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DINHEIRO E CRIANÇAS: A CONSAGRAÇÃO MORAL DA EDUCAÇÃO FINANCEIRA NO BRASIL

MONEY AND CHILDREN: THE MORAL CONSECRATION OF FINANCIAL EDUCATION IN BRAZIL

Resumo

Inspirado pela sociologia zelizeriana, este trabalho busca compreender como a relação entre dinheiro e criança é consagrada moralmente pela educação financeira no Brasil, via crescimento de plataformas e aplicativos digitais, revelando a constituição de um repertório coercitivo que direciona as subjetividades das crianças a um modelo ideal de educação financeira transmitido por meio de atividades interativas virtuais. Assim, as evidências preliminares dessa pesquisa apontam que os ensinamentos e os conteúdos não são apenas informativos, mas, via interação com as máquinas digitais e a lógica dos algoritmos, funcionam como ferramenta de treinamento moral, promovendo a alfabetização financeira e posicionando as crianças como mediadoras morais, em que o desempenho passa a ser registrado de forma ordinal, marcando o progresso da trajetória em direção a se tornar um adulto financeiramente responsável. Assim, as crianças se tornam gestoras de si e de seu futuro, o que implica superar deficiências individuais e ter autocontrole emocional, revelando um intenso trabalho relacional.

Palavras-chave:
Dinheiro; Crianças; Educação financeira; Sociologia zelizeriana

Abstract

Inspired by Zelizer’s sociology, this paper seeks to understand how the relationship between money and children is morally established by financial education in Brazil, considering the growth of digital platforms and apps, revealing the constitution of a coercive repertoire that directs children’s subjectivities towards an ideal model of financial education transmitted by virtual interactive activities. Thus, the preliminary evidence of this research indicates that the knowledges and content are not just informative, but it works as a moral training tool, promoting financial literacy and engaging children as moral mediators, in which their performance is recorded in ordinal form, shape the path towards becoming a financially responsible adult. In this way, children become managers of themselves and their future, which involves overcoming individual deficiencies and taking emotional self-control, that means, an intense relational work.

Keywords:
Money; Children; Financial education; Zelizerian sociology

INTRODUÇÃO: DINHEIRO É ASSUNTO DE CRIANÇA?

A pergunta acima ilustra o título de uma enquete da Turma da Mônica1 1 A Turma da Mônica é uma série de histórias em quadrinhos brasileira que existe desde a década de 1950. Em 2019, surgiu uma iniciativa chamada “Em busca do tesouro”, promovida pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), que faz parte do Ministério da Economia, em colaboração com o Instituto Mauricio de Sousa, criador dos personagens da referida série, e com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, na qual os personagens da Turma de Mônica ensinam sobre educação financeira. de algumas edições especiais sobre educação financeira2 2 A partir da iniciativa acima, nota-se que é recorrente o uso da Turma da Mônica por instituições financeiras para se comunicar com o público infantil referente à educação financeira. Disponível em: https://www.sicredi.com.br/sites/turmadamonica/. Acesso em: 10 out. 2023. , que seguem com questões interativas - “quem deve cuidar dos gastos da família?” - com as seguintes opções como possíveis alternativas de resposta: “papai”, “eu mesmo”, “mamãe” e “todo mundo”. A próxima página revela a resposta correta - “todo mundo”. Em seguida, apresenta outro questionamento - “você já faz a sua parte?”3 3 Disponível em: https://www.sicredi.com.br/sites/turmadamonica/. Acesso em: 10 out. 2023. -, que é acompanhado de um conselho - “Descobrir o que um precisa fazer é o primeiro passo para entender sobre orçamento familiar”4 4 Disponível em: https://www.sicredi.com.br/sites/turmadamonica/. Acesso em: 10 out. 2023. . Essas são enquetes lúdicas sobre educação financeira associadas a outros materiais informativos, como vídeos e jogos com conteúdo acerca de temas que buscam explicar às crianças a origem do dinheiro e dar conselhos sobre como deve ser planejado o orçamento familiar.

O referido conteúdo faz parte do material de pesquisa acerca das práticas econômicas cotidianas5 5 Esta pesquisa em andamento integra o projeto de pesquisa intitulado “Ressignificando a economia: moralidades, orçamentos e práticas econômicas cotidianas”, financiado pela Bolsa Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2. Uma versão preliminar deste artigo foi publicada com o título: “As crianças e os aplicativos de educação financeira: entre gamificação e gestão de si”, nos anais do XXXIII Congreso Latinoamericano de Sociología, em 2022. em que, recentemente, ao buscar compreender o orçamento doméstico de famílias, observamos a intensificação do uso de plataformas e aplicativos digitais em diversas áreas. Para além dos aplicativos mais comuns de transporte, de redes sociais e de comunicação, notamos o uso de aplicativos de automonitoramento nas áreas da saúde e bem-estar, bem como a utilização de tais aplicativos com a finalidade de controlar o dinheiro (Leite, 2022Leite, Elaine. (2022). As crianças e os aplicativos de educação financeira: entre gamificação e gestão de si. Ciudad de México: XXXIII Congreso Latinoamericano de Sociología.), os quais, em sua maioria, proporcionam acesso a contas bancárias e cartões de crédito. Ainda, também é crescente a oferta de plataformas e aplicativos digitais que se apresentam como gerenciadores financeiros com calculadora e indicações de produtos e serviços associados a conteúdos de educação financeira, alertando sobre a importância do planejamento financeiro por meio da definição de objetivos e metas financeiras.

Atualmente, as plataformas de educação financeira oferecem aplicativos - que geralmente são de uso individual - e estimulam o planejamento e a definição de metas do usuário e de seus familiares. Esses aplicativos são constituídos de dados pessoais ou familiares (em especial sobre a renda dos membros da família), bem como podem possibilitar a integração das contas bancárias e dos cartões de crédito. Assim, essas informações passam a ser quantificadas em termos de diferentes gastos, consumo e investimento, que são apresentados em gráficos e indicadores, visando promover o autoconhecimento para uma melhor gestão de si (Leite, 2022Leite, Elaine. (2022). As crianças e os aplicativos de educação financeira: entre gamificação e gestão de si. Ciudad de México: XXXIII Congreso Latinoamericano de Sociología.). Aqui, os indicadores de desempenho são acompanhados de conselhos e instruções lúdicas, com oferta de jogos de simulações financeiras e programas que ajudam a melhorar e atingir as metas da vida financeira das pessoas usuárias.

Nesse sentido, notamos que atores do mercado financeiro - como agentes/consultores de investimentos, bancos (comerciais e digitais), corretoras de valores mobiliários, startups e fintechs - são os principais responsáveis pela expansão do mercado de plataformas e aplicativos financeiros que buscam promover a educação financeira e se destacam por terem como público-alvo mulheres, adolescentes e crianças (Leite, 2022Leite, Elaine. (2022). As crianças e os aplicativos de educação financeira: entre gamificação e gestão de si. Ciudad de México: XXXIII Congreso Latinoamericano de Sociología.). Nosso objetivo, portanto, é compreender a relação entre dinheiro, crianças e as moralidades no contexto de consagração da educação financeira, em especial com o espraiamento para plataformas e aplicativos digitais.

Aqui, a inquietude da sociologia zelizeriana passou a fazer parte de nossas pesquisas ao buscarmos desvendar a constituição do orçamento familiar envolvendo o dinheiro, as crianças e, agora, a educação financeira digitalizada. Conforme ressalta Zelizer (1989Zelizer, Viviana A. (1989). The social meaning of money: “special monies”. American Journal of Sociology, XCV/2, p. 342-377.), o significado do dinheiro não está em um determinado tipo, mas no sentido atribuído a ele, ou melhor, nas regras morais socialmente aceitas em cada contexto. Também partimos do princípio do quanto o dinheiro é considerado um tabu para os brasileiros (Oliven, 2001Oliven, Ruben George. (2001). De olho no dinheiro nos Estados Unidos. Estudos Históricos, I/27, p. 206-235.), estando marcado por questões morais que estabelecem normas sociais sobre como devemos nos comportar em relação a ele (Leite, 2017Leite, Elaine. (2017). A ressignificação da figura do especulador-investidor e as práticas de educação financeira. Civitas, XVII/1, p. 114-130.). Assim, aproximar dois temas aparentemente opostos como dinheiro e criança é um desafio sociológico inspirado pelas pesquisas de Zelizer (1985Zelizer, Viviana A. (1985). Pricing the priceless child. New York: Basic Books., 2011bZelizer, Viviana A. (2011b). Economic lives: how culture shapes the economy. Princeton: Princeton University Press.).

Se considerarmos que a referida dualidade passa a ser aceita moralmente quando a relação entre dinheiro e criança é significada pela consagração moral da educação financeira, tida como um instrumento fundamental para a vida e para o futuro das crianças, conforme ressalta o anúncio de uma das principais plataformas de educação financeira no país, o qual pretende “[...] levar a educação financeira para dentro de casa e preparar toda criança para a vida”6 6 Disponível em: https://www.tindin.com.br/familia/. Acesso em: 10 out. 2023. , educar financeiramente as crianças “para a vida” passa a ser um dever do Estado e, especialmente, de pais responsáveis.

Assim, cabe destacar, brevemente, as transformações sócio-históricas da criança/infância. Segundo Ariès (1981Ariès, Philippe. (1981). História Social da Criança e da Família. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC.), foi a partir do século XVII que crianças passaram a ser objeto de preocupação e valorização por parte das famílias, apontando uma mudança significativa, uma vez que, anteriormente, eram vistas como adultos em proporções reduzidas. Para Zelizer (1985Zelizer, Viviana A. (1985). Pricing the priceless child. New York: Basic Books.), já no século XX, as crianças deixaram a posição de contribuintes econômicos da família por meio do trabalho realizado, em especial nas fábricas, e passaram a ocupar um mundo singular regulado pela educação e pelo afeto - não mais pelo trabalho -, sendo reconhecidas, agora, pela sua posição de “emocionalmente inestimáveis” - não mais de “economicamente úteis”. Isso implica uma mudança na valorização da infância, agora entendida como um direito intrínseco das crianças.

As transformações sociais deram origem a um sentimento de infância (Ariès, 1981Ariès, Philippe. (1981). História Social da Criança e da Família. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC.), ou seja, um modo peculiar de valorar a criança. Segundo Ariès (1981Ariès, Philippe. (1981). História Social da Criança e da Família. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC.), Zelizer (1985Zelizer, Viviana A. (1985). Pricing the priceless child. New York: Basic Books., 2011bZelizer, Viviana A. (2011b). Economic lives: how culture shapes the economy. Princeton: Princeton University Press.), Cohn (2005Cohn, Clarice. (2005). Antropologia da criança. Rio de Janeiro: Zahar.) e Fonseca (1997Fonseca, Cláudia. (1997). Ser mulher, mãe e pobre. In: Del Priori, Mary. (org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto. p. 510-553.), agora, seja como sujeito seja como categoria de análise, a criança desempenha um papel fundamental e ativo na formação de relações sociais. É nesse sentido que enfatizamos que a criança, ao interagir em espaços distintos, desenvolve um intenso trabalho relacional7 7 É importante ressaltar que este artigo tem como marco teórico a sociologia econômica, mas também está alinhado com as investigações da antropologia e sociologia da criança e infância. Essas áreas advogam o reconhecimento das crianças como agentes ativos na vida social e como interlocutoras legítimas na pesquisa social. Destacamos, por exemplo, autores como Fonseca (1997) e Cohn (2005). .

A sociologia zelizeriana, em especial o conceito de trabalho relacional, é fundamental para a nossa análise, além da proposta de Bandelj e Spiegel (2023Bandelj, Nina & Spiegel, Michelle. (2023). Pricing the priceless child 2.0: children as human capital investment. Theory and Society, LII, p. 805-830.), que busca transpor para o século XXI os argumentos de Zelizer em Pricing the Priceless Child (1985Zelizer, Viviana A. (1985). Pricing the priceless child. New York: Basic Books.), livro no qual aponta como as crianças, do ponto de vista moral, passaram de “economicamente úteis” para “emocionalmente inestimáveis” entre o fim do século XIX e o início do século XX nos Estados Unidos. Apesar disso, o desafio de Bandelj e Spiegel (2023Bandelj, Nina & Spiegel, Michelle. (2023). Pricing the priceless child 2.0: children as human capital investment. Theory and Society, LII, p. 805-830.) é entender se houve uma nova transformação no valor social das crianças. Para isso, as autoras buscam demonstrar como as crianças, hoje, mobilizam esforços e tempo dos pais, ao observar o aumento de matrículas no ensino pré-escolar e as despesas federais no ensino pré-escolar, no ensino básico e no secundário, bem como o crescente gasto dos pais com cuidados infantis, educação e atividades extracurriculares (2023Bandelj, Nina & Spiegel, Michelle. (2023). Pricing the priceless child 2.0: children as human capital investment. Theory and Society, LII, p. 805-830.: 812).

Assim, Bandelj e Spiegel (2023Bandelj, Nina & Spiegel, Michelle. (2023). Pricing the priceless child 2.0: children as human capital investment. Theory and Society, LII, p. 805-830.) mostram que a educação dos filhos no século XXI é tida como um investimento de capital humano, conforme os princípios teóricos de Gary Becker, que supostamente torna as crianças economicamente úteis quando adultas: “[...] considera-se que a criança do século XXI é economicamente útil porque foi investida com capital humano que aumentaria seu valor econômico como adulta no futuro mercado de trabalho” (2023Bandelj, Nina & Spiegel, Michelle. (2023). Pricing the priceless child 2.0: children as human capital investment. Theory and Society, LII, p. 805-830.: 822, tradução nossa).

As autoras se referem à Teoria do Capital Humano de Gary Becker como principal fundamento das políticas norte-americanas do século XXI que passaram a conceber e promover a educação como um investimento na formação de pessoas para o desenvolvimento de competências individuais e de seu potencial de rendimento. Em termos gerais, para Becker (1993Becker, Gary. (1993). Human capital a theoretical and empirical analysis, with special reference to education. 3. ed. New York: University of Chicago; NBER.), o capital humano é um conjunto de competências produtivas incorporadas por uma pessoa que pode influenciar o seu rendimento real futuro, impactando no crescimento econômico e no desenvolvimento da sociedade como um todo, conforme as palavras do referido economista:

[...] [o capital humano] é relevante não só para os investimentos em educação, formação e outras competências e conhecimentos por parte dos indivíduos e das empresas, mas também para a compreensão das mudanças em toda a economia em termos de desigualdade, crescimento econômico, desemprego e comércio externo (Becker, 1993Becker, Gary. (1993). Human capital a theoretical and empirical analysis, with special reference to education. 3. ed. New York: University of Chicago; NBER.: 255, tradução e acréscimo nosso).

Nesse sentido, as análises de Foucault (2008Foucault, Michel. (2008). Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes.) sobre as consequências das teorias do capital humano, ou melhor, do neoliberalismo, inspiram esta pesquisa. Compreende-se, aqui, tais consequências como uma virada epistemológica no campo da economia política, pois transformou o homem/trabalhador no “empresário de si”, aquele indivíduo que concebe a sua vida como um capital (humano), que se valoriza ao desenvolver suas habilidades individuais a partir do gerenciamento de si. Dessa forma, este artigo visa a abordar as moralidades implicadas na relação entre dinheiro e criança no contexto da educação financeira digitalizada, destacando como a consagração moral da educação financeira pressupõe a constituição do tipo ideal (Weber, 1991Weber, Max. (1991). Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília, DF: UnB.) de criança previdente e gestora de si (Foucault, 2008Foucault, Michel. (2008). Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes.).

Para além da revisão bibliográfica sobre as temáticas, em termos empíricos, fizemos um mapeamento do programa de educação financeira do governo federal e as principais plataformas e aplicativos voltados para crianças no Brasil. Neste artigo, as informações são provenientes da Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef), via site Vida e Dinheiro e do aplicativo TÁ O$$O!, desenvolvido por essa iniciativa governamental8 8 Todas as informações sobre a Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef) foram retiradas do site: https://www.vidaedinheiro.gov.br/ta-osso/?doing_wp_cron=1670587753.0137810707092285156250. Acesso em: 9 dez. 2022. . Além disso, analisamos uma plataforma lançada por uma startup que oferece um ambiente gamificado sobre educação financeira9 9 Em termos metodológicos, o mapeamento e a escolha das plataformas e aplicativos buscou incorporar fontes governamentais e iniciativas privadas sobre o campo da educação financeira, um dos objetivos do projeto geral dessa pesquisa. Portanto, elegemos como tipo ideal (Weber, 1991) para este artigo duas plataformas (pública e privada, sendo a última de maior visibilidade nos meios de comunicação no país), que ofertam materiais, jogos e aplicativos para o público infantil, bem como se propõem a oferecer apoio pedagógico e conteúdo para as escolas a partir da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nesse sentido, os depoimentos sobre as referidas plataformas feitos pelos usuários constituem um material que se tornou fundamental para esta análise, pois aponta as justificavas morais de distintos atores na consagração da educação financeira no país. . Elaboramos, também, uma pesquisa documental abrangente em relação a esses temas e às plataformas e aplicativos na mídia em geral. Os materiais analisados à luz da perspectiva da sociologia zelizeriana oferecem elementos heurísticos para compreender as moralidades nas relações permeadas pelo dinheiro, possibilitando entender o desenvolvimento da consagração da educação financeira no país.

Desse modo, as primeiras evidências apontam como dinheiro e crianças são significados moralmente pela educação financeira, cuja consagração estabelece um modelo universal que pressupõe uma criança responsável e previdente, bem como uma importante mediadora moral sobre a temática no âmbito familiar, passando a se constituir como uma espécie de máquina de treinamento moral na jornada para se tornar um adulto financeiramente responsável, isto é, uma criança economicamente útil no futuro, conforme veremos adiante.

Este artigo está dividido em quatro seções. Após esta introdução, abordaremos o surgimento da educação financeira voltada para o público infantil no país, apontando sua consagração, seus agentes e instituições ao examinar como esses conteúdos passam a ganhar legitimidade entre as crianças por meio de plataformas e aplicativos. Subsequentemente, discutiremos como as crianças se tornam máquinas de treinamento que se valoram como responsáveis e previdentes, bem como se tornam mediadoras morais do tema e cultivam o ideário de formação de adultos financeiramente responsáveis. Para concluir, apresentaremos breves considerações finais sobre esta pesquisa, a qual é inspirada pela sociologia zelizeriana para a compreensão moral da educação financeira na construção de crianças gestoras de si (Foucault, 2008Foucault, Michel. (2008). Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes.) e de seu futuro.

EDUCAÇÃO FINANCEIRA ENTRE DINHEIRO E CRIANÇAS

Primeiramente, para entender a educação financeira a partir do advento de plataformas digitais voltadas para crianças, é necessário contextualizar brevemente a conjuntura da educação financeira no Brasil. Em 2010, foi instituída, no Brasil, como política pública, Enef10 10 As informações sobre a Enef foram retiradas do site: https://www.vidaedinheiro.gov.br/ta-osso/?doing_wp_cron=1670587753.0137810707092285156250. Acesso em: 9 dez. 2022. , à época vinculada ao Ministério da Educação e Cultura (MEC). O projeto mantém sua história e seus documentos atualizados no site intitulado Vida e Dinheiro11 11 Disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/es/. Acesso em: 10 out. 2023. , plataforma de oferta de produtos de educação financeira, a qual enfatiza que:

Segundo a OCDE (2005), educação financeira é ‘o processo mediante o qual os indivíduos e as sociedades melhoram a sua compreensão em relação aos conceitos e produtos financeiros, de maneira que, com informação, formação e orientação, possam desenvolver os valores e as competências necessários para se tornarem mais conscientes das oportunidades e riscos neles envolvidos e, então, poderem fazer escolhas bem informadas, saber onde procurar ajuda e adotar outras ações que melhorem o seu bem-estar. Assim, podem contribuir de modo mais consistente para a formação de indivíduos e sociedades responsáveis, comprometidos com o futuro’ (Gov.br, [20--]Gov.br. ([20--]). Vida e Dinheiro. Gov.br. Disponível em <Disponível em https://www.vidaedinheiro.gov.br >. Acesso em 14 maio 2024.
https://www.vidaedinheiro.gov.br...
, grifo nosso)12 12 Disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/educacao-financeira-no-brasil/?doing_wp_cron=1698065601.2889358997344970703125#. Acesso em: 10 out. 2023. .

Como resultado efetivo dessa política pública, tem-se a inclusão, a partir de 2020, da educação financeira na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)13 13 A educação financeira adentra mais precisamente no currículo das escolas com a implementação da BNCC; entretanto, cabe destacar que a nova BNCC, ao mesmo tempo em que introduz a diversificação curricular, é criticada por entidades educacionais, pois os estudantes contam como uma formação básica e uma específica, a qual se dá a partir dos itinerários formativos nos quais os próprios estudantes escolhem as áreas que pretendem estudar. Umas das principais críticas reside na capacidade de diferentes escolas conseguirem ofertar com qualidade tal diversidade de formação específica para os alunos. Atualmente, com o governo Lula, as críticas à BNCC ganharam mais visibilidade e passaram a pressionar o governo a revogar as novas regras. . Isso significa que a educação financeira passou a fazer parte do currículo obrigatório do ensino infantil, fundamental e médio das escolas públicas e privadas brasileiras. A educação financeira, portanto, integra de modo transversal os currículos das escolas e tem como princípio ajudar os estudantes a desenvolver habilidades e competências, visando aprender a planejar sua vida em todas as fases (da infância até a aposentadoria) e tomar boas decisões financeiras, bem como enfatiza a importância de os estudantes conversarem sobre o tema com a família, conforme revelam os dados no excerto abaixo:

A educação financeira nas escolas traz resultados, de acordo com a AEF-Brasil. Pesquisa feita em parceria com Serasa Consumidor e Serasa Experian, este ano, mostra que um a cada três estudantes afirmou ter aprendido a importância de poupar dinheiro depois de participar de projetos de educação financeira. Outros 24% passaram a conversar com os pais sobre educação financeira e 21% aprenderam mais sobre como usar melhor o dinheiro (Tokarnia, 2019Tokarnia, Mariana. Educação financeira chega ao ensino infantil e fundamental em 2020. Oferta está prevista na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Agência Brasil. Disponível em <Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2019-12/educacao-financeira-chega-ao-ensino-infantil-e-fundamental-em-2020 >. Acesso em 14 maio 2024.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/educaca...
)14 14 Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2019-12/educacao-financeira-chega-ao-ensino-infantil-e-fundamental-em-2020. Acesso em: 10 out. 2023. .

A crise de 2008 foi importante para a legitimação da emergência do debate sobre educação financeira no país e para a consagração de quais agentes são legítimos para ponderar acerca do tema; isto é, pode parecer paradoxal, mas os agentes e as instituições do mercado financeiro passaram a controlar a narrativa da crise (Grün, 2012Grün, Roberto. (2011). Crise financeira 2.0: controlar a narrativa & controlar a desfecho. Dados, LIV/3, p. 307-354.) e, consequentemente, da educação financeira, pois a crise passou a ser enquadrada como a incapacidade de pessoas ordinárias usarem racionalmente o dinheiro e os instrumentos financeiros. Assim como enfatizam as autoras argentinas, o resultado da referida crise foi legitimado como uma deficiência cognitiva dos indivíduos e não resultado das ações das grandes instituições financeiras (Cavallero et al., 2021Cavallero, L. et al. (2021). ¿De qué se trata la inclusión financiera? Notas para una perspectiva crítica. Realidad Económica, XL/51, p. 9-30.).

Aqui, vale destacar que, decorrente da crise de 2008, a pesquisa de Fridman (2017Fridman, Daniel. (2017). Freedom from work: embracing financial self-help in the United States and Argentina. Standford: Standford University.) enfatiza como a temática do dinheiro ganha legitimidade por meio da narrativa de aprendizado de maneira prática - no caso, via jogo de tabuleiro, considerado, nos Estados Unidos e na Argentina, uma eficaz ferramenta pedagógica, como o famoso jogo Monopoly, ou Banco Imobiliário. Fridman (2017Fridman, Daniel. (2017). Freedom from work: embracing financial self-help in the United States and Argentina. Standford: Standford University.), especificamente, analisou o jogo “Corrida dos Ratos”, que faz parte dos produtos sobre finanças pessoais da coleção Pai Rico, Pai Pobre, a qual tem como objetivo ensinar aos jogadores a diferença entre bens ativos e passivos. Isso significa que os jogadores têm que aprender a colocar o dinheiro a seu próprio serviço; conquistando o sonho da liberdade financeira.

No Brasil, o referido jogo aparentemente não fez sucesso, mas os ensinamentos dos livros Pai Rico, Pai Pobre pautaram os conteúdos de educação financeira que hoje constituem, em especial, o material da Enef, conforme Leite (2012Leite, Elaine. (2012). Reconversão de habitus: o advento do ideário de investimento no Brasil. Tese de Doutorado. Universidade Federal de São Carlos.). Apesar disso, esse ideário legitima o repertório de que a educação financeira deve ser pragmática, pois, para alcançar uma meta financeira, é necessário modificar as regras do jogo e adaptá-las à vida real, consagrando que a educação financeira deve estimular habilidades práticas como uma forma de acumulação de capital humano.

Com isso, consolida-se uma educação financeira dirigida para analfabetos financeiros. Como nos lembra Martin (2002Martin, Randy. (2002). Financialization of daily life. Philadelphia: Temple University Press.), em contexto de crises, é preciso construir um sujeito que deve ser alfabetizado financeiramente. Assim, legitima-se a necessidade de uma educação financeira “pragmática” para evitar um novo colapso global, bem como para formar cidadãos conscientes.

Com o cenário de pandemia de covid-19, ou seja, com a crise sanitária somada a uma crise econômica que desencadeou o aumento do desemprego e da informalidade, o descontrole da inflação e a ampliação do número de pessoas endividadas, intensificou-se a emergência do debate sobre educação financeira. Dessa forma, tal conjuntura se soma ao início da implementação da educação financeira no Brasil, em 2020, previsto na BNCC.

Nesse momento, os principais expoentes da educação financeira no país são, portanto, agentes e instituições do mercado financeiro. Aqui, destacamos a Bolsa de Valores Brasileira (hoje, B3), a Federação dos Bancos do Brasil e a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, as quais participaram da construção da Enef15 15 Disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/parcerias-e-patrocinios. Acesso em: 10 out. 2023. . Assim, nota-se, historicamente, o protagonismo de agentes/consultores de investimentos, bancos (comerciais e digitais), corretoras de valores mobiliários e fintechs, os quais, agora, também são os principais responsáveis pelo crescimento do mercado de plataformas e aplicativos que buscam promover a educação financeira direcionada para públicos específicos.

A educação financeira se torna legítima para o público infantil, seja a partir da curricularização das escolas, seja a partir de produtos e serviços digitais. Considerando que as crianças estão cada vez mais imersas no universo tecnológico, no Brasil, “86% das crianças e adolescentes usam a internet diariamente [...]. Do total que ‘não usa’, 15% vive em área rural e 2,5% em área urbana” (IBGE, 2019)16 16 Dados referentes à pesquisa “Tecnologia da Informação e Comunicação - TIC”, do IBGE de 2019. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/20787-uso-de-internet-televisao-e-celular-no-brasil.html. Acesso em: 10 out. 2023. . Logo, a facilidade de engajamento do público infantil advém, também, da afinidade com um ambiente gamificado que busca ensinar sobre o dinheiro “brincando” através da tela do celular.

Cabe destacar que o Programa de Educação Financeira nas Escolas, promovido pela Enef por meio da plataforma Vida e Dinheiro, é ofertado via ambiente Moodle. Ainda, o programa mencionado visa a “inserir a temática da educação financeira no contexto cotidiano tanto da família brasileira quanto da comunidade escolar” (Gov.br, [20--]Gov.br. ([20--]). Vida e Dinheiro. Gov.br. Disponível em <Disponível em https://www.vidaedinheiro.gov.br >. Acesso em 14 maio 2024.
https://www.vidaedinheiro.gov.br...
)17 17 Disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/ead-novos-alunos. Acesso em: 10 out. 2023. com ajuda da Plataforma de Educação Financeira, que oferta cursos e conteúdos digitais para professores da educação básica, do ensino fundamental e do médio, e de metodologias imersivas e interativas com o objetivo de “fortalecimento da cidadania, para a autonomia financeira e para a construção de um país educado financeiramente” (Gov.br, [20--]Gov.br. ([20--]). Vida e Dinheiro. Gov.br. Disponível em <Disponível em https://www.vidaedinheiro.gov.br >. Acesso em 14 maio 2024.
https://www.vidaedinheiro.gov.br...
)18 18 Disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/ead-novos-alunos. Acesso em: 10 out. 2023. . A plataforma também oferece conteúdos, vídeos e jogos para o público em geral.

No site Vida e Dinheiro, é possível acessar o jogo TÁ O$$O!, voltado especificamente para o público infantil. Segundo o depoimento de uma das idealizadoras, “o jogo é sempre focado nas tomadas de decisão. O jogador começa decidindo questões do cotidiano, como compras simples, até o momento que é colocado em um mercado de trabalho e tem de escolher o que vai fazer, com decisões de negócio para empreender”19 19 Disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/estadao_outubro_2019. Acesso em: 10 out. 2023. . O nome do jogo faz analogia à expressão popular, que remete a uma situação financeira complicada, entretanto, mostra que, ao aprender de maneira divertida e prática sobre o dinheiro e o consumo excessivo, é possível alcançar a independência financeira, conforme anúncio do jogo:

Cuidar das finanças tá osso? Explore um divertido mundo canino em busca da sonhada independência financeira. Supere desafios fazendo escolhas conscientes com seu dinheiro e ajude outros personagens em suas desventuras e dilemas financeiros20 20 Disponível em: https://taosso.vidaedinheiro.gov.br. Acesso em: 10 out. 2023. . VENÇA DESAFIOS E GANHE PONTOS PARA FICAR ENTRE OS MELHORES! Você jogará como um filhote cheio de sonhos, mas ainda com dificuldade de cuidar do próprio dinheiro (Gov.br, [20--]Gov.br. ([20--]). Vida e Dinheiro. Gov.br. Disponível em <Disponível em https://www.vidaedinheiro.gov.br >. Acesso em 14 maio 2024.
https://www.vidaedinheiro.gov.br...
)21 21 Disponível em: https://taosso.vidaedinheiro.gov.br. Acesso em: 10 out. 2023. .

Já a segunda plataforma analisada é desenvolvida por uma startup como ambiente virtual de aprendizagem gamificada22 22 Todas as informações referentes ao Tindin foram retiradas do site e do aplicativo (via Google Play). Disponível em: https://www.tindin.com.br/. Acesso em: 9 dez. 2022. que tem como missão ensinar educação financeira para o público infanto-juvenil apoiada por quatro pilares, que são: conquistar, poupar, consumir e investir. Nesse sentido, o objetivo da plataforma é desenvolver a capacidade das crianças de organizar o próprio dinheiro por meio de missões e tarefas recompensadoras.

É interessante ressaltar que a concepção do aplicativo se originou do diálogo entre um pai e seu filho, durante o qual o pai notou que, embora seu filho recebesse uma mesada, enfrentava dificuldades para comprar jogos pela internet. A percepção da falta de autonomia da criança, nesse caso, levou o pai, em colaboração com um colega de trabalho, a fundar a referida plataforma23 23 Disponível em: https://g1.globo.com/empreendedorismo/pegn/noticia/2022/05/22/aplicativo-usa-brincadeira-para-ensinar-educacao-financeira-para-criancas.ghtml. Acesso em: 10 out. 2023. , na qual:

[...] os pais dos usuários podem criar uma espécie de carteira digital para os filhos e definir mesadas fixas e variáveis. O interessante neste aplicativo é que as bonificações podem se dar de acordo com o cumprimento de tarefas, metas e até prazos estipulados na plataforma. Após a liberação dos valores, as crianças podem fazer compras dentro de lojas parceiras [...], que oferecem produtos e aceitam créditos em maquininha virtual. De maneira lúdica, também é possível escolher uma função de poupança ou investimento, em que os pais devem subsidiar as taxas de rentabilidade (Barros, 2021Barros, Matheus. (2021). Tindin: app ensina educação financeira para crianças. Olhar Digital. Disponível em <Disponível em https://olhardigital.com.br/2021/03/11/reviews/tindin-app-ensina-educacao-financeira-para-criancas/ >. Acesso em 14 maio 2024.
https://olhardigital.com.br/2021/03/11/r...
)24 24 Disponível em: https://olhardigital.com.br/2021/03/11/reviews/tindin-app-ensina-educacao-financeira-para-criancas/. Acesso em: 10 out. 2023. .

Com isso, surge uma justificação moral para a criação do aplicativo, que encontra ressonância ao abordar a relação familiar entre pai e filho - situação aparentemente corriqueira nas famílias. Desse modo, o pai busca resolver um problema prático e promover o desenvolvimento das habilidades do filho relacionadas ao uso da mesada. O aplicativo se tornou, atualmente, uma das principais plataformas educacionais que ofertam produtos e serviços referentes ao ensino da educação financeira para escolas, que passou a ser obrigatório no país, conforme anúncio da empresa:

Em atendimento à BNCC, inclua a educação financeira de forma transversal, comunicando-se com todas as disciplinas. Seus professores serão capacitados dentro da plataforma, e encontrarão planos de aulas completos sobre o tema. Ao final, seus alunos aprenderão sobre dinheiro, consumo, empreendedorismo e investimentos de forma prática e divertida25 25 Disponível em: https://materiais.tindin.com.br/teste-gratuito. Acesso em: 10 out. 2023. .

Ao analisar as plataformas e aplicativos, identificamos elementos comuns no processo de alfabetização financeira, que seguem um modelo padrão: o aplicativo começa com a inserção de dados pessoais (ou familiares) e com a etapa de planejamento, que envolve o estabelecimento de metas. Em seguida, o foco está em “aumentar” a renda (por meio do trabalho, busca por renda extra, práticas empreendedoras etc.), ao mesmo tempo em que são abordadas a conscientização sobre o consumo responsável e a importância da poupança, seguidas pelo aprendizado sobre investimentos para garantir o futuro26 26 As referidas plataformas, de modo geral, seguem alguns elementos comuns para uso: todos os usuários devem se registrar na plataforma, fornecendo informações como nome e e-mail, entre outras. Em seguida, é necessário selecionar o tipo de perfil do usuário. Na Enef, além do perfil comum, estão disponíveis perfis para alunos do ensino fundamental e médio, professores, gestores educacionais e organizações não governamentais. No Tindin, há, também, interfaces distintas para usuários, como pais ou responsáveis, crianças, educadores e lojistas. No caso dos aplicativos e jogos, o processo é semelhante, e é nessa etapa do “perfil” que é possível vincular contas bancárias e cartões de crédito, bem como acessar informações sobre histórico de atividades, conquistas e outras informações relevantes. Vale destacar que a diferença significativa do aplicativo Tindin é a oferta de uma carteira digital que pode ser abastecida por meio de mesadas ou pode apenas utilizar da opção de atingir uma meta estabelecida. Assim, é possível ao usuário fazer o gerenciamento do dinheiro por meio do planejamento. Os quatro princípios do método educacional — conquistar, poupar, consumir e investir — são abordados por meio de funcionalidades gamificadas. Ambas as plataformas oferecem um catálogo de cursos ou conteúdos educacionais. Isso pode incluir cursos em vídeo, textos, apostilas, entre outros formatos. Os usuários podem navegar pelos cursos disponíveis ou usar ferramentas de busca para encontrar tópicos específicos de seu interesse. . De tal modo, notamos um repertório que reforça a alfabetização financeira pragmática, que é marcada pela emergência de metodologias ativas de ensino que, nesse caso, consagram a interface tecnológica (conteúdos e formatos virtuais) como importante mediadora referente à aprendizagem sobre o dinheiro para o público infantil, o qual é enquadrado pela necessidade de planejamento financeiro em todas as fases da vida, acionando a perspectiva de compreensão da realidade para controle do futuro.

Os ensinamentos via jogos são tidos como desafios/metas que, ao serem cumpridos(as), geram premiações para as crianças, com, por exemplo, medalhas e/ou moedas fictícias acompanhadas de frases motivacionais. Assim, os aplicativos estimulam práticas de automonitoramento que, conforme Mazzilli (2019Mazzilli, Paola. (2019). Turbinando nossos selfs: um estudo exploratório sobre os aplicativos de autoajuda no cenário brasileiro. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.), são pautadas pelo discurso do crescimento pessoal e desenvolvimento de habilidades pessoais, autonomia, positividade e autoempreendedorismo, e visam a uma instrumentalização tecnológica que passa a quantificar o processo de superação individual, ofertando novas metas e desafios para seus usuários, mantendo-os sempre engajados.

As metas solicitadas durante os jogos estimulam a elaboração de um planejamento sistemático do orçamento, o controle dos gastos, a previsão de investimentos e iniciativas relacionadas ao empreendedorismo. Já os mecanismos de recompensas (prêmios, medalhas e moedas), para além do engajamento, apresentam indicadores do desempenho das crianças, que passam a ser quantificados de modo ordinal (Burrell & Fourcade, 2021Burrell, Jenna & Fourcade, Marion. (2021). The Society of Algorithms. Annual Review of Sociology, XLVII/1, p. 213-237.).

De acordo com Henchoz (2016Henchoz, Caroline. (2016). Sociological perspective on financial literacy: a critical examination of three assumptions underlying Financial Literacy Programmes. In: Aprea, Carmela et al. (eds.). International Handbook on Financial Literacy. Singapore: Springer. p. 97-113.), a meta do planejamento de orçamento impõe uma concepção do tempo (semana, mês e ano) e da entrada regular de dinheiro (Wherry, 2017Wherry, Frederick F. (2017). How relational accounting matters. In: Bandelj, Nina et al. (org.). Money talks. Princeton: Princeton University Press. p. 57-72.). Planejar o orçamento requer uma certa exatidão na previsão de receitas e despesas, bem como escolhas conscientes de consumo, visando economizar para buscar formas de investimento. Isso posto, essa é uma situação incomum para muitas famílias brasileiras, na qual os fluxos de renda são irregulares e muitas vezes não cobrem os gastos essenciais. Entretanto, tal situação é enquadrada como um desafio cotidiano, no qual é indicado que as crianças tenham pensamentos e atitudes empreendedoras (e/ou estimulem os familiares) para enfrentar circunstâncias difíceis, visando à constituição de sujeitos responsáveis e previdentes, ou seja, gestores de si e de seu futuro. Assim, passamos a compreender a consagração moral do repertório de educação financeira como uma receita universal e coercitiva, já que não emerge da realidade da maioria das famílias, mas é prescrita como um modelo que deve ser adotado.

Conforme as crianças avançam na aprendizagem, são incentivadas a levar os ensinamentos aos pais e familiares, podendo, assim, tornar-se agentes mobilizadores da temática financeira no âmbito familiar. Desse modo, compreendemos tal interação como uma espécie de treinamento moral, que ensina sobre o uso “racional” do dinheiro, o qual deve ir além do ambiente de aprendizagem, apontando o trabalho relacional (Zelizer, 2005, 2011bZelizer, Viviana A. (2011b). Economic lives: how culture shapes the economy. Princeton: Princeton University Press.) das crianças nessa conjuntura, conforme testemunho de uma estudante, disponível na plataforma Vida e Dinheiro: “A gente chega em casa e põe em prática tudo aquilo que a gente aprendeu na escola, e a gente começa a pensar as coisas de outra forma, já como um adulto” (Gov.br, [20--]Gov.br. ([20--]). Vida e Dinheiro. Gov.br. Disponível em <Disponível em https://www.vidaedinheiro.gov.br >. Acesso em 14 maio 2024.
https://www.vidaedinheiro.gov.br...
)27 27 Disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/depoimentos/. Acesso em: 10 out. 2023. . Tal depoimento é seguido por declarações de professoras de escolas que já implementaram o programa, as quais reforçam o protagonismo das crianças no assunto: “É uma proposta que não fica aqui em quatro paredes. Eles também agem como modificadores, eles levam para casa. [...] A sociedade precisa conhecer essas informações para elas terem uma formação mais adequada para a sua vida [...]” (Gov.br, [20--]Gov.br. ([20--]). Vida e Dinheiro. Gov.br. Disponível em <Disponível em https://www.vidaedinheiro.gov.br >. Acesso em 14 maio 2024.
https://www.vidaedinheiro.gov.br...
)28 28 Disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/depoimentos/. Acesso em: 10 out. 2023. .

Tais depoimentos, selecionados pela própria plataforma, evidenciam as moralidades implicadas na consagração da educação financeira que adentra o âmbito doméstico, reforçando o papel das crianças como gestoras de si. No entanto, considerando o universo das crianças e as habilidades financeiras requeridas e ensinadas pelos conteúdos digitais, tal relação nos remete aos estudos de Zelizer (2011bZelizer, Viviana A. (2011b). Economic lives: how culture shapes the economy. Princeton: Princeton University Press.), que destacam o papel das crianças nas dinâmicas familiares, em especial, sobre as competências linguísticas de filhos de pais imigrantes, que se adaptam mais facilmente ao novo idioma do que os próprios pais e, portanto, passam a ser seus tutores, ou seja, tal função - de tradutores - não se limita a questões simples, mas também torna as crianças mediadoras de transações delicadas e complexas entre os seus pais e médicos, professores, funcionários bancários e outras autoridades (Zelizer, 2011bZelizer, Viviana A. (2011b). Economic lives: how culture shapes the economy. Princeton: Princeton University Press.: 79).

Nesse sentido, para Zelizer (2011bZelizer, Viviana A. (2011b). Economic lives: how culture shapes the economy. Princeton: Princeton University Press.), os filhos se tornaram aliados indispensáveis para os pais na resolução de diversos assuntos do cotidiano. Dessa forma, podemos transpor tal lógica para a nossa questão, considerando as habilidades digitais de crianças e adolescentes, bem como o papel atribuído às crianças via educação financeira como importantes mediadoras em assuntos econômicos, as quais passam a auxiliar os familiares nas transações financeiras por meio do uso de aplicativos bancários, métodos de pagamentos, compras online, empréstimos e investimentos. Assim, os aplicativos e os conteúdos digitais estimulam as crianças não apenas a conversar com os pais sobre o orçamento doméstico, mas também possibilitam que as crianças sejam consideradas instrutoras e até mesmo agentes das transações referentes ao dinheiro.

Para Zelizer, as pessoas criam, mantêm e transformam as relações sociais, significando transações econômicas como apropriadas, enquanto outras passam a ser consideradas inapropriadas (Zelizer, 2011bZelizer, Viviana A. (2011b). Economic lives: how culture shapes the economy. Princeton: Princeton University Press.). Um ponto importante que complementa a reflexão anterior pode ser evidenciado, segundo Zelizer (2011bZelizer, Viviana A. (2011b). Economic lives: how culture shapes the economy. Princeton: Princeton University Press.), por meio das transformações em relação ao pagamento de um salário aos filhos, como se fossem funcionários - crianças economicamente úteis -, o qual não é visto como uma transação econômica moral e legalmente apropriada hoje em dia; entretanto, o pagamento de uma mesada às crianças, atualmente, é considerado uma forma legítima de pagamento para crianças consideradas emocionalmente inestimáveis.

Por meio de nossa pesquisa, veremos que a educação financeira reforça que a mesada é um instrumento educativo para a instrução de crianças em relação ao desenvolvimento de competências e habilidades (capital humano) referentes à gestão do dinheiro, em especial para a formação de adultos financeiramente responsáveis. Conforme alerta o aplicativo em análise: “Mesada educativa: educação financeira prática, como andar de bicicleta. Ajudamos os pais e responsáveis a educarem seus filhos para lidar com as finanças, trabalhando bons hábitos de forma prática e lúdica”29 29 Disponível em: https://www.tindin.com.br/familia/. Acesso em: 10 out. 2023. . Isso posto, nossa linha de argumentação, em consonância com Bandelj e Spiegel (2023Bandelj, Nina & Spiegel, Michelle. (2023). Pricing the priceless child 2.0: children as human capital investment. Theory and Society, LII, p. 805-830.), sugere que a criança do século XXI passa a ser valorada como economicamente útil devido ao investimento em seu capital humano, o qual aumentará seu valor econômico enquanto adulto no futuro.

Nesse contexto, cabe ressaltar que há inúmeras pesquisas que apontam a diversidade socioeconômica das famílias brasileiras e como o dinheiro permeia diferentes dinâmicas familiares, gerando transformações sociais significativas. Vale destacar, ainda, pesquisas que exploram o impacto das políticas sociais implementadas no país e o papel das crianças e suas famílias (Pires & Jardim, 2005Pires, F. & Jardim, G. (2014). Geração bolsa família escolarização, trabalho infantil e consumo na casa sertaneja (Catingueira/PB). Revista Brasileira de Ciências Sociais, XIX/85, p. 99-112.; Pereira, 2013Pereira, Talita Jabs Eger. (2013). Dinheiro e moralidade no Bolsa Família: uma perspectiva etnográfica. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.).

Pires e Jardim (2005Pires, F. & Jardim, G. (2014). Geração bolsa família escolarização, trabalho infantil e consumo na casa sertaneja (Catingueira/PB). Revista Brasileira de Ciências Sociais, XIX/85, p. 99-112.), ao considerarem as políticas públicas como o Bolsa Família, mostram que a educação escolar está se consolidando na vida das crianças e as narrativas familiares estão orientadas a considerá-la como uma prioridade. No entanto, as evidências indicam que o fator que sustenta a permanência das crianças na escola é o aumento da renda familiar e não necessariamente a obrigatoriedade da escolarização. Assim, notamos como a relação entre dinheiro e criança ganha significados distintos, decorrentes da diversidade socioeconômica das famílias brasileiras. Esses estudos respaldam nossa argumentação de que a consagração da educação financeira como um modelo universal revela sua natureza coercitiva, uma vez que não emerge da realidade da maioria das famílias, mas é prescrita como um padrão que deve ser seguido.

Retomando a nossa questão em que tais relações são mediadas por máquinas digitais (plataformas e aplicativos) - nas quais os ensinamentos não são apenas informativos, mas performativos, que se desenvolvem na forma como as crianças jogam/gerem o dinheiro fictício ou a mesada, possibilitando terem o seu desempenho reconhecido e materializado na tela do celular - vem a ênfase no pragmatismo operado por essas tecnologias digitais no processo de aprendizagem proposto pelas plataformas. A educação financeira de plataforma possibilita uma interatividade entre o “eu” e a máquina (Burrell & Fourcade, 2021Burrell, Jenna & Fourcade, Marion. (2021). The Society of Algorithms. Annual Review of Sociology, XLVII/1, p. 213-237.) mediada por algoritmos, isto é, por meio do fornecimento de informações pessoais e da família, bem como pela interação no ambiente digital. Com isso, tem-se o desempenho quantificado de modo ordinal, permitindo um automonitoramento e uma autoavaliação constantes e visíveis na tela do celular, como veremos na próxima sessão.

Até aqui, notamos como o enquadramento da educação financeira molda a relação entre dinheiro e criança e ganha novos significados, em especial via plataforma e aplicativos, bem como, considerando o conceito de trabalho relacional (Zelizer, 2011bZelizer, Viviana A. (2011b). Economic lives: how culture shapes the economy. Princeton: Princeton University Press.), compreendemos como as pessoas constroem significados de acordo com seus papéis nas relações sociais que, nesse caso, envolvem agentes públicos e financeiros, educadores, pais/familiares e crianças no contexto da educação financeira digitalizada no país.

MÁQUINAS DE TREINAMENTO MORAL E A VALORAÇÃO INFANTIL PARA O FUTURO

Com a valoração da criança inestimável e a consequente transição do estatuto de trabalhador para consumidor (Zelizer, 2002Zelizer, Viviana A. (2002). Kids and Commerce. In: Zelizer, Viviana A. Economic lives: how culture shapes the economy. p. 213-236.), nota-se que a valorização simbólica e moral da criança também está relacionada à ascensão do mercado de consumo infantil, implicando mudanças expressivas na cultura de consumo das crianças e dos pais.

Nessa conjuntura, o mercado direcionado ao público infantil representa uma parte significativa da economia global, mesmo ocorrendo contestação ética e moral (Steeves, 2020Steeves, Valerie. (2020). A dialogic analysis of Hello Barbie’s conversations with children. Big Data & Society, VII/1, p. 1-12.). De acordo com o Steeves (2020Steeves, Valerie. (2020). A dialogic analysis of Hello Barbie’s conversations with children. Big Data & Society, VII/1, p. 1-12.), a publicidade dirigida às crianças não é recente; entretanto, desde o surgimento da internet, as empresas visam consolidar ainda mais as crianças como um grupo de consumo exclusivo. Assim, o marketing para crianças se tornou um grande negócio que está, cada vez mais, moldado pelo algoritmo - “pela coleta, análise e operacionalização contemporâneas dos dados gerados pelos dispositivos que as crianças usam em seu dia a dia. Esses dados são normalmente inseridos em sistemas de gerenciamento de relacionamento com o cliente” (Steeves, 2020Steeves, Valerie. (2020). A dialogic analysis of Hello Barbie’s conversations with children. Big Data & Society, VII/1, p. 1-12.: 1).

Steeves (2020Steeves, Valerie. (2020). A dialogic analysis of Hello Barbie’s conversations with children. Big Data & Society, VII/1, p. 1-12.) nos faz refletir sobre as práticas de big data no universo infantil, as quais apontam que a boneca Hello Barbie, por exemplo, “[...] utiliza software de reconhecimento de voz para ‘ouvir’ a criança e ‘responder’ selecionando algoritmicamente uma resposta a partir de 8000 linhas de diálogo pré-determinadas” (2020Steeves, Valerie. (2020). A dialogic analysis of Hello Barbie’s conversations with children. Big Data & Society, VII/1, p. 1-12.: 1). Desse modo, o autor assinala o alto grau de controle que a boneca exerce no diálogo com a criança, consequentemente diminuindo ou direcionando as subjetividades das crianças, que são reduzidas ao repertório da boneca; logo, as crianças não influenciam o diálogo de forma significativa.

Nesse sentido, considerando a educação financeira mediada por máquinas digitais pautadas pela lógica do algoritmo, compreendemos a sua consagração moral como um receituário coercitivo que direciona as subjetividades das crianças a um modelo ideal de educação financeira considerado “racional”, o qual aponta a importância da exatidão do planejamento (Henchoz, 2016Henchoz, Caroline. (2016). Sociological perspective on financial literacy: a critical examination of three assumptions underlying Financial Literacy Programmes. In: Aprea, Carmela et al. (eds.). International Handbook on Financial Literacy. Singapore: Springer. p. 97-113.) marcado por uma regularidade de entrada dinheiro (Wherry, 2017Wherry, Frederick F. (2017). How relational accounting matters. In: Bandelj, Nina et al. (org.). Money talks. Princeton: Princeton University Press. p. 57-72.) e pela necessidade de adaptação “perfeita” ao equilíbrio entre renda e despesa, visando aos investimentos para a conquista da liberdade financeira.

Assim, passamos a compreender a educação financeira digitalizada como uma forma de treinamento moral de crianças que corrobora com o enquadramento do modelo universal prescritivo, no qual a meta é se tornar um adulto financeiramente responsável, o que significa apreender as habilidades e competências individuais e conquistar a autonomia financeira desde cedo. Nesse sentido, a criança inestimável se torna público-alvo legítimo de serviços e produtos financeiros digitais, tornando-se, cada vez mais, uma criança economicamente útil no futuro.

Considerando o foco deste trabalho, a educação financeira via plataforma é um dispositivo tecnológico mais sofisticado do que livros, guias, jogos de tabuleiros e conselhos que caracterizavam o mercado da educação financeira até então. Desse modo, compreendemos os aplicativos como tecnologias do self (Foucault, 2008Foucault, Michel. (2008). Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes.), isto é, tecnologias que permitem aos indivíduos efetuar, por seus próprios meios, operações de autoconhecimento sobre seus próprios corpos, emoções e habilidades, e assim o fazem, buscando racionalmenteaprimorar as habilidades e competências e transformar a si mesmos (Leite, 2022Leite, Elaine. (2022). As crianças e os aplicativos de educação financeira: entre gamificação e gestão de si. Ciudad de México: XXXIII Congreso Latinoamericano de Sociología.), visando à valoração infantil para o futuro.

Assim, via interação digital, há uma retroalimentação de dados constante entre crianças e máquinas, na qual, ao fornecer informações, jogar e realizar atividades, a máquina apreende e desenvolve um conhecimento das crianças mediado por algoritmos, conforme ressalta Fourcade e Johns (2020Fourcade, Marion & Johns, Fleur. (2020). Loops, ladders and links: the recursivity of social and machine learning. Theory and society, XLIX/5-6, p. 803-832.), que registra o desempenho em gráficos na tela do celular.

Apesar disso, a atração dos aplicativos é garantida justamente pela interatividade entre a criança e a máquina; logo, cada atividade requer um tipo diferente de contribuição, como a oferta de informações diretas à máquina, de tal modo que lembretes sonoros e visuais sobre o cumprimento das metas, a conquista de recompensas e as ofertas de programas/sessões, bem como produtos financeiros, são constantemente oferecidos aos usuários. Em caso de meta não cumprida, o dispositivo reforça a importância da disciplina e a necessidade de mudanças de atitudes conforme o modelo consagrado para a conquista do nível ótimo de educação financeira.

O treinamento moral implica uma mudança subjetiva em relação à forma de lidar com o dinheiro. Dessa forma, é pautado pela ênfase numa rotina que requer um árduo trabalho diário, caracterizado pelo sacrifício e pela disciplina que visam ao desenvolvimento de habilidades “racionais” e ao autocontrole emocional (dos desejos, das pulsões), marcados pela elaboração e definição sistemática do planejamento financeiro, consumo consciente e investimento, bem como pelo estímulo ao autoempreendedorismo. Aqui, notamos a consagração do modelo de educação financeira que, de modo geral, ofusca a realidade estrutural socioeconômica da maioria das famílias brasileiras e vislumbra a responsabilização individual.

Conforme mencionamos, a disciplina no controle do orçamento sugere que dinheiro não é brincadeira; portanto, ser alfabetizado financeiramente exige sacrifício, que está na adaptação às regras do jogo (da vida), na incorporação de práticas ascéticas que advêm de uma disciplina constante que deve pautar o cotidiano das crianças e também de toda a família no processo de acumulação de capital humano - assim, as crianças vão se tornando mediadoras moral da temática no âmbito doméstico, como enfatiza o excerto abaixo, retirado de uma reportagem da Agência Brasil, que ressalta a trajetória de uma estudante ao ter aprendido sobre educação financeira:

É com o que aprendeu em sala de aula aos 16 anos [...], que hoje com 18 anos, pretende ter o próprio restaurante. ‘Foi fundamental para entender que não é só gastar e curtir, mas é preciso pensar em si mesmo, pensar que o dinheiro vai ser necessário um dia’, diz. Depois da formação, [...] conta que deixou de gastar apenas com roupas, sapatos, bolsas e artigos para a casa, os R$ 80 que ganhava como babá e começou a guardar um pouco todo mês. Com o que poupava, comprava salgados, que vendia a R$ 2 com suco. Logo, os R$ 80 por mês, transformaram-se em R$ 100 por dia. ‘Quando eu tinha 16, 17 anos, eu queria ter o meu próprio restaurante. Ainda não consegui, mas, agora, em 2020, pretendo ter meu próprio negócio’. Ela também mudou os hábitos da casa. ‘Meus pais trabalham muito e não têm tempo de analisar os gastos. Comecei a ajudá-los com os custos de energia, a tirar os aparelhos da tomada. Começamos a nos reunir para fazer uma lista do que é necessário comprar para chegar nas lojas e já saber o que levar e o custo disso’ (Tokarnia, 2019Tokarnia, Mariana. Educação financeira chega ao ensino infantil e fundamental em 2020. Oferta está prevista na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Agência Brasil. Disponível em <Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2019-12/educacao-financeira-chega-ao-ensino-infantil-e-fundamental-em-2020 >. Acesso em 14 maio 2024.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/educaca...
)30 30 Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2019-12/educacao-financeira-chega-ao-ensino-infantil-e-fundamental-em-2020. Acesso em: 10 out. 2023. .

Com o uso de aplicativos, além das mudanças de hábitos, como apontado acima, o desempenho é sinalizado por métricas e ferramentas de visualização que, aparentemente, calculam uma verdade pessoal e não são elaboradas pelas crianças, mas por máquinas digitais (Fourcade & Burrell, 2021Burrell, Jenna & Fourcade, Marion. (2021). The Society of Algorithms. Annual Review of Sociology, XLVII/1, p. 213-237.). Via aplicativos, cada desafio cumprido rende prêmios (moedas e medalhas) que quantificam a performance das crianças. Isso posto, tal desempenho está relacionado ao seu papel de gestora de si e de agente mediadora de conhecimento para com os pais e familiares, bem como indica ordinalmente se essa criança está preparada para se tornar um adulto financeiramente responsável. A educação financeira vai se constituindo como um modelo universal coercitivo marcado pelo registro ordinal do desempenho do “eu” na tela do celular e/ou do computador.

Os trabalhos de Fourcade e Johns (2020Fourcade, Marion & Johns, Fleur. (2020). Loops, ladders and links: the recursivity of social and machine learning. Theory and society, XLIX/5-6, p. 803-832.) e de Burrell e Fourcade (2021Burrell, Jenna & Fourcade, Marion. (2021). The Society of Algorithms. Annual Review of Sociology, XLVII/1, p. 213-237.), de modo geral, enfatizam sobre a prevalência das máquinas digitais e dos algoritmos, marcados pela otimização matemática e pela lógica atuarial, que passam a dar legitimidade à classificação ordinal que adentra em domínios tão variados, seja na área da Educação, da Medicina, do Crédito e das Finanças e da Justiça Criminal seja, no nosso caso, na relação entre dinheiro e crianças.

A educação financeira, como vimos, consagra que dinheiro é assunto de criança e a torna uma empreendedora moral (Becker, 1977Becker, Howard S. (1977). Uma teoria da ação coletiva. Rio de Janeiro: Zahar.) sobre o tema. Assim, o conceito de trabalho relacional (Zelizer, 2005, 2011bZelizer, Viviana A. (2011b). Economic lives: how culture shapes the economy. Princeton: Princeton University Press.) aponta como as atitudes das crianças e o registro ordinal do desempenho pode significar distintas relações entre adultos e crianças. Conforme máquinas e pessoas interagem e aprendem umas com as outras, conferindo significado a essas interações (Fourcade & Johns, 2020Fourcade, Marion & Johns, Fleur. (2020). Loops, ladders and links: the recursivity of social and machine learning. Theory and society, XLIX/5-6, p. 803-832.), surge um desafiador trabalho emocional (Hochschild, 2012Hochschild, Arlie Russell. (2012). The managed heart. Los Angeles: University of California Press.) - controle das pulsões como aptidão racional na gestão do dinheiro. Tais conceitos ajudam a entender que os significados são construídos na interação social, que, agora, é mediada por máquinas digitais e pela lógica dos algoritmos que visam “orquestrar” a tomada de decisão das crianças ao modelo racional, como pressupõe a economia mainstream. Tal modelo universal pressupõe, portanto, que as crianças assumam um papel de protagonismo no âmbito familiar, sendo reconhecidas pela sua responsabilidade e prudência na administração do dinheiro, consagrando a figura do sujeito universal gestor de si (Foucault, 2008Foucault, Michel. (2008). Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes.).

A criança com níveis ótimos de educação financeira é uma criança inestimável, mas, agora, também é previdente e responsável, o que tem afinidade com o ideário de capitalização humana das crianças. Conforme já destacamos com Bandelj e Spiegel (2023Bandelj, Nina & Spiegel, Michelle. (2023). Pricing the priceless child 2.0: children as human capital investment. Theory and Society, LII, p. 805-830.), a criação dos filhos no século XXI é considerada um investimento para a acumulação de capital humano (Becker, 1993Becker, Gary. (1993). Human capital a theoretical and empirical analysis, with special reference to education. 3. ed. New York: University of Chicago; NBER.), o qual está intrinsecamente ligado ao investimento no capital humano das crianças e ao seu potencial valor futuro no mercado. Assim, tem-se a valoração da criança economicamente útil no futuro.

Dessa forma, inspiradas pela sociologia zelizeriana, as evidências preliminares deste trabalho apontam que a educação financeira digitalizada passa a treinar as crianças para se tornarem gestoras de si (Foucault, 2008Foucault, Michel. (2008). Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes.) e mediadoras morais sobre o dinheiro no âmbito familiar, da mesma forma que seu desempenho registrado em termos ordinais marca a trajetória na caminhada para se tornarem adultos responsáveis no futuro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Seja por meio da política pública, seja por meio dos conteúdos digitais, está se consolidando um modelo de educação financeira que pressupõe a constituição do tipo ideal (Weber, 1991Weber, Max. (1991). Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília, DF: UnB.) de criança previdente e gestora de si (Foucault, 2008Foucault, Michel. (2008). Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes.). De modo geral, a educação financeira analisada aqui aponta um processo de aprendizado lúdico, no qual conceitos como planejamento financeiro, poupança, consumo e investimento são transmitidos de maneira recreativa por meio de atividades interativas virtuais.

Sob a justificativa de que, via metodologias ativas e imersivas (gamificação), a educação financeira busca ensinar “brincando”, pressupõe-se que as crianças aprendam sobre dinheiro e investimento na prática. Ao enfatizar o conhecimento pragmático, tem-se que a educação financeira é resultado de competências e habilidades individuais. Em outras palavras, espera-se que as crianças, ao jogar, aprendam a lidar e incorporar no seu dia a dia as instruções/situações financeiras para que atinjam um nível ótimo de educação financeira.

Portanto, a educação financeira se configura como resultado de habilidades pessoais adquiridas, ou seja, acumulação de capital humano. Isto é, os ensinamentos e os conteúdos não são apenas informativos, mas, via interação com o conteúdo, as máquinas digitais e a lógica dos algoritmos funcionam como ferramentas de treinamento moral, promovendo a alfabetização financeira e posicionando as crianças como gestoras de si e mediadoras morais, processo no qual seu desempenho é registrado de forma ordinal, sinalizando o progresso em direção a se tornarem adultos financeiramentes responsáveis.

Assim, a relação entre dinheiro e criança moralmente significada pela educação financeira pode ser entendida como earmarking (Zelizer, 1989Zelizer, Viviana A. (1989). The social meaning of money: “special monies”. American Journal of Sociology, XCV/2, p. 342-377.), conceito que nos ajuda a apreender a atribuição de significados específicos ao dinheiro, tratado, agora, como assunto de criança. Essa relação possibilita tornar a criança uma empreendedora moral (Becker, 1993Becker, Gary. (1993). Human capital a theoretical and empirical analysis, with special reference to education. 3. ed. New York: University of Chicago; NBER.) sobre o tema no ambiente familiar, considerada uma gestora de si, isto é, investida de capital humano e, portanto, economicamente útil no futuro (Bandelj & Spiegel, 2023Bandelj, Nina & Spiegel, Michelle. (2023). Pricing the priceless child 2.0: children as human capital investment. Theory and Society, LII, p. 805-830.).

Atingir um nível ótimo de educação financeira depende de habilidades e competências que requerem sacrifício e disciplina constantes das crianças, o que pressupõe que elas por si só desenvolvam uma racionalidade formal (Weber, 1991Weber, Max. (1991). Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília, DF: UnB.). Isso posto, tomar decisões racionais referentes ao dinheiro implica superar deficiências individuais e ter autocontrole emocional (Hochschild, 2012Hochschild, Arlie Russell. (2012). The managed heart. Los Angeles: University of California Press.), já que dinheiro não é brincadeira na caminhada de se tornar um adulto previdente.

A criança, de inestimável a previdente e responsável, é aquela que se torna uma gestora ordinal de sua própria vida e do seu futuro. O processo que buscamos apresentar aponta evidências sobre o desenvolvimento de subjetividades financeiras alinhadas a um modelo universal e à financeirização das atividades cotidianas, que visam à construção de sujeitos/crianças gestoras de si, as quais são encorajadas à auto-otimização da vida (Fourcade & Johns, 2020Fourcade, Marion & Johns, Fleur. (2020). Loops, ladders and links: the recursivity of social and machine learning. Theory and society, XLIX/5-6, p. 803-832.), com a expectativa de se tornarem adultos financeiramente responsáveis.

Esse cenário encontra ressonância, ou melhor, tem afinidade eletiva (Weber, 1991Weber, Max. (1991). Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília, DF: UnB.), com a realidade de muitos brasileiros que “se fazem por si” todos os dias, caracterizando o que chamamos de “neoliberalismo de baixo para cima” (Gago, 2018Gago, Verónica. (2018). A razão neoliberal: economias barrocas e pragmática popular. São Paulo: Editora Elefante.), o que legitima tal enquadramento da educação financeira.

Nesse sentido, a sociologia zelizeriana desempenha um papel central nesta pesquisa, fornecendo elementos heurísticos para a compreensão da relação entre crianças e dinheiro via consagração da educação financeira. Além disso, revela a importância do conceito de trabalho relacional para o entendimento das distintas interações mediadas por máquinas digitais, que pode ser fundamental para trabalhos acadêmicos voltados para essas temáticas, possibilitando avançar na agenda de pesquisa sobre o significado social do dinheiro.

REFERÊNCIAS

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  • Zelizer, Viviana A. (1989). The social meaning of money: “special monies”. American Journal of Sociology, XCV/2, p. 342-377.
  • 1
    A Turma da Mônica é uma série de histórias em quadrinhos brasileira que existe desde a década de 1950. Em 2019, surgiu uma iniciativa chamada “Em busca do tesouro”, promovida pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), que faz parte do Ministério da Economia, em colaboração com o Instituto Mauricio de Sousa, criador dos personagens da referida série, e com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, na qual os personagens da Turma de Mônica ensinam sobre educação financeira.
  • 2
    A partir da iniciativa acima, nota-se que é recorrente o uso da Turma da Mônica por instituições financeiras para se comunicar com o público infantil referente à educação financeira. Disponível em: https://www.sicredi.com.br/sites/turmadamonica/. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 3
    Disponível em: https://www.sicredi.com.br/sites/turmadamonica/. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 4
    Disponível em: https://www.sicredi.com.br/sites/turmadamonica/. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 5
    Esta pesquisa em andamento integra o projeto de pesquisa intitulado “Ressignificando a economia: moralidades, orçamentos e práticas econômicas cotidianas”, financiado pela Bolsa Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2. Uma versão preliminar deste artigo foi publicada com o título: “As crianças e os aplicativos de educação financeira: entre gamificação e gestão de si”, nos anais do XXXIII Congreso Latinoamericano de Sociología, em 2022.
  • 6
    Disponível em: https://www.tindin.com.br/familia/. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 7
    É importante ressaltar que este artigo tem como marco teórico a sociologia econômica, mas também está alinhado com as investigações da antropologia e sociologia da criança e infância. Essas áreas advogam o reconhecimento das crianças como agentes ativos na vida social e como interlocutoras legítimas na pesquisa social. Destacamos, por exemplo, autores como Fonseca (1997Fonseca, Cláudia. (1997). Ser mulher, mãe e pobre. In: Del Priori, Mary. (org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto. p. 510-553.) e Cohn (2005Cohn, Clarice. (2005). Antropologia da criança. Rio de Janeiro: Zahar.).
  • 8
    Todas as informações sobre a Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef) foram retiradas do site: https://www.vidaedinheiro.gov.br/ta-osso/?doing_wp_cron=1670587753.0137810707092285156250. Acesso em: 9 dez. 2022.
  • 9
    Em termos metodológicos, o mapeamento e a escolha das plataformas e aplicativos buscou incorporar fontes governamentais e iniciativas privadas sobre o campo da educação financeira, um dos objetivos do projeto geral dessa pesquisa. Portanto, elegemos como tipo ideal (Weber, 1991Weber, Max. (1991). Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília, DF: UnB.) para este artigo duas plataformas (pública e privada, sendo a última de maior visibilidade nos meios de comunicação no país), que ofertam materiais, jogos e aplicativos para o público infantil, bem como se propõem a oferecer apoio pedagógico e conteúdo para as escolas a partir da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nesse sentido, os depoimentos sobre as referidas plataformas feitos pelos usuários constituem um material que se tornou fundamental para esta análise, pois aponta as justificavas morais de distintos atores na consagração da educação financeira no país.
  • 10
    As informações sobre a Enef foram retiradas do site: https://www.vidaedinheiro.gov.br/ta-osso/?doing_wp_cron=1670587753.0137810707092285156250. Acesso em: 9 dez. 2022.
  • 11
    Disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/es/. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 12
  • 13
    A educação financeira adentra mais precisamente no currículo das escolas com a implementação da BNCC; entretanto, cabe destacar que a nova BNCC, ao mesmo tempo em que introduz a diversificação curricular, é criticada por entidades educacionais, pois os estudantes contam como uma formação básica e uma específica, a qual se dá a partir dos itinerários formativos nos quais os próprios estudantes escolhem as áreas que pretendem estudar. Umas das principais críticas reside na capacidade de diferentes escolas conseguirem ofertar com qualidade tal diversidade de formação específica para os alunos. Atualmente, com o governo Lula, as críticas à BNCC ganharam mais visibilidade e passaram a pressionar o governo a revogar as novas regras.
  • 14
  • 15
    Disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/parcerias-e-patrocinios. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 16
    Dados referentes à pesquisa “Tecnologia da Informação e Comunicação - TIC”, do IBGE de 2019. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/20787-uso-de-internet-televisao-e-celular-no-brasil.html. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 17
    Disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/ead-novos-alunos. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 18
    Disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/ead-novos-alunos. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 19
    Disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/estadao_outubro_2019. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 20
    Disponível em: https://taosso.vidaedinheiro.gov.br. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 21
    Disponível em: https://taosso.vidaedinheiro.gov.br. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 22
    Todas as informações referentes ao Tindin foram retiradas do site e do aplicativo (via Google Play). Disponível em: https://www.tindin.com.br/. Acesso em: 9 dez. 2022.
  • 23
  • 24
  • 25
    Disponível em: https://materiais.tindin.com.br/teste-gratuito. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 26
    As referidas plataformas, de modo geral, seguem alguns elementos comuns para uso: todos os usuários devem se registrar na plataforma, fornecendo informações como nome e e-mail, entre outras. Em seguida, é necessário selecionar o tipo de perfil do usuário. Na Enef, além do perfil comum, estão disponíveis perfis para alunos do ensino fundamental e médio, professores, gestores educacionais e organizações não governamentais. No Tindin, há, também, interfaces distintas para usuários, como pais ou responsáveis, crianças, educadores e lojistas. No caso dos aplicativos e jogos, o processo é semelhante, e é nessa etapa do “perfil” que é possível vincular contas bancárias e cartões de crédito, bem como acessar informações sobre histórico de atividades, conquistas e outras informações relevantes. Vale destacar que a diferença significativa do aplicativo Tindin é a oferta de uma carteira digital que pode ser abastecida por meio de mesadas ou pode apenas utilizar da opção de atingir uma meta estabelecida. Assim, é possível ao usuário fazer o gerenciamento do dinheiro por meio do planejamento. Os quatro princípios do método educacional — conquistar, poupar, consumir e investir — são abordados por meio de funcionalidades gamificadas. Ambas as plataformas oferecem um catálogo de cursos ou conteúdos educacionais. Isso pode incluir cursos em vídeo, textos, apostilas, entre outros formatos. Os usuários podem navegar pelos cursos disponíveis ou usar ferramentas de busca para encontrar tópicos específicos de seu interesse.
  • 27
    Disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/depoimentos/. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 28
    Disponível em: https://www.vidaedinheiro.gov.br/depoimentos/. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 29
    Disponível em: https://www.tindin.com.br/familia/. Acesso em: 10 out. 2023.
  • 30

Disponibilidade de dados

Dados referentes à pesquisa “Tecnologia da Informação e Comunicação - TIC”, do IBGE de 2019. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/20787-uso-de-internet-televisao-e-celular-no-brasil.html. Acesso em: 10 out. 2023.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2023
  • Revisado
    20 Jan 2024
  • Aceito
    05 Mar 2024
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