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Mortalidade "de fato" e "de direito" pelas divisões político-administrativas do município de São Paulo, no quinqüênio 1959-1963: (algumas considerações de interêsse epidemiológico e administrativo)

Actual and official mortality rate according to the political-administrative divisions of the county of São Paulo, Brazil, from 1959 to 1963: (a few considerations of epidemiologic and administrative interest)

Resumos

Pela primeira vez entre nós estuda-se a mortalidade de 1-4 anos pelas divisões político-administrativas do município de São Paulo. Demonstra-se que para êsse estudo, os dados oficiais dos óbitos do município de São Paulo, face às diferentes condições sócio-econômica-sanitárias de cada uma dessas áreas, quando comparadas entre si, não são adequados. Propõe-se a sua substituição pelos "de direito" correspondentes, obtidos pessoalmente pelo autor pelo exame dos atestados de óbito da Capital. Apresentam-se alguns aspectos da mortalidade de 1-4 anos "de direito", segundo os distritos e subdistritos do município de São Paulo, que se revestem de importância epidemiológica e administrativa para os nossos sanitaristas, quando, êstes últimos, através do uso dêsses dados, entendidos como um indicador de saúde, têm de planejar, programar e executar os seus trabalhos de saúde pública na nossa comunidade.


The author, for the first time among us, studies the death rate of children from one to four years old through the political-administrative divisions of the county of São Paulo. After demonstrating that for this study the official data on deaths in the county, due to the different social, economical and sanitary conditions of each of these areas when compared to each other, are not adequate, proposes their substitution by corresponding "official" ones which he personally obtained through the examination of the death certificates in the capital. He presents below some aspects of the "official" death rate of children from one to four years old in the districts and sub-districts of our county, which take on epidemiological and administrative importance for our sanitarians, when these, through the use of this data, taken as a health indicator, must plan, schedule and execute their public health services in our municipality.


ARTIGO ORIGINAL

Mortalidade "de fato" e "de direito" pelas divisões político-administrativas do município de São Paulo, no quinqüênio 1959-1963. (Algumas considerações de interêsse epidemiológico e administrativo)1 1 Da Cadeira de Epidemiologia da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP – São Paulo, Brasil.

Actual and official mortality rate according to the political-administrative divisions of the county of São Paulo, Brazil, from 1959 to 1963. (A few considerations of epidemiologic and administrative interest)

Victório Barbosa

RESUMO

Pela primeira vez entre nós estuda-se a mortalidade de 1-4 anos pelas divisões político-administrativas do município de São Paulo. Demonstra-se que para êsse estudo, os dados oficiais dos óbitos do município de São Paulo, face às diferentes condições sócio-econômica-sanitárias de cada uma dessas áreas, quando comparadas entre si, não são adequados. Propõe-se a sua substituição pelos "de direito" correspondentes, obtidos pessoalmente pelo autor pelo exame dos atestados de óbito da Capital. Apresentam-se alguns aspectos da mortalidade de 1-4 anos "de direito", segundo os distritos e subdistritos do município de São Paulo, que se revestem de importância epidemiológica e administrativa para os nossos sanitaristas, quando, êstes últimos, através do uso dêsses dados, entendidos como um indicador de saúde, têm de planejar, programar e executar os seus trabalhos de saúde pública na nossa comunidade.

SUMMARY

The author, for the first time among us, studies the death rate of children from one to four years old through the political-administrative divisions of the county of São Paulo. After demonstrating that for this study the official data on deaths in the county, due to the different social, economical and sanitary conditions of each of these areas when compared to each other, are not adequate, proposes their substitution by corresponding "official" ones which he personally obtained through the examination of the death certificates in the capital. He presents below some aspects of the "official" death rate of children from one to four years old in the districts and sub-districts of our county, which take on epidemiological and administrative importance for our sanitarians, when these, through the use of this data, taken as a health indicator, must plan, schedule and execute their public health services in our municipality.

INTRODUÇÃO

GABALDON2 (1965), desde há muito, vem chamando a atenção para o grande valor do obituário total, ou da mortalidade geral, do grupo etário de 1-4 anos como um indicador dos problemas sanitários de países ou áreas em desenvolvimento. Para êle, êsse valor decorre do fato de que o coeficiente de mortalidade geral do grupo de 1-4 anos, entre outras coisas, reflete melhor os efeitos da hostilidade do meio e da desnutrição, é o que maior redução tem sofrido em seu valor pela aplicação de métodos sanitários adequados e, por fim, é o que tem, nas áreas em desenvolvimento, o mesmo significado que o de mortalidade infantil nas áreas desenvolvidas. MORAES 3 (1957), quando propôs sua curva de mortalidade proporcional como um indicador de saúde útil para comunidades brasileiras, considerou aquêle grupo etário como uma de suas partes constituintes. Técnicos da Organização Mundial de Saúde4 (1957) consideraram os óbitos dêste grupo etário, em conjunto com os de menores de 1 ano, como um indicador capaz de expressar a fôrça de mortalidade por doenças transmissíveis.

Ora, sabemos que o município de São Paulo pode ser considerado, sob o ponto de vista sanitário, como uma área em desenvolvimento, embora, sob muitos aspectos já se pode admití-lo num estágio mais avançado, como mostrou RAMOS 6 (1962). Por conseguinte, os óbitos do grupo etário de 1-4 anos adquirem acentuada importância epidemiológica entre nós. Apesar disso, pouca atenção por parte dos nossos autores tem sido dada ao seu estudo na Capital. Prova-o o fato de que na literatura local pudemos encontrar apenas quatro trabalhos sôbre êle, três dos quais o estudam com exclusividade e, um dêles, como parte integrante de um tema mais amplo. Três dêsses trabalhos (PAULA SOUZA & BORGES VIEIRA 5, 1934; SCHMID7, 1962; VERA8, 1963) louvaram-se nos dados oficiais dos óbitos de 1-4 anos da Capital – dados de fato –; o outro (BARBOSA1, 1967), o mais recente, nesses dados e, também, nos "de direito" correspondentes.

Nesse último trabalho, entre nós pioneiro no concernente à utilização dos "dados de direito" para a caracterização da mortalidade do município de São Paulo, pudemos verificar que os "dados de fato" dos óbitos de 1-4 anos, comparados com os "de direito" correspondentes, são inadequados. Isto, porque êles não traduzem a verdadeira situação da mortalidade local no conjunto dessas idades para todo o município, superestimando-a em 21,1%. Nesse estudo preliminar, e não completo, deixamos de abordar a classificação desses óbitos pelas divisões político-administrativas da Capital, pelas razoes que então apontamos.

Ora, como sabemos, a distribuição da mortalidade geral por tôdas as idades pelas divisões de uma área geográfica, no sentido do estabelecimento de indicadores do nível de saúde de cada uma delas, tem, na prática de saúde pública, enorme importância epidemiológica-administrativa. Isto porque, conhecendo-os, as autoridades sanitárias podem, através do método epidemiológico, estabelecer a natureza e a magnitude de cada um dos seus problemas sanitários – no local certo e na época oportuna – para, em têrmos de prioridades, planejar, executar e avaliar as atividades desenvolvidas na solução dêsses problemas. No caso particular da mortalidade geral do grupo etário de 1-4 anos. tema dêste trabalho, com muito maior razão se aplica esta verdade. Tal ocorre, em parte, devido ao que dissemos sôbre ela no início dêste trabalho e, em parte, graças ao caráter de especificidade que a mesma apresenta pois, sendo restrita a um determinado e bem definido grupo de idade, seus dados são comparáveis, em todos os aspectos que possam nos interessar, quando considerados em várias áreas, ou em diferentes pontos de uma mesma área.

Por outro lado, no município de São Paulo há uma extrema heterogeneidade de suas divisões político-administrativas, no que tange aos caracteres epidemiológicos dos seus problemas de saúde, às estruturas epidemiológicas locais e às características sócio-econômica-assistenciais e sanitárias de cada uma dessas divisões. Por isso, a classificação da mortalidade geral por tôdas as idades, e mais ainda a do grupo etário de 1-4 anos, têm entre nós, quando comparadas com as de outras áreas em que aquela heterogeneidade geográfica não ocorre, sua importância aumentada na programática dos trabalhos e atividades de saúde pública. Tal se dá, seguramente, nas fases de planejamento, execução e avaliação dêsses trabalhos, quer na organização, estruturação e localização espacial de suas unidades sanitárias, quer na quantidade e qualidade dos trabalhos assistenciais e sanitários desenvolvidos por essas unidades sanitárias.

No mesmo município, além disso, os dados oficiais, do mesmo modo com o que ocorre com os dos óbitos por tôdas as idades, se usados na classificação dos óbitos de 1-4 anos, de conformidade com as suas divisões político-administrativas – 7 distritos e 39 subdistritos, de 1959 a 1963 – são, mais uma vez, defeituosos ou omissos. Através dêstes dados, à semelhança do verificado no obituário de todo o município, ficamos conhecendo o total de óbitos de cada uma destas áreas, mas nada ficamos sabendo, por outro lado, quanto às magnitudes de duas categorias de óbitos, de cuja soma resulta o referido total, ou seja, a dos residentes e a dos não residentes nessas áreas. Isto poderia nos levar a pensar, à primeira vista, que no caso dos distritos e subdistritos da Capital, sem exceção, os dados oficiais, por analogia com o ocorrido em todo o município, superestimariam o verdadeiro valor do seu obituário, à conta dos eventos de não residentes. Em realidade, isto nem sempre acontece. Senão, vejamos!

A distribuição dos recursos médico-hospitalares de nossa metrópole, em função das necessidades e demandas de seus distritos e subdistritos, não é proporcional, como seria de se desejar. É, na verdade, quanto às facilidades e ao volume de recursos médico-hospitalares que proporciona aos seus moradores, bastante irregular e injusta, favorecendo os de certas áreas em detrimento dos de outras. Êstes recursos, em sua maior parte, estão pràticamente concentrados no distrito sede – o de São Paulo – em uns poucos subdistritos em tôrno de sua área central; isto ocorre, talvez por tradição alicerçada em um passado em que tal se fazia necessário, talvez por falta de dados que tivessem permitido, através dos tempos e em sinergismo com o acelerado crescimento da nossa metrópole, uma sua melhor distribuição geográfica. Esta peculiaridade refere-se particularmente aos grandes nosocômios, tanto aos gerais como aos especializados, sobretudo aos que fornecem, em alta escala, serviços médicos e cirúrgicos, além de eficientes, gratuitos.

É fácil de se compreender, então, que estas divisões administrativas da Capital se constituem, por excelência, em pontos de convergência de milhares de doentes, de todas as direções e sentidos de nossa metrópole, do Estado e de outras áreas da Federação Brasileira, em busca de tratamento. Muitos destes doentes nelas falecem e são registrados, por lei, em seus cartórios; em decorrência, o obituário de cada uma destas áreas, à custa destes óbitos, seguramente estará aumentado. Já em relação aos distritos e subdistritos da paulicéia – sobretudo os da periferia – com pouco, ou mesmo sem nenhum recurso médico-hospitalar, a situação assume característica completamente diferente. Com efeito, nestas eventualidades, considerando-se comparativamente o número total de óbitos nêles ocorridos e o número real dêsses eventos que lhes deveria caber – o de residentes – esta última cifra pode ser menor ou aproximadamente igual à primeira.

Conseqüentemente, resumindo, os dados oficiais dos óbitos de 1-4 anos (dados de fato) dos distritos e subdistritos do município de São Paulo, disponíveis na prática, anàlogamente ao verificado por BARBOSA 1 (1967) para todo o município, não reproduzem fielmente em relação a estas áreas o seu obituário real naquelas idades. Isto porque, se com os dêste cotejados (dados de direito), em certos casos o superestimam, em outras ocasiões o subestimam e, por fim, em certas circunstâncias praticamente o igualam. Além disso, êstes dados oficiais, face ao critério legal de sua apuração pelo "local de ocorrência", são, como vimos, inteiramente lacunosos quanto ao obituário dos residentes nas divisões administrativas da Capital, tanto que na literatura local que consultamos não há, até o presente, nenhum trabalho a respeito.

Em vista de tudo que expusemos até agora, vamos apresentar neste trabalho, fundamentalmente através dos "dados de direito", os óbitos de 1-4 anos do município de São Paulo, relativos aos anos de 1959 a 1963, de acôrdo com a sua distribuição pelos distritos e subdistritos que compõem aquela área. Com isso, poderemos colocar mais uma pedra no mosaico de estudos que vimos fazendo sôbre o obituário "de direito" de 1-4 anos da Capital;além disso, ao sanarmos uma velha lacuna dos dados de mortalidade da Capital, estaremos cumprindo a nossa missão dentro da equipe de saúde pública local pois, como sabemos, cabe ao epidemiologista a elucidação dos pontos obscuros existentes nos problemas de saúde da comunidade em que residimos e trabalhamos; finalmente, teremos a oportunidade de, mais uma vez, fornecer aos nossos administradores elementos de real valor prático sôbre aquela mortalidade que, d'ora em diante, poderão servir-lhes de preciosos guias na execução de seus trabalhos, visando a prevenir as doenças e a promover, conservar e recuperar a saúde da população de 1-4 anos residente na área sob sua jurisdição.

MATERIAL E MÉTODOS

As considerações feitas no capítulo anterior levaram-nos a incluir neste trabalho, como material primário ou de base, os "dados de direito" dos óbitos ocorridos no município de São Paulo e, como material para fins de comparação com êstes últimos, os "dados de fato" correspondentes. Uns e outros referem-se ao grupo etário de 1-4 anos de nossa população e aos anos de 1959 a 1963.

Todos os dados dos óbitos de 1-4 anos apresentados neste trabalho foram obtidos no Departamento de Estatística do Estado. Obtivemos alí também os dados de população, de duas maneiras: através de estimativas feitas, a nosso pedido, pela sua Secção de Demografia Estática e Dinâmica e pela consulta a publicações do referido Departamento.

Os óbitos de 1-4 anos do município de São Paulo, para os anos de 1959 a 1963, que constituem a essência dêste estudo, foram todos êles, como vimos, obtidos no Departamento de Estatística do Estado: os "de direito" por meio do exame pessoal e direto das declarações de óbitos respectivas; os "de fato" através da cópia fiel das informações a respeito contidas nas tabelas mestras específicas existentes naquêle órgão.

Na apresentação de nossos dados, do município de São Paulo excluímos Osasco, em virtude da Lei n.° 5.285. Êste é, aliás, o critério que vem sendo seguido desde 1959 pelo Departamento de Estatística do Estado ao coletar, apurar e apresentar os óbitos ocorridos e registrados pelo "lugar de ocorrência" do município em questão que, até 1958, constituía um dos subdistritos do primeiro distrito do município de São Paulo.

Na classificação dos óbitos de 1-4 anos "de direito", segundo os distritos e subdistritos da Capital, tivemos que proceder com cautela; isto foi devido a certas peculiaridades locais, que nos dificultaram essa tarefa, tais como: mais de uma rua com o mesmo nome, ruas designadas por número ou por letras maiúsculas do alfabeto e, por fim, vias públicas que, começando em um subdistrito, vão terminar em outro. Para obviarmos essas dificuldades, e mantermos a fidedignidade da classificação que fizemos, lançamos mão de vários recursos, dentre os quais os seguintes: informações prestadas pelos indicadores oficiais (guias) das ruas e pelas plantas especializadas e atualizadas do município; indicações dadas por terceiros que conheciam bem esta ou aquela área da Capital; e, finalmente, quando se fazia necessário e possível, elementos obtidos na verificação pessoal "in loco" dos endereços anotados nos atestados de óbito que examinamos.

Afora isso, duas características que tivemos oportunidade de observar nas anotações existentes no item "domicílio do falecido" dos atestados de óbito, aí colocados por quem os preencheram, também nos foram de grande auxílio e utilidade na feitura dessa classificação. Queremos nos referir às seguintes: a) das 8.233 declarações de óbito que, como vimos em trabalho anterior, correspondem ao total de óbitos de 1-4 anos "de direito" da Capital, durante os anos de 1959 a 1963, em 5.434, isto é em 66,0% delas, já estavam anotadas, ao lado do nome da rua em que residia o falecido, o nome da Vila, Parque, Jardim, Estrada e Km, bairro, subdistrito ou distrito em que aquela rua se encontrava localizada; b) nos atestados dos óbitos ocorridos no "domicílio", o nome dos cartórios em que foram registrados os óbitos, face ao dispositivo da Lei n.° 4.887 que manda registrá-los nos cartórios dos subdistritos ou distritos aos quais pertencem a rua em que o mesmo ocorreu, já nos forneciam diretamente sua localização pelas divisões administrativas da Capital.

Acreditamos ter podido, dessa maneira, localizar convenientemente, segundo as divisões político-administrativas da Capital, a grande maioria dos óbitos dêsse grupo etário, nessa época. Reforça esta nossa crença o fato de que, tratando-se de um grande número de observações, igual a 8.233 óbitos, os erros de localização dos óbitos pelas divisões administrativas da Capital, que porventura tenhamos cometido, devem estar se compensando, de modo a não invalidar a sua fidedignidade e portanto, a sua representatividade em relação ao que realmente vem ocorrendo em nosso município, quanto a distribuição dêsses óbitos de acôrdo com os seus distritos e subdistritos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Tabela 1 apresentamos os óbitos de 1-4 anos "de fato" e "de direito", bem como os coeficientes de mortalidade geral por mil habitantes correspondentes, classificados pelas divisões político-administrativas do município de São Paulo, para o qüinqüênio de 1959-1963.

Partindo dos dados dessa Tabela, calculamos os coeficientes de mortalidade geral para dois grupos de áreas geográficas do nosso município: o primeiro, constituído pelos 39 subdistritos do 1.° Distrito – o de São Paulo – e, o segundo, pelos 7 Distritos restantes – Ermelindo Matarazzo, Guaianazes, Itaquera, Jaraguá, Parelheiros, Perus e São Miguel Paulista. Êsses coeficientes mostraram-se iguais a 6,0 e 6,2, respectivamente, quando calculados com os óbitos "de fato", evidenciando, dessa maneira, que a mortalidade de 1-4 anos nesses dois grupos geográficos, acima citados, é pràticamente a mesma.

Êste fato, encarado de um ponto de vista epidemiológico, significaria que as estruturas epidemiológicas do 1.° Distrito, – áreas centrais da Capital – e dos demais Distritos – áreas periféricas do nosso município – seriam semelhantes e que, portanto, ambas estariam sendo influenciadas pelos mesmos fatores sócio-econômico-sanitários e assistenciais, condicionantes da magnitude do obituário e da mortalidade, de uma e de outra dessas duas áreas geográficas em estudo. Isto. em termos administrativos, nos levaria a admitir, então, que as nossas autoridades sanitárias, quando do planejamento, programação e execução das medidas reais executivas, visando a diminuição da mortalidade observada nessas duas áreas, deveriam considerá-las em igualdade de condições quanto: (a) ao estabelecimento das suas prioridades de saúde pública; (b) a programação e execução das suas atividades sanitárias e médico-assistenciais, quanto a natureza dos trabalhos a serem desenvolvidos, no que diz respeito a localização das suas unidades de serviço – ambulatórios, hospitais, unidades sanitárias – e, também, no que concerne à distribuição de seu pessoal, material e recursos financeiros.

Tendo calculado os coeficientes de mortalidade de 1-4 anos "de direito", no período de tempo antes considerado, para o total de óbitos do 1.° Distrito e para o total de óbitos obtido pela reunião dêsses eventos dos sete Distritos restantes do município de São Paulo, os quais, como já demonstramos em trabalho anterior, são os que realmente refletem a situação da mortalidade numa dada área geográfica, encontramos. respectivamente, os seguintes valores: 4,2 e 13.5. Portanto, na verdade, a mortalidade das áreas periféricas do nosso município, confrontada com a das áreas centrais, mostra-se 3,2 vêzes maior, fato êste indicativo de que a estrutura epidemiológica da periferia da Capital, mercê do número muito maior de óbitos ocorridos em seus residentes, quando cotejado com o verificado nos moradores da região central do município, vê-se substancialmente mais influenciada pela ação dos fatôres da mortalidade.

Como conseqüência lógica dêste fato, podemos concluir que no planejamento, programação e execução das atividades assistenciais e sanitárias prioritárias do município de São Paulo, com vistas a obtenção de um nível de saúde, o melhor possível, para a população nêle residente, devem as nossas autoridades sanitárias considerar, em têrmos de prioridade, os sete Distritos do município, que não o de São Paulo, ou seja os da periferia da Capital. Tal atitude, se tomada, òbviamente, evitará o desperdício de esforços e de recursos financeiros, devido a sua inadequada e inoportuna aplicação em áreas centrais que, graças as suas atuais condições de vida, não os estejam realmente necessitando, em detrimento das áreas mais sofridas e desprotegidas – as periferias – justamente as que maior atenção estão a requerer por parte dos nossos sanitaristas.

Em virtude do exposto, acreditamos ter podido demonstrar, cabalmente, o quão enganosas, para os propósitos da saúde pública, são as nossas estatísticas oficiais de óbitos, dadas pelos óbitos "de fato", quando consideradas no sentido de proporcionar elementos para a caracterização epidemiológica das divisões político-administrativas do município de São Paulo e, por conseguinte, para a tomada de medidas administrativas, assistenciais e sanitárias, por quem de direito, visando ao estabelecimento de condições que permitem à sua população, considerada em tôdas as partes que a compõem, gozar de um estado de completo bem-estar físico, mental e social.

O que acabamos de apontar sôbre a mortalidade pelas divisões administrativas do município de São Paulo, por si só, já é suficiente para demonstrar a inadequabilidade dos dados oficiais de óbitos – dados de fato – do município de São Paulo, no que tange ao seu uso para propósitos de saúde pública. Não o é, entretanto, no sentido de nos fornecer algumas informações de interêsse epidemiológico, ainda ausentes em nosso meio, devido a própria natureza dos dados oficiais de óbitos da Capital atualmente disponíveis, razão porque, em continuação, iremos apresentá-las, evidentemente baseadas na análise dos óbitos "de direito" da Tabela que, como vimos, são os que refletem a real situação da mortalidade de 1-4 anos, do município de São Paulo, segundo as divisões político-administrativas que o compõem nos 5 anos, de 1959 a 1963.

A mortalidade dos distritos da Capital, exceto a do primeiro distrito, considerada individualmente para cada um dêles, apresentou valores para os seus coeficientes que variaram desde 11,2 (Jaraguá) até 20,1 (Guaianazes). Fazendo-se a ordenação desses coeficientes, em ordem decrescente de sua grandeza, podemos verificar que os distritos de Guaianazes, Perús e Parelheiros, respectivamente, com coeficientes de 20,1, 18,8 e 16,6 por mil habitantes, colocaram-se nos três primeiros lugares, sendo, portanto, aquêles que devem merecer maior atenção, por parte dos nossos administradores sanitários, quando, estes últimos, necessitam, com base nesses dados de mortalidade, estabelecer as prioridades locais de saúde pública, com vistas ao desenvolvimento dos seus programas assistenciais e sanitários em nossa comunidade. Seguem-se-lhes, em ordem decrescente de importância, os distritos de Itaquera, Ermelindo Matarazzo, São Miguel Paulista e Jaraguá (Fig. 1).


No que tange a mortalidade dos sub-distritos do distrito de São Paulo, cujo maior coeficiente – o de Santo Amaro – é pouco menor que o do distrito de mais baixa mortalidade, antes apontado (Jaraguá), fizemos a ordenação dos seus coeficientes e dividímo-los em dois grupos assinalados pela mediana. Com êstes dados construímos a Figura 2 e, de sua análise, pudemos chegar a várias conclusões quanto à importância relativa que os nossos administradores sanitários devem dar a cada uma dessas divisões administrativas da Capital, com base nesses dados de mortalidade, por ocasião do estabelecimento das prioridades locais de saúde pública.


Ressalta, imediatamente, na observação da Figura 2 que, com exceção do Brás, os subdistritos centralmente localizados no município de São Paulo apresentam coeficientes de mortalidade menores do que o da mediana (2,7, Parí), ao passo que os subdistritos colocados perifèricamente, ou, então, os contíguos aos da periferia, apresentam valores, para os seus coeficientes, acima da mediana. Dentre êstes últimos, por sua vez, destacam-se três núcleos de mortalidade no grupo etário e período de tempo considerados: um à leste, um à noroeste e um ao sul, contendo, cada qual dêles, respectivamente, 5, 3 e 2 dessas divisões administrativas da Capital.

Com efeito, os dados da Tabela nos proporcionam elementos que nos permitem verificar que, no período em aprêço, dos 8.233 óbitos "de direito" de 1-4 anos de nossa comunidade, 3.816, isto é, 46,4%, ocorreram nesses três núcleos, o que lhes dá um coeficiente igual a 6,6, cerca de 1,8 vezes maior do que o coeficiente de 3,8 obtido pela soma dos óbitos de todos os demais subdistritos do distrito de São Paulo.

Estabelecido, dessa maneira, o papel de destaque dos três núcleos de subdistritos antes citados, no que concerne à distribuição da mortalidade geral de 1-4 anos "de direito" pelas divisões administrativas do distrito de São Paulo, é preciso agora, com vistas a um estudo mais detalhado deste problema entre nós, procurar as respostas para as seguintes perguntas: (a) qual a importância relativa de cada um dêsses núcleos, quando comparados entre sí? (b) quais os subdistritos pertencentes a esses núcleos que, na programática dos trabalhos e atividades da saúde pública local, devem merecer preferência, face a magnitude daquela mortalidade?

A Figura 2 discrimina, em relação a cada um dos núcleos de subdistritos que estamos estudando, as áreas administrativas em que maior mortalidade no grupo etário de 1-4 anos se verificou no período de 1959 a 1963. Assim, no núcleo do leste essas áreas foram as de Vila Matilde, Vila Maria, Vila Prudente, Penha de França e Tatuapé; no do noroeste, as da Casa Verde, Nossa Senhora do Ó e Pirituba; e, por fim, no do sul, as de Santo Amaro e Capela do Socorro.

Tomando esta observação como ponto de partida podemos, com o auxílio dos dados apresentados na Tabela, calcular os coeficientes de mortalidade geral de 1-4 anos "de direito" de cada um dos citados núcleos. Isto feito, nos é dado verificar que a cada um daqueles três núcleos, na ordem anteriormente apresentada, couberam, respectivamente, os seguintes valores para os coeficientes procurados: 5,8, 6,6 e 11,0. Portanto, destacou-se o núcleo do sul, eis que o seu coeficiente, quando comparado aos dos dois outros núcleos, antes citados, mostrou-se maior, respectivamente, cêrca de 1,9 e 1,7 vêzes.

No que tange à segunda pergunta, antes formulada, mais uma vez podemos encontrar a resposta na Tabela. Esta tabela, com efeito, nos mostra que, em ordem decrescente de magnitude de mortalidade em estudo, devem merecer a preferência das nossas autoridades sanitárias, na programática dos seus trabalhos e atividades de saúde pública no 1.° Distrito do nosso município, os subdistritos de Santo Amaro, Capela do Socorro, Vila Matilde, Casa Verde, Vila Maria, Nossa Senhora do Ó, Pirituba, Vila Prudente, Penha de França e Tatuapé (Fig. 1).

Em virtude de tudo que dissemos até agora, em resumo, podemos concluir que a distribuição geográfica da mortalidade de 1-4 anos do município de São Paulo, pelas divisões político-administrativas dêste último, a se julgar, pelas razões antes apontadas, dos seus dados de óbitos "de direito", e não dos "de fato", é predominantemente centrífuga, pois, como vimos, os maiores valores dos seus coeficientes correspondem às áreas periféricas do nosso município. Isto quer dizer, em outras palavras, que na programação das medidas assistenciais e de alcance sanitário, visando ao combate das causas de morte que atingem a população de 1-4 anos da Capital, bem como à promoção, proteção e recuperação da sua saúde, através de medidas de alcance coletivo e de motivação da população, devem merecer absoluta prioridade, por parte das nossas autoridades sanitárias, as áreas periféricas do nosso município.

Recebido para publicação em 4-3-1969

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  • 3. MORAES, N. de A. Níveis de saúde de coletividades brasileiras. Rev. Serv. Saúde públ., Rio de Janeiro, 9:215-222, dez. 1957.
  • 4. ORGANIZATION MONDIALE DE LA SANTÉ. Groupe d'étude de la mesure de niveaux de santé. Rapport... Genève, 1957. (Sér. Rapp. techn., n.° 137).
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  • 7. SCHMID, A. W. Mortalidade e morbidade por doenças transmissíveis no município de São Paulo no grupo etário de 0-9 anos (1959-1980). Pediat. prát., S. Paulo, 33:133-162, maio, 1962.
  • 8. VERA, R. Del B. de Observações sôbre a mortalidade no grupo etário de 1-4 anos, no município de São Paulo durante o período de 1950-1961. São Paulo, 1963. (Tese de doutoramento Fac. Hig. Saúde Públ. USP).
  • 1
    Da Cadeira de Epidemiologia da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP – São Paulo, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 1969

    Histórico

    • Recebido
      04 Mar 1969
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