nome do primeiro autor, revista e ano de publicação); local do estudo e ano da coleta de dados; número amostral avaliado (e fonte de dados); desfecho do estudo (aleitamento materno exclusivo ou sua interrupção); análise estatística empregada; prevalência (ou mediana) do aleitamento materno exclusivo encontrada e a faixa etária dessa prevalência (expressa em meses de vida); fatores associados ao aleitamento materno exclusivo de forma estatisticamente significativa (obtidos dos resultados dos modelos estatísticos), bem como sua medida de associação, e outros fatores avaliados sem associação estatisticamente significativa com o aleitamento materno exclusivo.
Foram construídas duas tabelas, uma para estudos transversais e outra para estudos de coorte. Como os estudos revistos mensuraram a prevalência ou a duração do aleitamento materno exclusivo em diferentes faixas etárias, as tabelas sumárias desse desfecho trazem esta informação.
A etapa seguinte consistiu em analisar individualmente a associação encontrada entre os fatores investigados e o aleitamento materno exclusivo, destacando e quantificando os seguintes aspectos: em quantos estudos esses fatores foram investigados, em quantos foi identificada associação com o aleitamento materno exclusivo nos modelos estatísticos e qual a sua direção.
A última etapa do estudo foi a construção de um modelo teórico hierarquizado (utilizando os pressupostos estabelecidos por Víctora et al)49 organizando todos os fatores encontrados de acordo com a proximidade com o desfecho. A seleção dos níveis de alocação das variáveis obedeceu à lógica de classificação cronológica entre fatores presentes antes da gestação, durante a gestação, no pós-parto imediato e do momento da alta hospitalar até os seis meses de vida.
Foram propostos quatro níveis de variáveis, agrupadas em blocos hierarquizados: 1) características distais (contextuais, domiciliares, familiares e maternas); 2) intermediárias distais (da gestação e da atenção pré-natal); 3) intermediárias proximais (da atenção ao parto, características maternas durante a internação hospitalar e características do recém-nascido); 4) proximais (características das nutrizes e da família, dos bebês e dos serviços de saúde).
Para prover parcimônia ao sumário das variáveis identificadas e também para a construção do modelo teórico, a terminologia utilizada em cada artigo para cada variável foi padronizada.
RESULTADOS
Dos 67 artigos recuperados por busca eletrônica, 44 foram excluídos por não se enquadrarem nos critérios de seleção. Após busca manual, foram incluídos quatro artigos,21,29,38,44 totalizando 27 artigos selecionados para análise5-7,9-11,15,16,18,21,23,24,28-31,34,39,40,43-46,47,51,52 (Figura 1), dos quais sete são estudos de coorte e 20, estudos seccionais. Destes 20, 12 utilizaram questionários baseados no Projeto Amamentação e Municípios (AMAMUNIC).48 Considerando a classificação dos artigos selecionados de acordo com a escala adaptada da QATQS, dos estudos seccionais, 14 foram considerados moderados e seis, fracos (Tabela 1). Entre os estudos de coorte, seis foram considerados fortes e apenas um, fraco (Tabela 2).
Fluxograma descritivo das etapas de revisão sistemática nas bases de dados Medline e Lilacs.
A maior parte dos estudos foram conduzidos em cidades e abrangeram 77.866 crianças. Quanto às regiões brasileiras, 14 estudos foram realizados no Sudeste do Brasil, seis no Sul, cinco no Nordeste, um no Centro-Oeste e um na região Norte. A revisão sistemática abrangeu estudos conduzidos entre 1998 e 2010 (Tabelas 1 e 2).
A prevalência pontual do aleitamento materno exclusivo aos seis meses variou de 3,9% em Bauru30 a 8,5% em Pernambuco, ambas em 2006.6 Quanto ao indicador da OMS, a prevalência de aleitamento materno exclusivo em crianças menores de seis meses de vida, resultante de inquérito dessa população, variou de 0% em 10 cidades do estado de São Paulo em 199846a 58,1% na cidade do Rio de Janeiro em 200731 (Tabelas 1 e 2).
Os fatores associados ao aleitamento materno exclusivo foram organizados em níveis hierarquizados (Tabela 3), sendo os mais frequentemente explorados (mais de um quinto dos 27 estudos): local de residência, cor da pele, idade e escolaridade maternas, paridade, situação conjugal, número de consultas pré-natais, nascimento em Hospital Amigo da Criança, tipo de parto, peso ao nascer, sexo do recém-nascido, trabalho materno, idade da criança, financiamento da unidade de atenção primária à saúde da criança e uso de chupeta.
Fatores investigados quanto à associação com o aleitamento materno exclusivo, organizados por nível hierarquizado, frequência de utilização e número de vezes em que se associaram de forma estatisticamente significativa ao aleitamento materno exclusivo.
Os fatores mais frequentemente associados ao aleitamento materno exclusivo (fatores investigados em pelo menos seis estudos e que apresentaram associação em pelo menos um terço dos estudos onde foram investigados) foram (segundo a categoria associada positivamente ao desfecho): local de residência (residência na capital, na região metropolitana ou no meio rural), idade materna intermediária, escolaridade materna crescente, ausência de trabalho materno, idade da criança (decrescente), não uso de chupeta e financiamento da atenção primária à saúde (privado) (Tabelas 1, 2 e 3).
Os estudos elencaram, ao total, 36 fatores que estiveram associados ao aleitamento materno exclusivo, 11 classificados como distais, quatro como intermediários distais, nove como intermediários proximais e 12 como proximais (Tabela 3).
Dos estudos selecionados, oito utilizaram modelo teórico hierarquizado para identificar os fatores associados ao aleitamento materno exclusivo antes de iniciar a modelagem estatística, sendo que somente um levou em conta variáveis contextuais47 (Tabelas 1 e 2).
Baseado nos fatores elencados nas análises dos 27 estudos selecionados, foi construído modelo teórico hierarquizado dos fatores associados ao aleitamento materno exclusivo. Alguns foram constituídos do agrupamento de fatores semelhantes, como em "dificuldades em amamentar", que agrupou as variáveis: fissura mamilar, horários pré-estabelecidos para amamentar e dificuldades de pega ou posição. Da mesma forma, foram agrupados como "indicadores emocionais" as variáveis: autovalorização e sofrimento psíquico maternos (Figura 2).
DISCUSSÃO
A revisão sistemática de estudos epidemiológicos brasileiros mostrou produção relevante de estudos a partir do final da década de 1990 tendo o aleitamento materno exclusivo como desfecho, os quais foram conduzidos principalmente na região Sudeste do Brasil. A maior parte dos estudos selecionados para esta revisão apresentou qualidade moderada, e apenas um quarto dos artigos teve desenho longitudinal. Portanto, a evidência dos fatores associados ao aleitamento materno exclusivo em menores de seis meses no Brasil encontrada na presente revisão pode ser considerada como moderada.
Foi elevado o número de variáveis elencadas nos estudos epidemiológicos utilizadas para explicar a duração do aleitamento materno exclusivo, sendo que a discussão dos achados desta revisão sistemática foi pautada pela organização das variáveis em níveis hierarquizados. Devido à diversidade de cenários e fatores investigados, o uso de medidas sumárias de associação derivadas de técnicas de meta-análise não foi considerado procedente.
Entre os fatores distais, o local de residência foi a variável contextual mais investigada, e os resultados foram discordantes, ora o meio urbano,6,29 ora o meio rural11 tendo se associado ao aleitamento materno exclusivo. A maioria dos fatores distais parece representar fatores socioeconômicos maternos. A escolaridade materna foi o fator mais amplamente investigado, quase a metade dos estudos tendo observado associação entre escolaridade materna e aleitamento materno exclusivo, e os achados foram unânimes: a baixa escolaridade associou-se à interrupção do aleitamento materno exclusivo. Nos estudos epidemiológicos, o gradiente socioeconômico em geral se reproduz em um gradiente de saúde.22 As pesquisas nacionais sobre aleitamento materno também reproduzem essas diferenças, em que mães com maior escolaridade amamentam exclusivamente por mais tempo.d
A variável "cor da pele ou raça", por sua vez, pode representar costumes, normas e tradições sociais,27 além de renda8 e relações sociais.e Considerando as pesquisas nacionais, mães brancas amamentaram exclusivamente por mais tempo,b porém apenas um estudo encontrou associação entre a cor da pele branca e maiores prevalências de aleitamento materno exclusivo.31
A idade materna e a paridade podem representar a experiência com o aleitamento materno.31,51 Todos os estudos que as investigaram, observaram associação entre maior paridade e aleitamento materno exclusivo.16,18,23,44,46,47 Quanto à idade materna, as idades intermediárias parecem ser protetoras para o aleitamento materno exclusivo, pois tanto mães adolescentes o interrompem mais precocemente5,29,40,46,47 quanto aquelas com 35 anos ou mais.6,10,16
Considerando os fatores intermediários distais, relativos à gestação, o número de consultas pré-natais foi a variável mais frequentemente investigada. Os três estudos que encontraram associação entre esta variável e o desfecho indicaram o baixo número de consultas pré-natais como fator de risco para o aleitamento materno exclusivo. Santo et al40 e Vieira et al52 consideram que a baixa adesão ao pré-natal pode representar mulheres que tenham menos cuidado com sua saúde; já Demétrio et al11 consideram que essa baixa adesão pode refletir baixo acesso a fontes de informação sobre aleitamento materno.
O atendimento público ou privado perpassa todos os níveis hierarquizados avaliados: pré-natal (nível intermediário distal), parto (intermediário proximal) e puericultura (proximal). A assistência primária privada se associou ao desfecho em três de 10 estudos.44,47,52 Essa variável pode representar tanto o acesso aos serviços de saúde, quanto a situação socioeconômica materna, pois o acesso aos serviços de saúde pode ser determinado por variáveis mais distais, como cor da pele, gênero, escolaridade e renda.36
Entre os fatores intermediários proximais, o peso ao nascer foi o fator mais amplamente utilizado, sendo encontrada associação positiva entre crianças com peso ao nascer adequado e aleitamento materno exclusivo em três dos 21 estudos que o investigaram.9,44,47 Isso pode ser explicado pelo fato de crianças com baixo peso ao nascer estarem mais propensas a ficar mais tempo internadas em unidade neonatal, passando, assim, mais tempo separadas de suas mães.41 Além disso, essas crianças podem ter mais dificuldades em iniciar ou manter o aleitamento materno, pois tanto a frequência, quanto a pressão da sucção aumentam conforme aumenta a idade gestacional e peso do recém-nascido.25
A idade gestacional, por sua vez, foi um indicador pouco utilizado nos estudos, pois podem ocorrer diferenças ou vieses nas classificações dessa variável.42 Apesar de nenhum estudo ter encontrado associação entre essa variável e o desfecho, sugere-se que esta seja mantida nos estudos.
Outro fator amplamente utilizado nos estudos foi o tipo de parto, porém, apenas dois estudos encontraram associação entre o parto normal e maior prevalência de aleitamento materno exclusivo.1,2 O parto normal contribui para o início oportuno do aleitamento materno,3 sendo possível supor que também possa propiciar a sua manutenção na modalidade exclusiva. Outra hipótese seria a possível relação entre características socioeconômicas e acesso aos serviços públicos de saúde,17 já que tanto o parto normal,13 quanto o início precoce da amamentação são mais praticados nesses serviços.3
Entre os fatores intermediários proximais estudados, os que aferem as orientações recebidas no hospital23,52 (associação positiva com o desfecho), as dificuldades para amamentar durante a internação hospitalar7 (associação negativa) e o aleitamento materno exclusivo na alta hospitalar31 (associação positiva) podem ser os mais adequados para avaliar aspectos relacionados ao peri-parto que venham a determinar a duração do aleitamento materno exclusivo.
A variável sexo do bebê foi utilizada em 14 estudos, sendo que dois6,47 encontraram associação positiva entre sexo feminino, e um entre sexo masculino5 e aleitamento materno exclusivo. Maior prevalência do aleitamento materno entre as meninas foi observada nas capitais de todo o Brasil;b contudo, não está claro se essa maior prevalência deveu-se a algum aspecto cultural, como a crença de que meninos precisam de maior aporte nutricional por meio de outros alimentos além do leite materno.32,47
Em relação aos fatores proximais considerados, o uso de chupeta foi o fator mais fortemente associado à interrupção do aleitamento materno exclusivo.2,7,9,16,21,24,28,30,43,44,51,52 O uso de chupeta pode levar à redução da frequência de amamentação, interferindo na demanda ao seio, e, possivelmente, alterando a dinâmica oral do bebê.50 Um estudo brasileiro concluiu que, além de a relação causal entre uso de chupeta e interrupção do aleitamento não estar clara (não se sabe se o uso de chupeta é um marcador da interrupção do aleitamento materno, ou se é uma causa do mesmo), o processo do uso de chupetas é dinâmico, com crianças iniciando ou interrompendo o uso de chupeta ao longo do período.50 Em estudo randomizado no Canadá,19 os autores observaram que o uso de chupeta pode ser marcador da interrupção do aleitamento materno ou de baixa motivação para amamentar, ao invés de ser causa da interrupção do aleitamento materno.
O trabalho materno foi uma variável amplamente utilizada nos estudos,1,2,6,7,9-11,16,21,24,28,30,31,34,38,43-47,52 e nos seis estudos que encontraram associação estatisticamente significativa, a mesma se mostrou negativamente associada ao desfecho. Porém, esta variável deve ser investigada levando em conta se a mãe está ou não em licença maternidade.51 Mães que trabalham fora com licença maternidade teriam melhores condições para manter o aleitamento materno exclusivo durante o período da licença.
A maior parte dos estudos baseados em inquéritos não levaram em consideração a idade da criança, mas a probabilidade de ser amamentada exclusivamente diminui à medida que aumenta a idade da criança. Todos os estudos que utilizaram essa variável encontraram associação entre idade decrescente (ou menor idade) da criança e aleitamento materno exclusivo.1,10,18,21,28,29,31,44
Entre todas as variáveis consideradas proximais, as que avaliam o acesso à informação ou orientação sobre aleitamento materno que as mulheres recebem nos serviços de atenção primária em saúde, poderiam ser aquelas mais diretamente associadas ao aleitamento materno exclusivo. Contudo, apenas Pereira et al31 utilizaram essa variável, observando que orientações em grupo e sobre posição e pega do bebê no peito se associaram a maior prevalência do aleitamento materno exclusivo.
Avaliando as estratégias de modelagem estatística, pouco menos de um quarto dos estudos compreendidos nesta revisão adotaram modelo teórico prévio às análises, organizando as variáveis em níveis hierarquizados.1,6,7,18,24,31,43,52 Apesar de dispensável, construir esse modelo conceitual é importante, pois requer conhecimento prévio sobre os fatores sociais e biológicos associados ao desfecho, auxiliando a estabelecer uma ordem de entrada lógica das variáveis no modelo baseado na hierarquia de fatores e não considerando apenas critérios puramente estatísticos.49 Nesse intuito, foi proposto modelo teórico hierarquizado, compreendendo os fatores identificados nos estudos desta revisão sistemática, que pode auxiliar no planejamento da coleta de dados e na estratégia de modelagem estatística dos estudos epidemiológicos relacionados ao aleitamento materno exclusivo.
As políticas públicas de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno adotadas no Brasil desde a década de 1980 têm contribuído para o aumento da duração mediana do aleitamento materno e de sua modalidade exclusiva em todo o País.35 Essas políticas, contudo, não podem ser consideradas como atributo do indivíduo: ter um parto em Hospital Amigo da Criança ou em maternidade com Banco de Leite Humano pode depender do contexto em que a mulher vive, bem como de seu acesso a esses serviços.
Além disso, os contextos locais dentro de cada cidade (distritos, bairros, vizinhanças) podem variar: na cidade do Rio de Janeiro, e.g., há grande variação na adoção dos 10 passos para o sucesso da amamentação (preconizadas pela Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação) entre as unidades da rede primária de saúde.37 Devem ser levadas em conta, também, as disparidades entre as unidades de saúde públicas e privadas, como as observadas na adoção da amamentação na primeira hora de vida nos hospitais (preconizada pela Iniciativa Hospital Amigo da Criança).3
Tendo em vista esse possível efeito de contexto, é plausível que nutrizes que residam nas mesmas regiões ou municípios (incluindo distritos, bairros ou unidades censitárias) compartilhem fatores sociais e econômicos (fatores contextuais) que influenciem na duração do aleitamento materno exclusivo, e.g., normas e atitudes em relação ao aleitamento materno; a organização e acesso aos serviços de atenção primária de saúde de seu bairro; e o nível de adoção das ações e políticas de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno. De fato, variáveis como os índices socioeconômicos compostos e o número de ações pró-aleitamento materno existentes em determinada região já foram utilizadas para a avaliação dos fatores associados ao aleitamento materno exclusivo.47
Foram identificados e descritos grande número de fatores utilizados em estudos epidemiológicos analíticos e sua direcionalidade na associação com o aleitamento materno exclusivo, observando-se a frequência com que são utilizados e a heterogeneidade de categorias e pontos de corte. Ao invés de definir o efeito de cada um dos fatores identificados na revisão sistemática por meio de meta-análise, optou-se por discutir os mesmos segundo um modelo hierarquizado teórico.
Algumas recomendações referentes aos achados deste estudo incluem a realização de mais estudos nas regiões Norte e Centro-Oeste do País, bem como o incentivo à produção acadêmica sobre fatores pouco explorados na associação com o aleitamento materno exclusivo.
O uso de modelo teórico conceitual prévio às análises estatísticas, dando preferência à organização das variáveis de forma hierarquizada em relação à proximidade com o desfecho, pode auxiliar a escolha das variáveis que serão incluídas nos estudos e avaliar a intermediação dos blocos de variáveis mais proximais em relação às mais distais.
Sugere-se que futuros estudos considerem variáveis de contexto para investigar a associação com o aleitamento materno exclusivo, uma vez que a inclusão de variáveis contextuais concomitante aos modelos multinível é uma estratégia útil para a adequação desses modelos.12 A realização de estudos que contemplem a triangulação de métodos qualitativos e quantitativos26 para a compreensão da relação de alguns fatores com o aleitamento materno exclusivo poderia contribuir também para uma melhor compreensão da temática.
A principal limitação dessa revisão sistemática foi o viés de seleção, pois não foram incluídos resumos publicados em anais de congressos, a chamada "literatura cinzenta".33 Outra limitação é a possibilidade de estudos relevantes não terem sido encontrados pela estratégia de busca utilizada. A possível subjetividade dos autores na avaliação e seleção dos artigos foi minimizada pela busca independente da literatura, pelo preenchimento de formulário padronizado e pela avaliação da qualidade dos artigos selecionados para a revisão.
Concluindo, o estudo dos determinantes do aleitamento materno exclusivo é de vital importância para a saúde pública, e os estudos epidemiológicos vêm cumprindo papel importante para a compreensão desse tema no Brasil. No entanto, o surgimento de novas e mais sofisticadas ferramentas estatísticas, bem como a crescente complexidade dos modelos explicativos e os efeitos de contexto dos fatores associados ao aleitamento materno exclusivo, trazem um novo desafio aos estudiosos do tema: o uso criterioso desses recursos e a divulgação dos resultados de forma clara e propositiva, direcionada à elaboração e aperfeiçoamento de políticas públicas de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno que repercutam na saúde e bem-estar da população.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
2015
Histórico
-
Recebido
11 Jun 2015 -
Aceito
4 Dez 2015