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POR UMA ANTROPOLOGIA GRÁFICA REVERSA: DESENHO E CONHECIMENTO NA ANTROPOLOGIA

TOWARDS A REVERSE GRAPHIC ANTHROPOLOGY: DRAWING AND KNOWLEDGE IN ANTHROPOLOGY

Resumo

Neste artigo, proponho refletir acerca do desenho enquanto técnica do olhar e de produção de conhecimento, dialogando com a obra de Taussig e a literatura sobre a relação entre antropologia e desenho produzida desde os primórdios da disciplina. Em seguida, mostro como foi um desenhar recíproco, em campo, com as mulheres Huni Kuin, que permitiu que elas me ensinassem como ver imagens de modo radicalmente diferente daquele no qual eu estava habituada. Sugiro algumas consequências teóricas desta descoberta gráfica, que revela uma ontologia relacional na qual as relações antecedem as formas que ajudam a constituir, contribuindo, assim, para uma “antropologia gráfica”, atenta às ontologias outras que se revelam quando se aprende a inverter o olhar, porque existem tantas ontologias da imagem quanto existem teorias sobre o ser do mundo.

Palavras-chave:
Desenhar; Cadernos de campo; Grafismos; Taussig; Antropologia reversa

Abstract

In this study I propose to reflect on drawing as a technique of looking and producing knowledge from a relational point of view in dialogue with the work of Taussig and the literature on the relation between anthropology and drawing since the beginnings of the discipline. In the second part of this study, I show how this was a reciprocal drawing, together with the Huni Kuin, that enabled them to teach me to see images in a radically different way than I had been used to until then. I suggest some theoretical consequences of this graphic discovery which show a relational ontology in which relations precede the forms they help to constitute, thus contributing to a ‘graphic anthropology’ that is attentive to the other ontologies that manifest themselves when we learn to invert our gaze because we find as many ontologies of the image as theories about the being of the world.

Keywords:
Drawing; Field notes; Graphism; Taussig; Reverse anthropology

Taussig abre seu livro The Corn Wolf [O lobo do trigo] (2015Taussig, Michael. (2015). The Corn Wolf. Chicago: The University of Chicago Press .) refletindo sobre como a antropologia se faz na tensão entre a pesquisa de campo e a escrita, duas atividades ao mesmo tempo fundantes de seu modo de produzir conhecimento e cobertas de mistério. O fruto deste encontro entre viagem e escrita são os cadernos de campo, testemunhos que, apesar de necessários ao trabalho do antropólogo, são poucas vezes compartilhados por eles, os quais preferem guardá-los a sete chaves como relíquias, tesouros ou fetiches ( Jackson, 1990Jackson, Jean. (1990). I am a fieldnote. In: Sanjek, Roger (ed.). Fieldnotes: The Makings of Anthropology. Ithaca: Cornell University Press, p. 4-33.; Taussig, 2011Taussig, Michael. (2011). I Swear I Saw This: Drawings in Fieldwork Notebooks, Namely My Own. Chicago: The University of Chicago Press.). As notas de campo são o registro de um processo de aprendizado que, para ser bem-sucedido, deve fugir de qualquer método preestabelecido; revelam hesitações e fraquezas, às vezes angústias, e por isso são tantas vezes consideradas íntimas por seus autores ( Jackson, 1990Jackson, Jean. (1990). I am a fieldnote. In: Sanjek, Roger (ed.). Fieldnotes: The Makings of Anthropology. Ithaca: Cornell University Press, p. 4-33.).

Segundo Taussig, os desenhos desempenham um papel crucial na passagem da experiência para a escrita, como rastros deixados pela experiência, futuros guias da escrita e da memória. Mas, se olharmos para a relação entre grafar e pensar do ponto de vista de quem desenha, o encontro gráfico pode revelar um potencial ainda maior, invertendo as supostas certezas de quem registra a vida dos outros que observa, as quais foram magistralmente desestabilizadas por Taussig, em seu Mimesis and Alterity [Mimeses e alteridade], ou mesmo antes através do estilo espiralar de sua escrita enquanto técnica de contaminação recíproca de quem conhece e é conhecido, revelando uma estética necessariamente relacional, simétrica e, portanto, reversa. Se a escrita constitui um processo de progressiva contaminação do autor pela realidade que registra, essa mútua implicação se dá de modo ainda mais intenso entre quem desenha e o que, ou quem, é desenhado.

Neste artigo, proponho a reflexão sobre o desenho enquanto técnica do olhar e de produção de conhecimento de um ponto de vista relacional, mostrando a experiência de um desenhar recíproco, em campo, com as mulheres Huni Kuin, do Alto Rio Purus, na fronteira entre o Brasil e o Peru, que permitiu que elas me ensinassem a ver imagens de modo radicalmente diferente do que estava habituada. Pretendo sugerir algumas consequências teóricas desta descoberta gráfica, que revela uma ontologia relacional na qual as relações antecedem as formas que ajudam a constituir, contribuindo, assim, para uma “antropologia gráfica” atenta às ontologias outras que se revelam quando aprendemos a inverter o olhar, porque existem tantas ontologias da imagem quanto existem teorias sobre o ser do mundo.

PRIMÓRDIOS DE UMA ANTROPOLOGIA GRÁFICA RELACIONAL E REVERSA

No prefácio à coletânea Redrawing Anthropology [Redesenhando a antropologia], Ingold (2011bIngold, Tim (ed.). (2011b). Redrawing Anthropology: Materials, mouvements, lines. Farnham: Ashgate.) expressa sua ambição de restaurar a antropologia à vida através do recurso ao desenho, na “convicção de que desenhar [drawing] entendido no sentido mais amplo como um movimento linear que deixa algum tipo de impressão ou traço deveria estar no centro desta tentativa” (Ingold, 2011bIngold, Tim (ed.). (2011b). Redrawing Anthropology: Materials, mouvements, lines. Farnham: Ashgate.: 2). A intenção seria a “de esboçar os fundamentos de uma antropologia gráfica [graphic anthropology]” que pudesse trazer de volta “o potencial do desenho de reconectar observação e descrição com os movimentos da prática de improvisação” (Ingold, 2011bIngold, Tim (ed.). (2011b). Redrawing Anthropology: Materials, mouvements, lines. Farnham: Ashgate.: 2).

Se o desenho já foi importante para os primórdios da Antropologia, abandonado logo depois e este assunto será retomado -, ele continua sendo usado em disciplinas afins, como a arquitetura, arqueologia e arte, disciplinas que privilegiam o “fazer”, a imitação e a técnica como meios de ganhar conhecimento, não somente sobre os artefatos enquanto produtos acabados, mas principalmente sobre seus processos de engendramento. A ênfase no fazer e na conexão entre experiência e conhecimento vem marcando os projetos concebidos por Ingold na última década, e o levaram a buscar o diálogo com as disciplinas acima citadas, no intuito de uma contaminação recíproca, diálogo que resultou no livro Making [Fazer] (2013). Se a antropologia tem na pesquisa de campo um método de produção de conhecimento que vem fascinando as disciplinas afins, os antropólogos podem aprender com a arquitetura, arqueologia e arte sobre a importância de pensar fazendo. “O que têm em comum caminhar, tecer, observar, cantar, contar histórias, desenhar e escrever?”, se pergunta Ingold em Lines, a brief history [Linhas, uma breve história]. “A resposta é que todos procedem seguindo algum tipo de linha” (Ingold, 2007Ingold, Tim. (2007). Lines: A brief History. London: Routledge.:2). E a arte de uma pesquisa verdadeiramente antropológica, segundo Ingold, é a de seguir e inscrever o emaranhado de linhas sinuosas que a vida traça, ao invés de impor formas previamente concebidas a uma matéria supostamente informe e sem intencionalidade própria.

Nos primórdios da Antropologia, entre os séculos XIX e XX, o desenho ocupava um lugar de destaque enquanto técnica de registro. Desenhava-se muito para representar cenas espontâneas da vida cotidiana e processos de fabricação de artefatos dos povos visitados, que eram difíceis de serem capturados pela ainda lenta máquina fotográfica, que requeria condições ideais de iluminação, pose e congelamento de todo movimento, o que fazia com que a cena fotografada fosse bem menos espontânea do que aquela que poderia ser revelada nos ágeis esboços dos desenhistas que acompanhavam as expedições. Desenhos tinham a vantagem de serem seletivos, permitindo o registro interpretativo e sintético daquilo que interessava ao pesquisador, ao mesmo tempo em que eram mais realistas, ou “objetivos”, na medida em que interferiam menos na cena representada do que a fotografia, que requeria a montagem artificial da cena a ser capturada pela lente sensível.1 1 Os desenhos e cadernos de campo dos exploradores e etnólogos da virada do século XIX para o XX têm recebido atenção na literatura recente, revelando sua importância para a etnologia russa do começo do século XX (Azevedo, 2016), para a exploração do Pacífico pelas expedições ingleses (Morton, 2018) e para a etnologia alemã.

Mas o desenhar dos exploradores não se detinha somente ao registro da vida e dos tipos de personagem encontrados em campo. Não demorou para que os etnólogos passassem a se interessar também pelos desenhos feitos pelos próprios indígenas. A “técnica etnográfica” de dar aos nativos papel e caneta para que executassem “desenhos espontâneos” teve, segundo Déléage (2015Déléage, Pierre. (2015). The origin of art according to Karl Von den Steinen. Journal of art history, 12, p. 1-50. Disponível em: Disponível em: http://www.berose.fr/IMG/pdf/deleage.pdf . Acesso em: 21 set. 2023.
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: 1-2), origem em dois eventos fortuitos, ambos situados em território brasileiro: o primeiro ocorreu em 1878, com o explorador Jules Crevaux (1880Crevaux, Jules.(1880). De Cayenne aux Andes. Le tour du monde, 40, p. 76-77.) que, em viagem pelo Oiapoque, coletou desenhos entre os Waiãpi; e o segundo com Karl von den Steinen (1886; 1940Von den Steinen, Karl. (1940). Entre os aborígenes do Brasil Central. São Paulo: Companhia Editora Nacional.: 249-256), entre os Suyá no Xingu, durante sua primeira expedição ao Brasil Central, em 1884. Em ambos os casos foram os próprios indígenas que solicitaram papel e caneta para desenhar.

No caso relatado por Crevaux, depois de uma sugestão inicial sua e a troca de alguns presentes, muitas pessoas pediam papel e caneta: um jovem desenhou figuras de “um homem, um cachorro, uma onça e todos os animais e diabos do país” (Crevaux, 1880Crevaux, Jules.(1880). De Cayenne aux Andes. Le tour du monde, 40, p. 76-77.: 76-77 apud Déléage, 2015Déléage, Pierre. (2015). The origin of art according to Karl Von den Steinen. Journal of art history, 12, p. 1-50. Disponível em: Disponível em: http://www.berose.fr/IMG/pdf/deleage.pdf . Acesso em: 21 set. 2023.
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: 1), enquanto “outro indígena reproduziu todo tipo de arabescos que estava acostumado a usar para pintar com jenipapo” (Crevaux, 1880Crevaux, Jules.(1880). De Cayenne aux Andes. Le tour du monde, 40, p. 76-77.: 76-77; apud Déléage, 2015Déléage, Pierre. (2015). The origin of art according to Karl Von den Steinen. Journal of art history, 12, p. 1-50. Disponível em: Disponível em: http://www.berose.fr/IMG/pdf/deleage.pdf . Acesso em: 21 set. 2023.
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: 1). O viajante se espanta com a “extraordinária facilidade” com que desenham esses “selvagens, que são acusados de serem totalmente ignorantes das belas artes” (Crevaux, 1880Crevaux, Jules.(1880). De Cayenne aux Andes. Le tour du monde, 40, p. 76-77.: 76-77 apud Déléage, 2015Déléage, Pierre. (2015). The origin of art according to Karl Von den Steinen. Journal of art history, 12, p. 1-50. Disponível em: Disponível em: http://www.berose.fr/IMG/pdf/deleage.pdf . Acesso em: 21 set. 2023.
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: 1). Von den Steinen, por sua vez, se surpreende quando, fechando seu caderno e colocando sua caneta de lado, um xamã Suyá lhe pede, por iniciativa própria, caneta e papel e começa a desenhar motivos do seu repertório gráfico que normalmente pintava sobre corpos e cuias (Déléage, 2015Déléage, Pierre. (2015). The origin of art according to Karl Von den Steinen. Journal of art history, 12, p. 1-50. Disponível em: Disponível em: http://www.berose.fr/IMG/pdf/deleage.pdf . Acesso em: 21 set. 2023.
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: 2).

Assim que foram publicados, esses desenhos chamaram imediatamente a atenção de teóricos alemães da época, interessados na origem da arte, “que viram na qualidade gráfica destes desenhos a prova da unidade da mente humana” (Déléage, 2015Déléage, Pierre. (2015). The origin of art according to Karl Von den Steinen. Journal of art history, 12, p. 1-50. Disponível em: Disponível em: http://www.berose.fr/IMG/pdf/deleage.pdf . Acesso em: 21 set. 2023.
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: 2). Deste modo, “durante um curto período, que se encerrou com a chegada da primeira guerra mundial”, os etnólogos da América do Sul e do Norte estiveram “na vanguarda das teorias sobre arte” (Déléage, 2015Déléage, Pierre. (2015). The origin of art according to Karl Von den Steinen. Journal of art history, 12, p. 1-50. Disponível em: Disponível em: http://www.berose.fr/IMG/pdf/deleage.pdf . Acesso em: 21 set. 2023.
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:1). Isso porque, diferentemente dos seus colegas museólogos e arqueólogos, os etnólogos tinham acesso direto aos autores dos desenhos, podendo, assim, conferir in loco as hipóteses formuladas a seu respeito. Nas expedições que se seguiram, von den Steinen e seus discípulos, como Koch-Grünberg e Max Smidt, assim como os discípulos de Boas, que era amigo pessoal de von den Steinen, passaram a se concentrar no estudo dos desenhos indígenas.

Figura 1
Padrões gráficos do Alto Xingu: peixe mereshu, uluri tapa-sexo, morcego, serpente

A primeira questão que interessava os intelectuais da época dizia respeito à origem dos ornamentos: tratava-se de saber se o repertório aparentemente abstrato das artes nativas tinha ou não uma origem figurativa. Gottfried Semper (1989Semper, Gottfried. (1989). The Four Elements of Architecture and Other Writings. Cambridge: Cambridge University Press.), arquiteto, defendia a hipótese de que a origem dos padrões gráficos tinha que ser procurada no domínio da técnica, principalmente da tecelagem e do trançado, nas quais, para usar as palavras de Boas, “a adaptação às mãos teria precedência sobre a adaptação aos olhos” (Boas, 1928; Lagrou, 1991Lagrou, Els. (1991). Entre a cobra e o Inca: uma etnografia da cultura kaxinawa. Dissertação de Mestrado. PPGAS/UFSC.). Já Hjalmar Stolpe (1927Stolpe, Hjalmar. (1927). Collected Essays in Ornamental Art. Stockholm: Aftonbladets.) defendia a hipótese contrária, argumentando que a arte ornamental era na sua origem figurativa, sendo a arte geométrica o resultado de um processo de convencionalização progressiva, através da cópia e do empréstimo, processo durante o qual o significado original poderia se perder (Boas, 1928; Severi, 2007Severi, Carlo. (2007). Le príncipe de la Chimère. Paris: Musée du quai Branly.). O fato de cada motivo gráfico, colhido no Xingu por von den Steinen e seu colega, Paul Ehrenreich, vir acompanhado de seu nome foi logo interpretado como prova da origem figurativa dos motivos gráficos (Déléage, 2015Déléage, Pierre. (2015). The origin of art according to Karl Von den Steinen. Journal of art history, 12, p. 1-50. Disponível em: Disponível em: http://www.berose.fr/IMG/pdf/deleage.pdf . Acesso em: 21 set. 2023.
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: 4).

Boas iniciou suas pesquisas com esta hipótese em mente, mas, ao se deparar, nas pesquisas com grupos indígenas no Norte dos Estados Unidos, com a inconstância dos nomes atribuídos aos motivos, chegara logo à conclusão de que os nomes eram fenômenos secundários e muito menos estáveis do que as formas. Em seu livro Arte Primitiva, de 1928, Boas retoma a discussão da virada do século para mostrar como essa leitura evolucionista dos grafismos e das figurações indígenas contemporâneas enquanto testemunhos das origens da arte e do desenho se baseava em pressupostos equivocados, primeiro por supor que povos e suas artes contemporâneas são sobrevivências do nosso passado, e segundo por considerar que a evolução estilística se dá sempre em uma só direção, da figuração à abstração, ou no sentido contrário. Boas mostrará, assim, que a estabilidade ou variabilidade das formas precisa ser examinada de forma independente da variabilidade dos nomes, cuja atribuição se deve, muitas vezes, segundo o autor, ao fenômeno do “reading in of meaning” [projetar um sentido sobre uma forma] (Boas, 1955; Lagrou, 1991Lagrou, Els. (1991). Entre a cobra e o Inca: uma etnografia da cultura kaxinawa. Dissertação de Mestrado. PPGAS/UFSC.).

Ao negar a função simbólica ou representativa dos nomes dos motivos, a escola de Franz Boas e os etnólogos alemães acabaram perdendo o interesse pelos nomes dos repertórios ornamentais, que possuem, no entanto, uma notável recorrência. A explicação para essa recorrência, encontrada em Déléage (2015Déléage, Pierre. (2015). The origin of art according to Karl Von den Steinen. Journal of art history, 12, p. 1-50. Disponível em: Disponível em: http://www.berose.fr/IMG/pdf/deleage.pdf . Acesso em: 21 set. 2023.
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, 2007Déléage, Pierre. (2007). Les répertoires graphiques amazoniens. Journal de la Société des Américanistes, 93/1, p. 97-126.), é que ela teria tão somente uma função mnemônica de memorização da gramática técnica dos motivos, não tendo a relação entre nome e motivo outra importância senão a de indicar a diferença entre um motivo e outro. No entanto, um olhar mais detido na recorrência dos nomes de motivos em cantos rituais, que evocam temas mitológicos, mostra que os nomes são ao mesmo tempo mais do que “simples” nomes de padrões, e nem por isso figurações miméticas, constituindo legítimos sistemas independentes de veiculação de informações processuais e relacionais, que só ganham sentido através de uma pesquisa intersemiótica (Lagrou, 2013Lagrou, Els. (2013). Podem os grafismos ameríndios ser considerados quimeras abstratas? In: Severi, Carlo & Lagrou, Els (org.). Quimeras em diálogo: grafismo e figuração nas artes indígenas. Rio de Janeiro: 7Letras ., 2021Lagrou, Els. (2021). A meditation on time: Pattern and relational ontologies in Northwestern Amazonia. In: Küchler, Susanne & Fortis, Paolo (ed.). Time and its object. London: Routledge , p. 110-128., 2022Lagrou, Els. (2022). Visual thought processes in an inter-semiotic perspective: Patterns and relational thinking in Amazonia. In: Wengrow, David (ed.). Image, Thought, and the Making of Social Worlds. Freiburg: Propylaeum, p. 39-60.).

O segundo ponto de interesse dos teóricos de arte da época dizia respeito às origens da figuração. Pelo fato de os desenhistas indígenas não terem experiência com a técnica do desenho em papel, supunha-se que se tratava de “desenhos espontâneos”, comparáveis nesse quesito a desenhos de crianças que ainda não haviam chegado na idade da escolarização, e em consequente formatação da lógica representacional. Baseado nesta hipótese e nesta comparação, von den Steinen desenvolverá, no capítulo dez do seu livro Entre os aborígenes do Brasil Central (1940: 300 apud Déléage, 2015Déléage, Pierre. (2015). The origin of art according to Karl Von den Steinen. Journal of art history, 12, p. 1-50. Disponível em: Disponível em: http://www.berose.fr/IMG/pdf/deleage.pdf . Acesso em: 21 set. 2023.
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: 11), uma teoria sobre a figuração como sendo comunicativa na sua origem. Os desenhos indígenas e infantis visariam antes descrever um ser em sua integridade literal do que representá-lo mimeticamente (Déléage, 2015Déléage, Pierre. (2015). The origin of art according to Karl Von den Steinen. Journal of art history, 12, p. 1-50. Disponível em: Disponível em: http://www.berose.fr/IMG/pdf/deleage.pdf . Acesso em: 21 set. 2023.
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: 10). Como salienta Déléage, é na ideia de que estes desenhos poderiam de alguma maneira ser totalmente espontâneos que residia o tendão de Aquiles da instigante teoria de von den Steinen, que mostra um modo muito específico de figurar que foge da representação realista e mimética, aproximando-se da descrição narrativa.

Talvez seja essa qualidade comunicativa da figuração indígena a razão da facilidade com que xamãs indígenas, da América do Norte à Sul, inventaram escritas-imagens figurativas que acompanham a transcrição alfabética dos seus cantos rituais. Nesses casos, em que a lógica imagética acompanha e complementa a escrita, os xamãs não usam padrões gráficos, mesmo se essa tradição existir em seu povo, mas inventam uma figuração específica a acompanhar os cantos transcritos (Severi, 2007Severi, Carlo. (2007). Le príncipe de la Chimère. Paris: Musée du quai Branly.; Cesarino, 2011Cesarino, Pedro de Niemeyer. (2011). Oniska: Poética do xamanismo na Amazônia. São Paulo: FAPESP.). Vemos, assim, que figuras podem acompanhar a escrita, mesmo se seguirem uma lógica distinta da figuração letrada, ao passo que o grafismo indígena não convive com a escrita alfabética, pelo contrário, parece substitui-la, contrapondo-se a ela, por ser considerado equivalente. Muitos são os povos indígenas que possuem dois conceitos distintos para pensar seus desenhos, diferenciando claramente a figuração do grafismo. E, onde isso ocorre, quase sempre associam o grafismo à escrita, chamando-a “nossa escrita”, e diferenciando-a da “escrita do branco”, como fazem os Huni Kuin ao diferenciarem seu kene kuin, o grafismo de verdade, do nawan kene, a escrita do branco.

Ainda com relação à figuração em território indígena, é importante atentar para o fato de que, por mais que a figuração, na forma de desenhos bidimensionais sobre superfícies diversas, seja menos comum entre os povos indígenas das terras baixas da América do Sul do que os grafismos compostos de padrões geométricos, ambas formas de desenho sempre coexistiram. Também deve-se ressaltar que a figuração segue uma lógica própria, que é aprendida e especificada, da mesma forma que ocorre com os motivos gráficos, sendo em alguns casos extremamente minimalista, ou simbólica, e em outros mais mimética, até mesmo eidética, como que refletindo a imagem gravada na retina.

A “técnica etnográfica” de dar papel e lápis aos indígenas fez história, e foi assim que Lévi-Strauss não somente se surpreendeu ao perceber que o chefe nambikwara não sabia desenhar (Lévi-Strauss, 1955Lévi-Strauss, Claude. (1955). Tristes Tropiques. Paris: Gallimard; Bibliothèque de la Pléiade.; Déléage, 2015Déléage, Pierre. (2015). The origin of art according to Karl Von den Steinen. Journal of art history, 12, p. 1-50. Disponível em: Disponível em: http://www.berose.fr/IMG/pdf/deleage.pdf . Acesso em: 21 set. 2023.
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), mas também descobriu o quão diferente era a concepção da relação entre suporte e grafismo das desenhistas kadiwéu em comparação com a sua. Foi ao perceber que a desenhista adaptou o formato do rosto ao grafismo, em vez de adaptar o grafismo ao rosto, que Lévi-Strauss deu os primeiros passos na direção do que poderíamos chamar de uma antropologia gráfica reversa (Lévi-Strauss, 2008Lévi-Strauss, Claude. (2008). Antropologia estrutural. São Paulo: Cosac Naify.: 271).

Figura 2
Desenho feito por mulher kadiwéu (1935)

Essa leitura já tinha sido esboçada por Boas na sua análise da “representação desdobrada” na arte da Costa Noroeste da América do Norte. Boas interpretou essa característica estilística como uma consequência lógica da passagem da representação tridimensional para a bidimensional, na qual o artista segue a lógica da completude em detrimento da imitação realista: todas as partes do corpo do animal tinham que estar presentes para presentifica-lo, enquanto, em outro contexto gráfico, uma mera silhueta bastaria para evocá-lo. Assim, quando se representa um urso sobre uma caixa, é como se o animal fosse dissecado em dois e sua pele esticada sobre a caixa retangular, distribuindo as partes do corpo sobre a superfície da caixa. A organização do espaço gráfico do manto heráldico leva essa lógica ainda mais longe, espalhando as partes do corpo do animal representado sobre a superfície plana, na forma de pictogramas altamente enigmáticos, de modo alheio à lógica anatômica (Boas, 1955).

É também na chave de uma antropologia gráfica reversa que podemos ler o que foi para Aby Warburg uma revelação quando ele comparou dois desenhos hopi por ele solicitados, respectivamente, a um xamã e uma criança: ambos representavam não o relâmpago ou a cobra, mas a cobra como relâmpago, e o relâmpago como cobra, revelando, assim, que se tratava de um só conceito, ou seja, de uma relação: a cobra se conecta com o relâmpago porque o provoca. O signo é a imagem que se torna a coisa a ser provocada. Na relação entre o desenho esotérico do sábio e o desenho espontâneo mas não por isso menos informado pela cosmologia de seu povo da criança na porta da escola, Warburg descobriu a natureza quimérica de toda imagem, a de juntar em uma só representação aquilo que é visto, e aquilo que não se vê, mas que pode ser adivinhado, e que deve ser preenchido pelo movimento interpretativo da imagem enquanto conceito, ou, para ser mais preciso, da imagem enquanto signo, traço de uma movimento, de uma relação (Warburg, 2015Warburg, Aby. (2015). Histórias de fantasma para gente grande: Aby Warburg, escritos, esboços e conferências. São Paulo: Companhia das Letras .; Lagrou, 2019Lagrou, Els. (2019). La figuración de lo invisible en Warburg y en las artes indígenas amazónicas. Estudios Indiana, 13, p. 267-292.; Severi, 2007Severi, Carlo. (2007). Le príncipe de la Chimère. Paris: Musée du quai Branly.).

Nos primórdios da nossa disciplina, a procura da origem se aliava à busca de uma ontologia da imagem, que, pensava-se, revelar-se-ia com mais nitidez onde as regras acadêmicas das Belas Artes eram desconhecidas. Esta procura pela essência da imagem foi abandonada pela antropologia assim que ela se libertou do evolucionismo do começo do século XX, mas a “fantasia primitivista”, que deposita nos povos não ocidentais a esperança de neles encontrar aquilo que o Ocidente Moderno perdeu, ainda acompanharia outras disciplinas e artes por muito tempo. Herdamos desse passado rejeitado uma atitude ambivalente com relação aos desenhos, os nossos e os dos outros, o que, no entanto, não impediu muitos etnólogos de continuarem a prática de coletar desenhos.

Assim, para melhor visualizar as informações fornecidas pelos xamãs sobre os domínios invisíveis visitados em sonhos e visões, os etnólogos continuam recorrendo ao desenho. Essa abordagem nos forneceu arquivos ricos em representações de seres invisíveis, bem como cosmogramas complexos que nos permitem visualizar os esquemas mentais evocados por imagens verbais. Belos exemplos são os desenhos coletados por Jean-Pierre Chaumeil (1998Chaumeil, Jean-Pierre. (1998). Ver, saber, poder: Chamanismo de los Yagua de la Amazonía Peruana. Lima: Caap; IFEA.) entre os Yagua, Bruce Albert (2012) entre os Yanomami, Marco Antonio Gonçalves (2001Gonçalves, Marco Antonio T. (2001). O mundo inacabado: Ação e criação em uma cosmologia amazônica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) entre os Pirahã, Pedro Cesarino (2011Cesarino, Pedro de Niemeyer. (2011). Oniska: Poética do xamanismo na Amazônia. São Paulo: FAPESP.) entre os Marubo, e Barcelos Neto (2008Barcelos Neto, Aristoteles. (2008). Aapapaatai: Rituais de máscaras no Alto Xingu. São Paulo: Edusp.) entre os Wauja, para citar apenas alguns. Outros etnólogos coletaram verdadeiras sequências pictográficas que surgiram no contexto da anotação alfabética dos cantos, como os desenhos de um aprendiz de xamã, coletados por Nordenskjöld e analisados por Carlo Severi (2007Severi, Carlo. (2007). Le príncipe de la Chimère. Paris: Musée du quai Branly.) entre os Kuna (Guna) no Panamá, ou aqueles dos índios das planícies dos Estados Unidos.

Carlo Severi analisou as correspondências entre as características das “fórmulas verbais” presentes nos cantos rituais como paralelismo, multiplicação, pequenas variações, e sequencialidade e as figuras que as acompanham e que revelam uma mesma lógica de organização espacial. Por outro lado, o autor mostra como os códigos verbal e gráfico possuem diferenças significativas: as imagens que acompanham as transcrições dos cantos não os reproduzem, representam ou repetem. Através de uma lógica de condensação, os desenhos pontuam momentos importantes de mudança de registro, podem fornecer informações adicionais, e funcionam, sobretudo, como tecnologias que ajudam na memorização dos cantos. A relação entre pictogramas e cantos rituais é, portanto, de outra natureza do que aquela entre escrita e ilustração.

A retomada sistemática do estudo dos grafismos indígenas, não mais como ornamentos, mas como sistemas simbólicos ou relacionais independentes do regime de enunciação oral, se deu principalmente em território brasileiro. Primeiro com os trabalhos de Berta Ribeiro, que aliava a análise simbólica dos nomes dos motivos ao estudo das técnicas de produção dos grafismos no trançado e na tecelagem (Ribeiro, 1985Ribeiro, Berta. (1985). A arte do trançado dos índios do Brasil: um estudo taxonômico. Belém: Museu Goeldi.), e depois com a análise do sistema gráfico kayapó-Xikrin, por Lux Vidal (1992Vidal, Lux. (1992). Grafismo indígena. São Paulo: Studio Noberl; FAPESP.), inaugurando um novo olhar para os grafismos enquanto sistemas de comunicação que dão a ver as relações entre grupos de pessoas, assim como entre momentos cruciais de passagem em suas vidas. Os padrões que aderem às peles xikrin na vida cotidiana, assim como no ritual, veiculam informações relacionais: entre pais e seu filho recém-nascido, avós e outros parentes próximos, entre grupos de homens e mulheres, entre grupos de metades etc. O estudo pioneiro de Vidal inspirou outras pesquisas de sistemas gráficos ameríndios que seguem lógicas relacionais similares, distintas ou complementares aos dos Kayapó-Xikrin, como o de Lucia Van Velthem (2003Van Velthem, Lucia Hussak. (2003). O belo é a fera: Estética da produção e da predação entre os Wayana. Lisboa: Assírio e Alvim.), que mostra como, entre os Wayana, grafismos distintos delimitam regiões cósmicas e apontam as diferenças entre humanos, animais e seres sobrenaturais (Velthem, 2003). Os grafismos nas máscaras wauja apontam para a diferença entre os seres não humanos presentes no ritual (Barcelos, 2008Barcelos Neto, Aristoteles. (2008). Aapapaatai: Rituais de máscaras no Alto Xingu. São Paulo: Edusp.), enquanto, entre os grupos de língua tupi e pano, os grafismos parecem antes conectar seres pertencentes a diferentes domínios do que separá-los (Gallois & Müller apud Vidal, 1992Vidal, Lux. (1992). Grafismo indígena. São Paulo: Studio Noberl; FAPESP.; Lagrou, 2013Lagrou, Els. (2013). Podem os grafismos ameríndios ser considerados quimeras abstratas? In: Severi, Carlo & Lagrou, Els (org.). Quimeras em diálogo: grafismo e figuração nas artes indígenas. Rio de Janeiro: 7Letras .). Outros sistemas gráficos, como os dos Siona, Jivaro ou Ashaninka, funcionam como marcas de encontros e de estabelecimento de relações duradoras com seres não humanos (Langdon, 2013Langdon, Esther Jean. (2013). Perspectiva xamânica: relações entre rito, narrativa e arte gráfica. In: Severi, Carlo & Lagrou, Els (ed.). Quimeras em diálogo: grafismo e figuração nas artes indígenas. Rio de Janeiro: 7Letras , p. 111-138.; Beysen, 2013Beysen, Peter. (2013) Kempiro: A arte gráfica dos traços fortes entre os Ashaninka do oeste Amazônico. In: Sveri, Carlo & Lagrou, Els (ed.). Quimeras em diálogo: grafismo e figuração nas artes indígenas. Rio de Janeiro: 7Letras, p. 223-245.). Vemos, assim, que nomes e grafismos, se não representam os seres aos quais se referem, possuem com estes toda sorte de relações possíveis, que deixam suas marcas nas peles das pessoas conectadas a estes outros seres pelas linhas traçadas por movimentos e conexões.

DESENHO TESTEMUNHO

Retornemos ao desenhar dos antropólogos. Eu desenhava muito durante a pesquisa de campo, e descobri que, mais do que comumente se pensa, os etnólogos desenham, seus desenhos sendo tão diversos quanto os motivos que os levam a desenhar. Mas, assim como acontece com os cadernos de campo, os desenhos que fazemos neste ambiente são muito pouco partilhados ou mostrados.2 2 Reproduzi alguns desenhos retirados de minhas notas de campo na minha dissertação de mestrado (1991), e depois inseridos no livro A Fluidez da Forma (2007). Folheando algumas etnografias clássicas, me deparei com vários desenhos feitos pelos próprios autores, quase sempre inseridos de forma discreta, como as pequenas vinhetas que abrem cada capítulo do livro Les Lances du crépuscule (As lanças do crepúsculo), de Philippe Descola (1993), ou os esboços que aparecem no artigo Vogel’s Net, de Alfred Gell (1996), realizados, segundo o autor, para fugir dos direitos de uso de imagem. No caso dos desenhos de Michael Taussig (2011:13), estes, quase invisíveis no começo, foram se tornando cada vez mais centrais na reflexão do autor sobre a escrita etnográfica. Sobre desenhos enquanto método de pesquisa na antropologia urbana, ver Kurschnir (2011) e Azevedo (2016). Quando voltei a consultar os antigos cadernos de minhas primeiras viagens de campo, me deparei com a grande quantidade de desenhos ali presentes. E assim me voltou a lembrança da importância que esta atividade teve para mim no começo de minha pesquisa, de como o desenhar me possibilitou relacionar-me quando a língua ainda era incompreensível, e provocou insights que eu levaria muito tempo para traduzir em palavras. Meu desenhar se deu em diálogo com os desenhos dos meus anfitriões Huni Kuin, e o efeito espelho desta atividade, deste fazer especular e mimético, foi muitas vezes uma imagem invertida.

Quando se trabalha durante muito tempo em um mesmo lugar, com idas e voltas, longas ausências e muitos desvios, começamos, às vezes, a duvidar da interpretação que damos às coisas aprendidas em campo. Voltar aos cadernos de campo é como voltar a ter certeza, pois permite redescobrir o testemunho do processo de aprendizado ali registrado. Ao folhear os cadernos, a relação entre as imagens me chamou a atenção: as deles, e principalmente delas, e as minhas, na mesma folha, às vezes sobrepostas, a relação entre as imagens e o texto escrito, o que me recordou como os Huni Kuin me ensinaram a olhar as imagens, as suas, as minhas, e a diferença entre elas.

Uma outra reflexão que surge tem a ver com a mutualidade do olhar no traçar de um desenho. Ao olhar os retratos que desenhei na minha primeira viagem de campo, quando fiquei cinco meses em uma mesma aldeia, sem sair e sem comunicação com o mundo de fora, me dei conta que este foi, para mim e para os Huni Kuin que me receberam em suas casas, o primeiro modo de relação que encontramos: ficamos nos olhando mutuamente, porque a maioria da população, principalmente as mulheres e as crianças, era monolíngue, não falava português. Junto dos retratos e da escrita no meu caderno vieram os padrões gráficos. A tentativa de entendê-los me acompanharia durante todo o campo.

Em I swear I saw this [ Juro que vi], Taussig (2011Taussig, Michael. (2011). I Swear I Saw This: Drawings in Fieldwork Notebooks, Namely My Own. Chicago: The University of Chicago Press.) parte de um desenho no seu caderno de viagem para pensar sobre a importância do desenhar em campo. O autor conta ter visto uma cena impactante e surreal, que para ele sintetizava tudo que se passava na Colômbia naquele momento. Era uma cena paradoxal, à qual voltará durante toda a narrativa do livro. Explica que para ele foi necessário fazer um esboço desta cena, como que para se beliscar e dizer: “não imaginei, vi”. Sentado em um táxi, na entrada do túnel de uma via expressa em Bogotá, viu o que, nesta fração de segundo, parecia ser uma mulher que estava costurando, para ela e para a pessoa ao seu lado, que lhe pareceu ser seu parceiro, uma espécie de casulo, um saco de dormir que englobaria ambos. Teria sido impossível fotografar, pela velocidade com que passou pela cena, mas teria sido também impossível descrever, sem primeiro passar pelo registro, pelo risco do desenho.

Figura 3
Desenho "I swear I saw this"

A partir desse exemplo, Taussig reflete sobre a diferença entre desenhar e fotografar, entre desenhar e escrever. Desenhar intervém de modo diferente na tentativa de dar conta da realidade. A foto captura, o desenho sugere. O desenho pode deixar passar fragmentos que evocam um mundo além. Ao desviar do real, desenhos capturam algo invisível, precioso. Para ilustrar o que apenas um desenho pode fazer, em comparação com uma foto, Taussig pensa no uso surrealista do desenho, como o desenho de Alan Ginsberg, The Great Being, feito pelo escritor depois de ter tomado ayahuasca na selva peruana. Ou, ainda, o desenho de um sonho, como aquele que Freud teve com os lobos na árvore. Desenhos são mais íntimos, alusivos e metafísicos do que fotos, diz Taussig.

Figura 4
Desenho "The Great Being"

Figura 5
Desenho "Os lobos na árvore"

Desenhos são interpretativos e seletivos, sintéticos, são modelos reduzidos (Lévi-Strauss, 1989Lévi-Strauss, Claude. (1989). O pensamento selvagem. Campinas: Papirus.). A relação entre o olho e a mão passa pelo corpo pensante, pelas conexões, sinapses, feitas pelo corpo/cérebro, e não pela máquina fotográfica, que registra quando o dedo dispara o botão. Se o corpo-câmera em movimento é um corpo em transe (Rouch, apud Gonçalves, 2008Gonçalves, Marco Antonio T. (2008). O real imaginado: Etnografia, cinema e surrealismo em Jean Rouch. Rio de Janeiro: Topbooks.; ver também Grimshaw & Ravetz, 2015Grimshaw, Anna & Ravetz, Amanda. (2015). Drawing With a Camera?: Ethnographic Film and Transformative Anthropology. Journal of the Royal Anthropological Institute, 21/2, p. 255-275.), a mão que desenha recria a realidade que imagina/ lembra. Segundo Taussig, a necessidade de desenhar vem da sensação de desespero por não poder invocar através da escrita, de forma exata, satisfatória, a realidade vivida. Parece que o principal sempre escapa. “Que trágico que cada palavra escrita vê uma f lor se transformar em sapo” (Mallarmé apud Taussig, 2011Taussig, Michael. (2011). I Swear I Saw This: Drawings in Fieldwork Notebooks, Namely My Own. Chicago: The University of Chicago Press.: 19). Cada palavra parece aumentar a distância entre você e aquilo que quer evocar. John Berger observa que a fotografia para o tempo, enquanto o desenho o engloba. Berger desenhava muito, e refletiu sobre como desenhar nos ensina a ver. Sobre o desenho do modelo vivo, Berger diz:

Cada confirmação ou negação te aproxima mais do objeto, até quando você está, por assim dizer, dentro dele: os contornos que traçou não formando mais a margem do que viu, mas a margem do que você se tornou… Um desenho é um registro autobiográfico da sua descoberta de um evento, visto, lembrado ou imaginado (Berger apud Taussig, 2011Taussig, Michael. (2011). I Swear I Saw This: Drawings in Fieldwork Notebooks, Namely My Own. Chicago: The University of Chicago Press.: 22).3 3 As traduções das citações são de minha autoria.

A ideia de que quem desenha se torna aquilo que está desenhando evoca a faculdade mimética de Benjamin (1979Benjamin, Walter. (1979). Doctrine of the Similar. composed in Berlin, early 1933. Trad. de Knut Tarnovski. New German Critique, 17, p. 65-69.). Em Mimesis and Alterity, Taussig (1992Taussig, Michael. (1992). Mimesis and alterity: A Particular History of the Senses. New York: Routledge.) já tratava do impulso benjaminiano da escrita enquanto vontade mimética de identificação com o outro. Mas o desenho parece ir mais longe. Berger associa desenhar com dançar e cantar, um pouco como Ingold fez em Lines (2007Ingold, Tim. (2007). Lines: A brief History. London: Routledge.), em que, ao explorar a linha viva do desenhar e caligrafar, aponta para seu caráter corporal, para a continuidade do movimento corporal na mão que desenha. Para Berger (2005), o desenhar possui uma corporeidade que pintura, escultura e vídeos carecem. O sentido sinestésico do desenho foi notado por vários autores: o artista usaria suas mãos como olhos, e, deste modo, o corpo inteiro se torna olho.

David Freedberg, em uma pesquisa interdisciplinar com o neurocientista Gallese (Freedberg & Gallese, 2007Freedberg, David & Gallese, Vittorio. (2007). Motion, emotion and empathy in esthetic experience. Trends in Cognitive Science, 11/5.), explora o impulso mimético e a conexão entre ver e tocar, mostrando como, ao refazer com os olhos um movimento presente no desenho, são ativadas no córtex cerebral as mesmas regiões que aquelas ativadas para desenvolver a ação em si. “Imagens só funcionam quando são ativadas, quando seu potencial para movimento é reconhecido e liberado. Isso é fundamental para o senso corporal com que investimos todas as imagens, mesmo as não-figurativas” (Freedberg et al., 2013Freedberg, David; Sbriscia-Fioretti, Beatrice; Berchio, Cristina; Gallese, Vittorio; Umiltà, Maria Alessandra. (2013). ERP Modulation during Observation of Abstract Paintings by Franz Kline, PLoS ONE, 8/10.: 48). Isso, por sua vez, “se relaciona com o poder de imagens de provocar emoções porque toda emulação de movimento sentido produz emoção” (Freedberg et al, 2013Freedberg, David; Sbriscia-Fioretti, Beatrice; Berchio, Cristina; Gallese, Vittorio; Umiltà, Maria Alessandra. (2013). ERP Modulation during Observation of Abstract Paintings by Franz Kline, PLoS ONE, 8/10.: 41).

Se aquele que olha a imagem está envolvido corporalmente, aquele que faz o desenho está ainda mais. “Desenhar é mover minha mão de acordo com o que estou desenhando e, enquanto a mão se move, o corpo também” (Taussig, 2011Taussig, Michael. (2011). I Swear I Saw This: Drawings in Fieldwork Notebooks, Namely My Own. Chicago: The University of Chicago Press.: 24). Retomando a corporeidade da qual fala Berger (2005Berger, John. (2005). John Berger, Life Drawing. In: Berger, John. Berger on Drawing. Ed. de Jim Savage. Cork: Occasional. vol. 3.), Taussig revisita suas reflexões sobre a magia simpática, na qual a imagem de algo provê ao fazedor da imagem acesso corporal ao ser retratado. Para dar vida à imagem, é preciso estar totalmente dentro dela. “A pessoa que desenha olha com uma atenção tão intensa que, de repente, algo diferente assume a direção, sua alma talvez? Ou a alma daquilo que está desenhando?” (Taussig, 2011Taussig, Michael. (2011). I Swear I Saw This: Drawings in Fieldwork Notebooks, Namely My Own. Chicago: The University of Chicago Press.: 24).

Aqui, Taussig alude à capacidade da imagem desenhada de evocar mais do que é evidente. Esta ideia, de a ontologia da imagem consistir na sua capacidade de evocar mais do que mostra, é presente também, como vimos acima, na quimera de Warburg (Severi, 2007Severi, Carlo. (2007). Le príncipe de la Chimère. Paris: Musée du quai Branly.), uma característica da imagem levada ao extremo nas imagens ameríndias, como tenho tido a oportunidade de explorar em vários textos sobre os grafismos Huni Kuin em particular, e amazônicos em geral (Lagrou, 2007Lagrou, Els. (2007). A Fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro: Topbooks ., 2012, 2013Lagrou, Els. (2013). Podem os grafismos ameríndios ser considerados quimeras abstratas? In: Severi, Carlo & Lagrou, Els (org.). Quimeras em diálogo: grafismo e figuração nas artes indígenas. Rio de Janeiro: 7Letras .). Estas imagens tendem a ser muito minimalistas. Às vezes, somente uma parte do motivo é mostrado, para que o ato do olhar complete o padrão, uma lógica gráfica que encontramos tanto na tecelagem quanto no desenho.

Figura 6
Mulher pintada, no rosto, com os motivos gráficos kene, kape hina (rabo de jacaré), xamãtxi e txere beru (olho de periquito), Alto Rio Jordão

Figura 7
Saia Huni Kuin com desenho

No caso de tecidos ou outras superfícies cobertas por padrões, o olhar é capturado para dentro do desenho. Ao tentar seguir uma linha, o olhar a perde e pula para outra, e é deste modo, dizem, que o espírito do olho pode se perder em um desenho. É por essa razão que não se recomenda a pessoas doentes dormirem em redes com desenho, porque o kene pode desenhar para a pessoa que a olha o caminho da morte. A agência do desenho, que é a língua dos espíritos segundo minha primeira mestra entre os Huni Kuin, Dona Maria Sampaio -, consiste em capturar o espírito do olho e fazê-lo passar para o outro lado da realidade perceptiva, do mesmo modo que o fazem as folhas perspectivas pingadas nos olhos para ensinar a ver desenhos, para que a moça adquira o olhar da jiboia e sonhe com ele/ela (Lagrou, 2007Lagrou, Els. (2007). A Fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro: Topbooks ., 2021Lagrou, Els. (2021). A meditation on time: Pattern and relational ontologies in Northwestern Amazonia. In: Küchler, Susanne & Fortis, Paolo (ed.). Time and its object. London: Routledge , p. 110-128.). Se mortos e vivos possuem perspectivas diferentes sobre quase tudo, o mesmo não acontece com desenho, que é o caminho que os conecta e atrai. É por isso que pessoas de luto não podem usar desenhos. Isso também vale para os desenhos Yudjá (Lima, 1996Lima, Tânia Stolze. (1996). O dois e seu múltiplo: reflexões sobre o perspectivismo em uma cosmologia tupi. Mana, 2/2, p. 21-47.).

Figura 8
Rede Huni Kuin (1995) com vários motivos, todos pertencentes ao padrão global de dunuã kate (as costas da anaconda)

Como Tim Ingold notou ao reler os exemplos de padrões labirínticos trabalhados por Gell (2001) em Art and Agency e também a partir do material ameríndio revelado por Gebhart-Sayer (1985Gebhart-Sayer, Angelica. (1985). The geometric designs of the Shipibo-Conibo in ritual context. Journal of Latin American Lore, 11/2, p. 143-75.) e Peter Gow (2001Gow, Peter. (2001). An Amazonian Myth and its History. Oxford: Oxford University Press .), existe nesse e em casos similares um deslizamento de linhas desenhadas para linhas tecidas. “As linhas aparentemente desenhadas se tornam fios que capturam o fantasma como numa teia de aranha” [The lines apparently drawn on it become threads that trap the demon as if in a spider’s web] (Ingold, 2007Ingold, Tim. (2007). Lines: A brief History. London: Routledge.: 56-57).

Figura 9
Kolam

Em grego, grafo significa, simultaneamente, desenhar e escrever (Taussig, 2011Taussig, Michael. (2011). I Swear I Saw This: Drawings in Fieldwork Notebooks, Namely My Own. Chicago: The University of Chicago Press.: 38). Também na Idade Média, escrever e desenhar andavam juntos, com desenhos nas margens dos escritos ou escritos nas margens dos desenhos, com as caligrafias que se tornavam figuras e figuras que se transformavam em letras. Lembramos aqui quantas línguas ameríndias também usam uma só palavra para desenho e escrita, como os Huni Kuin e seus parentes de língua Pano, que chamam ambos de kene. Tanto Ingold quanto Gell e Taussig chamam atenção para este fenômeno de escrita e desenho, que dançam juntos segundo as linhas do movimento corporal. Ingold desenvolverá uma análise fenomenológica a partir dessas linhas vivas, na qual linhas de som se convertem em linhas traçadas, que apontam para o corpo em movimento, e contrastará tais linhas vivas com aquelas produzidas pelas máquinas, que as engessam e separam as letras do fluxo vital que costumava engendrá-las (Ingold, 2007Ingold, Tim. (2007). Lines: A brief History. London: Routledge.).

A conexão entre linhas cantadas e desenhadas é crucial para a experiência dos Huni Kuin com ayahuasca, por eles chamado de cipó, ou, ainda, nawa huni ou nixi pae. Tenho trabalhado com esta relação intrínseca desde meus primeiros escritos, quando descobri que entre os Huni Kuin acontecia algo muito similar ao que nos anos 1980 descreviam Angelica Gebhart-Sayer (1985Gebhart-Sayer, Angelica. (1985). The geometric designs of the Shipibo-Conibo in ritual context. Journal of Latin American Lore, 11/2, p. 143-75.) e Bruno Illius (1994Illius, Bruno. (1994). La ‘gran boa’: Arte y cosmología de los Shipibo-Conibo. Amazonia Peruana, 24, p. 185-212.) para os Shipibo, parentes distantes. Recentemente tenho elaborado o assunto de modo mais sistemático, a partir da análise de corpus de cantos (Lagrou, 2018Lagrou, Els. (2018a). Copernicus in the Amazon: ontological turnings from the perspective of Amerindian ethnologies. Revista Sociologia e Antropologia, 8/1, p.133-167., 2021Lagrou, Els. (2021). A meditation on time: Pattern and relational ontologies in Northwestern Amazonia. In: Küchler, Susanne & Fortis, Paolo (ed.). Time and its object. London: Routledge , p. 110-128., 2022Lagrou, Els. (2022). Visual thought processes in an inter-semiotic perspective: Patterns and relational thinking in Amazonia. In: Wengrow, David (ed.). Image, Thought, and the Making of Social Worlds. Freiburg: Propylaeum, p. 39-60.). O cantar do xamã Shipibo concerta os desenhos borrados no corpo do paciente. Quando a malha está aberta, o paciente está vulnerável (Gebhart-Sayer, 1985Gebhart-Sayer, Angelica. (1985). The geometric designs of the Shipibo-Conibo in ritual context. Journal of Latin American Lore, 11/2, p. 143-75.). Entre os Huni Kuin, por sua vez, o canto desenha também, e cobre a pessoa com os adornos, desenhos e roupas de outros seres. No final de cada canto, no entanto, é preciso tirar esses desenhos para que a pessoa volte ao seu próprio corpo. O desenho traça também caminhos entre os seres: como entre o povo do cipó, que foi morar no céu, e os que ficaram na terra, ou entre os seres humanos e os que vivem debaixo d’água. O canto ainda conta como o desenho vai buscar a pessoa que sofre em local longínquo. Ao ouvir as linhas cantadas, o yuxin pode voltar para seu corpo (Lagrou, 2018aLagrou, Els. (2018a). Copernicus in the Amazon: ontological turnings from the perspective of Amerindian ethnologies. Revista Sociologia e Antropologia, 8/1, p.133-167., 2018bLagrou, Els. (2018b). Anaconda-becoming: Huni Kuin image-songs, an Amerindian relational aesthetics, Horizontes antropológicos, 24/51.).

Figura 10
Desenho facial Huni Kuin, Alto Rio Purus

Figura 11
Desenho Shipibo

Figura 12
Desenho visionário Arlindo Dauriano Huni Kuin

Figura 13
Desenho "Chukchee, paths in the world of the dead"

No texto de Taussig, vemos como, nos experimentos de surrealistas com a alteração da percepção, o desenho, tanto aquele pintado quanto aquele visto e evocado, volta a ganhar essa capacidade agentiva e conectiva. A experiência alucinatória seria responsável pela tremenda atenção dada ao detalhe, como no caso do grão de areia de William Blake: em cada um deles reside o universo ( Taussig, 2011Taussig, Michael. (2011). I Swear I Saw This: Drawings in Fieldwork Notebooks, Namely My Own. Chicago: The University of Chicago Press.: 94). Esse modo de percepção se aguçava tanto durante os transes que Benjamin tinha com haxixe que ele chegou à conclusão de que “ornamentos são colônias de espíritos” (Benjamin, 2006Benjamin, Walter. (2006). On Hashish. Cambridge, MA: Belknap.: 71 apud Taussig, 2011Taussig, Michael. (2011). I Swear I Saw This: Drawings in Fieldwork Notebooks, Namely My Own. Chicago: The University of Chicago Press.: 95). Como tudo isso soa familiar para quem estuda o que os indígenas têm a dizer sobre adornos, espíritos e corpos! (Lagrou, 2016Lagrou, Els. (2016). No caminho da miçanga: um mundo que se faz de contas. Rio de Janeiro: Museu do Índio. Catálogo.; Miller, 2018Miller, Joana. (2018). As Coisas: Os enfeites corporais e a noção de pessoa entre os Mamaindê (Nambiquara). Rio de Janeiro: Mauad.) O haxixe acelerou em Benjamin a compulsão de perceber semelhanças. Nos seus desenhos, Benjamin migrava livremente de uvas para vinho e do vinho para graciosos arabescos. “A transição entre palavras e imagens era mediada pelos espíritos”, dizia Benjamin (2006Benjamin, Walter. (2006). On Hashish. Cambridge, MA: Belknap.). As meditações dos iluministas nos monastérios medievais davam origem a viagens semelhantes, nas quais letras se tornavam arabescos e arabescos viravam figuras. Por vias diferentes se chega à iluminação.

Na sua experiência com yagé, na floresta colombiana, Taussig aprendeu que “ver é tornar algo real”.

Toma-se yagé para ver quem está botando feitiço contra você, para esclarecer a situação e simultaneamente para se curar. Ver o que está acontecendo muda o que está acontecendo, pelo menos no mundo do yagé. A palavra-chave usada é pinta, como em pintura, que considero ser a mesma coisa que testemunhar (Taussig, 2011Taussig, Michael. (2011). I Swear I Saw This: Drawings in Fieldwork Notebooks, Namely My Own. Chicago: The University of Chicago Press.: 82).

Tudo isso é muito próximo do que aprendi sobre o papel do desenho e da figura no mundo Huni Kuin (Lagrou, 2013Lagrou, Els. (2013). Podem os grafismos ameríndios ser considerados quimeras abstratas? In: Severi, Carlo & Lagrou, Els (org.). Quimeras em diálogo: grafismo e figuração nas artes indígenas. Rio de Janeiro: 7Letras ., 2021Lagrou, Els. (2021). A meditation on time: Pattern and relational ontologies in Northwestern Amazonia. In: Küchler, Susanne & Fortis, Paolo (ed.). Time and its object. London: Routledge , p. 110-128., 2022Lagrou, Els. (2022). Visual thought processes in an inter-semiotic perspective: Patterns and relational thinking in Amazonia. In: Wengrow, David (ed.). Image, Thought, and the Making of Social Worlds. Freiburg: Propylaeum, p. 39-60.). Desenhos, por outro lado, também aderem a corpos, ajudam a constituir peles, que se comunicam com outros corpos. A grossura das linhas e a densidade de sua malha labiríntica, que englobam o corpo, determinam a permeabilidade da pele. Quando não cobrem peles de corpos, mas aparecem em tecidos, como redes, saias ou cushmas, os motivos não terminam nas superfícies, mas sugerem ir além do suporte. Nesse caso, podem funcionar como mapas, trilhas ou armadilhas para o espírito do olho que segue seu traçado (Lagrou, 2007Lagrou, Els. (2007). A Fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro: Topbooks .; 2013Lagrou, Els. (2013). Podem os grafismos ameríndios ser considerados quimeras abstratas? In: Severi, Carlo & Lagrou, Els (org.). Quimeras em diálogo: grafismo e figuração nas artes indígenas. Rio de Janeiro: 7Letras .).

Taussig é parcimonioso com seus desenhos. Um desenho, como a costura do casulo na entrada do túnel, é como um modelo reduzido, um insight capturado a partir do qual pode-se começar a narrar, tecendo analogias entre mundos distantes no estilo único que é seu.

Alfred Gell (1992Gell, Alfred. (1992). The Technology of Enchantment and the Enchantment of Technology. In: Coote, Jeremy & Shelton, Anthony (ed.). Anthropology, Art and Aesthetics. Oxford: Clarendon, p. 40-67.) também desenhava muito. Gell tinha miopia e dizia que foi esse aspecto particular da sua visão que o levou a prestar tanta atenção aos detalhes. A mãe de Gell fazia ilustrações de plantas para publicações científicas, o que o levou desde pequeno à prática do desenho. Gell afirma que era o fato de saber desenhar o responsável pelo encantamento que obras hiper-realistas exerciam sobre ele, e, tentando refazer com seu olhar o traçado do artista, percebia que só conseguia segui-lo até certo ponto. Para além desse ponto, o antropólogo se perdia e era capturado pelo traçado que transcendia sua capacidade cognitiva. Essa será a lógica mobilizada por Gell (1998Gell, Alfred. (1998). Art and Agency: an anthropological Theory. Oxford: Oxford University Press.) para discutir o poder de captura de desenhos labirínticos que serviriam como mata-moscas para espíritos, que, ao entrarem na trama, lá se perdem e lá ficam.

Sabemos que Lévi-Strauss também reservou para o desenho e a imagem um lugar de destaque nas suas reflexões sobre a lógica do pensar. Para organizar suas Mitológicas, Lévi-Strauss produzia móbiles; Gell desenhava diagramas. A estética é, sem dúvida, um modo de pensar e de ganhar conhecimento sobre o mundo, privilegiado por Lévi-Strauss. E, se a mãe de Gell desenhava, Lévi-Strauss era filho de pai artista, um exímio pintor clássico, acadêmico, que deixou para a posteridade um belo retrato de Claude, ainda criança, num cavalinho de pau, retrato que está guardado no Museu da Infância, em Paris. Para Lévi-Strauss (1989Lévi-Strauss, Claude. (1989). O pensamento selvagem. Campinas: Papirus.), na imagem, a pessoa tem a experiência do insight, da compreensão simultânea da estrutura do objeto invocado. E é depois dessa descoberta que o pensador começará a explicar discursivamente o que foi apreendido em um relance de instante. Se o prazer estético de Gell reside na experiência de se perder, de ser capturado pela armadilha montada, o de Lévi-Strauss consiste na tranquila contemplação da compreensão e na satisfação cognitiva de imaginar as soluções que o artista teve à mão, mas teve que sacrificar por causa das opções feitas, que são sempre limitadas. O modelo reduzido, o desenho, a imagem, são ao mesmo tempo mais e menos do que a realidade.

Lévi-Strauss desenhava muito em campo. Por sorte seus cadernos sobreviveram, e, apesar de ainda não terem sido publicados, parte deles pode ser acessada de modo virtual no site da biblioteca nacional da França.4 4 Ver D’Arcier, Catherine Fèvre. 2015. Vídeo Les dessins de Claude Lévi-Strauss. https://www.youtube.com/watch?v=cdaJcRF1XYw. Como podemos ver na figura reproduzida abaixo, Lévi-Strauss dominava bem a arte do desenho, seus traços são leves e certeiros na evocação de todo tipo de animais, cujos nomes na língua indígena procurava registrar.

Figura 14
Desenhos em lápis sobre papel do caderno intitulado “Vilhena sept. 1938. Vocabulaires comparés Sabané-Tagnani”

Mas o desenho que mais chama nossa atenção, e que até recentemente era desconhecido do público, é de outro tipo, e lembra de perto os desenhos dos viajantes surrealistas, aqueles preferidos por Taussig por superarem o realismo do caderno do pesquisador de campo, “porque têm a capacidade de enveredar numa direção totalmente distinta… os desenhos aparecem como fragmentos que sugerem um mundo além, um mundo que não precisa ser registrado explicitamente e é, de fato, tanto mais completo porque não pode ser completado” (Taussig, 2011Taussig, Michael. (2011). I Swear I Saw This: Drawings in Fieldwork Notebooks, Namely My Own. Chicago: The University of Chicago Press.:13). Em uma resenha do livro Lévi-Strauss face à la catastrophe, de Salvatore D’Onofrio (2018D’Onófrio, Salvatore. (2018). Lévi-Strauss face à la catastrophe. Paris: Mimesis.), Claude Imbert (2019Imbert, Claude. (2019). Salvatore D’Onofrio, Lévi-Strauss face à la catastrophe: Rien n’est joué, nous pouvons tout reprendre. L’Homme, 230, p. 181-198.) retoma o contexto da produção desse desenho enigmático no caderno de campo de Lévi-Strauss:

[D’Onófrio] observa o momento em que Lévi-Strauss, com a expedição interrompida, fascinado pela mão comida por vermes de um de seus companheiros, desenha um amas de corpos e mãos emaranhados contra o pano de fundo de uma selva espalhando a podridão e despojada do mito naturalista. Depositou ali o insuportável como um pensamento reservado. Em seguida, retomou seu trabalho de observação. Mas a lembrança permaneceu, outra consciência se impunha, até perturbar sua madrugada com cadáveres torturados. O desenho está na capa deste livro (Imbert, 2019Imbert, Claude. (2019). Salvatore D’Onofrio, Lévi-Strauss face à la catastrophe: Rien n’est joué, nous pouvons tout reprendre. L’Homme, 230, p. 181-198.: 196).

Figura 15
Desenho da mão dilacerada

Vemos, assim, que desenhos de diferentes tipos e intensidades podem habitar os cadernos de campo de um mesmo autor. O desenho acima registra a angústia provocada em Lévi-Strauss pelo périplo e sofrimento do jovem que teve sua mão mutilada depois do disparo de sua espingarda (Lévi-Strauss, 1950: 375-376), acordando no autor a lembrança do indizível e o assombro da catástrofe que o Ocidente carregava nas suas asas e impôs ao novo mundo (Lévi-Strauss, 1955Lévi-Strauss, Claude. (1955). Tristes Tropiques. Paris: Gallimard; Bibliothèque de la Pléiade.: 454).

APRENDENDO A VER DESENHANDO

Minha primeira viagem de barco à aldeia, na companhia das famílias da aldeia anfitriã, que tinham ido buscar o dinheiro da aposentadoria dos idosos na cidade mais próxima, durou vários dias. O que eu fazia era escrever, desenhar e olhar. Não tinha coragem de tirar muitas fotos. As pessoas se aproximavam, vinham olhar o que fazia. Foi nesses primeiros dias de viagem, marcados por um certo tédio por causa do barulho do motor, que não permitia nenhuma conversa, que Dona Maria, que estava sentada ao meu lado durante a viagem inteira, me observava escrever. De repente, ela pegou minha caneta e começou a desenhar na própria mão. Dei folhas e tintas para ela. A partir deste momento, não parou mais de desenhar. Ela fez mais de 30 desenhos em 4 dias de viagem. Agosto, cunhado dela, também queria desenhar. Ela, porém, dizia que o que ele fazia não era desenho, kene, padrão gráfico, mas dami, figura, o que equivale a dizer que eram só rabiscos de brincadeira.

Também desenhei alguns retratos, que não tardaram a atrair a atenção dos tripulantes. Depois de um retrato considerado bem-sucedido, de um dos viajantes que estava dormindo, várias pessoas me pediam para fazer seu retrato: “faça meu yuxin”, diziam, yuxin sendo um conceito complexo que se pode traduzir como “alma”, “duplo”, “imagem no espelho” e “fotografia”. Mas o que queriam era um desenho. Um retrato considerado bem-sucedido, no qual se podia reconhecer uma pessoa específica, era chamado de yuxin. Quando minha tentativa de captar o duplo da pessoa falhava, diziam que era somente dami, figura.

Figura 16
Retrato de pessoa dormindo

Figura 17
Retrato de menina sentada

Figura 18
Retrato de homem adulto

Figura 19
Retrato de homem adulto com desenho facial

Há páginas nas quais eu escrevo e elas desenham, e outras nas quais desenhamos juntas, com um kene Huni Kuin sobrepondo meu dami.

Figuras 20 e 21
Desenhos feitos pela autora e mulheres Huni Kuin

No desenho reproduzido abaixo, além do kene, os contornos dos olhos, das sobrancelhas e da boca foram refeitos por minha colaboradora, Gloria.

Figura 22
Desenho feito por Maria Moises Huni Kuin e a autora

Os cadernos guardam, também, o registro das minhas tentativas de entender, por meio do exercício da cópia, a lógica dos padrões gráficos. Para ensinar os nomes dos desenhos, as mulheres pegavam meu dedo e me faziam seguir os caminhos [bai] do motivo. Cada caminho tinha seu desenho. Alguns caminhos se encontravam, outros não se tocavam. Demorei muito para aprender a ver os padrões Huni Kuin. As mulheres faziam muitos desenhos para mim, e nos desenhos mais complexos tentavam me fazer ver, apontando com o dedo, os múltiplos caminhos que ali se podia seguir com o olho. Isso era feito para mostrar os caminhos dos motivos nas redes. Os nomes são múltiplos porque múltiplos são os caminhos a seguir, as relações que se pode ver através das linhas.

Figura 23
Estudo da lógica dos padrões gráficos

Não fiquei tempo o suficiente para aprender a tecer, e muito menos com desenho. É na tecelagem que surgem os padrões mais complexos, mais labirínticos. A capacidade de tecer desenhos complexos é considerada prova de elevada inteligência e capacidade de concentração, xinã pepa. Somente mulheres se tornam ainbu keneya, mulher possuidora do desenho, apesar de termos um mito de origem no qual a primeira mestre, por morar sozinha com o filho homem, ensina sua arte a ele, que a ensinou, por sua vez, às suas parentes que moravam longe. Por isso há quem diz que na origem eram os homens que possuíam a arte do desenho. Na tecelagem, opera não somente a dinâmica da alternância entre figura e fundo, ou figura contra figura, mas também a de complexos processos de englobamento: linhas mais grossas englobam linhas mais finas, algumas não tocam, outras sim, e, quando tocam, como pude agora novamente constatar nos meus cadernos, é possível entender o encontro da linha fina por entre as pernas grossas do motivo principal como apontando para o encontro sexual (Lagrou, 2007Lagrou, Els. (2007). A Fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro: Topbooks .).

Nos meus primeiros desenhos no caderno, é possível notar que tentava reproduzir as figuras e que as linhas eram retas, não mostravam as elegantes curvas dos desenhos Huni Kuin. Foi somente ao fazer meu primeiro desenho no rosto de uma jovem mulher que aprendi a lógica da pintura corporal Huni Kuin. Na minha memória, existe uma foto dessa primeira tentativa, mas não consigo achá-la. Talvez isso se deva ao fato de nunca ter existido tal foto, porque a jovem que pintei, ao se olhar no espelho, não gostou nem um pouco do que viu e correu para o córrego para lavar o jenipapo antes que este se fixasse. Foi somente depois desse susto, dessa reprovação, espontânea e veemente, que comecei a olhar, não somente para o resultado, o padrão, mas para o processo, como se constrói uma rede de linhas que, quando bem-feita, revelará somente no final um desenho labiríntico.

Quando cheguei nos Huni Kuin, era jovem e desenhava muito, mas aos poucos fui desenhando menos, tanto na minha pesquisa quanto no meu fazer cotidiano. Taussig nota que, com a maior parte das pessoas, esse abandono do desenho é relativamente coincidente com a fase da alfabetização. Lembra também que a maioria das pessoas acha que não sabe desenhar, e por isso esconde seus desenhos. Mas é exatamente esse tipo de desenho, que não procura imitar a aparência fiel das coisas, que Taussig procura valorizar nas suas reflexões sobre o porquê do desenho etnográfico. Para desenhar, é preciso desacelerar o ritmo, é preciso ter tempo para olhar. Quando não temos tempo, tiramos fotos para olhar depois.

Mas meu abandono do retrato no campo também tem a ver com a maneira que fui aprendendo a olhar através das linhas, a não procurar mais figuras, a entender a profunda diferença entre uma figura e um padrão gráfico. A relação de Taussig com o desenho é outra, os Colombianos não o ensinaram a desenhar ou a olhar o desenho de modo diferente. Para Taussig, como para Freud e Ginsberg, a função do desenho é o de deixar o rastro da experiência, mesmo se essa estiver no âmbito do invisível, do sonho e da visão.

Ao folhear o caderno, a lembrança das pessoas que desenhei me fez pensar em uma pergunta que minha filha me fez ao ver pela primeira vez os retratos no caderno: Eles ficavam parados para você desenhar? Aqui vale lembrar o caráter relacional do olhar: para ver é preciso ser visto, e isso vale tanto para o desenhista e o retratado, quanto para o xamã e seus espíritos auxiliares. Nas palavras de Davi Kopenawa (2015Kopenawa, Davi & Albert, Bruce. (2015). A queda do céu: Palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras.): “para ver os seres-imagens, os xapiri, é preciso primeiro ser visto por eles. Eles nos olham e, deste modo, se tornam visíveis para nós”. Para ver xapiri, entre os Yanomami, é preciso se tornar um deles e ver com seus olhos. Para o mundo visionário de Yube, a anaconda, vale a mesma coisa. Para ver Yube, é preciso ver através dos olhos dele/dela/deles (Lagrou, 2018aLagrou, Els. (2018a). Copernicus in the Amazon: ontological turnings from the perspective of Amerindian ethnologies. Revista Sociologia e Antropologia, 8/1, p.133-167., 2018b). Quando estava desenhando crianças, mulheres e homens, todos devolvendo meu olhar de forma compenetrada, com toda a calma e todo o tempo do mundo, estava tentando aprender a olhar o mundo através de seus olhos. Mas foi somente ao deslocar a atenção da figura para o padrão, para a relação entre as linhas, que fui aprendendo a ver com os olhos de Sidika, mulher de Yube, mestre das mulheres desenhistas e tecelãs.

O fato de que desenhar padrões pode ser uma empreitada arriscada me foi revelado ao ver, em 2014, a muito idosa dona Chiquinha, mestre anciã famosa, tentando traçar as muitas voltas do motivo xunu kene, o desenho da samauma. Cada vez que perdia seu caminho, jogava fora o desenho e começava de novo, ficando mais pensativa com cada tentativa falhada. Perder-se no padrão labiríntico que ela mesma estava traçando era delicado, pois podia prefigurar para ela o risco de não encontrar seu caminho para a aldeia dos mortos. O dono do desenho em questão, a sumaúma, é aquele que faz escurecer a vista, em cuja copa vivem os yuxin a caminho da sua morada no céu. Enveredar-se pelos caminhos dos seus galhos é uma empreitada arriscada para pessoas idosas.

CONCLUSÃO

É impossível dizer com confidência por que essas substituições da fotografia pelo desenho são permitidas ou encorajadas. O que é certo é que desenhar intervém na avaliação da realidade de modos distintos da escrita e da fotografia. Isto me impressionou fortemente quando descobri o que é para mim um novo gênero desenhos em cadernos de campo etnográficos, particularmente meus próprios.

Michael Taussig (2011Taussig, Michael. (2011). I Swear I Saw This: Drawings in Fieldwork Notebooks, Namely My Own. Chicago: The University of Chicago Press.: 13)

É com estas reflexões que Taussig inicia seu livro sobre desenhar em campo, e nos revela ter aprendido com seus próprios desenhos um modo de olhar para o mundo que o aproxima do desenhar surrealista de outros viajantes, mais do que dos desenhos de outros antropólogos, que muitas vezes continuam procurando a reprodução do real observado.

Vimos, por outro lado, que o desenhar possui também um lado eminentemente relacional e mimético, e corporal, projetando aquele que olha para fora de si, em um processo de “devir outro” muito próximo daquele descrito por Taussig quando reflete sobre a ação da escrita e da produção do conhecimento como participando da faculdade mimética benjaminiana, na qual a vontade de saber implica uma vontade de devir-outro. Vimos como a reflexão sobre o “fazer com” se conecta com a tradição antropológica da “observação participante”, que se torna uma “participação observante” para, por fim, desembocar em uma “antropologia gráfica reversa”, que aprende a inverter o olhar. Vemos, assim, que a abertura que advém da inscrição da experiência para além da escrita possibilita uma apreensão sintética de ontologias eminentemente relacionais, como aquelas reveladas pelos grafismos indígenas, que aderem a peles e constituem as superfícies de artefatos, mostrando como formas são engendradas pelo entrelaçamento de linhas em movimento.

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  • 1
    Os desenhos e cadernos de campo dos exploradores e etnólogos da virada do século XIX para o XX têm recebido atenção na literatura recente, revelando sua importância para a etnologia russa do começo do século XX (Azevedo, 2016Azevedo, Aina. (2016). Diário de campo e diário gráfico: contribuições do desenho à antropologia. Revista de Antropologia, 2/2, p. 100-119.), para a exploração do Pacífico pelas expedições ingleses (Morton, 2018Morton, Christopher. (2018). La description graphique: Dessins et photographies dans les carnets de terrain et le travail de conservateur de Henry Balfour. Gradhiva: Revue d’anthropologie et d’histoire des arts, 27, p. 58-89.) e para a etnologia alemã.
  • 2
    Reproduzi alguns desenhos retirados de minhas notas de campo na minha dissertação de mestrado (1991), e depois inseridos no livro A Fluidez da Forma (2007). Folheando algumas etnografias clássicas, me deparei com vários desenhos feitos pelos próprios autores, quase sempre inseridos de forma discreta, como as pequenas vinhetas que abrem cada capítulo do livro Les Lances du crépuscule (As lanças do crepúsculo), de Philippe Descola (1993Descola, Philippe. (1993). Les lances du crepuscule. Paris: Terre Humaine; Plon.), ou os esboços que aparecem no artigo Vogels Net, de Alfred Gell (1996Gell, Alfred. (1996). Vogel’s Net: Traps as Artworks and Artworks as Traps. Journal of Material Culture, 1/1, p. 15-38.), realizados, segundo o autor, para fugir dos direitos de uso de imagem. No caso dos desenhos de Michael Taussig (2011Taussig, Michael. (2011). I Swear I Saw This: Drawings in Fieldwork Notebooks, Namely My Own. Chicago: The University of Chicago Press.:13), estes, quase invisíveis no começo, foram se tornando cada vez mais centrais na reflexão do autor sobre a escrita etnográfica. Sobre desenhos enquanto método de pesquisa na antropologia urbana, ver Kurschnir (2011Kuschnir, Karina. (2011). Urban Sketchers: Drawing the city: A proposal for an ethnographic study in Rio de Janeiro. Vibrant, Virtual Braz. Anthr., 8/2. DOI: 10.1590/S180943412011000200029.
    https://doi.org/10.1590/S180943412011000...
    ) e Azevedo (2016Azevedo, Aina. (2016). Diário de campo e diário gráfico: contribuições do desenho à antropologia. Revista de Antropologia, 2/2, p. 100-119.).
  • 3
    As traduções das citações são de minha autoria.
  • 4
    Ver D’Arcier, Catherine Fèvre. 2015D’Arcier, Catherine Fèvre. (2015). Video. Les dessins de Claude Lévi-Strauss. In: Institute natinal du patrimoine. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cdaJcRF1XYw . Acesso em: 21 set. 2023.
    https://www.youtube.com/watch?v=cdaJcRF1...
    . Vídeo Les dessins de Claude Lévi-Strauss. https://www.youtube.com/watch?v=cdaJcRF1XYw.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Jul 2023
  • Aceito
    09 Ago 2023
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