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Causas de mortalidade perinatal em Pelotas, RS (Brasil): utilização de uma classificação simplificada

Causes of perinatal mortality in Pelotas, Rio Grande do Sul, Brazil: utilization of a simplified classification

Resumos

O coeficiente de mortalidade perinatal dos 7.392 nascimentos ocorridos nos hospitais de Pelotas, RS, (Brasil) no ano de 1982, foi de 33,7 por 1.000, e 8,8% dos recém-nascidos pesaram menos de 2.500 g. As causas de mortalidade perinatal foram analisadas utilizando-se a classificação simplifícada proposta por Wigglesworth. Trinta e seis por cento dos óbitos perinatais ocorreram antes do início do trabalho de parto (natimortos antepartum), e destes, 60% pesaram mais de 2.000 g. A segunda causa mais importante de morte foi imaturidade, com 31% dos óbitos. Neste grupo, 21% pesaram mais de 2.000 g. Estes achados, assim como as altas taxas de mortalidade perinatal para grupos específicos de peso ao nascer, sugerem que algumas falhas estão ocorrendo no atendimento de saúde da população materno-infantil em Pelotas, tanto em clínicas de pré-natal como no atendimento do parto.

Mortalidade perinatal; Cuidado pré-natal; Morte fetal; Baixo peso ao nascer; Maternidade


The causes of perinatal mortality among the 7,392 hospital births which occurred in Pelotas, RS, Brazil, during 1982, were analysed using the simplified classification described by Wigglesworth. The main advantage of this classification is that it can be used even in places where post-mortems are seldom performed. The perinatal deaths were classified into five groups: a) macerated fetuses without malformations, b) congenital malformations, c) immaturity, d) asphyxia and e) other causes of death. The perinatal mortality rate was 33.7 per 1,000 births, nearly equally divided between fetal and early neonatal deaths, and 8.8% of the babies were of low birthweight. Thirty-six percent of the perinatal deaths were antepartum stillbirths, and 60% of these weighed 2,000 g. or more. The second most important cause was immaturity, which accounted for 31% of the deaths. In this latter group 21% weighed 2,000 g or more at birth. These findings, as well as the high birthweight-specific perinatal mortality rates, strongly suggest that there are deficiencies in the antenatal and delivery care in Pelotas that need to be promptly corrected. Policies that should be implemented by health planners include: decentralization of antenatal care clinics; utilization in these clinics of the "at-risk concept" to identify women at high risk of delivering low birthweight babies, efforts to increase community participation and home visits in order to attract those pregnant women who do not attend the clinics. In addition, it is mandatory that well trained doctors (obstetricians and paediatricians) should to be available 24 hours a day at the maternity hospitals to assist mothers and babies identified as at high risk.

Perinatal mortality; Prenatal care; Fetal death; Low birth weight; Hospitals, maternity


ARTIGO ORIGINAL

Causas de mortalidade perinatal em Pelotas, RS (Brasil). Utilização de uma classificação simplificada

Causes of perinatal mortality in Pelotas, Rio Grande do Sul, Brazil: utilization of a simplified classification

Fernando Celso BarrosI; Cesar Gomes VictoraI; J. Patrick VaughanII

IDepartamento de Medicina Social da Universidade Federal de Pelotas — Caixa Postal 464 — 96001 — Pelotas, RS — Brasil

IIEvaluation and Planning Centre. London School of Hygiene and Tropical Medicine. University of London, Londres — Inglaterra

RESUMO

O coeficiente de mortalidade perinatal dos 7.392 nascimentos ocorridos nos hospitais de Pelotas, RS, (Brasil) no ano de 1982, foi de 33,7 por 1.000, e 8,8% dos recém-nascidos pesaram menos de 2.500 g. As causas de mortalidade perinatal foram analisadas utilizando-se a classificação simplifícada proposta por Wigglesworth. Trinta e seis por cento dos óbitos perinatais ocorreram antes do início do trabalho de parto (natimortos antepartum), e destes, 60% pesaram mais de 2.000 g. A segunda causa mais importante de morte foi imaturidade, com 31% dos óbitos. Neste grupo, 21% pesaram mais de 2.000 g. Estes achados, assim como as altas taxas de mortalidade perinatal para grupos específicos de peso ao nascer, sugerem que algumas falhas estão ocorrendo no atendimento de saúde da população materno-infantil em Pelotas, tanto em clínicas de pré-natal como no atendimento do parto.

Unitermos: Mortalidade perinatal. Cuidado pré-natal. Morte fetal. Baixo peso ao nascer. Maternidade.

ABSTRACT

The causes of perinatal mortality among the 7,392 hospital births which occurred in Pelotas, RS, Brazil, during 1982, were analysed using the simplified classification described by Wigglesworth. The main advantage of this classification is that it can be used even in places where post-mortems are seldom performed. The perinatal deaths were classified into five groups: a) macerated fetuses without malformations, b) congenital malformations, c) immaturity, d) asphyxia and e) other causes of death. The perinatal mortality rate was 33.7 per 1,000 births, nearly equally divided between fetal and early neonatal deaths, and 8.8% of the babies were of low birthweight. Thirty-six percent of the perinatal deaths were antepartum stillbirths, and 60% of these weighed 2,000 g. or more. The second most important cause was immaturity, which accounted for 31% of the deaths. In this latter group 21% weighed 2,000 g or more at birth. These findings, as well as the high birthweight-specific perinatal mortality rates, strongly suggest that there are deficiencies in the antenatal and delivery care in Pelotas that need to be promptly corrected. Policies that should be implemented by health planners include: decentralization of antenatal care clinics; utilization in these clinics of the "at-risk concept" to identify women at high risk of delivering low birthweight babies, efforts to increase community participation and home visits in order to attract those pregnant women who do not attend the clinics. In addition, it is mandatory that well trained doctors (obstetricians and paediatricians) should to be available 24 hours a day at the maternity hospitals to assist mothers and babies identified as at high risk.

Uniterms: Perinatal mortality. Prenatal care. Fetal death. Low birth weight. Hospitals, maternity.

INTRODUÇÃO

Os eventos que ocorrem no período perinatal (28.a semana de vida intra-uterina até o 7.° dia após o nascimento) influenciam marcadamente a situação de saúde de uma população. No Brasil, por exemplo, apesar de os óbitos pós-neonatais por causas evitáveis ainda serem muito freqüentes e merecerem a atenção dos planejadores e trabalhadores de saúde, uma grande parcela de nossa excessiva mortalidade infanitl poderia ser evitada se fosse melhorada a qualidade da atenção perinatal. Em Pelotas, RS, as causas perinatais são responsáveis por 43% dos óbitos infantis. Como conseqüência, a mortalidade infantil tende a concentrar-se nos primeiros dias de vida, com 45% das mortes ocorrendo na primeira semana e 55% nas quatro primeiras semanas de vida6,14. Porisso, para a prevenção da mortalidade infantil no Brasil, é fundamental que se conheça mais sobre os determinantes da mortalidade perinatal. Como diz Alberman1, "o primeiro passo é classificar as causas de óbito de acordo com a possibilidade que temos de poder preveni-las". Entretanto, esta necessidade esbarra na dificuldade que existe em identificar as causas de morte, uma vez que, em nosso meio, raramente se pode contar com dados provenientes de necrópsias. Torna-se necessário, portanto, que se passe a utilizar métodos alternativos de avaliação das causas de óbito perinatal que não estejam baseadas em informações anátomo-patológicas. Com esta finalidade, analisamos, no presente trabalho, os coeficientes e as causas de mortalidade perinatal em Pelotas, utilizando a classificação simplificada proposta por Wigglesworth15.

POPULAÇÃO E MÉTODOS

Durante o ano de 1982, todos os 7.392 nascimentos hospitalares, ocorridos na cidade de Pelotas, foram estudados por meio de entrevistas realizadas com as mães e de acompanhamento dos recém-nascidos. Detalhes da metodologia já foram previamente publicados3, e estudos posteriores revelaram que a população estudada incluiu mais de 99% de todos os nascimentos ocorridos na área urbana, naquele ano13.

Foram incluídos no estudo todos os recém-nascidos vivos com peso igual ou superior a 500 g. Para natimortos, utilizou-se o limite de 28 semanas, e naqueles casos em que a duração da gestação não era conhecida, incluiu-se aqueles com peso a partir de 1.000 g (que é o peso habitual de fetos de 28 semanas). Os recém-nascidos foram pesados no primeiro dia de vida, com balanças que eram calibradas diariamente. Sete recém-nascidos não foram pesados, tendo seis deles falecido no período perinatal (3 natimortos e 3 óbitos de primeira semana).

A mortalidade perinatal foi avaliada através de três métodos:

a) durante o período hospitalar todos os recém-nascidos foram cuidadosamente acompanhados pela equipe da pesquisa. Quando ocorria um óbito, informações sobre as causas e o dia e hora do falecimento eram colhidas do prontuário, e os médicos que assistiram a criança eram entrevistados;

b) todos os atestados de óbito preenchidos em 1982 e início de 1983, em Pelotas, foram revisados por meio de visitas mensais realizadas à Delegacia de Saúde, aos Cartórios de Registro e aos cemitérios da cidade. Quando um óbito de uma criança nascida em 1982 era dectectado, as informações contidas no atestado eram relacionadas àquelas do questionário perinatal por intermédio do nome da mãe, da data e do hospital de nascimento;

c) como as altas hospitalares pós-parto costumam ser muito precoces em Pelotas, e 23% das crianças já estão em casa 24 horas após o nascimento, foi necessário realizar visitas domiciliares, após a primeira semana, a uma amostra de 15% dos nascimentos, para avaliar sua situação de saúde. As visitas a estas 1.093 crianças revelaram apenas um caso de morte perinatal em que o atestado de óbito não havia sido localizado pela equipe de pesquisa.

Para a análise das causas de morte perinatal, foi utilizado o sistema proposto por Wigglesworth15, que consiste em uma análise em dois tempos. Inicialmente são determinados os coeficientes de mortalidade perinatal (CMP) para grupos de diferentes pesos de nascimento, o que permite que se estabeleça comparações com regiões que apresentem diferentes distribuições de peso ao nascer. Em uma segunda fase, os óbitos em cada grupo de peso são examinados e classificados de acordo com cinco possibilidades:

1) fetos macerados sem malformações (atualmente inclui-se neste grupo todos os óbitos fetais antepartum sem malformações, independente de estarem ou não macerados)12;

2) malformações congênitas (tanto em natimortos como em nascidos vivos);

3) imaturidade;

4) asfixia (incluindo natimortos intrapartum e óbitos neonatais provocados por anóxia); e

5) outras causas de óbito fetal ou neonatal precoce.

RESULTADOS

Entre os 7.392 nascimentos estudados ocorreram 249 óbitos perinatais, sendo 122 no período fetal tardio e 127 no período neonatal precoce. Entre os óbitos fetais, 98 ocorreram no período antepartum, 20 durante o trabalho de parto, e em 4 casos foi impossível determinar o período do óbito. Com referência à mortalidade neonatal precoce, 61 óbitos tiveram lugar no primeiro dia de vida, e os restantes 66 ocorreram entre o segundo e o sexto dia.

A Tabela 1 mostra os coeficientes de mortalidade fetal, neonatal precoce e perinatal, para nascimentos únicos, múltiplos e totais, assim como a proporção de recém-nascidos de baixo peso (< 2.500 g) em cada um destes grupos. O CMP para todos os nascimentos foi de 33,7 para 1.000 nascimentos, tendo sido 4,2 vezes maior entre os recém-nascidos de partos múltiplos do que entre os de parto único. Os óbitos perinatais se distribuíram de forma equitativa entre o período fetal e o neonatal precoce, com exceção dos partos múltiplos, onde a mortalidade neonatal precoce foi de 3,3 vezes maior.

Na Tabela 2 são apresentados os coeficientes de mortalidade perinatal para diferentes grupos de peso ao nascer. Como a vantagem da determinação destes coeficientes está na possibilidade de comparação com outras regiões, apresentamos dados similares para as nove maternidades do sul do Brasil, estudadas por Laurenti e cols.10 em 1981-82, e para a Inglaterra e Gales, em 198011. Comparando os dois estudos brasileiros, notamos que os CMP são silimares (33,7 e 35,2 por 1.000, respectivamente). Entretanto, nota-se que os coeficientes para todos os grupos de peso são maiores em Pelotas do que nas maternidades estudadas por Laurenti e col.10, com exceção dos grupos entre 1.500 e 1.999 g e entre 3.500 e 3.999 g, onde os coeficientes são similares. No grupo entre 3.000 e 3.499 g as cifras de Pelotas são 1,5 vezes maiores, para o grupo entre 2.000 e 2.499 g a mortalidade de Pelotas é duas vezes maior, e chega a ser três vezes maior para o grupo com peso igual ou superior a 4.000 g. Por outro lado, quando se compara os dois estudos brasileiros com os dados britânicos, vemos que nosso CMP é três vezes maior, e que nossos coeficientes são sempre mais elevados, em todos os grupos de peso estudados.

Na Tabela 3 os óbitos perinatais de Pelotas são apresentados conforme o peso de nascimento e as cinco causas propostas por Wigglesworth15. Encontramos na literatura um outro trabalho que utilizou a mesma classificação de mortes perinatais, e na Tabela 4 estabelecemos uma comparação entre os nossos dados e aqueles descritos para West Glamorgan, uma localidade do País de Gales12. Nota-se, em primeiro lugar, que a mortalidade perinatal de Pelotas é quase três vezes maior, embora as proporções de baixo peso ao nascer não sejam muito diferentes — 6,8% em West Glamorgan e 8,8% em Pelotas. Chama a atenção que somente o coeficiente de mortalidade fetal antepartum de Pelotas (12,07 1.000) já é equivalente à mortalidade perinatal total de West Glamorgan (12,5/1.000). Cabe também salientar que o CMP por imaturidade é quatro vezes maior em Pelotas do que em West Glamorgan (10/1.000 e 2,5/ 1.000, respectivamente). Também, o CMP por asfixia, em Pelotas (4,6/1.000), é 2,8 vezes maior do que o observado em Gales (1,6/ 1.000).

Na Tabela 5 vemos a proporção de óbitos, para cada grupo de causas, com peso superior a 2.000 g e 2.500 g em Pelotas e West Glamorgan. Chama a atenção a alta proporção de natimortos antepartum com peso elevado em Pelotas — 41% pesaram 2.500 g ou mais e 60% tiveram peso igual ou superior a 2.000 g. Estas proporções são bem mais elevadas do que as observadas em Gales (30% e 41%, respectivamente12. Por outro lado, 21% dos recém-nascidos falecidos por imaturidade em Pelotas tiveram peso igual ou superior a 2.000 g, enquanto que esta proporção em West Glamorgan12 atingiu somente 5%.

DISCUSSÃO

Um primeiro aspecto que deve ser salientado é que a classificação de óbitos perinatais proposta por Wigglesworth15 parece ser adequada para ser utilizada em nosso meio, uma vez que ela prescinde de informações de necrópsia, que raramente estão disponíveis. Através de informações clínicas é possível, sem grandes dificuldades, atribir cada óbito a um dos cinco grupos de causas propostos.

Uma outra vantagem desta classificação é que ela indica possíveis falhas em áreas específicas da atenção de saúde materno-infantil, e, desta forma, indica quais as correções que se fazem necessárias. Assim, uma alta taxa de natimortos antepartum sugere falhas na atenção pré-natal e/ou condições maternas adversas, enquanto que uma alta freqüência de óbitos por asfixia intrapartum está diretamente relacionada com o manejo obstétrico. Óbitos neonatais por asfixia também indicam a necessidade de avaliação dos cuidados obstétricos e do atendimento aos recém-nascidos em sala de parto. Óbitos por imaturidade em recém-nascidos com peso superior a 1.500 g sugerem falhas nas manobras de ressuscitação em sala de parto e/ou deficiências no atendimento de recém-nascidos em berçário. Finalmente, altas taxas de óbitos por malformações levam a questionamento sobre as facilidades existentes para o rastreamento destas alterações durante a gravidez15.

Esta classificação também leva em conta a distribuição de peso dos recém-nascidos falecidos, o que oferece um elemento adicional de grande importância para a avaliação da qualidade dos serviços de saúde materno-infantil. Assim, se uma proporção elevada das crianças falecidas apresentava um peso apropriado, este dado por si só indica que deficiências devem ter ocorrido na assistência à saúde prestada àquela população. Nas palavras de Wigglesworth15, "existe um consenso de que mortes perinatais em recém-nascidos com peso superior a 2.500 g são influenciadas pelo manejo obstétrico, e que a mortalidade neonatal em recém-nascidos de baixo peso pode ser modificada pela qualidade da assistência neonatal".

No presente trabalho, vários achados sugerem deficiências na assistência à saúde prestada à população materno-infantil de Pelotas. Em primeiro lugar, se esperaria encontrar um coeficiente de mortalidade perinatal menor do que 33,7 por 1.000 nascimentos, em uma população com 8,8% de recém-nascidos de baixo peso. Este aspecto fica bem visível na Figura, que mostra as taxas de baixo peso ao nascer e de mortalidade perinatal de 7 países estudados pela OMS16, em 1973, comparadas com as cifras de Pelotas. Nota-se que Cuba e Hungria, com taxas de baixo peso ao nascer mais elevadas, apresentaram CMP substancialmente mais baixos.


Em segundo lugar, os CMP específicos para grupos de peso ao nascer, em Pelotas, foram muito mais elevados do que os da Inglaterra e Gales, o que já era esperado, tendo em vista o maior desenvolvimento e melhor organização do setor saúde naquele país. Entretanto, nossos coeficientes também foram consistentemente mais elevados do que os valores médios encontrados por Laurenti e col.10 em maternidades do sul do Brasil, com as diferenças sendo muito marcadas entre os grupos com peso acima de 2.000 g. Estes achados indicam que devem estar ocorrendo muitas falhas no atendimento perinatal em Pelotas, uma vez que as cifras de mortalidade entre recém-nascidos mais pesados podem ser os indicadores mais sensíveis da qualidade da assistência médica perinatal2,8.

Finalmente, com relação ao estudo dos óbitos segundo suas causas, chama a atenção a elevada proporção de mortes fetais antepartum, onde a CMP foi 2,4 vezes maior em Pelotas do que em West Glamorgan. Além disso, neste grupo de causa, 41% dos óbitos ocorreram entre fetos com mais de 2.000 g. Estudando a freqüência ao pré-natal de mulheres que tiveram perdas fetais encontramos que apenas 7% não compareceram à consulta nenhuma vez, enquanto que 61% compareceram cinco vezes ou mais. Portanto, é necessário que a assistência pré-natal seja voltada para a identificação das gestantes em risco elevado para perdas fetais precoces.

Os óbitos causados por imaturidade também são motivo para preocupação, uma vez que o CMP foi quatro vezes maior em Pelotas do que em Gales, e naquela cidade 21% das crianças falecidas por esta causa tinham peso igual ou superior a 2.000 g. Ainda com relação a causas de óbitos, convém salientar que nossa mortalidade perinatal por asfixia intraparto foi 2,8 vezes maior do que em Gales.

Todas estas informações indicam muito claramente que a assistência à saúde oferecida durante a gravidez, o parto, e os primeiros dias de vida deve ser substancialmente melhorada, se quisermos diminuir nossos coeficientes de mortalidade perinatal e infantil. Esta impressão fica reforçada por trabalhos anteriores4,5, onde mostramos que a assistência médica em Pelotas é concentrada em mulheres de baixo risco e alta renda. As medidas a seguir apresentadas, são propostas para serem adotadas pelas autoridades do setor saúde, a curto e médio prazo. Do ponto de vista econômico, nenhuma delas requer grandes inversões de recurso, podendo, ao contrário, levar a uma marcada redução nos gastos deste setor.

a) Descentralização da assistência pré-natal, que deve ser oferecida em postos de saúde localizados em áreas carentes da cidade, para atrair gestantes aí residentes. Temos notado que este aspecto já está sendo equacionado, e a situação atual já é diferente daquela observada em 1982, quando 75% do atendimento pré-natal era oferecido em hospitais.

b) Utilização de critérios de risco para baixo peso ao nascer e morte perinatal, com vistas à identificação precoce e assistência especial das gestantes assim classificadas. Estes fatores de risco já foram identificados em trabalho anterior7, e podem facilmente ser utilizados por profissionais de saúde em assistência primária.

c) Envolver nos cuidados pré-natais as grávidas que não freqüentam as clínicas, através de trabalho comunitário, campanhas publicitárias e visitas domiciliares.

d) Médicos bem treinados (obstetras e pediatras) devem estar disponíveis para realizar os partos e atender os recém-nascidos, principalmente em gestações de alto risco. Vale a pena lembrar que durante a bem sucedida campanha realizada pelo governo francês, nos anos 70, com a finalidade de reduzir a morbi-mortalidade perinatal, a medida considerada mais importante, do ponto de vista de custo/ efetividade, foi o treinamento de obstetras e pediatras9. Em uma cidade como Pelotas, que possui um médico para 430 habitantes, os hospitais devem assegurar a presença de profissionais capazes para atender situações de alto risco na sala de parto, durante as 24 horas do dia.

As medidas anteriores poderão levar a uma redução no número exagerado de cesarianas (28%) que atualmente verificamos, o que, por sua vez, será mais um fator de melhoria na saúde perinatal.

e) O atendimento de recém-nascidos pré-termo ou doentes deverá ser realizado em um centro regional bem equipado, para onde serão encaminhados também pacientes de outros hospitais da região.

A utilização periódica de um método de avaliação da mortalidade perinatal, tal como o que aqui empregamos, poderá ser uma forma adequada para monitorizar o impacto das medidas aqui preconizadas, assim como de outras que forem julgadas necessárias, sobre a mortalidade perinatal. O método também parece ser muito útil para comparar os padrões de mortalidade perinatal em diferentes áreas, levando em consideração diferentes distribuições de peso ao nascer.

Recebido para publicação em 29/12/1986

Reapresentado em 27/4/1987

Aprovado para publicação em 13/5/1987

Pesquisa financiada pelo "International Development Research Centre", do Canadá.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 1987

Histórico

  • Revisado
    27 Abr 1987
  • Recebido
    29 Dez 1986
  • Aceito
    13 Maio 1987
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