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Por que saúde pública?

Why public helth?

EDITORIAL

Por que Saúde Pública?

Why Public Helth?

Oswaldo Paulo Forattini

Nota-se atualmente, em nosso meio, certa tendência a colocar de lado, ou mesmo a relegar ao esquecimento, a expressão "saúde pública". Esse fenômeno não é de explicação simples, a menos que se recorra a elucubrações próprias do terreno especulativo. Dentre elas poder-se-ia mencionar a de Holland (1981) que atribui essa prática a associação, supostamente menos enobrecedora, do médico sanitarista com "drenagens" diversas, uma vez que, em suas origens, o destino dos esgotos e o fornecimento de água potável constituiram as principais atribuições da especialidade. Assim é que, por motivos dificilmente desvendáveis e ainda menos devassáveis, a partir de época relativamente recente, outras denominações têm surgido como "medicina comunitária", "medicina social", "medicina populacional" entre outras, sem contar a extrapolação da medicina preventiva além de suas fronteiras, para, em última análise, designar o campo de atuação dos epidemiologistas e administradores de serviços de saúde. Há como que preocupação precípua em vincular a saúde pública à medicina, situando-a como se fosse decorrência do seu desenvolvimento quando, na verdade, esta constitui parte menor daquela. Eis que o papel e a contribuição da saúde pública é forçosamente muito mais amplo, o que, por definição, lhe dá o caráter multiprofissional que implica a conjugação de, além dos serviços de médicos e enfermeiras, os de engenheiros, enconomistas, educadores, sociólogos, psicólogos, estatísticos, entre outros. E, em que pese o primeiro desses profissionais manter, como sempre teve, a sua posição de liderança, não é menos certo que, em algumas áreas, como as do controle do ambiente, a responsabilidade têm passado predominantemente para outras mãos. Além dessas, ganha força atualmente a nova expressão "saúde coletiva", cujo significado, salvo melhor juizo, a simples consulta a um bom dicionário a coloca na inapelável simonímia de "Saúde Pública". A menos que pretenda se referir ao conceito ecológico do "coletivo" como "multidão" e não como "população". Mesmo assim, seria apenas um restrito campo da última.

No entanto, em que pese essa orientação discutível, não é o que se observa em países como a Inglaterra onde o cuidado com a saúde do seu contingente populacional tem sido tradição, e desde longa data. Mesmo autores como Holland (1982) que se posicionam favoravelmente à limitação de escolas especializadas em seu país, advogam a ministração didática da saúde pública, como tal, nos estabelecimentos de ensino médico. Nos estados Unidos da América do Norte, pode-se contar com 23 escolas de saúde pública, para 126 de medicina, a grande maioria das quais de natureza estatal e que atendem à apreciável demanda de recursos humanos decorrente da considerável expansão dos programas de saúde para a população. Cabem pois algumas considerações, bastante oportunas, e quanto mais não seja, para reafirmar alguns conceitos e posicionamentos que se pretendem esquecidos.

Inicialmente, a individualidade da saúde pública encontra-se indelevelmente estabelecida no seu caráter multidisciplinar. Seu campo de ação, tanto na pesquisa como na aplicação dos conhecimentos adquiridos, situa-se no amplo espectro dos três ramos fundamentais representados pelas ciências biológicas, humanas e exatas. Não se pode admitir, em nenhuma circunstância, relegá-la à mera posição de prima pobre, a reboque de departamentos de medicina preventiva, ou coisa que o valha, sediados em escolas médicas onde a orientação clínica e terapêutica constitui forçosamente a nota dominante. Exemplos de tal atitude cada vez mais freqüentes, podem ser vistos em várias publicações de órgãos dos quais, por mera função de ofício, seria de se esperar maior clarividência nesse campo (SEPLAN/CNPq, 1982). O ensino da saúde pública, com a devida licença de muitos, deve ser, e por princípio, ministrado em escolas de saúde pública. E isso a despeito de quantas "medicinas" ou "saúdes" haja, variadamente adjetivadas e subordinadas a instituições de ensino médico. Nesse sentido, torna-se muito ilustrativa para quem não o conhece, e mesmo para leigos, a leitura de Editorial (1982) recentemente publicado no "Journal of Public Health Policy". Nele estão expostas as razões pelas quais toda nação com vários milhões de habitantes necessita instalar escola dessa especialidade. Eis que somente ela poderá prover o amplo substrato sobre o qual se desenvolverão os ensinamentos epidemiológicos, de organização de serviços, de saneamento do meio e outros, em profundida suficiente. Somente nesse tipo de escola será possível a integração desejável entre as várias ciências da saúde pública, e permitir o desenvolvimento de conhecimentos úteis para sua subseqüente aplicação por parte dos serviços executivos.

Argumenta-se sobre o perigo representado pelo isolamento e conseqüente afastamento da realidade social, o qual rondaria as instituições de ensino, em especial modo a situadas em âmbito universitário. Tal argumentação carece de validade, uma vez que representa distorção a ser evitada e que deve ser obrigatoriamente prevenida. E, diga-se de passagem, o mesmo vale para as autoridades sanitárias executivas que têm, por obrigação a de se valerem das pesquisas realizadas, para aplicar seus resultados em benefício da população. Tanto mais esses executivos tiverem freqüentado escolas de saúde, tanto maior a probabilidade de alcançar esse desiderato.

Não é pois criando rótulos novos que se incentivará o desenvolvimento de estudos destinados à melhoria das condições de saúde da população. Não é esse, salvo melhor juízo, o melhor caminho para ocupar novos "espaços". Mesmo porque, se eles existem, a saúde pública é suficientemente ampla para preenchê-los todos. Não há porque temer o usar o nome certo para as situações certas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

– Avaliação de perspectivas. Brasília, Secretaria de Planejamento/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 1982.

– EDITORIAL. The world need for schools of public health. J. publ. HUH Policy, 3:111-6, 1982.

– HOLLAND, W. The organization and funding of research into public health. J. publ. Hlth Policy, 2:354-60, 1981.

– HOLLAND, W. The world need for schools of public health communications, J. publ. Hlth Policy, 3:476-9, 1982.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Abr 1983
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