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Reemergência de infecções

Infections resurgence

Editorial

Editorial

Reemergência de infecções

Infections resurgence

Nos últimos decênios, a nossa população tem sido afligida pela reemergência de infecções supostamente abolidas de nosso convívio. Tais são a dengue e a cólera, para não dizer da malária e da febre amarela, as quais, ao menos potencialmente, ameaçam vir a se instalar nas regiões mais desenvolvidas, ou seja, no que poderíamos chamar de "primeiro mundo tupiniquim".

Não obstante sermos francamente terceiro-mundistas, isto é, cultural e tecnologicamente colonizados pelo verdadeiro primeiro mundo, este também tem-nos imitado nesse particular. Claro está que não se pretende mencionar especificamente aquelas entidades mórbidas acima referidas. Eis que elas deixaram ali de constituir problemas de saúde pública, e há muito tempo. Todavia, enfermidades como a tuberculose tem apresentado aspectos de reemergência naquela região, além de outras com a feição de emergentes, como a doença de Lyme e a própria Aids. O que se objetiva é referir algumas, de natureza exótica, cujo aparecimento vem demonstrar a receptividade à introdução dessas afecções.

Tais pensamentos vêm a propósito da recente ocorrência de surto de encefalite por vírus Nilo-Oeste (WN) na população da cidade de Nova York. A partir da segunda quinzena de agosto passado foram notificados dois casos nessa área municipal. Inicialmente pensou-se serem de encefalite de São Luís, porém as investigações posteriores esclareceram tratar-se de infecções pelo vírus Nilo-Oeste ou próximo ("like"). Em dezembro seguinte, os casos somavam a cifra de 59 com sete óbitos.

Os isolamentos em condições naturais foram obtidos a partir de Culex pipiens e de Aedes vexans, além de aves Corvus e Accipiter. Registrou-se acentuada epizootia aviária com elevada mortalidade, inclusive atingindo espécime de flamingo (Phoenicopterus) mantido em jardim zoológico. Os estudos experimentais vieram mostrar a elevada sensibilidade por parte dessas aves, incluindo o pardal (Passer domesticus), e a competência de Culex pipiens.

Esses resultados parecem diferenciar a amostra desse agente das encontradas na Euroásia. Para explicar tal discrepância, uma vez que essas raramente causam mortalidade nesses animais, aventou-se hipótese de combinação entre o estresse das aves engaioladas e a existência de maior virulência nessa cepa. Procedendo-se à análise do genoma viral, revelou-se semelhança com o de agentes procedentes da Romênia e de Israel (Komar,3 1999; Anderson et al,1 1999; Lanciotti et al,2 1999).

Seja como for, o estabelecimento de arbovirose em território norte-americano, exótica em relação à região das Américas, vem mostrar a possibilidade dela ali encontrar condições propícias para manutenção. Isso significa achar elementos propícios para cumprir o ciclo natural, além de situação favorável para ser importada e, conseqüentemente, de ameaça adicional à população humana. Tais fatos são de alertar sobre a possibilidade de transferência de infecções de uma região para outra, desempenhando nesta última o papel de reemergentes. Já é sobejamente conhecida a existência da chamada "malária aeroportuária". As barreiras naturais, em grande parte, são facilmente ultrapassáveis graças ao avanço da tecnologia humana. O desenvolvimento dos meios de transporte cada vez mais rápidos faz crescer a possibilidade de introdução de agentes patogênicos. E essa possibilidade torna-se tanto mais provável em países como o nosso.

Eis que, além da exportação facilitada pelo contrabando de vertebrados silvestres, pode dar-se a importação mediante animais procedentes de regiões exóticas. É de se recomendar que as nossas autoridades sanitárias equipem adequadamente os laboratórios de vigilância com vistas à identificação de agentes, tanto conhecidos como os ainda desconhecidos em nosso meio. Não estamos livres de alguma surpresa epidemiologicamente desagradável.

Oswaldo Paulo Forattini

Editor Científico

REFERÊNCIAS

1. Anderson JF, Andreadis TG, Vossbrinck CR, Tirrell S, Wakem EM, French RA et al. Isolation of West Nile virus from mosquitoes, crows, and a Cooper's Hawk in Connecticut. Science 1999;286:2331-3.

2. Lanciotti RS, Roehring JT, Deubel V, Smith J, Parker M, Steele K et al. Origin of the West Nile virus responsible for an outbreak of encephalitis in the northeastern United States. Science 1999;286:2333-7.

3. Komar N. West Nile virus in the northeast U.S. Vector Ecol Newsl 1999:30:13-4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Ago 2001
  • Data do Fascículo
    Abr 2000
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