Resumo
Apesar do crescente reconhecimento público da sua incompletude e da necessidade de a fazer dialogar com outros saberes, a biomedicina continua a figurar como metanarrativa, como modelo médico epistemologicamente superior, definidor e regulador do que se entende por “saber médico”. É na persistência dessa representação de superioridade que reside um dos grandes obstáculos - senão mesmo o maior - à criação de uma efetiva ecologia de saberes no campo dos cuidados de saúde. Com base numa revisão da literatura sobre o tema, este artigo toma justamente por objetivo a desconstrução da versão essencialista da superioridade biomédica, evidenciando o modo como essa suposta superioridade é, na verdade, decorrente de um complexo quadro sociocultural de produção histórica. Assim, revisitando a literatura existente, o artigo desenvolve perspectiva condensada em torno dos principais pilares da construção do poder hegemónico da biomedicina no contexto da modernidade ocidental, a saber: (1) a ligação umbilical da biomedicina à ciência moderna e à sua trajetória de colonização; (2) o processo de anatomoclínica e o modo como, por esse processo, a biomedicina se estabeleceu como poder normativo/regulador, passando a auferir legitimidade e proteção por parte dos Estados; (3) a suposta maior eficácia da biomedicina no quadro de sua maior compatibilidade com os novos imperativos capitalistas; e (4) a constituição de forte movimento profissional biomédico e suas estratégias de fechamento na construção de sua hegemonia.
Palavras-chave: Biomedicina; Metanarrativa; Poder Hegemónico; Desconstrução Sociológica; Ecologia de Saberes