Resumos
Este estudo busca analisar o conhecimento de adolescentes e seus acompanhantes acerca dos seus direitos no parto. Trata-se de uma investigação qualitativa e exploratória, realizada a partir de um recorte da pesquisa intitulada “Atenção humanizada ao parto de adolescentes”. O local de estudo foi um hospital universitário do Sul do Brasil e os sujeitos foram adolescentes que tiveram partos pelo Sistema Único de Saúde no hospital investigado e seus familiares. O critério para inclusão no estudo foi conhecer pelo menos um direito da parturiente no centro obstétrico. Os dados foram extraídos de entrevistas com 10 adolescentes e 36 familiares, no período entre julho de 2008 a abril de 2009. A análise dos dados efetivou-se mediante os direitos elencados à luz do referencial do Programa de Humanização do Parto e Nascimento. O direito a um acompanhante no momento do parto foi o mais citado. Percebeu-se que existe desconsideração, por parte dos trabalhadores da saúde, acerca das informações no que se refere às indicações e escolhas dos procedimentos realizados. O desconhecimento sobre os direitos dos usuários do serviço de obstetrícia e a falta de informação e condições para cumprir as diretrizes do Ministério da Saúde por parte das instituições ainda são uma realidade. Esse achado é um convite à reflexão sobre a qualidade e a situação dos serviços públicos de saúde em relação à assistência prestada aos usuários segundo seus direitos, em especial as gestantes adolescentes na assistência perinatal.
Saúde da Mulher; Direitos da Mulher; Parto; Adolescente; Enfermagem
This study aims to analyze the knowledge of adolescents and their companions regarding their rights concerning giving birth. It is a qualitative and exploratory investigation concerning an outline of research entitled: “Humanized Attention to Adolescents´ birth”. The study took place in a Teaching Hospital in Southern Brazil, and the subjects were adolescents who gave birth in the Unified Health System in that hospital and their family members. Knowing at least one right of the parturient in the Obstetric Center was the inclusion criterion of study. Data were extracted from interviews with 10 adolescents and 36 members of their families, from July 2008 to April 2009. Data analysis was performed according to the rights described by the Humanization Program of Prenatal Care and Birth guidelines. The right to a companion at the moment of giving birth was the most frequently mentioned. It is clear that there is lack of consideration, on the part of health workers, of indications and choice of procedures applied. Furthermore, lack of awareness of obstetric services users’ rights, as well as the lack of information and conditions to meet the standards established by the Ministry of Health on the part of the institutions, prove to be the reality. This finding calls for reflection on the quality and situation of public health services in terms of assistance to the users concerning their rights, particularly pregnant adolescents in perinatal care.
Women’s Health; Women’s Rights; Parturition; Adolescent; Nursing
Introdução
Este estudo tem seu foco nos direitos da parturiente, refletindo que o respeito a eles é a principal estratégia para efetivação da humanização da assistência preconizada pelo Ministério da Saúde (MS) no Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento (PHPN), criado no ano de 2000. A principal estratégia do PHPN é assegurar a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto e puerpério, na perspectiva dos direitos de cidadania (Brasil, 2000).
Percebe-se, no interior da proposta, o conceito de humanização e qualificação da atenção em saúde no sentido de aprender a compartilhar saberes e reconhecer direitos como um processo contínuo, que demanda reflexão permanente sobre os atos, as condutas e os comportamentos de cada pessoa envolvida na relação. A qualidade da atenção exige mais do que a resolução de problemas ou a disponibilidade de recursos tecnológicos. Humanizar é muito mais do que tratar bem, com delicadeza ou de forma amigável (Brasil, 2004).
As práticas em saúde, de acordo com o MS, deverão nortear-se pelo princípio da humanização, compreendido como atitudes e comportamentos do profissional de saúde que contribuam para reforçar o caráter da atenção à saúde como direito, que melhorem o grau de informação das mulheres em relação ao seu corpo e suas condições de saúde, ampliando sua capacidade de fazer escolhas adequadas ao seu contexto e momento de vida (Brasil, 2004).
O artigo 198 da Constituição Federal e a Lei Orgânica 8080, de 19 de setembro de 1990, regulamentam o Sistema Único de Saúde e dispõem sobre o princípio do direito à informação sobre a saúde dos usuários, extensiva aos seus familiares e acompanhantes, de maneira clara, objetiva, respeitosa e compreensível, bem como a preservação da autonomia na defesa de sua integridade física e moral (Brasil, 2007).
A disponibilidade das informações poderá favorecer a compreensão das parturientes em relação aos seus direitos, fazendo com que se sintam respeitadas. Para tanto, é necessário profissionais de saúde envolvidos, comprometidos com o processo de cuidar, capazes de reconhecer o direito das parturientes em expressar suas opiniões e a sua possibilidade de fazer escolhas baseadas em seus valores e crenças pessoais, o que exige “apenas um grau substancial de entendimento e liberdade de alguma coerção, e não um entendimento pleno ou uma completa ausência de influência” (Beauchamp e Childress, 2002, p. 141).
Nesse sentido, a contribuição dos profissionais de saúde vai além de permitir o acesso à informação e aos serviços. Ela representa a possibilidade dessas usuárias exercerem sua cidadania, favorecendo a inclusão social.
Alguns passos para a realização do parto humanizado e que são considerados como direitos da parturiente são: presença de alguém da família para acompanhar o parto; o recebimento das orientações sobre o parto e os procedimentos que serão adotados; a liberdade de movimentos durante o trabalho de parto; a escolha da posição para a finalização do parto; e o relaxamento para aliviar a dor e o contato imediato mãe-bebê logo após o nascimento. É indispensável o respeito aos desejos e direitos da parturiente, incluindo conforto, segurança e bem-estar, assim como controle adequado da dor no trabalho de parto e a presença de um acompanhante escolhido pela mulher. Humanizar o parto é dar liberdade de escolhas à mulher e prestar atendimento focado em suas necessidades (Moura e col., 2007).
Para a concretização de atenção de qualidade e humanizada, é dever dos serviços e profissionais de saúde acolherem com dignidade a mulher e o recém-nascido, enfocando-os como sujeitos de direitos. Esse tipo de atenção depende da provisão dos recursos, da organização de rotinas com procedimentos comprovadamente benéficos, evitando-se intervenções desnecessárias, e do estabelecimento de relações baseadas em princípios éticos, garantindo-se a privacidade, a autonomia e o compartilhamento com a mulher e sua família das decisões sobre as condutas a serem adotadas (Brasil, 2005a).
No entanto, percebe-se no cotidiano dos serviços de saúde que, em virtude do acelerado processo técnico e científico que permeia esse contexto, a dignidade da pessoa com frequência parece ser relegada a um segundo plano (Backes e col., 2006).
Uma pesquisa realizada em um hospital universitário do Sul do Brasil revelou a restrição da participação das parturientes no processo decisório sobre o seu parto, durante o qual, embora a maioria das parturientes seja informada sobre os procedimentos, não lhes é dada a oportunidade de interferir no processo decidido pela equipe de saúde (Carvalho e col., 2012). Com isso, percebe-se que informar não é sinônimo de respeito aos direitos, pois a informação deveria servir para fortalecer o exercício da autonomia.
Outro estudo realizado com mulheres que tiveram seus partos em um hospital escola do Centro-Sul do país mostrou o domínio que os profissionais de saúde têm sobre as parturientes, negando-lhes a sua autonomia. A parturiente nessa situação foi caracterizada como o “receptáculo de uma ação autoritária, sem nenhuma possibilidade de interferir, sem poder emitir seu parecer ou fazer respeitar os seus direitos e desejos” (Wolff e Waldow, 2008, p. 148).
A partir da proposta de humanização houve valorização das inter-relações, elevando-se a um valor superlativo a busca da dignidade humana. Sob a influência do movimento de humanização, pode ser desenvolvida a integralidade assistencial no sentido do reconhecimento e da priorização da responsabilidade pela pessoa, do zelo e da dedicação profissional por alguém (Puccini e Cecílio, 2004).
Acredita-se que ainda é necessário discutir a temática dos direitos das parturientes, principalmente quando se trata de um grupo específico de mulheres, como as adolescentes. O conhecimento advindo dos achados pode contribuir para uma assistência de melhor qualidade nos serviços de saúde. Apesar do crescente acesso dos jovens às informações relacionadas à sexualidade, como métodos de anticoncepção, direitos sexuais e reprodutivos, por diversos meios, sendo o principal a mídia, pesquisas demonstram que esse conhecimento nem sempre é suficiente e necessita ser melhorado (Brasil, 2005b).
Assim, este estudo tem como objetivo analisar o conhecimento das adolescentes e seus acompanhantes acerca de seus direitos enquanto usuárias de um centro obstétrico.
Metodologia
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa e exploratória, realizado a partir do recorte de um macro projeto de pesquisa intitulado “Atenção humanizada ao parto de adolescentes”, desenvolvida na Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
O local de estudo foi um hospital universitário (HU) localizado no Sul do país. Nele não há presença da enfermeira obstétrica; a avaliação das parturientes, a prescrição da conduta, as decisões envolvendo os momentos vivenciados pelas usuárias e o parto são realizadas pelo médico. As mulheres em trabalho de parto permanecem em uma sala coletiva, com três leitos separados por cortinas e, no momento do parto em si, são transferidas para uma outra sala.
Os dados do estudo foram extraídos do banco da pesquisa principal e são referentes ao período de julho de 2008 a abril de 2009. Esse banco foi formado por meio de entrevistas individuais semiestruturadas com adolescentes que tiveram seu processo de parturição pelo Sistema Único de Saúde no HU e com os familiares que aguardavam a liberação da parturiente nesse ambiente. As entrevistas foram gravadas e transcritas com o consentimento dos sujeitos e realizadas 24 horas após a parturiente ter vivenciado o seu processo de parturição, quando ainda estavam internadas na unidade de internação obstétrica do hospital.
Foram entrevistadas 161 adolescentes e 147 familiares, sendo que 14 adolescentes não contaram com a presença de nenhum acompanhante. As questões norteadoras giraram em torno do conhecimento da parturiente e seus familiares sobre os direitos que a adolescente tem enquanto permanece no centro obstétrico e como obtiveram tais informações. A partir da identificação de pelo menos um direito da parturiente, por meio da análise das respostas a esses questionamentos, obteve-se a amostra do presente estudo, que foi formada por 10 adolescentes e 36 acompanhantes.
A análise dos dados foi realizada a partir da ordenação e organização dos direitos elencados, com a interpretação à luz do referencial teórico do PHPN em relação à atenção ao parto. Este estudo seguiu as determinações relacionadas às pesquisas envolvendo seres humanos, a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (Brasil, 1996), obtendo a anuência do Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde da FURG, por meio do Parecer 031/2008. Os participantes foram informados sobre o objetivo do estudo, solicitando o seu consentimento livre e esclarecido e assegurando o anonimato dos sujeitos, os quais foram denominados como P para as parturientes e F para familiares, seguido do número sequencial da ordem de realização das entrevistas.
Resultados
Das dez usuárias que apresentaram conhecimento sobre algum dos seus direitos como parturiente, nove referiram o direito à presença de um acompanhante e uma relatou o direito a ser informada e questionada pelos profissionais sobre os procedimentos realizados.
As seguintes afirmações ilustram os conhecimentos referidos pelas adolescentes:
[...] Eu sei que, no caso, um acompanhante eu podia ter ali dentro na hora do parto. Esse eu sabia, um eu sei, só que não deixaram. Meu marido queria ver o parto, mas não deixaram (P 12). [...] Sabia que minha mãe podia entrar, mas eles não deixaram (P 24). No caso, tem uma lei que diz que a presença do pai é fundamental e até um deputado que fez, acho que foi. Mas vai contra as regras do hospital (P 31). [...] Só pode me raspar, me cortar e fazer lavativa se eu deixar (P 27).
Em relação aos familiares, para os 36 que responderam conhecer algum dos direitos que as parturientes possuem no centro obstétrico, o mais lembrado foi o direito a ter um acompanhante de sua escolha durante o tempo de permanência no CO em trabalho de parto, citado por 26 dos entrevistados.
Dentre os familiares que sabiam desse direito, alguns tentaram usufruí-lo, porém os trabalhadores não permitiram que acompanhassem o parto nem forneceram uma justificativa para a negativa:
[...] O que eu sabia é que ela tinha o direito de escolher um acompanhante na hora do parto e eu, como pai, podia assistir o parto, que existe até uma lei. Só que na hora lá, ela me disse que não era norma do hospital, que podia existir lei, mas a lei aqui eram eles que faziam. Foi o que ela quis me dizer, que a lei aqui era ela que fazia [estava se referindo a uma funcionária do CO] (F 12). [...] Sim, sabia que podia ficar com ela lá dento, pois é lei. Só que não deixaram, pois tinham outras mulheres lá dentro (F 22). [...] O certo seria, por ela ser menor, ter acompanhamento da mãe. Eu acho que assim... como ela é menor, e eles não querem deixar entrar, pelo menos dessem informação. Mas como é direito tinham que deixar, se pode no particular [...] (F 15).
Esses familiares mostraram-se conscientes dos benefícios que adviriam caso esse direito fosse assegurado, principalmente no sentido de tranquilidade, segurança e informação sobre o que acontece com a parturiente e o bebê:
[...] Para o pai é bom, eu acho que tem que ter isso daí. Que a gente não sabe o que está acontecendo lá dentro. Aí a gente fica nervoso (F 9). [...] Sim, seria ótimo, ao menos até a pessoa... no caso tem uma pessoa para dar notícia, como é que está indo, como é que está a pessoa (F 4).
Alguns familiares fizeram referência ao direito da cliente ser tratada com carinho, respeito e atenção:
[...] Os direitos... para mim, é de ser bem tratada, serem carinhosos com ela, no caso, com todas as mulheres, porque nessa hora o que vale é o carinho e a atenção (F 5). Eu acho que os direitos eu sei: seria atenção, compreensão,... E ter mais paciência, acho que teriam que ter [...] (F 13).
O direito à informação desponta claramente no depoimento de um dos familiares:
[...] Uma coisa que eu acho que deveria ter, principalmente nessa área, principalmente aqui, humanizar, explicar para o paciente: “o que está acontecendo comigo?” [...] Claro que tu não vai assustar, mas eu sou a favor que tu expliques o que está acontecendo, o porquê que tal coisa ocorre, porque tu não te assustas! [...] Eu acho que tu tens direito de saber SIM o que está acontecendo contigo, se tu sabes que é uma pessoa nervosa, tu podes diminuir o grau, tu podes dar um jeitinho, entendesse? Mas desde que ela saiba que aquilo está acontecendo com ela, para até mesmo que ela saiba como agir (F 2).
Ao serem investigados sobre a forma como as informações acerca dos direitos expostas por eles foram adquiridas, os familiares relataram ter sido através de revistas ou comentários de familiares ou conhecidos.
Por pessoas que já passaram por ali (F 9).
Li na revista Meu Bebê (P 27).
[...]Meu cunhado era do Conselho Tutelar e ele mesmo falava(F 3).
Discussão
O conjunto dos dados analisados surpreende pelo fato de praticamente todas as adolescentes entrevistadas evidenciarem desinformação acerca de seus direitos enquanto parturientes, assim como apenas um pequeno percentual de familiares deterem esse conhecimento.
Segundo a publicação Maternidade segura, da Organização Mundial da Saúde (OMS), as parturientes têm muitos direitos, entre eles: estar acompanhada durante o trabalho de parto e o parto por alguém de sua escolha; ser informada pelos profissionais sobre os procedimentos que serão realizados com ela e o bebê; adotar a posição que desejar no momento da expulsão; caminhar e fazer movimentos durante o trabalho de parto; receber líquidos e alimentos durante o trabalho de parto, sem excessos; receber massagens ou outras técnicas relaxantes; utilizar roupas confortáveis durante o trabalho de parto; tomar banhos mornos; receber o bebê para mamar imediatamente após o parto; ser chamada pelo nome e conhecer a identidade dos profissionais que a estão atendendo (OMS, 1996).
Além da publicação da OMS, as parturientes têm seus direitos assegurados pela Carta dos direitos dos usuários da saúde, que diz que o usuário pode consentir ou recusar de forma livre, voluntária e esclarecida, depois de adequada informação, a quaisquer procedimentos diagnósticos, preventivos ou terapêuticos (Brasil, 2007).
O direito a um acompanhante no momento do parto foi o mais citado pelos entrevistados. A Lei 11.108/2005, ou Lei do Acompanhante, garante o direito de toda mulher grávida ser acompanhada durante o pré-parto, parto e pós-parto (Brasil, 2005c). A escolha dessa pessoa fica a critério da parturiente e deve sempre ser respeitada. Evidências científicas mostram que a presença do acompanhante contribui para a melhoria dos indicadores de saúde e do bem-estar da mãe e do recém-nascido (Merighil e col., 2007).
No entanto, esse direito muitas vezes é desrespeitado. Uma das justificativas para não cumprir a legislação pode ser a infraestrutura física inadequada, que não favorece a privacidade das parturientes e a presença de acompanhantes. As limitações do espaço físico são fatores que dificultam a implantação dessas rotinas no centro obstétrico investigado, uma vez que as mulheres em trabalho de parto permanecem em uma mesma sala. Essa dificuldade foi igualmente realçada em estudo no qual aparece a inserção do acompanhante dificultada ou, na maioria das vezes, impedida como forma de assegurar a privacidade das mulheres internadas em unidades com limitado espaço físico (Mccallum e Reis, 2006).
Mesmo assim, a estrutura física não pode ser considerada como o único impedimento para que a legislação seja cumprida, pois entende-se que devem existir momentos nos quais o acompanhante poderia permanecer junto com a parturiente sem causar constrangimentos às demais mulheres internadas. Além disso, não se pode deixar de efetivar algo que está previsto na legislação; a operacionalização dos serviços deve se dar de forma a poder cumprir com a lei.
Segundo Motta e Crepaldi (2005), a participação do pai no nascimento do seu filho é um direito, um direito de cidadão, que ele exerce se assim o desejar. Em contraposição, o isolamento e abandono da mulher no momento do parto são elencados como manifestação de violência institucional e uma violação do direito humano.
Há de se considerar que a presença de um acompanhante não é favorável somente para as parturientes. Os trabalhadores da saúde também podem se beneficiar dessa presença, interagindo com o acompanhante e fornecendo orientações necessárias no momento da internação da parturiente, para que essa pessoa desempenhe o papel de provedor de suporte (Tavares e Gaiva, 2003). E para aqueles casos em que realmente não exista a possibilidade de assegurar a presença de um acompanhante, os profissionais deveriam manter um canal contínuo de comunicação com os familiares, garantindo informações acerca do processo assistencial que se desenrola no interior do CO (Enderle e col., 2012).
Outro direito que as parturientes têm é o de respeito à autonomia. Esse é de todo o usuário de serviços, sendo incontestável na área da saúde. A autonomia é “o direito dessa pessoa de ter suas opiniões, fazer suas escolhas e agir com base em valores e crenças pessoais” (Beauchamp e Childress, 2002, p. 142).
Identifica-se que, por causa do desconhecimento das ações preconizadas pelo Ministério da Saúde, as parturientes contentam-se com a assistência recebida e não reivindicam nenhum dos direitos que estão assegurados por lei. Ninguém questiona aquilo que não conhece, então, como podem reivindicar um direito que não sabem ter?
Muitas vezes percebe-se que esse direito é desrespeitado pelos trabalhadores da saúde que acreditam serem detentores do conhecimento e, em vista disso, creem poder fazer as escolhas mais adequadas aos usuários. Com isso, apreende-se a existência de uma relação de poder dos trabalhadores da saúde sobre a parturiente. De acordo com Longo e colaboradores (2010), se estabelece uma relação de poder sobre o parto e o corpo da mulher, com o domínio da situação por parte da equipe de saúde, que pode excluir o acompanhante sem uma justificativa plausível para que ele não permaneça junto à gestante. Segundo Dreyfus (1995), essas estratégias são meios utilizados para se conseguir vantagem sobre o outro, ou seja, meios para criar e perpetuar o poder.
Algumas vezes os trabalhadores demonstram desinteresse em informar e transmitir conhecimento aos usuários. Isso se justifica pelo fato de que se os usuários tiverem mais conhecimento poderão ser mais críticos e exigentes, o que redundará na possibilidade de o trabalhador perder o poder de tomar decisões sozinho, além de ser mais cobrado na sua prática diária.
A informação é primordial quando se fala no respeito ao direito da autonomia, pois essa implica em capacitar o indivíduo a agir autonomamente (Beauchamp e Childress, 2002). Nesse caso, se as mulheres estivessem cientes dos seus direitos, talvez fossem mais exigentes, menos passivas, mais atuantes e menos submissas.
Foi possível reconhecer, por meio dos depoimentos dos familiares, que as informações relativas aos procedimentos a serem realizados, bem como suas indicações, são raramente repassadas às gestantes pelos trabalhadores da saúde. E isso causa certa estranheza no momento em que, em estudo desenvolvido na mesma instituição desta pesquisa, com os profissionais atuantes no centro obstétrico, houve uma associação direta da qualidade da atenção com o direito da parturiente às informações e orientações durante o trabalho de parto e parto (Busanello e col., 2011).
O respeito à autonomia envolve o reconhecimento de uma obrigação fundamental de assegurar igualmente aos usuários dos serviços de saúde o direito de escolherem ou não, assim como de aceitarem ou recusarem, a informação sobre seu estado de saúde e os procedimentos necessários (Zaboli e Sartório, 2006).
Ao se falar do direito de informação, percebe-se que esta é uma forma do trabalhador da saúde contribuir para o empoderamento das parturientes. O empoderamento é entendido como o “desenvolvimento de potencialidades, aumento de informação e percepção, com o objetivo de que exista uma participação real e simbólica que possibilite a democracia” (Wendhausen e col., 2006, p. 133).
Sendo assim, para que exista uma real participação da parturiente no processo decisório sobre seu parto é necessário prepará-la para tal momento. Essa preparação é de responsabilidade dos trabalhadores da saúde, principalmente daqueles que desenvolvem assistência pré-natal. Um estudo realizado com um grupo de gestantes e casais grávidos provou a necessidade de serem ofertadas informações às gestantes. Após a passagem pelo grupo, as gestantes ampliaram seus conhecimentos e perceberam que tinham uma possibilidade maior de reivindicarem seus direitos. Com a educação grupal, as gestantes sentiram-se capazes de assumir o protagonismo na cena do parto, havendo um fortalecimento da sua autonomia (Zampieri e col., 2010).
O PHPN contribuiu significativamente para o fortalecimento dos direitos das gestantes ao reconhecer que assegurar assistência às mães e crianças vai além da oferta de tecnologia apropriada, baseada na evidência científica. Com isso, a humanização do parto inclui o respeito à escolha do local, das pessoas e das formas de assistência ao parto; a preservação da integridade corporal de mães e crianças; o respeito ao parto como experiência altamente pessoal, familiar; e a proteção contra abuso e negligência (Dávila e col., 2006).
Outro fato que chama a atenção é que um dos entrevistados comenta haver uma diferenciação no atendimento das parturientes do SUS e do serviço particular. Isso causa preocupação, pois outro princípio ético vem sendo infringido, ou seja, a justiça. Na atenção à saúde é imprescindível que as mulheres tenham um “tratamento justo, equitativo e apropriado, levando em consideração aquilo que é devido às pessoas” (Beauchamp e Childress, 2002, p. 352). O princípio de justiça é reforçado no código de ética da enfermagem como uma das responsabilidades e deveres deste profissional, além de compromisso, equidade e competência, entre outros (Cofen, 2007).
Um fator de destaque no estudo foi a maneira como as mulheres obtiveram informações sobre seus direitos. Nenhuma relatou que tais informações tenham sido adquiridas por meio de fontes realmente seguras e confiáveis, como uma consulta de pré-natal. Em geral, uma assistência pré-natal baseia-se em receber informações sobre a gestação e o parto, poder falar de sua experiência como gestante com o profissional e tirar dúvidas durante a consulta. Entende-se a atenção pré-natal, no cenário das demais intervenções voltadas para promover a saúde das mulheres, como estratégia necessária e de fundamental importância.
O direito à atenção da equipe durante o trabalho de parto, que foi outro elemento destacado nos depoimentos, é um importante fator para o alcance da satisfação das usuárias e dos familiares com a assistência recebida. Entende-se que quando um membro da equipe de saúde estabelece um vínculo com a parturiente esta se sente acolhida e cuidada. Puccini e Cecílio (2004) consideram a desatenção uma forma de agressão: “Num mundo de muitos potes de mágoa e sofrimentos, qualquer desatenção, particularmente, quando o assunto é o próprio corpo, a própria vida, torna-se de forma abrupta uma questão agressiva” (p. 1351).
Estudo realizado com puérperas em uma cidade do estado da Bahia revelou que elas consideraram a atenção recebida como desqualificada pelo fato de não terem tido à disposição profissionais que as escutassem, sendo que muitas vezes as mesmas foram tratadas com frieza e impessoalidade. Esse tipo de atendimento foi considerado pelas parturientes como um ato de desrespeito e agressão, distantes da atenção que idealizavam receber (Santos e col., 2011).
No presente estudo pode-se considerar diminuído o nível de exigências em relação ao que poderia ser um atendimento de qualidade em vista do baixo acesso das usuárias aos seus direitos. Sabe-se que não se pode exigir ou cobrar aquilo que não se reconhece como tal.
Considerações finais
Nesta pesquisa foi observado que, lamentavelmente, o desconhecimento acerca dos direitos dos usuários dos serviços de saúde, neste caso, do serviço de obstetrícia, e a falta de informação e condições de cumprir as diretrizes do Ministério da Saúde por parte da instituição pesquisada ainda é uma realidade. Tal achado é um convite à reflexão sobre a qualidade e situação dos serviços públicos de saúde em relação à assistência prestada aos usuários segundo seus direitos, em especial às gestantes adolescentes na assistência perinatal.
Esse fato se revela, através das entrevistas, pelo número quase absoluto de adolescentes que não detinham conhecimento sobre os seus direitos como parturientes. Percebe-se, então, o prejuízo dessa clientela acerca dos benefícios que esses conhecimentos lhe trariam, assim como a possibilidade de reivindicá-los.
Evidencia-se, também, a passividade das usuárias do estudo frente ao atendimento que lhes é oferecido. Tal configuração diminui as chances de mudanças do modelo assistencial existente naquela instituição.
Para mudar a prática em relação ao nascimento é preciso humanizar a assistência no pré-natal e no parto, e isso pode começar por prestar maiores informações à parturiente e aos seus familiares, permitindo melhor participação da família no processo de nascimento.
A legislação reconhece e os estudos científicos comprovam a importância da participação da família durante o trabalho de parto. O maior envolvimento dos familiares no cuidado à parturiente traz muitas mudanças na organização das unidades de centro obstétrico. Essa reorganização do ambiente hospitalar requer mudança no foco da assistência, passando de centrado no serviço, na rotina imposta, para ser centrado na gestante, e na família. Como os trabalhadores da saúde são os responsáveis pela organização do ambiente de cuidado no hospital e a família encontra-se fragilizada, pela internação hospitalar de suas filhas/esposas/companheiras, na maioria das vezes, fica à mercê das decisões dos trabalhadores. Com isso, torna-se necessário, integrar os familiares ao processo de cuidado da adolescente parturiente na instituição investigada.
Essa participação deveria ser discutida entre família e equipe e planejada conjuntamente, de acordo com o preparo, desejo e disponibilidade familiar. O cuidado humano é a melhor estratégia de que a equipe de saúde e as famílias dispõem para auxiliar as gestantes nesse momento. Assim, tornar o momento do parto menos traumático, de forma a ser como mais uma experiência de vida ao longo do seu processo de crescimento e desenvolvimento, é um desafio a ser construído por todos os trabalhadores da saúde.
Nesse sentido, reforça-se a importância e as vantagens de se ter conhecimento sobre os direitos como usuários dos serviços de saúde públicos. A enfermagem, especificamente, tem um papel central nesse contexto, pela sua formação acadêmica direcionada às questões educativas. Mas parece que está faltando colocar em prática esse papel educativo no interior da instituição pesquisada.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
apr-jun 2014
Histórico
-
Recebido
23 Ago 2012 -
Revisado
03 Mar 2013 -
Aceito
22 Jul 2013