Open-access Características contextuais de vizinhança e atividade física de lazer: Estudo Pró-Saúde

Neighborhood contextual characteristics and leisure-time physical activity: Pró-Saúde Study

Resumos

OBJETIVO  Estimar a associação entre variáveis contextuais de vizinhança e prática de atividade física de lazer.

MÉTODOS  Foram analisados dados de 2.674 participantes adultos de estudo longitudinal no Rio de Janeiro, RJ, em 1999. A atividade física de lazer, avaliada de forma dicotômica, referiu-se às duas semanas prévias à pesquisa. Sexo, idade, renda, escolaridade e situação conjugal foram analisados como variáveis individuais. Características contextuais referentes às vizinhanças (bairros) foram índice de desenvolvimento social, índice de Theil e proporção de área de parques, praças e jardins, categorizadas em quintis. Foram estimadas razões de chances brutas e ajustadas e intervalos de confiança de 95% por meio de regressão logística multinível.

RESULTADOS  As prevalências de atividade física de lazer foram maiores entre residentes de bairros com maiores índices de desenvolvimento social (entre 32,3% e 55,4%) e proporção de área de parques, praças e jardins (entre 35,8% e 53,1%). Para o índice de desenvolvimento social, quando comparados aos residentes de bairros do primeiro quintil, as razões de chances ajustadas de atividade física de lazer para variáveis individuais foram 1,22 (IC95% 0,93;1,61), 1,44 (IC95% 1,09;1,89), 1,75 (IC95% 1,31;2,34) e 2,25 (IC95% 1,70; 3,00) entre residentes de bairros do segundo, terceiro, quarto e quinto quintis. As razões de chances relativas à proporção de área de parques, praças e jardins foram 0,90 (IC95% 0,69;1,19), 1,41 (IC95% 1,04;1,90), 1,63 (IC95% 1,24;2,14) e 1,05 (IC95% 0,80;1,38) entre residentes de bairros dos segundo, terceiro, quarto e quinto quintis. Após ajuste para as demais variáveis contextuais, somente o índice de desenvolvimento social permaneceu associado à atividade física de lazer, com razões de chances de 1,41 (IC95% 1,02;1,95), 1,54 (IC95% 1,12;2,12); 1,65 (IC95% 1,14;2,39) e 2,13 (IC95% 1,40;3,25) para residentes de bairros dos segundo, terceiro, quarto e quinto quintis.

CONCLUSÕES  A atividade física de lazer foi mais frequente entre residentes de bairros com maiores índices de desenvolvimento social. Não foram observadas associações com acesso a espaços de lazer e desigualdade de renda.

Atividades Cotidianas; Atividades de Lazer; Estilo de Vida Sedentário; Atividade Motora; Áreas Verdes; Saúde Ambiental; Análise Multinível


OBJECTIVE  To estimate the association between neighborhood contextual variables and leisure-time physical activity.

METHODS  Data were analyzed for 2,674 adults from Rio de Janeiro, RJ, Southeastern Brazil, participating in the longitudinal study in 1999. Leisure-time physical activity in the two preceding weeks was assessed dichotomously. Sex, age, income, education and marital status were analyzed as individual variables. Neighborhood contextual characteristics were the social development index, the Theil index and the proportion of the area occupied by parks, squares and gardens, categorized in quintiles. The unadjusted and adjusted odds ratios and 95% confidence intervals were estimated using multilevel logistic regression.

RESULTS  The prevalence of leisure-time physical activity was higher in residents in neighborhoods with higher indices of social development (between 32.3% and 53.1%) and a greater proportion of parks, squares and gardens (between 35.8% and 53.1%). Regarding the social development index, the adjusted odds ratios for physical activity were 1.22 (95%CI 0.93;1.61), 1.44 (95%CI 1.09;1.89), 1.75 (95%CI 1.31;2.34) and 2.25 (95%CI 1.70;3.00) for residents in neighborhoods in the second, third, fourth and fifth quintiles, respectively, compared with residents in neighborhoods in the first quintile. The odds ratios for the proportion of parks, squares and gardens were 0.90 (95%CI 0.69;1.19), 1.41 (95%CI 1.04;1.90), 1.63 (95%CI 1.24;2.14) and 1.05 (95%CI 0.80;1.38) for residents in neighborhoods in the second, third, fourth and fifth quintiles. After adjusting for the other variables, only the social development index continued to be associated with leisure-time physical activity, with odds ratios of 1.41 (95%CI 1.02;1.95); 1.54 (95%CI 1.12;2.12); 1.65 (95%CI 1.14;2.39) and 2.13 (95%CI 1.40;3.25) for residents in neighborhoods in the second, third, fourth and fifth quintiles.

CONCLUSIONS  Leisure-time physical activity was more common in residents in neighborhoods with higher social development indices. No association was observed between access to leisure areas and income inequality.

Activities of Daily Living; Leisure Activities; Sedentary Lifestyle; Motor Activity; Green Areas; Environmental Health; Multilevel Analysis


INTRODUÇÃO

Os efeitos benéficos da atividade física à saúde estão bastante documentados na literatura científica.10 Entretanto, observa-se, de modo geral, padrão decrescente nos níveis populacionais de atividade física nas últimas décadas, em decorrência do aumento da mecanização dos processos de trabalho e de atividades cotidianas. Dessa forma, a atividade física de lazer vem assumindo papel crescente no cumprimento das necessidades diárias do gasto calórico.1 , a

Além da influência de fatores individuais, como sexo, idade, escolaridade e outros, as características do contexto onde os indivíduos estão inseridos, como seus locais de moradias ou vizinhanças, também podem influenciar a prática de atividade física de lazer.14

Apesar de não haver consenso sobre uma definição operacional, abordagens que utilizem as vizinhanças como unidade de análise apresentam crescimento expressivo em estudos epidemiológicos.3 , 23 De modo geral, vizinhanças são entendidas como espaços geográficos delimitados, onde, além de características físicas, seus residentes compartilham circunstâncias políticas, culturais e econômicas.15 , 16 Florey et al (2007) definem vizinhanças como qualquer agregação geográfica que tenha esse significado para seus residentes locais.7

Estudos sobre a influência de características de vizinhanças em desfechos de saúde mostram que os comportamentos em saúde e estilos de vida individuais não são distribuídos aleatoriamente em regiões e populações, ocorrendo interações dinâmicas e complexas entre indivíduos e seus contextos.2 , 9 As análises multiníveis, que incluem múltiplos níveis hierárquicos para a avaliação de desfechos do nível individual, são as mais indicadas para esses estudos, pois possibilitam a estimação mais refinada tanto da contribuição de variáveis relacionadas ao individuo quanto do contexto, além de fornecerem inferências não enviesadas devido à melhor estimação do erro-padrão dos parâmetros que pretendem ser estimados.3 , 23

Apesar do crescimento expressivo de pesquisas em saúde incluindo vizinhança como unidade de análise e que utilizam a abordagem multinível para suas investigações, pesquisas sobre a influência de fatores do contexto sobre a prática de atividade física de lazer ainda são escassas.

O objetivo deste estudo foi estimar a associação entre características contextuais de vizinhança e a prática de atividade física de lazer.

MÉTODOS

O Estudo Pró-Saúde, com delineamento longitudinal, foi realizado com trabalhadores técnico-administrativos de universidade no Rio de Janeiro, RJ, com foco principal nos determinantes sociais da saúde e de comportamentos em saúde.6 A população elegível foi constituída por 4.459 funcionários, dos quais 4.030 (90,4%) participaram da fase 1 do estudo em 1999. Entre esses participantes, 3.141 residiam no município do Rio de Janeiro, RJ. Nas análises apresentadas neste estudo foram incluídos dados relativos a 2.674 residentes em 144 vizinhanças (bairros), após exclusão daqueles com dados não fornecidos (endereço residencial: 97; atividade física de lazer: 307) e de 63 indivíduos impedidos de realizar alguma de suas atividades habituais por motivo de saúde no período de referência.

Dados individuais foram coletados por meio de questionários autopreenchidos no local de trabalho. Métodos para garantir a qualidade da informação e processamento de dados, como estudo piloto, confiabilidade do instrumento (teste-reteste) e procedimentos de dupla digitação independente, foram utilizados.5

A atividade física de lazer foi avaliada de forma dicotômica e autorreferida pelos participantes por meio da pergunta: “Nas últimas duas semanas você praticou alguma atividade física para melhorar sua saúde, condição física ou com objetivo estético ou de lazer?”. Outras variáveis individuais consideradas foram sexo, idade em anos (< 30, 31-40, 41-50, > 50); renda familiar per capita em salários mínimos (SM), equivalente na época: R$ 136,00 e US$ 77.71 (< 3 SM, 3 a 6 SM, > 6 SM); escolaridade (até ensino fundamental completo, ensino médio completo, ensino superior completo ou mais) e situação conjugal (solteiro(a), com união conjugal estável, separado(a)/viúvo(a)).

Para a construção das variáveis contextuais dos bairros de residência, foram utilizados dados da Fundação Parques e Jardinsb e do Censo Demográfico de 2000 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As variáveis analisadas e categorizadas em quintis foram: índice de desenvolvimento social em 2000, índice de Theil em 2000 e proporção de área de parques, praças e jardins em 1999.

O índice de desenvolvimento social é um indicador conceitualmente semelhante ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). É construído a partir de indicadores que abarcam quatro dimensões: acesso a saneamento básico, qualidade habitacional, grau de escolaridade do chefe de família e disponibilidade de renda. Quanto maior o índice, maior o desenvolvimento social de determinada área. O índice de Theil mede a desigualdade da distribuição de renda domiciliar per capita. Seu cálculo é feito a partir do logaritmo da razão entre as médias aritmética e geométrica das rendas individuais. Quanto maior o seu valor, maior a concentração de renda. A proporção de área de parques, praças e jardins foi um indicador idealizado no presente estudo com a finalidade de estimar condições ambientais favoráveis à prática de atividade física de lazer, como a proporção (%) da área de cada bairro ocupada por parques urbanos, praças e jardins.

A interdependência entre indivíduos que residiam em um mesmo bairro foi considerada, adotando-se modelos hierárquicos com indivíduos aninhados nos bairros. Foram estimadas razões de chances (RC) e seus respectivos intervalos de confiança de 95%, brutas e ajustadas, por variáveis individuais e contextuais com a utilização de três grupos de modelos de regressão logística multinível com intercepto aleatório. No grupo de modelos 1, foram estimadas as RC brutas; no grupo de modelos 2, cada variável contextual foi ajustada, em separado, pelas variáveis individuais; e no modelo 3 foram mutuamente ajustadas. Foram utilizados o algoritmo Restricted Iterative Generalized Least Squares e o método de estimação Penalized Quasilikelihood de segunda ordem.

Após o ajuste dos modelos, foram calculados os coeficientes de partição de variância para o modelo vazio e modelo final (modelo 3) segundo o método de simulação proposto por Goldstein et al11 A adequação dos modelos foi analisada via diagnósticos dos resíduos nos dois níveis de análise. Todos os procedimentos foram realizados no programa MLWin versão 2.02.

O número de indivíduos por bairro variou entre 1 e 214, com média de 17,3 indivíduos. A população do estudo foi formada, predominantemente, por funcionários do sexo feminino, com idade entre 31 e 40 anos, nível superior completo, renda familiar per capita maior que seis salários mínimos e com união conjugal estável (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das variáveis individuais entre participantes do Estudo Pró-Saúde. Rio de Janeiro, RJ, 1999.

A prevalência de atividade física de lazer foi estimada em 42,9%, sendo maior entre homens, com nível superior completo e renda familiar per capita maior que seis salários mínimos. Também foram encontradas maiores prevalências entre indivíduos residentes em bairros com maiores índices de Theil, de desenvolvimento social e proporções de área de parques, praças e jardins (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalência de atividade física de lazer segundo variáveis individuais e contextuais de bairro de residência. Rio de Janeiro, RJ, 1999.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Registro 224/1999). Foram esclarecidos o caráter voluntário da participação e a natureza confidencial das informações aos funcionários. Todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Nos modelos brutos (modelos 1), indivíduos dos bairros do quarto e quinto quintis do índice de Theil, terceiro, quarto e quinto quintis do índice de desenvolvimento social e terceiro e quarto quintis da proporção de área de parques, praças e jardins possuíram chances significativamente maiores de praticar atividade física de lazer comparados aos que residiam em bairros do primeiro quintil dessas variáveis. Com a inclusão de variáveis individuais (modelos 2), as associações entre índice de desenvolvimento social, proporção de área de parques, praças e jardins e atividade física de lazer ficaram atenuadas, porém permaneceram significativas. Já a associação entre o índice de Theil e a atividade física de lazer perdeu significância estatística (Tabela 3).

Tabela 3
Razões de chances (RC) brutas e ajustadas por variáveis sociodemográficas individuais e contextuais de bairro de residência. Rio de Janeiro, RJ, 1999.

No modelo 3, que incluiu todas as variáveis individuais e contextuais, somente o índice de desenvolvimento social permaneceu associado à atividade física de lazer, apresentando aumento na razão de chance com o aumento dos quintis. Assim, os residentes de bairros do quinto quintil de índice de desenvolvimento social apresentaram chance duas vezes maior (RC = 2,13; IC95% 1,40;3,25) de praticar atividade física de lazer comparados aos residentes de bairros do primeiro quintil (Tabela 3).

Os percentuais da variância não explicada atribuível a diferenças entre as vizinhanças foram 3,6% no modelo vazio e 0,03% para indivíduos nas categorias de referências das variáveis incluídas no modelo 3 (homens jovens, solteiros, com maior renda e escolaridade; e residentes de bairros com menores índices de Theil, maiores índices de desenvolvimento social e maiores proporções de área de parques, praças e jardins). A análise dos resíduos, tanto do primeiro quanto do segundo nível, apresentou distribuição normal.

DISCUSSÃO

O Rio de Janeiro apresenta grandes contrastes econômicos e sociais. Enquanto alguns bairros possuem valores elevados de índice de desenvolvimento social, outros apresentam níveis bem inferiores à média municipal. Por outro lado, a cidade possui ampla orla marítima e muitos parques e praças, propiciando condições favoráveis à prática de atividade física de lazer. Entretanto, o acesso populacional a essas condições ambientais não é homogêneo.

Neste estudo, a prática de atividade física de lazer variou significativamente segundo bairros de residência. A atividade física de lazer foi mais prevalente entre residentes de bairros com melhores condições sociais e de acesso a áreas públicas de lazer, independentemente de seus atributos individuais. No entanto, quando ajustadas de forma simultânea, as características socioambientais agrupadas no índice de desenvolvimento social mostraram-se mais importantes que as físicas na determinação da prática de atividade física de lazer. O índice de Theil associado à atividade física nos modelos brutos perdeu significância estatística ao ser ajustado pelas variáveis individuais, sugerindo que a desigualdade de renda não está associada à prática de atividade física de lazer.

As informações sobre os padrões de atividade física de lazer dos brasileiros são bastante escassas, porém vão ao encontro dos resultados apresentados neste estudo. Dados do Sistema de Vigilância de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) relativos a 2011 indicam prevalência de atividade física de lazer de 30,0% nas capitais, sendo maior entre homens (40,0%) em comparação a mulheres (22,0%), e com aumento conforme escolaridade em ambos os sexos.c

As prevalências mais elevadas observadas no presente estudo (42,9%) podem ser explicadas por características da população estudada (economicamente ativa e com nível de escolaridade mais elevado). Além disso, foram classificados como ativos os indivíduos que relataram ter praticado atividade física de lazer nas duas semanas prévias à pesquisa; em contraste, em inquéritos como o Vigitelc indivíduos ativos no lazer foram aqueles que praticavam atividades leves ou moderadas em cinco dias ou mais da semana por pelo menos 30 min e/ou atividades vigorosas em três dias ou mais na semana por pelo menos 20 min. Assim, foram classificados como ativos os indivíduos que praticavam atividade física de lazer de forma mais esporádica e em menor intensidade, gerando, portanto, prevalências de atividade física de lazer mais elevadas.

Tradicionalmente, iniciativas de promoção da saúde de incentivo à prática de atividade física são baseadas em medidas educativas que enfatizam mudanças de comportamento individuais. No entanto, essa abordagem focada exclusivamente no indivíduo tem se mostrado insuficiente para o incremento populacional da atividade física de lazer. Atenção crescente vem sendo concedida ao papel de mudanças profundas ocorridas nas características dos ambientes físicos, sociais e construídos pelo homem – variando desde espaços como edifícios e parques até infraestrutura de bairros e cidades, tais como abastecimento de água ou redes de energia – com influências potencialmente fortes sobre os padrões populacionais de atividade física, podendo-se afirmar que o crescente sedentarismo não está restrito à esfera das escolhas individuais.1 , 19

Sob essa perspectiva ampliada, estudos internacionais, realizados sobretudo desde 2000 nos Estados Unidos, Austrália e países europeus, mostram que algumas características contextuais da região de moradia estão consistentemente associadas à atividade física de lazer. Há maior chance de ser fisicamente ativo entre residentes de vizinhanças com: acesso a locais propícios à prática de atividade física de lazer, melhores condições de trânsito, calçadas, ciclovias e trilhas; segurança, iluminação das vias urbanas; facilidades de deslocamento, presença de árvores e paisagens agradáveis; proximidade de parques, áreas de lazer, orla marítima e áreas verdes.13 , 14 , 17 , 19 , 20 Por outro lado, residentes de vizinhanças que privilegiam o acúmulo de rodovias e a utilização de automóveis, ou que tornem a prática de atividade física insegura – em decorrência da falta de calçadas e faixas de pedestres ou devido a taxas elevadas de violência –, possuem chances aumentadas de serem sedentários.18 , 19 , 21

Apesar de escassos, de forma geral, os estudos brasileiros apresentam associações entre atividade física de lazer e características contextuais de vizinhanças. Dados da população adulta das capitais brasileiras para o ano de 2006 coletados pelo Vigitelc mostraram associações diretas entre prática de atividade física de lazer e proximidade da residência dos respondentes com locais que propiciam a atividade física de lazer.8 Em outro estudo,22 realizado com população idosa do município de São Paulo, SP, a atividade física de lazer esteve associada, entre os homens, à percepção de segurança, presença de quadras e academias e proximidade de agências bancárias ou posto de saúde. Para mulheres, morar próximo a igrejas e a presença de praças e academias na área de residência foram associados ao aumento da atividade física de lazer. Por outro lado, estudo realizado com população adulta de São Paulo participante do Vigitelc não encontrou associação entre densidade de parques e instalações/equipamentos públicos para prática de atividade física nas áreas de moradia e atividade física de lazer.12

Em estudo realizado em 11 países (Bélgica, Brasil, Canadá, Colômbia, China, Estados Unidos, Japão, Lituânia, Noruega, Nova Zelândia e Suécia) com métodos padronizados de captação da informação sobre atividade física e características da vizinhança, cinco entre sete variáveis sobre o contexto foram associadas à atividade física em todos os países, permitindo a generalização dos resultados em países economicamente privilegiados para outros de renda média e baixa.21 A variável contextual que mais esteve associada com a prática de atividade física foi a presença de calçadas na maior parte das ruas da vizinhança.21 Esse resultado reforça a ideia de que estratégias simples e não onerosas podem estimular diversas atividades relacionadas ao lazer e ao deslocamento, como caminhada, corrida, patinação e ciclismo.18 , 20 , 21

Em relação especificamente às áreas verdes e parques públicos, quando localização, acesso e condições de manutenção e de segurança são convenientes, os estudos revelam associações diretas com atividade física de lazer devido ao baixo (ou nenhum) custo, presença de espaços agradáveis ligados à natureza, compartilhamento do espaço com outras pessoas fisicamente ativas e maior interação e coesão social. Além disso, locais onde há mais árvores e áreas verdes estão associados à menor frequência de crimes, agressão e violência.1 , 24

A presença de parques na vizinhança está associada a benefícios que vão além da saúde física e mental. Associa-se também a benefícios sociais (e.g., ampliação da interação social), econômicos (e.g., ampliação de restaurantes e lojas nas proximidades) e ambientais (e.g., redução da poluição do ar).1 , 24 Por outro lado, o acesso a esses espaços não é igualitário: nos Estados Unidos, minorias raciais, pobres, idosos e mulheres têm menos acesso a espaços que propiciem a prática de atividade física de lazer.1 , 17 , 19 Diez-Roux et al encontraram associação entre acesso a áreas de lazer e prática de atividade física de lazer entre indivíduos afro-americanos e latinos, porém não houve associação entre brancos,4 o que mostra a complexidade das interações entre o contexto e os comportamentos individuais. Essas desigualdades de acesso poderiam explicar achados relacionados à desigualdade de raça/etnia e socioeconômica a respeito, e.g., da obesidade.19

Algumas limitações podem ter influenciado os resultados encontrados neste estudo. Primeiro, a escolha pelo bairro de moradia por pessoas fisicamente ativas pode ter sido influenciada pela constatação da facilidade de seu acesso a ambientes favoráveis à atividade física de lazer. Segundo, apesar de a proporção de área de parques, praças e jardins servir como marcadora de acesso a ambientes de lazer, espaços relacionados à atividade física de lazer como praias e ciclovias não fizeram parte das análises por não integrarem os bancos de dados disponíveis, o que pode ter diluído a associação entre essa variável e a atividade física de lazer. Terceiro, como os bairros do Rio de Janeiro são muito heterogêneos, a capacidade de distinguir diferenças “interbairros” ficou diminuída, como indicado pelo coeficiente de partição de variância do modelo vazio. No entanto, a escolha por unidades menores de análise e, portanto, mais homogêneas faria com que o número de indivíduos ficasse muito reduzido dentro de cada unidade. Finalmente, o período a que a variável atividade física de lazer se refere – somente duas semanas prévias à pesquisa – não garante que se trate de hábito constante; além disso, a análise não incorporou outras dimensões, como tipo, frequência, intensidade e duração da atividade física de lazer. Por outro lado, a experiência de população residente em região heterogênea e com contrastes econômicos, étnico/raciais e sociais permitiu a ampliação do entendimento da interação existente entre comportamentos em saúde e efeitos do ambiente na determinação da atividade física de lazer.

Em síntese, os dados sugerem que a ampliação do acesso a espaços públicos de lazer é importante medida de promoção à saúde em nível coletivo. Contudo, melhores condições sociais podem influenciar mais fortemente a possibilidade de indivíduos praticarem atividade física de lazer, independentemente de seus atributos individuais e do acesso potencial que esses indivíduos possuam a espaços de lazer. Esses resultados vão ao encontro de teorias sobre interação dinâmica entre indivíduos e o contexto onde vivem, que postulam que a maioria dos comportamentos e desfechos em saúde não são distribuídos aleatoriamente em regiões ou populações.2

No caso da atividade física de lazer, componentes contextuais mostraram-se tão ou mais determinantes para sua prática que os individuais. Assim, conclui-se que o enfoque para um estilo de vida ativo, ainda muito baseado em ações educacionais no nível do indivíduo, precisa ser direcionado também a melhorias de aspectos contextuais como dos ambientes urbanos, sobretudo as condições sociais.

REFERÊNCIAS

  • 1 Bedimo-Rung AL, Mowen AJ, Cohen DA. The significance of parks to physical activity and public health: a conceptual model. Am J Prev Med. 2005;28(2Suppl2):159-68. DOI:10.1016/j.amepre.2004.10.024
    » https://doi.org/10.1016/j.amepre.2004.10.024
  • 2 Blakely T, Subramanian, SV. Multilevel studies. In: Oakes JM, Kaufman JS, editors. Methods in social epidemiology. San Francisco: Jossey-Bass; 2006. p. 316-40.
  • 3 Diez-Roux AV. Multilevel analysis in public health research. Annu Rev Public Health. 2000;21:171-92. DOI:10.1146/annurev.publhealth.21.1.171
    » https://doi.org/10.1146/annurev.publhealth.21.1.171
  • 4 Diez-Roux AV, Evenson KR, McGinn AP, Brown DG, Moore L, Brines S, et al. Availability of recreational resources and physical activity in adults. Am J Public Health. 2007;97(3):493-9. DOI:10.2105/AJPH.2006.087734
    » https://doi.org/10.2105/AJPH.2006.087734
  • 5 Faerstein E, Lopes CS, Valente K, Plá MAS, Ferreira MB. Pré-testes e um questionário multidimensional autopreenchível: a experiência do Estudo Pró-Saúde UERJ. Physis. 1999;9(2):117-30. DOI:10.1590/S0103-73311999000200007
    » https://doi.org/10.1590/S0103-73311999000200007
  • 6 Faerstein E, Chor D, Lopes CS, Werneck GL. Estudo Pró-Saúde: características gerais e aspectos metodológicos Rev Bras Epidemiol. 2005;8(4):454-66. DOI:10.1590/S1415-790X2005000400014
    » https://doi.org/10.1590/S1415-790X2005000400014
  • 7 Florey LS, Galea S, Wilson ML. Macrosocial Determinants of population health in the context of globalization. In: Galea S, editor. Macrosocial determinants of population health. New York: Springer; 2007. p. 15-51.
  • 8 Florindo AA, Hallal PC, Moura EC, Malta DC. Prática de atividade física e fatores associados em adultos, Brasil, 2006. Rev Saude Publica. 2009;43(Suppl 2):65-73. DOI:10.1590/S0034-89102009000900009
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89102009000900009
  • 9 Galea S. Integrative chapter: macrosocial determinants of population health. In: Galea S, editor. Macrosocial determinants of population health. New York: Springer; 2007. p. 295-7.
  • 10 Garber CE, Blissmer B, Deschenes MR, Franklin BA, Lamonte MJ, Lee IM, et al. Quantity and quality of exercise for developing and maintaining cardiorespiratory, musculoskeletal, and neuromotor fitness in apparently healthy adults: guidance for prescribing exercise. Med Sci Sports Exerc. 2011;43(7):1334-59. DOI:10.1249/MSS.0b013e318213fefb
  • 11 Goldstein H, Browne WJ, Rasbash J. Partitioning variation in multilevel models. Underst Stat. 2002;1(4):223-31. DOI:10.1207/S15328031US0104_02
    » https://doi.org/10.1207/S15328031US0104_02
  • 12 Jaime PC, Duran AC, Sarti FM, Lock K. Investigating environmental determinants of diet, physical activity, and overweight among adults in São Paulo, Brazil. J Urban Health. 2011;88(3):567-81.
  • 13 Kaczynski AT, Potwarka LR, Saelens BE. Association of park size, distance, and features with physical activity in neighborhood parks. Am J Public Health. 2008;98(8):1451-6. DOI:10.2105/AJPH.2007.129064
    » https://doi.org/10.2105/AJPH.2007.129064
  • 14 Lee ACK, Maheswaran R. The health benefits of urban green spaces: a review of the evidence. J Public Health. 2011;33(2):212-22. DOI:10.1093/pubmed/fdq068
    » https://doi.org/10.1093/pubmed/fdq068
  • 15 Messes LC, Kaufman JS. Using Census Data to approximate neighborhood. In: Oakes JM, Kaufman JS, editors. Methods in social epidemiology. San Francisco: Jossey-Bass; 2006. p. 209-38.
  • 16 O’ Campo P, Caughy MO. Measures of residential community contexts In: Oakes JM, Kaufman JS, editors. Methods in social epidemiology. San Francisco: Jossey-Bass; 2006. p. 193-208.
  • 17 Popkin BM, Duffey K, Gordon-Larsen P. Environmental influences on food choice, physical activity and energy balance. Physiol Behav. 2005;86(5):603-13. DOI:10.1016/j.physbeh.2005.08.051
    » https://doi.org/10.1016/j.physbeh.2005.08.051
  • 18 Sallis, JF, Cervero RB, Ascher W, Henderson KA, Kraft MH, Kerr J. An ecological approach to creating active living communities. Annu Rev Public Health. 2006;27:297-322. DOI:10.1146/annurev.publhealth.27.021405.102100
    » https://doi.org/10.1146/annurev.publhealth.27.021405.102100
  • 19 Sallis JF, Glanz K. Physical activity and food environments: solutions to the obesity epidemic. Milbank Q. 2009;87(1):123-54. DOI:10.1111/j.1468-0009.2009.00550.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1468-0009.2009.00550.x
  • 20 Sallis JF. Measuring physical activity environments a brief history. Am J Prev Med. 2009;36(4Suppl):86-92.
  • 21 Sallis JF, Bowles RH, Bauman A, Ainsworth BE, Bull FC, Craig CL. Neighborhood environments and physical activity among adults in 11 countries. Am J Prev Med. 2009;36(6):484-90. DOI:10.1016/j.amepre.2009.01.031
    » https://doi.org/10.1016/j.amepre.2009.01.031
  • 22 Salvador EP, Florindo AA, Reis RS, Costa EF. Percepção do ambiente e prática de atividade física no lazer entre idosos. Rev Saude Publica. 2009;43(6):972-80. DOI:10.1590/S0034-89102009005000082
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89102009005000082
  • 23 Santos SM, Chor D, Werneck GL, Coutinho ESF. Associação entre fatores contextuais e auto-avaliação de saúde: uma revisão sistemática de estudos multinível. Cad Saude Publica. 2007;23(11):2533-54. DOI:10.1590/S0102-311X2007001100002
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007001100002
  • 24 Stanis, SAW, Schneider IE, Pereira MA. Parks and health: differences in constraints ad negotiation strategies for park-based leisure time physical activity by stage of change. J Phys Act Health. 2010;7(2):273-84.
  • a
    Committee on Physical Activity, Health, Transportation and Land Use. Does the built environment influence physical activity? Examing the evidence – special report. Washington (DC); 2005.
  • b
    Governo do Estado do Rio de Janeiro. Fundação Parques e Jardins - Diretoria de Planejamento, Julho de 1999, Tabela 1199. Rio de Janeiro; 1999 [citado 2013 Mar 17]. Disponível em: http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/
  • c
    Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigitel Brasil 2011: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília (DF); 2012. p. 132.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2014

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2013
  • Aceito
    7 Nov 2013
location_on
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@usp.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro